Uma das atividades econômicas mais afetadas pela pandemia e seus inúmeros lockdowns mundiais, o turismo retoma uma trajetória ascendente, embora ainda longe de exibir resultados nos níveis pré-pandêmicos. No ano passado, 900 milhões de pessoas fizeram as malas e embarcaram em busca de lazer ou de eventos, o chamado turismo de negócios, de acordo com os números da Organização Mundial do Turismo (UNWTO, na sigla em inglês). Foram US$ 7,7 trilhões gerados em receita e a criação de 21,6 milhões de empregos, totalizando 295 milhões de pessoas empregadas em alguma atividade ligada ao setor. As projeções para esta década, realizadas pela entidade em parceria com a Oxford Economics, indicam que a indústria deve chegar a 2030 com receitas próximas a US$ 15,5 trilhões e 430 milhões de empregos gerados. Vistos pela perspectiva socioeconômica, os números são animadores. Se analisados pela ótica da sustentabilidade, porém, são dados preocupantes.
Comparada a outras atividades, a turística não é a maior emissora dos gases do efeito estufa (GEE), respondendo por 8% das emissões totais, de acordo com a WTTC. Mas depende essencialmente do setor de transportes, o segundo maior emissor global de GEE, atrás apenas da geração de energia. “A indústria do turismo, bem como os governos do mundo todo, precisam rever o modelo de negócio e se ajustar às boas práticas de sustentabilidade”, afirma Xavier Font, professor e pesquisador da Universidade de Surrey, no Reino Unido. Ele está à frente do projeto europeu de desenvolvimento sustentável do turismo, cujo orçamento soma € 23 milhões (R$ 120,7 milhões), e é também conselheiro da coalização britânica para o turismo consciente, que envolve grandes players como TripAdvisor, Google, Expedia, entre outros.
Font afirma que a agenda ESG passa pelo estímulo ao turismo de curta distância e estadias mais longas, como indicam os resultados iniciais de suas pesquisas. “Para que eu vá do Reino Unido ao Brasil em férias, pelo menos 80% das emissões da minha viagem virão do transporte. Sem contar que as estadias estão cada vez mais curtas. O turista passa mais tempo dentro de aviões e navios do que nas cidades que visita”, diz o professor.
No ano passado, o setor do turismo brasileiro gerou receitas da ordem de R$ 208 bilhões. O número de visitantes estrangeiros foi de 3,6 milhões - ainda abaixo do registrado antes da pandemia, mas só entre janeiro e abril deste ano, o volume subiu 74%, sobre igual período de 2022. “A realização da COP 30 em Belém do Pará vai dar um grande impulso à agenda ESG e já estamos tratando com os setores envolvidos para que o turismo seja inserido na agenda”, afirma Jaqueline Gil, diretora de marketing internacional, negócios e sustentabilidade da Embratur. A inserção, explica ela, vai desde a criação de linhas de financiamento para a melhoria da infraestrutura turística, até a capacitação dos trabalhadores no setor.
De acordo com levantamento publicado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês), até o fim deste século, a temperatura da terra pode subir cerca de 2 °C, o que acarretaria a elevação no nível dos oceanos em pelo menos meio metro. Seria a sentença de morte para destinos turísticos cobiçados como as paradisíacas ilhas do Pacífico, que desapareceriam, e inundações sem precedentes em cidades costeiras. “O turismo de massa pode ser tão nocivo quanto as mudanças climáticas”, afirma Mariana Aldrigui, pesquisadora e professora de turismo na Universidade de São Paulo. Ela cita Veneza como exemplo. “Ali, o turismo foi tão intenso que foi preciso proibir a entrada de navios de cruzeiro.”
A pesquisadora diz que, apesar de todos os alertas emitidos pela natureza, a operação turística no Brasil ainda não iniciou sua jornada ESG. “O que temos são empresas que assumem compromissos com parceiros internacionais, mas é raro ver iniciativas nascidas aqui”, afirma. Apenas agora o governo federal começa a endereçar a questão. Por meio de nota, o Ministério do Turismo informa que está estruturando um plano nacional com ações climáticas sustentáveis e que planeja parcerias que “proporcionarão ações como o mapeamento de áreas de riscos em destinos do país”.
“A agenda ESG é incipiente no setor e, como nossa tarefa é a promoção do turismo internacional no Brasil, precisamos intensificar e acelerar os trabalhos”, afirma Saulo Rodrigues Filho, professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB) e gerente de sustentabilidade e ações climáticas da Empresa Brasileira de Turismo (Embratur). De acordo com pesquisa realizada pelo escritório de promoção de turismo da França, o Protourisme, 44% das pessoas entrevistadas consideravam mudar o destino das férias devido a preocupações ambientais - o que representa crescimento de 7% sobre o levantamento anterior e 16% maior que a pesquisa de 2019.
Segundo Rodrigues Filho, o plano em gestação na esfera federal vai desde ações para reduzir emissões dos GEE, passando por gestão eficiente de água, energia e resíduos - com meta de zerar o envio para aterros sanitários até 2030 - e melhora na gestão dos recursos naturais como parques ecológicos, praias e outros atrativos. “Vamos sobrepor o mapeamento das cidades mais vulneráveis, identificar os pontos turísticos ameaçados, para evitar o que aconteceu em São Sebastião [no litoral paulista] no início deste ano”, diz.