Aposta de estrangeiro contra o real segue em nível recorde e se aproxima de US$ 80 bilhões

Pessimismo com a moeda brasileira também se espalha pelos investidores locais, que reduziram posição vendida em dólar desde o começo do ano

Por e — De São Paulo


Aposta de estrangeiro contra o real segue em nível recorde e se aproxima de US$ 80 bilhões Chris Ratcliffe/Bloomberg

O mau humor do mercado, que fez o câmbio doméstico sofrer forte deterioração nas últimas semanas, se refletiu no posicionamento dos agentes em relação ao real, em um movimento que mostra o abandono de teses mais otimistas para a moeda brasileira. A posição comprada em dólar contra o real (aposta na valorização da moeda americana) pelo investidor estrangeiro registrou novo recorde na semana passada, ao atingir o nível de US$ 79 bilhões, de acordo com dados da B3.

Há um ano, essa posição tinha metade do atual tamanho - em torno de US$ 40 bilhões na última semana de junho. Grosso modo, a posição comprada em dólar via derivativos (dólar futuro, swap cambial, cupom cambial e dólar mini) é vista como uma aposta contra a valorização do real, ainda que essa leitura não seja totalmente precisa, já que os dados também englobam investimentos de “offshores”, que podem ser feitos por investidores locais e que podem, ainda, conter estratégias de “hedge” (proteção), que não necessariamente são apostas direcionais no desempenho da moeda brasileira.

Andrei Basilio, da XP: recorde da posição comprada em dólar do estrangeiro 'chama atenção' — Foto: Luciana Whitaker/Valor

“A posição comprada em dólar pelo estrangeiro vinha crescendo gradativamente, mas houve um movimento bem claro nos últimos 30 dias de aceleração, que teve como gatilho a questão fiscal”, observa o chefe de câmbio da tesouraria da XP, Andrei Basilio. “Por ser um dado ‘poluído’, precisamos olhar sempre com alguma distância para esses números. Mesmo assim, o montante chama atenção.”

O executivo da XP avalia que o aumento da posição em dólar também pode ter sido reforçado por questões mais técnicas, e não apenas pelo ambiente macroeconômico. “O real não teve refresco neste ano. Fundos que são operados por algoritmos observam esse movimento, que não tem fim, e vão aumentando a aposta contra [o real], até observarem uma quebra”, explica. “Além disso, os fundos locais só estão tendo resgate, então não há espaço para um movimento de mais risco. Isso significa que não há participantes locais que estão com capacidade de fazer grandes apostas para, de repente, arbitrar isso”, diz Basilio.

No fim de julho de 2023, quando a moeda americana encostou em R$ 4,72, a posição comprada em dólar pelo investidor estrangeiro via derivativos também renovava a até então máxima histórica, perto de US$ 50 bilhões. À época, a leitura era a de que o investidor de fora, ao fazer aportes em títulos públicos brasileiros e na bolsa, acabava fazendo uma proteção (hedge) em dólar para reduzir sua exposição no Brasil. Se o agente já tinha comprado ações ou títulos públicos, por exemplo, ele se protegia da variação do câmbio pela compra de dólar.

Desde o começo do ano, no entanto, a B3 vem registrando saída forte do investidor estrangeiro da bolsa brasileira. Até a última quinta-feira, o saldo anual era de um fluxo negativo de R$ 42 bilhões. Em tese, ao desfazer a posição em bolsa, o investidor não residente pode também abrir mão de sua proteção em dólar no mercado de derivativos, mas, como a posição tem aumentado, isso não está ocorrendo.

“Quando um fundo de fora desmonta alguma posição em ações, fica com o dinheiro em mãos - e ou pode mandar embora do país ou comprar outro ativo. Como há um custo para sair do Brasil, esse investidor pode optar por ficar comprado em dólar esperando uma nova oportunidade para voltar a se posicionar”, afirma Basilio, em um palpite sobre uma possível explicação para o movimento.

Em revisão de cenário, a chefe de estratégia para Américas do Barclays, Andrea Kiguel, avalia que o ambiente deve continuar negativo para o real, ao apontar que o Brasil passa por uma “crise de confiança”, em que se faz necessário um nível elevado de prêmios de risco. “As autoridades estão demonstrando boa vontade para reconstruir a credibilidade, mas isso levará tempo para se refletir nos ativos locais, especialmente porque as gestoras de fundos locais têm poder de fogo limitado. Continuamos pessimistas em relação ao real, que ainda precisa de prêmio”, diz Kiguel.

O Barclays, inclusive, espera que o dólar chegue a R$ 5,45 no fim do terceiro trimestre e que encerre o ano em R$ 5,35.

O mau humor com a moeda brasileira não é exclusivo dos investidores estrangeiros. Os dados da B3 sobre os mercados derivativos também mostram que o investidor institucional local reduziu de forma expressiva a posição vendida em dólar contra o real (que aposta na valorização da moeda brasileira). O montante saiu de US$ 17,4 bilhões no começo do ano para algo em torno de US$ 4,5 bilhões.

“O real começou o ano cercado por um bom humor muito grande, especialmente por causa do ‘carry trade’. As moedas de países que tinham juros mais altos eram as preferidas e isso ocorreu não só com o Brasil, mas também com o México e a Colômbia. Mas, desde abril, tivemos uma reversão dessa tendência. A piora na percepção de risco ficou muito forte lá fora e ainda tivemos fatores locais, como a mudança da meta fiscal e a postura mais conservadora do [presidente do Banco Central] Roberto Campos Neto, mostrando que o próprio BC estava mais preocupado com o cenário”, nota Gustavo Pi Okuyama, gestor de renda fixa da Porto Asset Management.

Ele, porém, ressalta que, embora o real tenha piorado junto com as outras moedas, não conseguiu acompanhar a melhora quando houve um alívio externo. “Tivemos um descolamento do real em relação ao exterior. Há uma preocupação muito grande e crescente com a questão fiscal e, em segundo momento, com a política monetária também”, afirma o gestor, que tem se mantido sem posições em real no momento.

“Vimos uma deterioração grande e rápida do real. São camadas sobrepostas de prêmio de risco tão altas que é possível haver alguma descompressão”, diz Okuyama, ao notar, ainda, o aumento da volatilidade do real, que passou de cerca de 7,5% para 11,5%. Embora os níveis ainda sejam contidos, foi um “aumento de risco relevante”, na avaliação do gestor da Porto Asset.

O trader de câmbio Rodrigo Cabraitz, da Principal Claritas, lembra, ainda, que o investidor brasileiro já estava enxergando dificuldade do governo em gerar mais arrecadação no começo do ano. “Esse primeiro pilar motivou a compra de proteção, porque já não se sabia se o arcabouço fiscal pararia de pé”, diz. “Além disso, o dissenso na reunião de maio do Comitê de Política Monetária [Copom] elevou a dose de pessimismo com o cenário local.”

Diante de uma posição esticada, alguma descompressão pode vir a ocorrer, na leitura de Cabraitz, ao apontar que houve uma comunicação melhor do Copom na semana passada e também porque a ala econômica do governo tem mostrado intenção em levar a temática de desvinculação de gastos, ou até corte de despesas, para alguma discussão.

“Talvez seja mais importante para o investidor de fora a ata [da reunião do Copom], se vier em linha com o esperado pelo mercado, enquanto o investidor local ainda está esperando medidas mais concretas do governo e da equipe econômica”, afirma Cabraitz. “Tem espaço para descomprimir, mas é preciso ter cautela.”

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