O dólar à vista encerrou a sessão desta sexta-feira em alta forte, chegando a se aproximar do patamar de R$ 5,60. O pregão foi marcado por forte desvalorização do real, em dia que o euro também se aproximou do nível de R$ 6. A dinâmica se descolou do cenário externo, em dia de recuperação da maioria das moedas de mercados emergentes. Com a piora de hoje, o dólar teve valorização de 2,71% na semana; 6,46% no mês de junho; e de 15,17% no primeiro semestre de 2024.
Operadores imaginavam que parte da desvalorização do real pela manhã estava relacionada à formação da Ptax de fim de mês, quando há um embate entre “comprados” e “vendidos” para definição do nível do dólar. A moeda americana até chegou a acalmar, mas à tarde voltou a apreciar, renovando as máximas do dia e encostando em R$ 5,60. Ainda que um fluxo forte de saída possa ter ajudado, operadores tiveram um discurso uníssono em relação à percepção de risco local, que se aprofunda na ausência de anúncios concretos do governo sobre a seara fiscal.
Fechado o mercado à vista, o dólar comercial teve valorização de 1,46%, a R$ 5,5884, depois de ter encostado na máxima de R$ 5,5982. Já o euro comercial teve valorização de 1,52%, a R$ 5,9847. O real apresentou a pior performance entre as divisas mais líquidas acompanhadas pelo Valor. No fim da tarde, o dólar recuava 1,38% ante o rand sul-africano, 0,58% ante o peso mexicano e 0,78% ante o peso chileno.
O chefe de operação de câmbio de uma grande instituição financeira local havia dito pela manhã que nem todo o movimento do dia era resultado do técnico da Ptax. O profissional imaginava que cerca de 30% seria resultado da formação de nível do dólar. “O resto é tema fiscal que não tem nenhuma sinalização por parte do governo”, afirma. “Nesse caso, o mercado parece que quer ‘forçar a mão’ pra ver [até onde vai].”
De fato, houve um alívio no mercado de câmbio, ainda antes da formação da Ptax, perto das 12h. O movimento, no entanto, não se sustentou e a moeda americana voltou a valorizar à tarde, após a definição da cotação pelo BC.
O operador de um grande banco local menciona que houve grande fluxo na fomação da Ptax e o mercado não conseguiu absorver, mas que só isso não explica a desvalorização tão forte do real. “Não tem razão fundamental para o show de horror de hoje”, diz. “Todo mundo está machucado e o governo faz tudo para atrapalhar. Para destravar, agora acho que precisa um anúncio bom do governo.”
Na avaliação do profissional de uma grande gestora da Faria Lima, a percepção é de que o mercado esteve esperando ao longo do dia por uma intervenção no mercado de câmbio pelo Banco Central. “O real esteve ruim contra o dólar, e péssimo contra outras moedas”, observa.
O Valor apurou que, no fim da manhã, diante do descolamento entre o real e outras moedas emergentes, o BC entrou em contato com dealers de câmbio, em uma operação habitual para entender o motivo por trás da dinâmica negativa da moeda brasileira. Essa ação levou parte do mercado a esperar por uma atuação do BC após a formação da Ptax, o que não ocorreu.
Diante da piora sequencial da moeda brasileira nos últimos meses, alguns profissionais avaliam que fundos quantitativos, que operam muito com base em um padrão de eventos passados, estariam reforçando a aposta contra o real, já que não há um evento que interrompa esse movimento. E isso estaria alimentando o círculo vicioso no qual o real entrou.
O estrategista-chefe da EPS Investimentos, Luciano Rostagno, ressalta que hoje, com exceção do rublo russo, as moedas de mercados emergentes mostram recuperação. “Quando observamos as dinâmicas das moedas no exterior e o desempenho do real percebemos que mais de 70% do efeito de desvalorização desta sexta é resultado do ambiente interno”, diz. “Isso sem considerar que há uma poluição no dado de fora por conta do rublo russo. Mesmo assim, o peso do cenário interno ser acima de 70% já diz muito do movimento.”
Rostagno afirma que os dados fiscais divulgados hoje foram ruins, indicando um déficit alto para o mês de maio, maior que o do ano passado. “Como há grande preocupação com a dinâmica da dívida brasileira, isso se reflete no câmbio”, diz. “Além disso, tivemos mais uma rodada de críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao BC, e a indicação dele de que está buscando um nome para a autoridade que esteja alinhado com o governo, o que também causa preocupação.”
Com a piora do câmbio doméstico nesta sexta-feira, o dólar avançou 15,17% no acumulado do ano — fazendo, assim, o real a divisa com pior desempenho no ano, da relação das 33 moedas mais líquidas acompanhadas pelo Valor. “Ao fazer a decomposição mensal de junho, 77% da desvalorização do real em junho veio de fatores domésticos e 23% de motivos externos”, ainda segundo Rostagno. “É o quarto mês consecutivo em que o ambiente local contribui negativamente para a depreciação do câmbio brasileiro.”
Apesar da desvalorização forte, a volatilidade observada da moeda em junho está em torno de 11% enquanto a volatilidade implícita de um mês ronda 14%, o que é considerado um nível contido se comparado a outros patamares de momentos de estresse da divisa no passado.
O que tem chamado a atenção de operadores é que até então a piora do chamado “risk reversal” — estratégia envolvendo opções, que mede o diferencial de prêmio pago por uma p~roteção contra a desvalorização do real versus a proteção contra a valorização da moeda brasileira — não acompanhava a volatilidade. A estratégia de “risk reversal” é feita como forma de ‘hedge’ em contratos de opções e, mesmo não piorando tanto como no passado, passou a indicar que os investidores estão buscando mais proteção contra uma desvalorização maior do real. Ou seja, tem indicado que é maior a probabilidade do real piorar do que melhorar.