Apesar de desprezado pelos modernistas e esnobado pela elite, Artacho Jurado (1907-1983) conseguiu deixar sua marca na paisagem urbana de São Paulo. Como não era arquiteto, ele é apresentado como um artista na Ocupação Artacho Jurado, que está em cartaz no Itaú Cultural até setembro. Ou seja, alguém que trouxe elementos ornamentais e decorativos, cores vibrantes e espaços de convivência de forma quase cinematográfica à verticalização da cidade nos anos 1950.
João Artacho Jurado cresceu no Brás, numa família de anarquistas espanhóis de classe média baixa. “Ele era um filho de imigrantes que queria fazer dinheiro. Era desenhista, tinha imaginação. A gente não sabe o que vem antes: o desejo de vender ou de desenhar”, diz Guilherme Giufrida, um dos curadores da mostra. O termo “Ocupação” vem sendo usado no Itaú Cultural como uma forma menos linear de homenagear alguém. É uma maneira de mostrar não apenas a obra, mas de desvendá-la junto com a pessoa.
No caso de Artacho, a exposição ocupa três salas abertas no segundo piso do edifício e mostra seu primeiro projeto antes dos prédios que o tornaram conhecido. Trata-se de um conjunto de casas em Cidade Monções, uma região pouco valorizada, que ficava no final do Brooklin Novo, que pela estética de hoje parece uma vila operária. Mas a surpresa para a época é que a venda das casas incluía telefone e automóvel.
Depois, nos anos 1950, em cerca de uma década, Artacho construiu mais prédios do que todos os arquitetos modernistas. “Os grandes nomes abominavam a arquitetura dele”, conta Giufrida. “Ele nunca pertenceu à turma dos imigrantes ricos na qual havia Gregori Warchavchik e Rino Levi. Era considerado cafona, o que o levou a viver a não aceitação e uma certa exclusão. Uma amostra disso é que Eduardo Corona, arquiteto, que foi professor da FAU [Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP], escrevia para não comprarem os apartamentos dele.”
Artacho era um arquiteto autodidata, cuja primeira atividade era a publicidade como letrista de cartazes. Depois fez cursos de desenho técnico e se especializou na projeção de neons publicitários. Quando começou a projetar edifícios, estabeleceu uma ligação muito próxima com a indústria da construção. “Ele ia nas fábricas, escolhia o tom das pastilhas que queria e ditava a produção.” Hoje, seus edifícios são marcos na cidade: Bretagne, Piauí, Viadutos, Louvre e Cinderela.
O Bretagne, onde viveu, é considerado sua obra-prima. O condomínio fica na avenida Higienópolis, que era endereço da aristocracia paulistana, tem o formato de um navio e um excesso de estilos e materiais, que cria um conjunto na linha “tudo ao mesmo tempo agora”.
Mesmo assim, tinha aspectos muito modernos para a época. Foi o primeiro condomínio de São Paulo a ter piscina, um bar que funciona até hoje e uma sala de música com piano. Politicamente, Artacho nunca foi de esquerda, apesar do pai anarquista, mas, talvez em função da utopia que havia no período, projetou no Bretagne apartamentos de vários tamanhos, o que pressupunha uma convivência social.
Uma parte da exposição mostra o quanto ele era atento aos detalhes. Desenhava os lustres, as escadas, as rampas, fazia a paleta de cores. Assim, tornou-se um dos principais nomes da indústria imobiliária paulistana em meados do século XX. Chegou a ser rico, colocou a filha Diva em boas escolas, mas terminou no ostracismo, fazendo prédios no ABCD, muito longe dos endereços valorizados pela classe social que almejou frequentar e pela qual nunca foi aceito.
“Procuramos colocá-lo como artista. Dar dimensão à sua arquitetura cenográfica, que era exagerada, com neon e muita cor. Apesar da sua arquitetura ser negada, ele competia no mesmo espaço de outros arquitetos em lugares nobres como a avenida São Luís e as ruas de Higienópolis”, afirma Giufrida, que assina a curadoria com Jéssica Varrichio.
O tempo assimilou sua obra e seus edifícios se tornaram cults. A revista inglesa “Wallpaper”, referência no design, apontou o Bretagne como um dos melhores edifícios do mundo para viver. O metro quadrado no condomínio custa agora R$ 15.500 e há apartamentos de tamanhos muito variados: 90, 106, 135, 145 e 190 m². A cobertura onde ele viveu está sendo reformada e tem 600 m².
Sinal da mudança é que arquitetos queridinhos da elite brasileira, como Isay Weinfeld e Marcio Kogan, prestam seu tributo. Nos depoimentos que estão no site da Ocupação, Kogan diz: “Lançando um olhar histórico, hoje acho que Artacho Jurado foi o primeiro pós-modernista brasileiro”. Weinfeld acrescenta: “Lembro que as pessoas achavam o trabalho dele decorativo, brega ou kitsch. Sempre gostei de seu trabalho”. E pergunta: “Por que as pessoas jovens ainda fazem fila para morar ali, em prédios dos anos 40, 50? É nisso que os arquitetos que sempre menosprezaram o trabalho de Artacho, que o achavam menos, devem pensar”.