Quando o assunto é ESG, o foco geralmente são as duas primeiras letras da sigla, que representam meio ambiente e social. Fala-se menos sobre a importância do “G”, de governança, mas é justamente esse o pilar que garante que as ações das outras duas letras sejam efetivas e que toda a operação de uma empresa funcione a contento. Uma boa governança pode direcionar uma companhia para o cumprimento do seu planejamento estratégico, além de minimizar riscos e impactos negativos e potencializar efeitos positivos.
Uma das atuações mais relevantes dentro da governança corporativa é o compliance, também conhecido como conformidade legal, do qual é parcela imprescindível o complicance criminal. Casos recentes de companhias envolvidas em denúncias de crimes digitais, pirâmide financeira e lavagem de dinheiro comprovam sua relevância. Não é coincidência que os custos globais de empresas com compliance contra crimes financeiros, por exemplo, já superem os US$ 206 bilhões, segundo um estudo da LexisNexis. Só na América Latina, o investimento foi de R$ 15 bilhões, liderado pelo Brasil.
Ainda assim, uma estimativa da consultoria estratégica McKinsey indica que as fraudes corporativas fazem as empresas da região perderem cerca de US$ 130 bilhões por ano. Mais da metade (57%) delas alega que o impacto representa cerca de 5% do Ebitda (lucro antes de pagamento de juros e amortização).
Na governança corporativa, o compliance criminal ajuda negócios de todos os tamanhos. É esse tipo de prática a responsável por implantar procedimentos para evitar condutas ilícitas por parte de colaboradores – principalmente nos níveis hierárquicos mais altos, como diretores e gerentes – e zelar pelo cumprimento de leis, regulamentos e contratos.
Se estruturada de maneira séria, em linha com o modelo de negócio e a operação, ela é capaz de evitar danos financeiros relevantes e, ainda mais importante, reputacionais. Diferentemente de uma multa pontual, um dano na reputação de uma marca pode afetar sua receita e a geração de negócios por anos a fio – como disse uma vez Warren Buffet, “leva-se 20 anos para construir uma reputação e apenas cinco minutos para arruiná-la”.
A necessidade se torna ainda mais imperativa em um cenário de pressão para empresas se adequarem às práticas ESG, tanto por parte da sociedade quanto dos governos, com regulamentações cada vez mais incisivas e complexas. Aliado a isso, órgãos reguladores como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), estão com o olhar cada vez mais vigilante sobre o tema. Por isso, além de entrar em conformidade legal, também é necessário estimular uma cultura de regularidade em todas as etapas da operação e níveis hierárquicos, além de manter-se atento à atuação dos parceiros (ou, no jargão do compliance criminal,
Know Your Client), já que, muitas vezes, as empresas podem responder por problemas em sua cadeia fornecimento. Só assim uma organização vai conseguir se antecipar e manter regularmente uma prática empresarial livre de riscos dessa natureza.
Os ganhos com a adoção de uma prática robusta de conformidade, inclusive quanto às normas penais, são muitos. Empresas que demonstram um compromisso sólido com a conformidade são vistas como mais confiáveis e éticas, o que naturalmente atrai clientes, investidores e parceiros. Riscos jurídicos são reduzidos, há uma tendência de melhoria da reputação a longo prazo e até mesmo na eficiência operacional. No entanto, não se cria uma atuação dessa do dia para a noite. Além de uma consultoria jurídica adequada, capaz de desenvolver estratégias eficazes para mitigar riscos, proteger a reputação e garantir a sustentabilidade a longo prazo, é preciso cumprir algumas etapas.
A primeira é a adoção de um programa contínuo de educação e treinamento para todos os funcionários, desde a alta administração até os níveis de base. As políticas e procedimentos a serem implementados precisam ser claros e detalhar as expectativas de conformidade, com fácil acesso a todos os colaboradores.
Outro ponto importante são as ações de monitoramento e auditoria que visam garantir que essas políticas estejam sendo seguidas. Auditorias internas regulares ajudam na identificação e correção de possíveis desvios, antes de se tornarem problemas maiores.
Depois, a organização deve criar uma comunicação de mão dupla com os seus colaboradores. Canais de comunicação confidenciais onde eles se sintam confortáveis para relatar preocupações ou possíveis violações de conformidade sem medo de retaliação são crucias para a criação de uma cultura de transparência.
Por último, é necessário estabelecer responsabilidades e consequências claras para o não cumprimento das normas. Nesse sentido, é a alta administração que deve liderar pelo exemplo, demonstrando um compromisso inabalável com a conformidade.
Em um mundo onde a disrupção é a regra, a pergunta não é "se" sua empresa está preparada para enfrentar os desafios do compliance criminal, mas sim "quando" a próxima crise a colocará à prova. A conformidade legal não é mais um diferencial, mas um imperativo estratégico para navegar no mar turbulento do mercado atual. Ignorar essa realidade não é apenas arriscado, é nadar em direção à própria extinção.
Sobre os autores
André Coura é advogado criminalista e fundador do Coura e Silvério Neto Advogados. Graduado e Mestre em Direito pela Universidade FUMEC (MG). Com intensa atuação, há mais de 14 anos, no consultivo e contencioso estratégicos para pessoas e negócios, em projetos de compliance criminal e investigações e processos criminais de alta complexidade, especialmente, perante os Tribunais Superiores e envolvendo a matéria penal econômica, financeira e empresarial.
Antônio Silvério Neto é advogado criminalista e fundador do Coura e Silvério Neto Advogados. Advogado atuante há mais de sete anos na área criminal, com foco no consultivo e contencioso criminal, notadamente em casos de grande complexidade, principalmente operações dos órgãos policiais. Especializado em manejo de Habeas Corpus e manejo de recursos perante os Tribunais Superiores. Consultor jurídico para compliance criminal empresarial e ESG (Environmental, Social and Governance). Graduado em Direito e pós-graduado em Direito Penal e Criminologia pela PUC-RS.
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