A Receita Federal deve chamar as exchanges internacionais de criptomoedas para entender como elas funcionam no Brasil e que tipo de cooperação possuem com prestadores de serviço locais, de acordo com notícia da Reuters. São exemplos de corretoras estrangeiras com operações no país Binance, Coinbase, Kucoin e OKX.
Pela Portaria RFB 427, foi instituído o Grupo de Trabalho para atuar em relação à conformidade tributária de exchanges de criptoativos com atuação no país. Diz a portaria que: "as atividades a que se refere o caput incluem, entre outras, a realização de reuniões com instituições prestadoras de serviços de pagamentos no país de exchanges internacionais". De acordo com a Receita, os objetivos são: orientar quanto ao cumprimento de obrigações tributárias principais e acessórias, estruturar a captação de informações sobre depositantes e sacadores das contas dessas instituições e estabelecer estratégia de atuação relativa a instituições que descumprem suas obrigações tributárias.
Desde 2019, com a publicação da Instrução Normativa 1.888, as empresas que possuem plataformas de compra e venda de criptomoedas precisam informar à Receita sobre as transações realizadas por seus clientes. Adib Abdouni, advogado constitucionalista e criminalista, comenta que a prestação de informações, pela regra daquele ano, é obrigatória para as exchanges domiciliadas em território nacional e para as pessoas naturais, quando as operações forem realizadas em exchange sediada no exterior.
No entanto, essa diferenciação, que muitas exchanges locais acusavam de ensejar a chamada “arbitragem regulatória” (quando uma empresa aproveita de condições mais benéficas de operação no exterior para dominar um mercado que é regulado para as companhias locais) foi tratada em regulamentações brasileiras posteriores. A principal delas foi a chamada Lei de Tributação dos Fundos Offshores (Lei 14.754/2023), que em seu artigo 44, determina que “as empresas que operarem no país com ativos virtuais, independentemente de seu domicílio, ficam obrigadas a fornecer informações periódicas de suas atividades e de seus clientes à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda e ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf)”.
Para Nicole Dyskant, advogada e conselheira na TaxBit, o problema no artigo da Lei das Offshores é que ele não diz como, qual periodicidade, nem o que acontece quando essas empresas não cumprirem esta determinação. “Outra pergunta ainda sem resposta: qual o critério para empresas estrangeiras que exercem ‘atividades no Brasil’ pela internet? Aparentemente, a receita está olhando para empresas que suportem transferências e saques em real”, aponta.
Abdouni prevê que, além do que está na Lei das Offshores, a própria Receita deva editar ato normativo para disciplinar a solicitação de informações para as exchanges em relação às operações de seus clientes brasileiros. “Isso a fim de fiscalizar a tributação dos ganhos obtidos com a alienação de criptoativos mantidos e negociados em exchanges estrangeiras, que são tributados, a título de ganho de capital, à alíquota de 15%”, afirma Abdouni.
Tiago Severo, sócio do Caputo, Bastos e Serra Advogados, diz que quem atua como intermediário para negociação de criptomoedas precisa fazer a comunicação de toda operação de valor superior a R$ 35 mil. “A regra vale tanto para quem tem CNPJ brasileiro como também para quem não está no Brasil, mas oferta produtos em português”, explica. “Acho inevitável que a Receita faça mais movimentos assim no futuro, até por um andamento mundial de várias jurisdições fazendo seu licenciamento e taxação.”
As discussões sobre a declaração de tributos por parte das corretoras internacionais ganharam força durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Pirâmides Financeiras no ano passado. No relatório final da CPI, os deputados acusaram a Binance de ter deixado de recolher entre R$ 300 milhões e R$ 400 milhões anuais. A empresa nega as acusações.
Eduardo Bruzzi, sócio do BBL Advogados, avalia que a medida da Receita de chamar as exchanges para esclarecimentos demonstra a preocupação cada vez maior em se identificar não apenas as jurisdições para as quais as transações promovidas por essas exchanges são direcionadas, mas também seus beneficiários finais. “Esses usuários podem estar utilizando o mercado de criptomoedas para ilícitos como lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo”, argumenta.
De acordo com Bruzzi, a identificação de parceiros comerciais estabelecidos no Brasil, tais quais instituições financeiras, de pagamento ou outras entidades não autorizadas, poderá ajudar na descoberta de eventuais evasões fiscais.
Procuradas pelo Valor, as exchanges internacionais afirmaram que ainda não foram convocadas pela Receita. O próprio fisco, por sua vez, não respondeu ao questionamento da reportagem sobre se a convocação já teria sido feita até a publicação desta notícia. O espaço segue aberto para atualizações.
A OKX respondeu que apesar da Reuters ter citado a corretora como uma das exchanges internacionais alvo desse chamado, a informação não está correta, pois a empresa conta com representação no Brasil e, por isso, já seguiria as mesmas leis que as exchanges nacionais.
Já a Coinbase afirmou que está em total conformidade com a IN 1.888. “Colaboramos com os governos de todo o mundo de forma a cumprir as leis e regulações de cada país e acreditamos na postura construtiva dos reguladores brasileiros, que entendem o valor dos criptoativos no cenário de inovação”, disse a corretora.
Por fim, a Binance afirmou que atua em conformidade com o cenário regulatório do Brasil e que seguirá cumprindo as determinações fiscais e legais das autoridades brasileiras que sejam aplicáveis às suas operações.