Educação digital é chave para avançar

O atraso no desenvolvimento profissional e a baixa escolaridade são obstáculos para o país obter êxito no novo ambiente de negócios

Por Dauro Veras, para o Valor


A tecnologia será o principal propulsor da transformação dos negócios nos próximos cinco anos, indica o “Relatório sobre o futuro dos empregos 2023”, divulgado em maio pelo Fórum Econômico Mundial. Espera-se que 23% dos empregos sejam impactados, com a criação de 69 milhões de postos de trabalho e a eliminação de outros 83 milhões, uma redução de 2% no conjunto de dados analisado. Economias com crescimento mais lento, escassez de oferta e inflação alta terão mais dificuldades para enfrentar as mudanças.

Em sua quarta edição, o relatório traz a perspectiva de 803 empresas, que empregam 11,3 milhões de trabalhadores em 27 setores de 45 economias em todas as regiões do mundo. Duas macrotendências são apontadas como as de maior relevância para 85% das organizações: o uso crescente de novas tecnologias de ponta e a ampliação do acesso digital. Quase três quartos das empresas entrevistadas esperam adotar a IA até 2027.

Big data está no topo da lista de tecnologias emergentes. Espera-se crescimento de 30% na contratação de analistas e cientistas de dados, especialistas em aprendizado de máquina de IA e profissionais de cibersegurança. Duas áreas com alta demanda são educação, que deve crescer 10%, e agricultura, que pode dar um salto de até 30%, resultando em quatro milhões de vagas até 2027. O investimento em transição verde e mitigação das mudanças climáticas deve empregar mais um milhão de especialistas em sustentabilidade.

Nesse cenário, o Brasil corre o risco de ficar para trás se não superar os desafios da desigualdade de acesso à educação, internet e equipamentos, alerta o estudo “O abismo digital no Brasil”, publicado em 2022 pela PwC e o Instituto Locomotiva. Segundo o levantamento, 81% da população brasileira com dez anos ou mais usa a internet, mas somente 20% dos brasileiros têm acesso de qualidade à rede. Apenas 8% dos internautas plenamente conectados pertencem às classes D e E, que concentram 60% dos desconectados. Mais de oito milhões de estudantes, ou 21% dos alunos matriculados nas redes públicas de educação básica, estão em escolas sem acesso à banda larga.

O estudo da PwC propõe que governos, educadores e empresas trabalhem em quatro áreas para superar o atraso digital do país: ação conjunta, com papéis e responsabilidades bem definidos; políticas públicas ágeis para impulsionar iniciativas nacionais de qualificação; investimento das empresas na capacitação digital de seus quadros como princípio fundamental do negócio; e adoção do conceito de aprendizagem ao longo da vida pelas instituições de ensino, que devem repensar as iniciativas de qualificação e requalificação profissional.

Conforme a 26ª pesquisa CEO Survey, da PwC, realizada com 4,4 mil executivos em mais de cem países, um terço dos dirigentes de empresas acredita que suas organizações serão economicamente inviáveis em dez anos, caso se mantenham no rumo atual. As companhias representadas pelos CEOs do Brasil têm um faturamento combinado de R$ 3,8 trilhões. Para 67% dos entrevistados brasileiros, as inovações tecnológicas vão representar o principal impacto na lucratividade na próxima década.

Os resultados indicam uma corrida para reconfigurar o ambiente de negócios. Nos próximos 12 meses, 84% dos CEOs brasileiros pretendem investir em automação de processos e sistemas. Três quartos dos entrevistados mencionam a previsão de aportes em tecnologias avançadas, como computação em nuvem e inteligência artificial, e também no aprimoramento das competências da força de trabalho.

“A transformação digital deve ser vista como um processo contínuo, e cada empresa tem suas próprias circunstâncias de adoção”, observa Denise Pinheiro, sócia da PwC Brasil. Ela lembra que os líderes de maturidade digital no mundo apresentam um desempenho superior, com taxa de crescimento de Ebitda até cinco vezes maior em comparação com as demais empresas. Também destaca que o tema vai além da digitalização de processos, pois precisa ser avaliado desde a estratégia, abrangendo o aprendizado de novas competências, a governança e a cultura digital inclusiva.

Denise Pinheiro, da PwC: transformação digital deve ser vista como um processo contínuo nas empresas — Foto: Divulgação

Uma pesquisa recente com executivos de 15 setores econômicos brasileiros, realizada pelo Fórum Econômico Mundial em colaboração com a Fundação Dom Cabral, indica que as novas tecnologias agrícolas e alimentares são os campos em que o Brasil pode competir melhor. Outros setores que despontam em maturidade digital acima da média, segundo outras sondagens, são os de serviços financeiros, varejo, telecomunicações e tecnologia.

Primeiro colocado no ranking setorial de comércio, o Mercado Livre tem aumentado os investimentos em seu banco digital, o Mercado Pago, e no Mercado Ads, de publicidade digital. A empresa fechou 2022 com resultados recordes e anunciou, no início deste ano, um aporte de R$ 19 bilhões no Brasil, valor 11,5% maior na comparação com o período anterior.

A IBM Brasil, líder na categoria tecnologia da informação, tem investido na diminuição do “gap” tecnológico por meio de programas externos em parceria com instituições de ensino e pesquisa. Internamente, a empresa oferece aprendizado voltado para habilidades comportamentais que serão relevantes no futuro.

Apesar do cenário nacional desfavorável à inovação, há sinais de mudança. Em julho, o governo federal anunciou que vai investir R$ 106,16 bilhões nos próximos quatro anos na “neoindustrialização verde e com transição energética”. A maior parte, R$ 65,1 bilhões, virá do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), priorizando projetos de inovação ou digitalização voltados à produção de bens para exportação. A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) destinará R$ 40,68 bilhões, a P&D e a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) apoiará instituições de pesquisa tecnológica.

Dois novos polos de pesquisa credenciados pela Embrapii serão criados no Recife (PE), com investimentos de R$ 58 milhões: o Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste (BioCetene), para desenvolver projetos de biotecnologia, e o Instituto Senai de Inovação para Tecnologias da Informação e Comunicação (ISI-TICs), que vai criar aplicações para satélites. Também foi firmado em julho um termo aditivo para ampliar os recursos do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar).

O Porto Digital, fundado em 2000 no Recife, é referência da ação coordenada entre poder público, academia e empresas, conhecida como modelo da tripla hélice. Em 2022, as 350 empresas da nova economia vinculadas ao hub faturaram R$ 4,75 bilhões, em áreas que vão da indústria automotiva a novas tecnologias digitais.

Somente na área de transformação digital, a Embrapii investiu em uma década R$ 475 milhões em 1,1 mil projetos de inovação industrial. As 753 empresas beneficiadas fizeram 525 pedidos de propriedade intelectual. Se considerados também os valores aportados pelos centros de pesquisa credenciados, o valor chega a R$ 1,45 bilhão. Entre as tecnologias habilitadoras, destacam-se inteligência artificial, com 328 projetos, integração de sistemas (307), manufatura (110), sistemas de comunicação (107) e IoT industrial (88).

Sinais positivos também vêm da inovação aberta. O volume de negócios entre grandes companhias e pequenas empresas de tecnologia deve dobrar neste ano, segundo dados preliminares do ranking anual a ser divulgado em outubro pela plataforma internacional 100 Open Startups. “Nossa expectativa é que o valor dos contratos supere R$ 5 bilhões, envolvendo mais de cinco mil startups e cinco mil corporações”, antecipa o coordenador da plataforma, Bruno Rondani. Em 2022, 3,8 mil startups fizeram negócios com 4,5 mil corporações, com R$ 2,7 bilhões em contratos firmados.

Na avaliação de Rondani, o Brasil começa a se tornar novamente atraente para investimentos globais em empresas de tecnologia: “Criamos uma prática de colaboração muito forte e temos hoje uma das comunidades mais visíveis de inovação aberta no mundo”. O setor que teve maior crescimento recente em inovação aberta é o de bens de consumo e alimentos, seguido por mineração e metais, energia e serviços financeiros. Companhias da Alemanha, Estados Unidos e Canadá têm investido nas startups brasileiras.

“Nosso maior desafio hoje é convencer os gestores a investir na transformação digital como parte da estratégia empresarial”, diz o presidente da Associação Brasileira de Internet Industrial (ABii), José Rizzo. “A indústria 4.0 transforma os negócios, mas as empresas brasileiras precisam sobreviver em um ambiente hostil, e isso acaba criando lideranças mais conservadoras.” Ele atribui o atraso da inovação no Brasil, em parte, aos gargalos do sistema educacional. “Temos ilhas de excelência em pesquisa, universidades de ponta, muita gente capaz e inventiva, mas para avançar no ranking da inovação global o país tem que vencer problemas estruturais.”

José Rizzo, da ABii: "Temos ilhas de excelência, mas o gargalo educacional ainda é enorme" — Foto: Divulgação
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