Foi no primeiro fim de semana de junho que o técnico em eletrônica Rafael Pons Haensel resolveu visitar Gramado, na Serra Gaúcha, com sua esposa e dois filhos. A cidade estava praticamente vazia, cenário bem diferente do que ele costumava ver desde a década de 1970, quando viajava com seus pais de Porto Alegre para passar uns dias na região.
“Dava até pena ver o comércio local. Hotéis esvaziados, lojas vazias ou fechadas”, disse. O relato representa o desafio do Rio Grande do Sul de retomar o turismo após a catástrofe provocada pelas chuvas.
Apesar de dificuldades em algumas localidades, parte significativa da infraestrutura turística do Estado foi retomada e as estradas, liberadas. O turista, entretanto, tem demorado a voltar. Gramado e outras cidades, liberadas já no fim de maio, viram a ocupação dos hotéis cair para 30% em junho, menos da metade para o normal do mês. Segundo representantes e empresários, a situação precária do aeroporto é o maior gargalo hoje.
Na primeira quinzena de junho, início da alta temporada, o Estado recebeu 24.920 turistas pelo modal aéreo, queda de 67,6% na comparação com igual mês do ano anterior.
As companhias aéreas brasileiras vão aumentar a frequência de voos para a Base de Canoas. No total, haverá aumento gradual dos atuais 47 voos por semana para 68. Fontes observaram que o aeroporto de Canoas tem capacidade para até 30 voos por dia. Um crescimento para além desse volume dependeria de investimentos em infraestrutura e levaria tempo - variáveis sensíveis para um terminal cuja operação de passageiros vai ser temporária. O terminal de Porto Alegre recebia cerca de 120 voos diariamente.
O aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, vai retomar na próxima segunda-feira (15) os serviços de embarque e desembarque de passageiros nos pisos 2 e 3, áreas que não foram impactadas pelas enchentes.
O secretário de Turismo do Rio Grande do Sul, Luiz Fernando Rodriguez Júnior, afirma que o Estado tem conseguido se reerguer e manter uma infraestrutura ao turista. “Regiões com muito fluxo turístico, como é o caso da Serra Gaúcha, não foram tão atingidas. Ela está operacional e com conectividade”, disse. A falta de aeroporto, entretanto, tem passado uma mensagem ruim ao turista de fora do Estado, sobretudo, de fora do Sul do país.
“É difícil para as pessoas verem um aeroporto fechado e achar que o Estado está apto a receber turistas”, disse o secretário. Hoje, 75% do turismo no Rio Grande do Sul é feito pelo modal rodoviário, mas até este segmento tem sido prejudicado com o turista ainda receoso. O turismo representa cerca de 5% do PIB gaúcho - considerando os efeitos indiretos, 11%.
Apenas Gramado tem hoje 23 mil quartos de hotéis. Em 2023, a cidade recebeu 8,1 milhões de turistas. Hoje, todas as estradas para a região foram liberadas. Mas Ricardo Bertolucci Reginato, secretário de Turismo de Gramado, disse que a falta de infraestrutura aeroportuária barra a chegada do turista. “De todas as pessoas que desembarcavam no aeroporto de Porto Alegre, 52% se deslocava para a Serra Gaúcha”, disse.
Sem o terminal, a ocupação despencou. “Em junho do ano passado nossa média de ocupação era de 70% - hoje, 30%”, disse. A grande dúvida é como vai se comportar o turista em julho, um dos principais meses do ano na cidade, junto de novembro. O turismo representa 86% da economia da cidade. O cancelamento de eventos prejudicou também a economia local, como o Salão Internacional do Couro e do Calçado (SICC). “Mas eventos públicos foram mantidos, como o Festival de Cinema (em agosto) e o Natal Luz (final de outubro).”
O hotel Ritter, na frente da Rodoviária de Porto Alegre, foi reaberto há duas semanas após chuvas deixarem diversos equipamentos submersos em quase dois metros d’água. “Reabrimos a torre da frente, com um custo de reforma de R$ 400 mil. A torre de trás não conseguimos reabrir ainda”, disse José Reinaldo Ritter, diretor do hotel e também presidente do Sindicato de Hotéis de Porto Alegre (SHPOA). A propriedade tem 237 apartamentos, sendo que a ocupação hoje beira os 18% - nesta época do ano, costuma ser entre 50% e 60%.
A aposta do setor em Porto Alegre é a manutenção de alguns eventos importantes na região metropolitana. Entre eles a Expointer (do agronegócio, no início de setembro), Expoagas (supermercados, em agosto) e a Construsul (de construção civil, em outubro).
Com os resquícios da crise gerada pela pandemia e essa nova tragédia a atingir a indústria, o setor de turismo do Rio Grande do Sul se uniu para lançar neste mês o RSNasce. A executiva-chefe da rede Swan Hotéis, Gabriela Schwan Poltronieri, é uma das fundadores do movimento, que já iniciou conversas com o poder público.
Uma das brigas do setor desde 2020 e que ganhou força agora diz respeito aos incentivos fiscais municipais. “Não à toa o setor permaneceu no Perse [Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos, do governo federal]. Muitas empresas estão endividadas e ainda sequer se recuperaram da pandemia”, disse Poltronieri.
Uma das vitórias recentes foi a redução, em Caxias do Sul, do ISS de 4% para 3% em diversos segmentos - alguns do turismo. O setor tenta reduzir a alíquota para 2% no ano que vem. O mesmo tem sido pedido em Porto Alegre, mas as sinalizações não seriam favoráveis.
A falta de turistas é uma realidade também nos parques nacionais de Aparados da Serra e Serra Geral, no Rio Grande Sul, administrados pela Urbia, empresa que também tem a concessão do Parque do Ibirapuera, em São Paulo.
“Apesar de os parques não terem sofrido consequências graves com as fortes chuvas, os problemas de circulação por estradas e o comprometimento da aviação nacional dificultou sobremaneira o acesso dos visitantes aos parques”, disse e Urbia, em nota. O volume de turistas em junho caiu 70% em relação ao mesmo período de 2023.