Violência drena PIB do país, e combate ao crime usa fórmulas antigas

Tema é preocupação permanente de investidores no Brasil e afeta até mesmo produtividade e preços de bens e serviços

Por — Do Rio


Nathalie Alvarado, do BID, cita evidências de programas de prevenção e que mais repressão nem sempre é mais efetiva — Foto: Reprodução/Youtube

Violência e criminalidade representam hoje um elevado custo para o Brasil e para toda a América Latina. Estudos de especialistas e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) estimam um gasto entre 3,8% e quase 6% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro com o problema, mesmo sem considerar reflexos em investimentos, por exemplo. Há impacto também sobre a capacidade de crescimento econômico, como alerta o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Um estudo recente conjunto de Confederação Nacional da Indústria (CNI), Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) traz nova luz para o tema, ao calcular em quase meio trilhão de reais as perdas com o mercado ilegal, que incluem contrabando, pirataria, roubo, concorrência desleal por fraude fiscal, sonegação de impostos e furto de serviços públicos. Nos últimos dias, a questão foi debatida até mesmo pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que citou ineficiência de alocação de capital e redução de produtividade como consequências do crime organizado.

Esses são apenas alguns dos canais de transmissão do custo da violência para a economia, apontam economistas. Incerteza, dificuldade de atração de mão de obra, problemas de concorrência, impacto em formação de capital humano, aumento de preço de bens e serviços com possíveis reflexos sobre a demanda são outros exemplos de como o crime contamina a economia. O tema é uma preocupação permanente entre investidores, que incluem a questão como parte do Custo Brasil e fator que pesa na tomada de decisões, dizem fontes ouvidas pelo Valor. Mesmo que seja difícil mensurar esse efeito em investimentos, há uma clareza de que haveria mais recursos em um panorama com níveis menores de violência.

Diante de um cenário de gastos já elevados em segurança pública, instituições multilaterais como BID e FMI e estudiosos defendem ênfase na qualidade dos gastos públicos no setor, com iniciativas baseadas em evidências e “não simplesmente mais polícia, mais repressão, mais sistema penitenciário”, como afirma a coordenadora do cluster de Segurança Cidadã e Justiça do BID, Nathalie Alvarado.

“Hoje temos mais evidências de que programas ou intervenções podem ajudar a prevenir a violência e que mais repressão não é muitas vezes a política mais efetiva”, diz. “Esse enfoque é efetivo na condução da questão da segurança.”

Pelas contas do BID, o gasto direto relacionado a violência e criminalidade representa 3,5% do PIB de América Latina e Caribe, ante 2% na média mundial. No Brasil, é de 3,8%. Desse montante, metade (1,9%) corresponde a gastos de empresas com segurança e o restante cabe a setor público (1,4%) e capital humano (0,5%).

O BID investiu US$ 485 milhões em sete projetos no Brasil nos últimos anos com foco no setor de segurança, seja em prevenção, seja no fortalecimento institucional. As iniciativas passam por ações para reduzir taxas de reincidência no sistema penitenciário, melhorar a eficiência policial em contextos urbanos e ampliar a capacidade de trabalhar com ciências de dados das políticas.

“Estamos dando efeitos de demonstração, de que intervenções desse tipo que estamos fazendo, baseadas em evidência, dão soluções, efeitos”, defende Alvarado.

O FMI também tem se pronunciado institucionalmente a favor dessa estratégia. “Com gastos em questões de lei e ordem já altos em muitos países e espaço fiscal limitado, autoridades devem trabalhar na busca de maneiras para aumentar a eficiência do gasto em segurança”, escreveu o FMI em relatório recente. No documento, estima que um aumento de 30% nas taxas de homicídio da América Latina reduza o crescimento da região em 0,14 ponto percentual”.

Outro cálculo com abordagem semelhante ao do BID é do Atlas da Violência, publicação feita em parceria pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Neste caso, o gasto é ainda maior, estimado em 5,9% do PÌB, sendo 4,2% de gastos privados e 1,7% de gastos públicos.

O pesquisador do Ipea e coordenador do Atlas, Daniel Cerqueira, explica que a estimativa de 5,9% do PIB é um piso para esses gastos, que podem variar ano a ano. Com esse montante de recursos, ele defende um cuidado cada vez maior para o perfil desses gastos.

“A política baseada em evidências funciona como uma vela na densa escuridão para nos apontar caminhos na segurança pública, da mesma forma que a ciência foi a tábua de salvação para nos livrar da pandemia da covid”, afirma.

Essas contas não consideram o que deixa de ser investido na economia pela influência do crime. Cerqueira aponta, no entanto, que há dois estudos que buscam estimar esse reflexo da violência nos investimentos. Em um deles, estima-se que cada 1% do aumento da taxa de crime levaria a uma redução de 0,26% dos investimentos. Outro trabalho olha para o efeito local do crime no investimento - usando como proxy as licenças para construção - e vê o impacto maior em ruas mais violentas.

“O crime gera incerteza e afeta investimentos. Sempre pode haver uma crítica ou outra, mas esses estudos mostram esses efeitos sobre investimentos privados”, diz.

Na avaliação do diretor de pesquisa macroeconômica para América Latina do banco Goldman Sachs, Alberto Ramos, os problemas de violência e segurança pública são vistos por investidores como uma questão semipermanente e que fazem parte do chamado Custo Brasil. Esse custo é levado em consideração na hora de decidir por um investimento, assim como a carga tributária e a legislação trabalhista brasileiras, por exemplo.

“A questão da violência tem sido uma coisa semipermanente no cenário brasileiro. Para o investidor na economia real, ao calcular sua rentabilidade, esse aspecto entra na conta do Custo Brasil, isso é levado em consideração”, diz.

Ele acredita que o aumento recente das discussões internas sobre a questão da segurança pública ainda está restrito ao ambiente doméstico e não há uma avaliação de “piora significativa” do cenário, como no Equador. Por enquanto, vê a situação fiscal, o potencial de crescimento econômico e a política monetária como os assuntos centrais de interesse do investidor.

“Mas isso não quer dizer que não tem impacto em investimentos. Só que é difícil saber o contrafactual, ou seja, o quanto seria o investimento se não houvesse custo maior de operar no Brasil por causa da violência. Se houvesse redução do crime, ajudaria a atrair recursos de investidores”, explica.

Em seminário recente promovido pelo Valor, a chefe de Pesquisa Econômica para América Latina e economista-chefe para o Brasil no JP Morgan, Cassiana Fernandez, citou a questão da criminalidade como um dos quatro pontos de atenção para os investidores estrangeiros no país.

“Segurança é um ponto que cada vez mais tem surgido no debate das empresas para investimento na América Latina de uma forma geral, e o Brasil não fica atrás disso. Principalmente quando fala com executivos de multinacionais, esse é um problema bastante relevante”, ponderou.

A opinião é compartilhada pelo diretor da Fiesp e da Firjan na área de segurança, Carlos Erane de Aguiar, que vê espalhamento do crime no país mais recentemente, para além de casos mais conhecidos como os de áreas do Rio de Janeiro. Aguiar diz que os números do estudo recente “O Brasil ilegal” são “alarmantes” e mostram as perdas para toda a sociedade.

“A violência, junto com o mercado ilegal, drena de forma crescente os recursos da economia, contribui para a sensação de insegurança do empresariado e precariza o mercado de trabalho. Isso compromete o futuro do país”, afirma.

Para o diretor-executivo da Câmara Oficial Espanhola de Comércio no Brasil, Alejandro Gòmez, a questão da segurança pública não está entre as prioridades na avaliação inicial dos investidores espanhóis no país, mas tende a ganhar mais importância em um segundo momento de operação das companhias. “As empresas espanholas enxergam mais as oportunidades, a segurança pública não é uma questão que preocupa inicialmente. Mas depois que chegam e passam a fazer parte da sociedade brasileira, entendem melhor a questão. Isso já é uma preocupação para empresas e executivos.”

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