Queda na renda e inflação preocupam a indústria

Com aumento de receita e queda no lucro, os maiores grupos industriais estão de olho na recessão

Por Paulo Vasconcellos


Nenhum grupo industrial cresceu tanto em 2020, período analisado por Grandes Grupos, quanto a mineradora global Anglo American, com sede em Londres e operações no país há quase 50 anos. Beneficiada pela valorização do minério de ferro, que passou de US$ 90 para US$ 140 a tonelada no segundo semestre, a companhia ficou em primeiro lugar no ranking das que registraram o maior aumento da receita na comparação com 2019 – 67,9% –, com um total de R$11,3 bilhões (no caso, receita líquida). O grupo está entre os 20 maiores em rentabilidade, com 25,8%, no ranking dos 200 maiores. Saltou da 114ª para a 84ª posição.

A mineradora inglesa registrou um aumento de produção da unidade de minério de ferro, de 23 milhões de toneladas em 2019 para 24 milhões de toneladas em 2020, enquanto as duas plantas de ferro-níquel mantiveram a capacidade de 44 mil toneladas anuais.

A expectativa era fechar 2021 no patamar de 2020. O resultado financeiro, porém, pode ser maior, porque no primeiro semestre o minério de ferro atingiu a cotação histórica de US$ 230 por tonelada. Para 2022, a expectativa é atingir 25 milhões de toneladas, até chegar a 27,5 milhões de toneladas em cinco anos com um plano de investimentos em modernização.

“Trabalhamos muito em excelência operacional, mas os resultados financeiros dependem de fatores como câmbio e preço, ao mesmo tempo que já se sente os efeitos da inflação sobre insumos como combustível e energia”, diz Wilfred Bruijn, presidente da Anglo American no Brasil.

No geral, 2020 foi complicado para toda a indústria, em um ano atípico, por causa da pandemia de covid-19. Para os grandes grupos de capital aberto do setor, o resultado piorou em relação a 2019, na avaliação do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Mas, ainda assim, a queda é considerada tênue.

Os juros em baixa, o câmbio depreciado, os programas de crédito e adiamento de impostos do governo federal e o auxílio emergencial à população, o que sustentou o mercado interno em um cenário de desemprego elevado, se combinaram para o ajuste fiscal das companhias endividadas e o aumento da lucratividade, principalmente das exportadoras de commodities. “Mesmo excluindo gigantes, como Petrobras e Vale, que distorcem um pouco os indicadores, há potencial positivo para as indústrias brasileiras”, diz Júlio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Iedi.

Petrobras, JBS, Vale e Ambev lideram o pelotão das maiores do setor industrial. A Petrobras manteve a liderança, com receita de R$ 352,66 bilhões. O aumento de 33% nas exportações compensou a queda de 35% no preço do petróleo no ano. A redução da dívida abriu caminho para um aumento de 24% no plano de negócios 2022/2026.

JBS e Vale mantiveram a segunda e a terceira posições e a Ambev subiu um degrau, para a quarto posto, trocando de lugar com a Novonor (ex-Odebrecht). A multinacional brasileira Marfrig, sétima entre as maiores do setor, liderou o ranking das 20 melhores em rentabilidade patrimonial, com 128,9%, e aumento de 186,4% no lucro líquido, que totalizou R$ 4,5 bilhões.

Não é só a inflação que lança algum grau de incerteza para a indústria em 2022. O desemprego, a crise hídrica, tensões políticas e dúvidas sobre as reformas estruturais também podem impactar o setor. O pior cenário é o aumento de preços e a queda na renda da população. Os dados de final de ano do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) jogaram o país na recessão e revelaram perda de fôlego da economia brasileira. O PIB do terceiro trimestre registrou -0,1%, depois de -0,4% do segundo. Já o da indústria em geral ficou parado no terceiro trimestre (0%), depois da queda de -0,5% no segundo trimestre.

As previsões apontam um cenário nebuloso, mas não irreversível, para 2022. “Vai depender da capacidade do governo e da política darem mais tranquilidade e sustentação para que a economia possa crescer”, afirma Júlio Gomes de Almeida, do Iedi.

“Já crescemos em anos ruins. Temos custo, produtos acessíveis e inovadores e uma estratégia de conquista de market share”, diz Alexandre Ostrowiecki, presidente da Multilaser, estreante na elite dos grandes grupos nacionais em 2020, no 186º lugar do ranking. A empresa, uma das maiores fabricantes de produtos de consumo comercializados no varejo brasileiro, foi a segunda colocada do setor industrial com o maior crescimento de receita líquida: 54,1%. A explicação para o desempenho é um tripé competitivo: a capacidade de lançamento de novos produtos, um canal de vendas pulverizado e um software de gerenciamento que planeja das compras à gestão do capital de giro.

Na lista das cinco indústrias campeãs em crescimento em 2020 a Évora, fabricante de insumos para fraldas descartáveis, tampas plásticas para produtos alimentícios e de limpeza doméstica, registrou receita recorde em 32 anos de história, de R$ 5,84 bilhões, crescimento de 51,6%. A expectativa da Évora para este ano é manter a taxa de crescimento em níveis elevados para abrir novas frentes de negócios.

A Gerdau, maior produtora brasileira de aço, pavimentou o caminho para terminar bem 2021 e ganhar margem para também expandir os negócios em 2022. O resultado de 2020, com crescimento de 11,4% na receita e de 14,4% no lucro líquido, refletiu a continuidade da forte demanda por aço no Brasil, Estados Unidos e América Latina. “Com 120 anos de história, a empresa está preparada para qualquer cenário”, afirma Harley Scardoelli, vice-presidente executivo de finanças da Gerdau.

No caso da brasileira Marfrig, líder global na produção de hambúrgueres e a segunda maior do planeta em proteína bovina, contou muito para seu resultado a diversificação geográfica, com forte presença na América do Norte e uma operação enxuta e focada na América do Sul. Em um ano considerado fora da curva, a Marfrig conseguiu manter todas as plantas em operação aprimorando ao extremo os protocolos sanitários para enfrentar a covid-19 e melhorando a eficiência operacional para atender um crescimento exponencial da demanda por alimentos in natura.

Neste ano, deve melhorar seu desempenho, graças em parte ao pacote de ajuda financeira à população nos Estados Unidos, que aumentou o consumo de alimentos, e à elevação do rendimento da carcaça do gado que deixou de ser abatido em 2020. Só no acumulado dos noves meses, o desempenho já é melhor do que o de todo o ano passado.

O que parte do setor perdeu com o bloqueio da China à carne brasileira a Marfrig compensou com os outros dois braços de sua plataforma exportadora na América do Sul, no Uruguai e na Argentina. “A companhia está preparada para uma tendência de normalização do mercado, mas sem descuidar das características cíclicas do setor”, diz Tang David, diretor financeiro da Marfrig.

Apesar do desempenho positivo dos grandes grupos industriais, alguns resultados do setor expõem a fragilidade das perspectivas de crescimento do PIB em 2022. De acordo com a Pesquisa Mensal da Indústria (PMI) do IBGE, a indústria de transformação está apenas 4% acima do pior momento da primeira queda acentuada da economia, em 2015. Já a indústria extrativa está apenas 2% acima do piso. “A economia pode crescer sem a indústria, dizem os especialistas, mas sem ela é mais difícil”, afirma Júlio Gomes de Almeida, do Iedi

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