Gestoras de fundos encolhem estrutura após saques

Com dois anos e meio sofríveis para fundos de investimentos de maior risco, como ações e multimercados, já é possível ver uma dança das cadeiras em nomes tradicionais da indústria

Por , Valor — São Paulo


Com dois anos e meio sofríveis para fundos de investimentos de maior risco, como ações e multimercados, algumas gestoras de recursos tiveram que ajustar suas estruturas e já é possível ver uma dança das cadeiras em nomes tradicionais da indústria.

Nesta semana, a JGP, de André Jakurski, fez mudanças pontuais na equipe, com a saída de seis pessoas. Segundo fontes a par das movimentações, não foi nada relevante considerando-se um universo de mais de 180 profissionais. Os cortes foram feitos em níveis hierárquicos mais baixos, inclusive na área de tecnologia. Com um patrimônio de R$ 28,1 bilhões ao fim de maio, nos primeiros cinco meses do ano a gestora de fundos líquidos teve saques de R$ 1,692 bilhão, depois de resgates de R$ 2,166 bilhões em 2023. Procurada, a casa preferiu não comentar.

Em janeiro, BB Asset e a JGP anunciaram parceria para criação de uma gestora focada em fundos sustentáveis, com os sócios Márcio Correa, de ações, e Alexandre Muller, de crédito, assumindo duplo chapéu, atuando tanto para a JGP quanto para a asset especializada. José Pugas, chefe de sustentabilidade, migra para a estrutura novata. Fruto dessa parceria, o fundo de crédito BB Espelho JGP Equilíbrio, lançado em fevereiro, reunia cerca de R$ 800 milhões, segundo citou Isaac Marcovistz, gerente de produtos da BB Asset, em conversa com o Valor na semana passada.

Na Apex Capital, gestora especializada em ações, que em 2020 reunia mais de R$ 6 bilhões, o recente resgate de um importante investidor estrangeiro levantou questionamentos sobre a continuidade da equipe atual, segundo relataram alocadores. Ao fim de maio, a asset tinha pouco mais de R$ 640 milhões, segundo a Anbima. No exterior, chegou a ter o equivalente a R$ 4 bilhões, mas este volume foi diminuindo ao longo do tempo e tornando-se menos representativo. A entidade não captura o que há em estratégias das assets em veículos offshore.

No pico dos ativos sob gestão, a Apex agregou 35 profissionais, número que foi reduzido à metade. Mas os principais sócios seguem juntos, segundo Diney Vargas, executivo-chefe de operações (COO) da casa. O grosso dos ajustes foi em estruturas da retaguarda, não houve cortes de pessoas-chaves da gestão propriamente, esclareceu.

“Os estrangeiros têm saído do Brasil, mas os ativos foram muito rentáveis ao longo dos anos para os clientes que temos hoje e para os que saíram. Apesar da dificuldade dos mercados, todos estão no lucro, ninguém perde principal”, afirmou Vargas. “Ao longo do tempo, os clientes foram tirando, levando os recursos de volta para os Estados Unidos.” Nos bastidores, houve comentários de que os resgates do capital externo somavam cerca de R$ 3 bilhões. Vargas afirma que esse número não procede, mas que não pode abrir o dado por questões de confidencialidade.

O executivo afirma que hoje a concorrência não é só pelo CDI, que parte de 10,5% ao ano, mas vem também de estratégias fora do Brasil, seja em fundos imobiliários, renda fixa ou ações.

Em maio, a Verde Asset fez cortes no time de ações, com a saída de Elmer Ferraz e de outros dois analistas da equipe. As decisões de investimentos em bolsa passaram a ser centralizadas em Luis Stuhlberger, o sócio-fundador à frente do lendário multimercado Verde. A movimentação veio na sequência do maior peso que o crédito passou a ter, com a chegada de Daniel Goldberg, da Lumina Capital, à sociedade. Ele ficou com fatia de 24,9% da Verde que pertencia ao Credit Suisse (hoje UBS).

Um mês antes, a Canvas Capital recomprou a participação de pouco mais de 20% que o CS tinha desde que foi fundada, em 2013. O movimento foi combinado com a venda das ações do fundador Antonio Quintella para os principais sócios-gestores, Francisco Funari, Eduardo Broda, Guilherme Gaertner, além da economista Camila Faria Lima, que assumiu a principal função executiva (CEO). Quintella, ex-CEO do CS no Brasil (2005 a 2012), segue como conselheiro.

Em março, a Opportunity Asset unificou a gestão dos fundos macro, colocando-os sob responsabilidade da equipe global. Marcos Mollica, que era responsável pelo Opportunity Total, deixou a gestora na ocasião com outros dois colegas. Na semana passada, ele anunciou sua ida para a SPX Capital, de Rogério Xavier. A casa não vem, contudo, registrando resgates, mas há uma inconsistência na base da Anbima, indica a gestora, que aparece com um patrimônio de quase R$ 125 bilhões no ranking de gestão de maio. No total, a asset reúne cerca de R$ 60 bilhões.

Em outubro e novembro tinham entrado R$ 21,6 bilhões em dois veículos de ações do Opportunity, o SLQ FIA BDR, com dois cotistas, e o SLQ III FIA, com três investidores. Os portfólios investem principalmente em carteiras da Opportunity HDF Administradora de Recursos, controlada por Dório Ferman, o lendário gestor do Lógica.

Com a Selic em dois dígitos e a concorrência dos títulos bancários isentos, as carteiras de maior volatilidade e potencial de retorno perderam apelo.

Na desidratação que se viu nos fundos multimercados neste ano, com resgates líquidos de R$ 81 bilhões, a pessoa física e as operações por conta e ordem (via plataformas de investimentos ou gestoras de patrimônio) responderam por R$ 49,6 bilhões dos saques, segundo a Anbima. De setembro a dezembro, as saídas deste público já tinham somado R$ 81,4 bilhões.

O número de multimercados encolheu, com 609 fundos a menos de setembro para cá, para um total de 13,3 mil carteiras. O patrimônio somava R$ 1,660 trilhão ao fim de junho, redução de 1,71% em relação à foto de 12 meses atrás.

“Tem muito fundo que tem diminuído de tamanho e a gente já está vendo alguns casos de junção de equipes, a assunção de uma gestora por outra, algum movimento de consolidação é esperado em momentos como este, quando determinada classe da indústria experimenta redução relevante”, disse Pedro Rudge, diretor da Anbima, ao comentar os resultados do setor no primeiro semestre. “Determinados fundos e gestores tiveram que questionar se faz sentido continuar com fundos tão pequenos dada a necessidade de remunerar as pessoas.”

O movimento percebido desde os últimos meses de 2023 coincidiu com o período que antecedeu a taxação dos fundos fechados exclusivos e restritos com o “come-cotas”, o imposto semestral que já incidia nas carteiras condominiais abertas (renda fixa, multimercados e cambiais), destinadas ao público geral. Boa parte dos fundos usados para gestão patrimonial de famílias ultrarricas estava sob a casca de multimercados e as estruturas foram revisadas por causa da tributação desses veículos a partir deste ano.

Os contribuintes de alto patrimônio optaram pela atualização dos seus estoques de lucros para ter acesso à alíquota diferenciada de 8%, um desconto em relação aos 15% do come-cotas para carteiras de longo prazo.

“Tem a ver com reestruturações iniciadas em outubro, e a gente continua a ver eventuais fechamentos e liquidação de fundos porque também não captaram e não performaram tão bem”, disse Rudge. “Os gestores têm tido dificuldade de ter rentabilidade boa nos últimos meses em função do ambiente mais desafiador, com dúvidas no mercado externo e com o equilíbrio fiscal no Brasil.”

A Anbima conseguiu identificar 394 fundos que foram alterados de multimercados para ações no período entre outubro de 2023 e junho de 2024. Considerando-se aqueles que permanecem ativos na data-base de junho e possuem patrimônio líquido informado, esses veículos totalizavam um volume de R$ 38,2 bilhões, já desconsiderando os fundos de cotas. De acordo com a entidade, esses portfólios podem ter mudado da categoria multimercado para ações por razões diversas, sendo uma delas as alterações trazidas pela Lei 14.574.

Com a fraca performance dos últimos 18 meses, a tolerância a resultados aquém dos esperados ficou menor. No fundo fechado, as famílias conseguiam compensar perdas e ganhos e o diferimento do imposto de renda dentro da estrutura minimizava o sentimento de aversão a risco em janelas de retorno mais adversas.

Rudge comentou que a Anbima conseguiu identificar de 300 a 400 fundos que foram transformados em outros veículos — Foto: Leo Pinheiro/Valor
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