Contando um pouco da longa história da nossa editoria de Carreira nos 23 anos de existência do Valor para o grupo do curso de trainees do jornal, além das muitas lembranças que vieram à tona, fiquei pensando no significado daquele gesto. Mais do que reviver desafios, conquistas e invenções, aquele momento me fez refletir sobre a importância de reunir toda a nossa experiência e, principalmente, sistematizá-la. Não fiz nada espetacular, apenas um PPT (bem “simplinho”) explicando a estratégia por trás das nossas colunas, produtos e serviços com o objetivo de mostrar a nossa evolução rumo ao digital. A ideia era explicar para os alunos o que fazemos de uma forma bem objetiva, pensando que alguns podem vir a trabalhar na área.
Me dei conta de que, na realidade, estava colocando em prática o que aprendi sobre gestão do conhecimento. Já escrevi muito sobre esse tema e me surpreende que muitas empresas ainda não vejam valor nesse resgate de práticas e histórias que pode encurtar o caminho para quem está chegando na companhia ou trazer insights para pessoas de outras áreas. Algumas pessoas podem estar neste exato minuto quebrando a cabeça para testar ou resolver um problema que alguém já experimentou ou solucionou antes.
A gestão do conhecimento feita de forma estruturada agrega um enorme valor ao negócio, poupa tempo de aprendizado para a execução de processos e tarefas que só alguém que foi embora ou se aposentou sabia fazer. Uma troca de bastão mal gerenciada pode resultar em uma queda da produtividade, que poderia ter sido evitada.
Um estudo da consultoria Mckinsey mostra que um empregado médio passa 1,8 horas todos os dias pesquisando e coletando informações na empresa devido a dados desorganizados e mal gerenciados. Quando os funcionários não encontram as informações de que precisam, acabam tendo que arregaçar as mangar e ir atrás delas pessoalmente para concluir sua tarefa. O IDC estima que até 50% do conhecimento de uma empresa não pode ser pesquisado de forma centralizada. Isso significa que a maioria dos funcionários gasta mais tempo recriando o conhecimento existente do que capturando novos conhecimentos. Ou seja, têm menos horas para pesquisar, criar, aprender e inovar.
Hoje com o avanço das novas tecnologias, existem muito mais ferramentas para lidar com essa questão. São sistemas inteligentes que juntam, codificam, ordenam e armazenam dados. Mas existe o lado humano dessa questão.
Uma vez um executivo de recursos humanos de uma fabricante de elevadores contou uma história que ilustra bem o que pode acontecer quando não existe boa vontade em passar o que se sabe adiante. Situações que quase ninguém vê.
O caso envolveu um especialista com muitos anos de casa que estava verificando um problema em um elevador, que não estava sendo identificado pelo sistema de controle tecnológico. Com ele, estava um funcionário mais novo, recém-contratado, escalado para acompanhar seu trabalho e aprender. Quando o mais experiente descobriu o que estava provocando o pane na máquina, ele jogou a chave de fenda no poço do elevador e pediu para que o mais jovem fosse buscar no andar térreo. Enquanto isso, consertou tudo sem precisar revelar seu “segredo” para o aprendiz.
Esse tipo de situação não pode ser contornada pela área de tecnologia, trata-se de uma questão de gestão de pessoas. É preciso um trabalho de conscientização dos funcionários sobre a importância dessa passagem do conhecimento, em todos os níveis, da liderança ao chão de fábrica. As pessoas precisam perceber o sentido de compartilhar o que sabem em prol de uma maior eficiência do negócio. O ambiente corporativo deve favorecer o aprendizado coletivo e a percepção de que a prosperidade da organização vai beneficiar a todos, independentemente do trabalho que executam. E, mais, que toda função importa na hora de fazer a engrenagem maior funcionar.
Do ponto de vista do indivíduo, ensinar pode ser tão gratificante quanto aprender. Fazer um inventário do seu histórico profissional ou da área em que atua e ter a oportunidade de contar isso para quem está chegando, como eu fiz com o grupo de trainees, é uma forma de entender a sua própria trajetória. O poder do storytelling, como ressaltou Vicky Bloch em sua última coluna. Boa parte do aprendizado que acontece no ambiente de trabalho é tácito, intuitivo, vem da experimentação, não é teórico e não deve ser deixado para trás. Seu valor é inestimável.
Stela Campos é editora de Carreira
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