Dias atrás, no Insead, tive uma ótima conversa com Subramanian Rangan, meu amigo há quase 30 anos, também colega e professor na instituição.
Falamos das semelhanças entre, de um lado, as empresas de países emergentes como Índia e Brasil e, de outro, as americanas e europeias. Isso é tema de minhas pesquisas há mais de 25 anos. Analisamos os desafios a enfrentar em um mundo que dá espaço extraordinariamente grande a aparências e narrativas. Repudiamos o mundo que por vezes transforma siglas de importante significado como ESG em peças mercadológicas. Buscamos alternativas para as dificuldades de “encaixar” culturas relacionais como a brasileira e a indiana em modelos típicos dos Estados Unidos.
A cultura é, sobretudo, a arte de administrar paradoxos - e tratamos aqui dos valores reais, e não daqueles “pra inglês ver”. Mas qual é o ponto optimum da força da cultura? Intuitivamente todos a querem forte, é de sua força e de sua essência que devem derivar as escolhas de gestão e de negócio. Mas atenção! O desafio é não deixar que ela siga seu curso de modo estático, que se ossifique. Esse caminho é sombrio. O desafio é também não deixar que a cultura se fragilize pelos movimentos do negócio sem que as pessoas percebam e entrem no “cheque especial”. Mas o que mesmo fragiliza a cultura?
Fragilizam a cultura o crescimento contínuo e a implementação de fusões e aquisições sem a devida gestão da integração cultural. Embora haja dirigentes que minimizam a complexidade disso, temos casos exemplares. Aqui um breve parêntese: dias atrás, no Insead, lançamos oficialmente um “case” desenvolvido por BTA e Insead sobre a bela experiência da Suzano, que tivemos o privilégio de apoiar: levamos para o mundo formador de opinião um pedaço do Brasil que dá certo!
Fragiliza a cultura a presença de pessoas novas no topo, mesmo em pequeno número, sem onboarding robusto, que se baseie na compreensão profunda da essência da empresa.
Fragiliza a cultura não se atentar ao fato de que a essência é o “fio terra” da organização, sobretudo em tempos de ventos fortes, mudanças, incerteza, crise.
Fragiliza a cultura o sucesso ou a arrogância de “organizações” e executivos que, no afã de deixar sua marca, expõem a organização ao risco de ter sua essência e sua base competitiva destruídas (seria seu caso, leitor?, tomara que não).
O complicado é que, sem conhecimento robusto do tema, as pessoas “surfam” na onda da cultura e embaralham o jeito de ser e o jeito de fazer da organização, expondo-se ao risco de corroer sua lógica competitiva. Não raramente, decisões de negócio testam valores. E, como revelado em nossas pesquisas, quando na tomada de decisões se ignora a essência da organização pode-se até ter sucesso no curto prazo, mas entra-se lenta e gradativamente em uma zona de risco: a organização perde aos poucos sua essência e às vezes só se dá conta disso quando já perdeu quase tudo. O resultado é a queda do desempenho empresarial.
Valores são questão de escolha, de decisão. Negócios também são questão de escolha, de decisão. Ambos se embaralham, pois, afinal, valores são negócio e negócio é também cultura.
Betania Tanure é doutora, professora e consultora da BTA