O que é preciso saber para alcançar um “emprego verde”

Um líder para essa área tem que unir conhecimento técnico e ter capacidade para influenciar

Por Vívian Soares — Para o Valor, de São Paulo


Viviane Mansi: “O profissional do setor, em posição de liderança, deve ter conhecimentos tanto técnicos como estratégicos” — Foto: Gabriel Reis/Valor

A carreira da executiva Viviane Mansi deu seus primeiros passos na área de ESG ainda no início da década de 2.000, quando poucas empresas tinham a sustentabilidade como tema estratégico. Hoje diretora de relações corporativas da Diageo Brasil, Mansi vê sua trajetória em retrospecto e reconhece que, há vinte anos, a sigla ESG, correspondente às estratégias ambiental, social e de governança das empresas, não estava no vocabulário dos executivos.

“Trabalhávamos com o que se chamava RSC (responsabilidade social corporativa), que tinha mais foco no que se fazia da porta para fora do que para as políticas internas da organização. Não por acaso, essa área frequentemente estava dentro do departamento de comunicação”, diz.

Com os anos, e a evolução do mercado sobre o tema, o ESG ganhou musculatura e independência nos organogramas, e a interlocução com os diversos stakeholders tornou-se uma de suas responsabilidades. “Essa agenda vem evoluindo rapidamente e está cada vez mais conectada com as prioridades do negócio. O profissional do setor, principalmente em posição de liderança, precisa ter conhecimentos tanto técnicos como estratégicos”, afirma Mansi.

O desafio de formação é complexo. Na prática, o líder da área de sustentabilidade precisa entender de temas tão variados como compensação de carbono e cadeia de suprimentos, ter visão estratégica do negócio, educar e influenciar stakeholders e atuar como porta-voz em questões ESG. Para atender a essa demanda, o profissional precisa se manter constantemente informado e transitar por diversos ambientes, dentro e fora da empresa. No caso de Mansi, além de participar de eventos do setor, a atualização também se dá em sala de aula - ela é professora de cursos de pós-graduação na área.

“Há uma enorme lacuna de capacitação nos chamados ‘green jobs’”, afirma Andrea Pradilla, líder da rede América Latina do GRI (Global Reporting Initiative), organização que criou um dos padrões mais utilizados de relatórios de sustentabilidade do mundo. Um dos braços do GRI é o Academy, que entre 2022 e 2023 formou mais de 800 profissionais brasileiros em temas relacionados a ESG.

No país, ela explica, os profissionais que mais demandam formação e certificação GRI são os que estão a cargo de relatórios de sustentabilidade ou assumindo a área em suas empresas. Outro perfil comum é o de profissionais em transição de carreira que querem ganhar novos conhecimentos para concorrer a esses “empregos verdes”. Também se destacam os líderes de associações profissionais ou de indústrias, e as consultorias, que veem a necessidade de instruir e acompanhar seus clientes nesse tema.

Outra organização global que oferece cursos de formação em ESG é o Pacto Global da ONU, cuja rede brasileira congrega mais de 2 mil empresas. Camila Valverde, COO e diretora de impacto do Pacto Global no Brasil, afirma que os workshops, lives e treinamentos são gratuitos para os membros da rede, e oferecidos em formato presencial e on-line, alguns deles com opções in company, que são pagas.

A demanda por cursos e o perfil dos participantes, segundo ela, denota uma lacuna no conhecimento sobre temas básicos de sustentabilidade. “Percebemos que falta entendimento sobre a própria sigla ESG e sobre os ODS [Objetivos de Desenvolvimento Sustentável]. Há muito desconhecimento em torno de legislação, tanto em direitos humanos, quanto de meio ambiente”, diz. Hoje, a rede brasileira do Pacto Global da ONU é a segunda maior do mundo, e a que mais cresceu na América Latina no último ano, o que demonstra que as empresas têm buscado formas de alinhar suas estratégias frente às temáticas ESG. “Como um programa da ONU, o Pacto Global acessa o conhecimento das diversas agências e conta com o envolvimento do poder público, de instituições de ensino e da sociedade civil para promover esse intercâmbio de conhecimento e experiências”, diz.

Essa diversidade de interlocutores é uma característica-chave da área de sustentabilidade. Boa parte dos profissionais seniores da área credita seu desenvolvimento às trocas entre diferentes partes interessadas, seja entre grupos de trabalho de setores específicos, seja em cursos com foco experiencial.

É o caso de Andrea Milan, diretora de ASG do Banco BMG, que participa de coletivos variados, formados por CEOs, diretores de empresas e líderes na área de diversidade e inclusão. “São grupos fechados, que trazem pautas à tona precisamente porque há uma falta de treinamentos específicos para profissionais nesse nível estratégico”, afirma. Para complementar o conhecimento necessário e as mudanças regulatórias, Milan colabora com discussões em entidades do setor financeiro como a Febraban, além de acompanhar assessments feitos por instituições como B3, CVM e o Instituto Ethos. “Ao fazer essas conexões, conseguimos ver onde precisamos nos desenvolver internamente, e trazemos pessoas para formar o time nas habilidades que faltam.”

A gerente corporativa de sustentabilidade da distribuidora de insumos agrícolas Lavoro, Monique de Oliveira, que começou sua carreira em comunicação, fez a transição profissional na década passada apostando em cursos, congressos e certificações como a do GRI, e um mestrado profissional em sustentabilidade na Fundação Getulio Vargas (FGV). “Ainda que tenha uma vantagem de que não é preciso ter uma formação prévia específica, a carreira em sustentabilidade exige muito investimento e estudo”, diz.

Oliveira se mantém atualizada fazendo cursos específicos sobre as demandas do setor agro, participando de eventos e fazendo leituras - muitas vezes consultando diretamente a legislação. Dependendo das especificidades de cada indústria, colabora-se muito com sindicatos, órgãos públicos e grupos de trabalho. “Mais do que entender ESG como disciplina geral, é essencial se aprofundar nas necessidades da empresa e seu setor. Não tem como esperar que a educação formal venha com um conhecimento que está distante do que se encontra no dia a dia”, diz Oliveira, que também realiza treinamentos internos para formar os times em temas ambientais e sociais.

Um dos pioneiros em realizar cursos e congressos na área de sustentabilidade no Brasil, o Instituto Ethos criou duas capacitações especificas no tema - uma voltada para tomadores de decisão, que faz a conexão entre o ESG e seus impactos no negócio, passando por mudanças regulatórias e institucionais, e outra focada em gestão de riscos no contexto da sustentabilidade. Segundo Ana Lucia Melo, diretora-adjunta do Ethos, o instituto tem feito experiências in company, que ajudam os líderes de empresas a entenderem esses temas dentro do contexto do seu setor e negócio. “O tamanho da dedicação e do aprofundamento desse conhecimento ainda depende do que as empresas definem voluntariamente para seu negócio. E isso varia diante das suas prioridades, estratégias e mudanças de conjuntura. Tenho uma grande expectativa de que o movimento de regulação fora e dentro do Brasil possa gerar mais desdobramentos no que a sustentabilidade pode gerar como benefício”, afirma a diretora-adjunta.

O cenário regulatório global, que não somente inspira empresas a reportar mais e melhor sobre seu impacto no meio ambiente e sociedade, também gera impactos nas cadeias de suprimentos, forçando as organizações a se adaptarem para continuar fornecendo bens e serviços para outros países. Pradilla, do GRI, afirma que novas diretivas como a da União Europeia (European Sustainability Reporting Standards, em vigor desde o ano passado), estão fazendo com que empresas na América Latina demandem mais formações para suas equipes em temas até então relegados a um segundo plano. “Não é suficiente entregar a informação sobre as normas, mas acompanhar os profissionais para que eles possam navegar nesse contexto de obrigatoriedade. E, principalmente, que não o façam apenas por conformidade, mas pelo compromisso com a medição de impacto e com a transparência com os stakeholders”.

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