Raras vezes a conjunção de incertezas em relação aos indicadores macroeconômicos no Brasil e no mundo causaram tanta volatilidade no mercado financeiro como nos últimos dois anos. As dúvidas em relação ao corte de juros e ao controle da inflação nos Estados Unidos (EUA) e no mercado doméstico, além de alterações regulatórias, mudaram os rumos dos investimentos que, agora, começam a migrar mais fortemente rumo à renda fixa mais conservadora.
Na indústria de fundos, a oscilação foi tanta que o investidor saiu de dois anos de resgates líquidos de R$ 108 bilhões, em 2023, e R$ 129,7, bilhões, em 2022, para saldo positivo de R$ 150 bilhões de janeiro a abril deste ano, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
O cenário foi afetado por diferentes motivos. No início de 2023, com a taxa de juros no Brasil na faixa de 13,75%, os investidores, que estavam estacionados na renda fixa, que os remunerava em dois dígitos, correram do crédito privado devido à lista de empresas que entraram em recuperação judicial, puxadas pelo emblemático caso da Americanas e, na sequência, Light e outras. Mas, no segundo semestre, com a retomada da confiança, com o início da queda da taxa de juros no Brasil e com a reforma tributária aprovada, os fundos de crédito privado deixaram a crise para trás e totalizam R$ 21,8 bilhões de aportes nos 12 meses até fevereiro de 2024.
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Para os especialistas, o cenário macroeconômico e as mudanças de regras pesaram nessa volatilidade. “É importante dizer que os EUA não mexiam na taxa de juros há décadas e que no Brasil só iniciamos corte de juros no segundo semestre de 2023. E tiveram ainda as mudanças tributárias dos fundos exclusivos e de tributação dos off shore, além das novas regras de ativos isentos de recolhimento de imposto como LCA e LCI”, observa Carlos André, presidente da Anbima.
As mudanças de regras dizem respeito às restrições impostas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em março deste ano, que determinam que só poderão emitir os certificados e letras do agronegócio e do ramo imobiliários, CRI e CRA, LCI e LCA, as empresas que atuam nesses setores. Nos últimos anos, companhias de outras áreas - como bancos, varejistas de alimentos, redes de lanchonetes e grupos hospitalares - impulsionaram a oferta desses papéis.
“O conjunto desses fatores trouxe fluxo de retorno para renda fixa, especialmente para o crédito privado e para as debêntures incentivadas”, conta André.
Tanto para as grandes gestoras de recursos do país, como Itaú e Bradesco, quanto para plataforma de investirmos como a XP, e casas especializadas como SulAmérica, o cenário de juro até o fim do ano no Brasil está dado, o que leva o investidor a colocar seu dinheiro em ativos de menor risco.
No campo externo, os EUA ditam as regras. “O excepcionalismo americano está influenciando todo o resto. Por conta da inovação e da tecnologia, os EUA estão crescendo mais, por mais tempo e com emprego bombando, inflação e juro alto. Mas a gente sabe que em algum momento isso vai se reverter”, afirma Carlos Augusto Salamonde, que lidera a diretoria de gestão de investimentos globais do Itaú Unibanco, que abrange a Itaú Asset.
Para ele, existem duas forças antagônicas e ambíguas no momento. O juro alto faz com as pessoas poupem mais, o que justifica o fluxo mais fortes em fundos de investimentos, e por outro lado, o cenário de incertezas pela volatilidade de mercado, faz com que elas se afastem do risco. Mas o executivo lembra que mesmo dentro da renda fixa, o investidor tem leque de opções.
“Para quem quer se proteger da inflação e aguenta volatilidade para ganhar mais, tem as NTN-Bs do governo. Tem alternativas conservadoras, para quem quer só rodar perto de CDI. Criamos produtos de risco de crédito baixo, que coloca um seguro para o cliente via estrutura de FIDC”, diz Salamonde.
Mesmo para os fundos de previdência, foram criadas alternativas de fundos de crédito mais sofisticados, que fez o saldo desses recursos saltarem de R$ 3 bilhões no Itaú, em janeiro de 2021, para R$ 85 bilhões em abril deste ano.
Em média, as casas de investimentos estão precificando dois cortes de 0,25% nos juros americanos até o fim do ano. Mas, para o Bradesco, deve ocorrer só um corte de 0,25% em novembro. “O mundo está entrando em período de queda de juros. É inequívoco. Brasil, Chile, Polônia e México começaram e têm expectativas do ciclo se iniciar também nas maiores economias. A Europa está com sinalização mais forte para o meio do ano”, observa Bruno Funchal, CEO da Bradesco Asset.
Ele explica que por isso os investimentos estão em ciclos diferentes neste momento. “Mas o mundo depende do Fed [Federal Reserve]. Quando o juro é alto lá, dificulta a atração [de investimentos] em outros países”, diz Funchal.
Em estudo que fizeram dos últimos seis ciclos de queda de juros no Brasil, o executivo conta que títulos prefixados, como o IRFM, e pós-fixados, como o IMA-B (índice de inflação), entregaram rendimento elevado ao investidor nos anos de 2005 e 2006, em 2009, em 2011 e 2012 e em 2014.
“No pior momento desses ciclos, esses títulos performaram 115% do CDI e no melhor 218% do CDI. Qual é a mensagem? A gente está entrando em novo ciclo de queda de juros e no passado os investimentos em renda fixa performaram melhor que o CDI”, observa Funchal. Para ele, neste momento o melhor é fazer migração de investimentos dentro da renda fixa. “É sair do pós-fixado para algo mais ativo que são combinações de prefixado em títulos do governo”.
A SulAmérica Investimentos, que projeta a taxa Selic entre 9,75% e 10% até o fim do ano, concorda que a renda fixa vai capturar o maior volume de investimentos em 2024. “De janeiro a março, teve captura nos fundos de renda fixa de R$ 74 bilhões em papéis do governo pré e pós-fixados”, afirma Marcelo Mello, CEO da SulAmérica Investimentos. Enquanto isso, as outras categorias de fundos, como multimercados e ações ficaram negativas em R$ 28 bilhões e R$ 2 bilhões, respectivamente.
Ele destaca que a última reunião do Banco Central (BC), que cortou em 0,25% a Selic, também mexeu com as taxas futuras de prêmios pagas pelos títulos públicos. “Teve recomposição de prêmios e alguns subiram 20 bases points no dia. Os prefixado de 2031, que estavam pagando em CDI 11,30% subiram para 11,77%. Já a NTN-B, pós-fixada, que estava em IPCA + 5,90%, foi para IPCA + 6,10%, com duration de 2025”, conta Mello.
Já para uma das maiores plataformas de investimentos do país, a XP, o cenário de juro elevado traz um custo de oportunidade muito alto no Brasil. Daí a predominância na renda fixa. “Para tomar risco tem que remunerar bem acima do que o governo está pagando“, diz Leon Goldberg, sócio responsável por fundos de investimento na XP.
Ele vê ainda duas frentes importantes de investimentos na renda fixa daqui para frente. “Os fundos de debêntures incentivadas e de crédito high grade, que têm atraído o investidor mais conservador. As debêntures incentivas atraem pela isenção de imposto. Algumas famílias que estavam nos fundos exclusivos estão descontruindo suas carteiras e construindo outras com fundos de debêntures incentivadas e fundos imobiliários”, afirma Goldberg.