Reaproximação é saída para estatais e atrai investimentos

Para especialistas, afinidade política entre governos de esquerda é fundamental para impulsionar negócios entre o Brasil e a China

Por Vivian Oswald — Para o Valor, de Brasília


Os presidentes Xi Jinping e Lula durante encontro na China, em 2023, quando 15 acordos bilaterais foram assinados — Foto: Ricardo Stuckert/PR

China e Brasil têm motivos de sobra para se concentrar no estreitamento de laços políticos atrás de novos negócios. Pequim vê na internacionalização uma saída para a expansão de suas estatais num momento em que o mercado doméstico dá sinais de arrefecimento. E não é só isso: a atual configuração geopolítica impõe ao país, às turras com os Estados Unidos, uma espécie de isolamento para o qual o antídoto é aproximar-se de aliados. Brasília, por sua vez, quer que as empresas chinesas invistam no Brasil e busca a ampliação da pauta de exportações para a China, inclusive a partir da ocupação do espaço deixado pelos americanos.

Os negócios entre os dois países cresceram nos últimos anos, mesmo que as relações políticas tenham esfriado durante o governo de Jair Bolsonaro. Os superávits da balança comercial com os chineses tiveram recordes sucessivos nos quatro anos do governo anterior. Mas está claro que a relação com a segunda maior economia do mundo não depende apenas de boas relações no campo dos negócios, sobretudo se a ideia for aumentar a pauta e seu valor agregado.

“As empresas chinesas fazem uma reflexão geopolítica. Se [a China] está isolada, é bom ter base maior em países com quem tenha boas relações”, diz Marcos Caramuru, ex-embaixador na China. Segundo ele, antes, buscavam ampliar sua presença no Brasil em setores em que eram mais eficientes, como em geração, distribuição e transmissão de energia. “Mais recentemente, o país está investindo fora, com o objetivo de compensar a redução do consumo no mercado interno chinês. Dada a situação geopolítica, quer aumentar suas bases em mercados grandes onde tenha mais oportunidades”, explica Caramuru, que, entre Pequim e Xangai, viveu mais de uma década no país. O Brasil é interessante também, segundo o embaixador, porque não tem necessariamente um viés pró-americano.

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Para Larissa Wachholz, sócia da Vallya Participações e ex-assessora especial do Ministério da Agricultura e Pecuária, o Brasil carece de acordos que garantam vantagens tributárias. Já a China tem muitos, inclusive com os EUA, em que ambos reconhecem as respectivas regras sanitárias. “Se desejamos uma pauta mais complexa, isso exige mais confiança entre os governos e uma relação política estável”, diz.

Por mais que seja seu principal fornecedor de produtos básicos, o Brasil ainda é, segundo ela, um mercado desconhecido na China - e, para agregar valor, é preciso aproximação política. Wachholz destaca que o Brasil passou a exportar milho para os chineses pela primeira vez no ano passado, ocupando parte do vácuo deixado pelos americanos devido às restrições de comércio impostas pelas disputas Pequim-Washington.

Claudia Trevisan, diretora-executiva do Conselho Empresarial Brasil-China, lembra que o Brasil ainda ocupou o lugar de principal fornecedor de soja para o país asiático, no lugar dos EUA. “Coincidiu com a guerra comercial entre China e Estados Unidos, que afetou, entre outras coisas, as vendas de soja americana aos chineses”, diz.

Dada a situação geopolítica, [a China] quer aumentar suas bases onde tenham oportunidades”
— Marcos Caramuru

Para Caramuru, o momento é propício para uma aproximação, até porque a China “tende a se sentir mais confortável em lidar com países com liderança de esquerda”. Enquanto a única visita de Bolsonaro a Pequim, em 2019, teve poucos resultados concretos e nenhum grande negócio - declarações polêmicas de aliados sobre o país asiático azedaram as relações -, Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente chinês, Xi Jinping, assinaram 15 acordos bilaterais e duas declarações conjuntas na viagem do brasileiro a Pequim, em 2023. Outras 20 parcerias foram firmadas por governos estaduais e entidades empresariais.

“A visita de Lula foi mais quente. O cidadão comum sabia que Lula estava lá. ‘Você é brasileiro, amigo da China’, me diziam”, lembra Caramuru, que estava no país asiático na ocasião.

A expectativa é que o líder chinês aproveite sua vinda em novembro ao Brasil, onde participará da cúpula do G20, para uma visita bilateral ao país. Este ano também marca os 20 anos da criação da reunião da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban). O diálogo político, segundo Trevisan, orienta também as relações que os governos provinciais chineses têm com países próximos. E o número de visitas de autoridades regionais ao Brasil cresceu muito, lembra.

Na ida de Lula a Pequim, os memorandos de entendimento foram anunciados para temas que vão da Amazônia à exploração espacial e à crise na Ucrânia. A pauta também incluiu discussões sobre comércio e investimentos, desdolarização, ciência, tecnologia e inovação, turismo, energias renováveis, combate às mudanças climáticas, economia digital, combate à fome, infraestrutura e vacinas. Ainda conversaram sobre reformas no Conselho de Segurança da ONU e a expansão do Brics, a partir da inclusão de seis novos membros plenos: Irã, Arábia Saudita, Egito, Argentina, Etiópia e Emirados Árabes. Para analistas, a nova configuração confirma a ideia de que a China estaria se fortalecendo em suas alianças contra o Ocidente. Isso pode dar ao Brasil mais poder de barganha na relação com Washington e, por sua vez, com Pequim. Mas a ideia é que o Brasil tenha cautela nesse quesito.

As relações sino-brasileiras costumam ser assimétricas, já que a China é mais influente. O Brasil não quer parecer ter viés para um lado ou outro, sobretudo diante de uma eventual volta de Donald Trump à Presidência americana. Há a mesma cautela em relação a Taiwan; o governo brasileiro já declarou aderir “firmemente” ao princípio de uma só China. “Não vejo possibilidade de o Brasil se meter nisso”, avalia Caramuru.

Para os especialistas, é preciso aproveitar a complementariedade das economias brasileira e chinesa. Críticos acusam a relação de desproporcional, já que Pequim tende a exportar produtos industrializados sem abrir as portas para manufaturados brasileiros na mesma proporção. Quem defende essa tese entende que a demanda por commodities e a competitiva indústria chinesa incentivam investidores brasileiros a priorizar o extrativismo, desestimulando a indústria local. Para outros, o problema está mais nas mãos de Brasília.

Conforme Trevisan, o que tira a competitividade do Brasil são custos de infraestrutura e logística e a falta de reformas importantes. Segundo ela, o país pode ser importante no processo de power-sharing da China ao atrair investimentos na área de indústrias renováveis. “Poderia haver uma estratégia nacional para fazer isso, para atrair não apenas investidores chineses”.

Segundo Caramuru, o que tinha de ser perdido para a China na América Latina já aconteceu. O país está entrando em segmentos novos da economia, e os governos precisam saber lidar com isso. Em relação ao e-commerce, lembra, o Brasil convenceu empresas chinesas a ter investimentos no país e a pagar impostos. “Para carros elétricos, eles têm uma capacidade produção que ninguém no mundo tem”, diz.

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