Nos últimos 20 anos observamos uma drástica mudança na construção dos ciclos de carreira. A permanência de um profissional em uma organização era, em média, de 12 anos em 1980 e 1990. Hoje, o ciclo médio é de 4 anos.
A estabilidade proporcionada pelos planos de carreira corporativos cedeu diante do cenário de adaptação rápida dos negócios. Essa instabilidade exigiu dos profissionais uma postura mais ativa na gestão de suas trajetórias, tornando-os protagonistas de suas carreiras. O mercado, cada vez mais competitivo por talentos, contribuiu para a redução do tempo médio de permanência dos profissionais nas organizações.
A crescente jornada na busca de satisfação profissional, associada ao equilíbrio de vida e trabalho, também determinou aumento do turnover nas empresas. Durante a pandemia surgiu um fenômeno chamado “a grande renúncia”, movimento onde um número significativo de profissionais decidiu trocar de trabalho ou mesmo ficar desempregado até encontrar algo alinhado aos seus interesses. Embora possa ser restrito a um grupo mais atrativo ao mercado, essa elite intelectual determina muito das mudanças na forma de conduzir as escolhas na carreira.
A lealdade corporativa é parte do velho mundo do trabalho. As relações de longo prazo ficaram restritas a um grupo pequeno de profissionais. Um deles é o sr. João, um profissional que conheci em uma de minhas muitas palestras. Com mais de 50 anos de empresa, uma seguradora multinacional com escritório em São Paulo, ele é um dos últimos devotos organizacionais. O sr. João construiu sua trajetória inteira e foi guiado pelo tradicional sistema de plano de carreira da empresa. Atualmente está aposentado, mas quer seguir trabalhando por ser um apaixonado pelo que faz e conta com o orgulho que sente pela sua trajetória na organização.
Do outro lado, observamos um crescente perfil chamado de “pula-pula”. Os ciclos de trabalho são frenéticos, e essa pessoa está sempre em busca do próximo passo. Sua motivação é o crescimento linear, acompanhado de aumento de cargo e salário. Costuma trocar com tanta velocidade de emprego que, durante uma entrevista, gasta mais tempo justificando suas mudanças do que apresentando aquilo que realizou. Ou seja, mal chega a realizar algo e já mudou de empresa novamente.
O pula-pula é um ávido protagonista da sua trajetória. Usa as empresas para crescer e se destacar. O projeto empresarial só funciona se estiver a serviço dos seus interesses.
Recente pesquisa realizada no LinkedIn com 4.467 profissionais mostrou que 40% pretendem trocar de emprego neste ano. O apetite para pesquisar oportunidades é cada vez mais alto.
Profissionais como o seu João são cada vez mais raros e fazem parte de um mundo do trabalho em extinção. A busca por novas empresas e a necessidade de oxigenar a carreira são atitudes válidas, porém, o ponto central é a construção de ciclos consistentes: os resultados, a marca que fica e o legado.
A análise a ser feita, antes de buscar uma nova oportunidade, é avaliar a consistência das entregas e da história deixada na empresa. Trocar simplesmente pela motivação salarial, ou sem uma reflexão mínima, pode deixar sequelas irreparáveis na reputação profissional.
Um mercado mais dinâmico que estimule protagonismo, cultura de aprendizagem e desenvolvimento é fruto da evolução no mundo do trabalho. Com isso, precisamos ser responsáveis pela construção de uma trajetória consistente. E se você está entre os 40% que buscam novas oportunidades em 2024, avalie o ciclo que está construindo na empresa atual e pense na potência das entregas feitas antes de se lançar ao novo.
Rafael Souto é sócio-fundador e CEO da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado