Por Jairo Saddi

Doutor em Direito Econômico pela USP. Pós-Doutorado pela Uni... ver mais

A modificação da Lei Falimentar

Devemos torcer para que debate sobre que não houve na Câmara agora aconteça de forma ampla e democrática no Senado


Aprovado em 26 de março último, na Câmara dos Deputados, o PL 03/24, com versão final assinada pela relatora, deputada Dani Cunha (União-RJ), vai ao Senado Federal (PL 3-B/2024). Devemos torcer para que o debate que não houve, ainda que tramitasse em regime de urgência, agora aconteça de forma ampla e democrática sobre tema de tamanha importância: a modificação da Lei Falimentar.

Muito já se discutiu sobre alguns de seus temas centrais, como o gestor fiduciário como substituto do administrador judicial no processo falimentar, sua nomeação, remuneração, o âmbito de seu mandato e suas competências, especialmente para alienação de bens da massa. É necessário um debate muito maior das vantagens e desvantagens de cada um dos seus pontos, despido, porém, de paixões e interesses, para que o processo falimentar seja realmente mais eficiente e sem bordões sonoros, mas vazios, de moralidade e justiça.

O primeiro aspecto que precisa ser enfrentado é quanto ao Fisco. Além de provisões abstratas, há, no substitutivo aprovado, a mudança na Lei das Transações (Lei 13.988/20) para aplicar descontos máximos aos créditos devidos ao Fisco e considerados sem controvérsia no âmbito de processos de recuperação judicial, liquidação judicial ou extrajudicial e falência e também às sociedades em recuperação extrajudicial. Aqui, deve prevalecer desconto de 65% do valor total dos créditos objeto da transação ou de 70% se for microempresa ou empresa de pequeno porte, quando a dívida ativa decorrer de processo administrativo encerrado ou de ação judicial transitada em julgado; possibilidade de uso de direitos creditórios contra a União (como precatórios cedidos por terceiros) para antecipar a liquidação do crédito e abater do total apurado; uso de prejuízo fiscal e de base negativa da CSLL para abater 70% do saldo remanescente da dívida após aplicados os descontos.

Em outras palavras, apesar de o Fisco ter privilégio no recebimento dos créditos, há descontos automáticos, o que torna o pagamento de impostos algo remotamente obrigatório, já que se institucionaliza o calote com base no esdrúxulo princípio de que é o credor que deverá informar ao devedor o cálculo com o maior desconto possível, que poderia ser obtido em programas de incentivo à regularização ou transação tributária vigentes.

Um dos temas não explicitados no projeto é o fim dos processos falimentares e, como tudo, falências deveriam ter um fim. Atualmente, há extinção das obrigações do falido, pelo artigo 158 da Lei 11.101/05, que afirma que estas serão extintas ao término do processo de falência somente com o pagamento integral dos créditos, ou mediante o pagamento de mais de 50% dos créditos quirografários, exaustão de ativos e, neste caso, depois do decurso do prazo de cinco anos contados do encerramento da falência, caso o falido não tenha sido condenado por crime falimentar, ou dez anos, se tiver havido condenação.

Há uma estranha proposta de regra de transição em que, para as falências ou recuperações judiciais em curso, e em falências com processos de menos de três anos, o administrador ficará na função até se completar esse tempo. Naquelas com mais de três anos e menos de seis anos de processo, a assembleia de credores deverá decidir pela continuidade ou não do administrador pelo período restante até seis anos.

É necessário debate muito maior, despido de paixões e interesses, para que processo falimentar seja mais eficiente

Finalmente, para aqueles processos com mais de seis anos e ainda em andamento, o juiz deverá nomear novo administrador. Já se sabe que simplesmente não existem AJs ou gestores fiduciários disponíveis para a quantidade de falências, como apontou Eronides Aparecido Rodrigues dos Santos (“Urgência, debate e democracia: dilema do PL 03/24 sobre falências empresariais”, Conjur, 26/03), que descreve que o impacto direto na substituição dos administradores judiciais, só em SP, em levantamento feito com dados públicos disponíveis no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), chegará a 646% se o PL for aprovado pelo Senado.

É preciso modernizar o processo falimentar. Desde o Decreto 917/1890, a Lei 2.024/1908, o Decreto-Lei 7.661/1945 e a atual Lei 11.101/2005, discute-se o poder sobre o processo falimentar, se do Estado ou do Credor, em movimentos pendulares, ora para um lado, ora para o outro, como agora. O Prof. Nelson Abrão, sobre o último diploma de 1945, listava as principais características inovadoras então: (a) a impontualidade como caracterizadora da falência e os chamados atos falimentares, a exemplo do Direito inglês; (b) a supressão da concordata amigável, admitida só a judicial; (c) a conceituação dos crimes falimentares e (d) a escolha de um até três síndicos, conforme o valor da massa, entre os maiores credores. A reforma da Lei em 2005 voltou o pêndulo em muitas dessas matérias.

Oliver Hart, Prêmio Nobel de Economia em 2016, afirmou que podem ser estabelecidas três metas principais concernentes a bons procedimentos falimentares: (a) ceteris paribus, um bom procedimento falimentar deve resultar numa solução ex post eficiente; (b) um bom procedimento falimentar deve preservar os efeitos vinculantes das dívidas e penalizar os administradores e acionistas causadores do problema aos credores nas várias fases do processo; (c) um bom procedimento falimentar deve oferecer, no entanto, incentivos, de modo que, ao preservar as prioridades relativas, conte com o apoio dos acionistas e dos trabalhadores, ou, ao menos, que os interessados não atrapalhem uma solução em que, ao término do processo, haja mais ganhadores do que perdedores. É o que uma boa reforma deve buscar.

Jairo Saddi é advogado em São Paulo e escreve mensalmente às segundas-feiras.

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