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Falar sobre diversidade é um tema recorrente para quem escreve na editoria de Carreira, mas confesso que foi bem longe do mundo corporativo que tive a oportunidade de ver o valor de um ambiente de fato inclusivo. Aconteceu há algumas semanas quando fui assistir meu filho participar de um campeonato paulista de kung fu.

Eu já tive minha curta experiência nessa prática há alguns anos, na modalidade louva-deus, mas um problema no joelho me obrigou a desistir, sem nunca deixar de admirar. Para uma pessoa com mais de 45 anos, decorar quase 40 movimentos, de uma coreografia complexa que inclui decisões de direita e esquerda, para passar de faixa, pode ser complicado. Isso exigia uma concentração suprema, o que para pessoas ocupadas e estressadas como eu era maravilhoso. Se um pensamento de preocupação com o trabalho surgia, pronto, era impossível continuar a partir dali, tinha que voltar do começo. Então, era preciso foco absoluto nos movimentos, o que era muito relaxante. Cheguei à faixa amarela, a segunda, quase não acreditei quando consegui.

Mas voltando àquela manhã de domingo no campeonato, existiam três grupos de juízes e competições simultâneas. Concentração em alta, cada um fazendo seu movimento como se estivesse sozinho. E lá estavam competidores de diversas idades, gêneros, etnias e classes sociais. Para praticar kung fu, inclusive, não é preciso ter um biotipo certo. Gordos, magros, altos, baixos, nada é um empecilho para se desenvolver nessa arte milenar. As habilidades é que contam e elas podem ser adquiridas com dedicação e empenho.

Idosos com mais de 70 anos e crianças de 4 estavam se apresentando, lado a lado. Os mais graduados, os menos graduados, todo mundo dando seu máximo na quadra. A competição era por medalhas e venciam aqueles com os movimentos mais bem executados, geralmente, com maior leveza. Alguém pode ter saído chateado por não ter ganhado a maior nota, mas em quatro horas de campeonato não vi ninguém receber um 10 dos juízes. No máximo, 9,98. Por quê? Sabedoria chinesa, é sempre bom deixar uns pontinhos a desejar. Os iniciantes não podem receber notas acima de 7, os intermediários podem alcançar entre 8 e 9 e só os pais mestres, os sifus, chegam a 9 ou quase 10.

Algumas apresentações são de tirar o fôlego, a destreza com as espadas, bastões e leques são difíceis de descrever. Os paramédicos estão sempre por perto porque até os grandes mestres podem errar um golpe e se machucar. No geral, as apresentações são individuais, mas às vezes elas acontecem em duplas. Trata-se de um trabalho de absoluta sincronia. O vacilo de um pode significar um golpe doído no outro. O certo é ninguém se encostar de verdade.

Kung fu — Foto: Pexels
Kung fu — Foto: Pexels

O único momento de luta do campeonato aconteceu com duas duplas se enfrentando no sanda ou boxe chinês, uma arte marcial desenvolvida há quatro mil anos. Os primeiros a se enfrentarem foram dois adolescentes. As torcidas se acenderam. Quando um deles foi a nocaute e o vencedor teve seu braço erguido pelo juiz, imediatamente após, ele abraçou o amigo e atravessou a arena para cumprimentar também o técnico do adversário. Sem ressentimentos, respeito pelo outro. Os competidores saíram juntos e sorrindo, depois de muito soco.

Esse respeito observei também quando, em uma apresentação individual, um competidor viu sua espada literalmente voar. Naquele momento, ele sabia que havia perdido a medalha. Foi aplaudido no mesmo minuto. Quando os que estavam competindo com ele levaram as medalhas de ouro, prata e bronze, ele foi aplaudido novamente. Uma manifestação de reverência ao seu esforço.

Meninos e meninas, de 4 a 10 anos, depois de competirem em suas categorias infantis, acompanhavam atentamente da beira da quadra a participação de seus mestres. Uma garotinha vibrou muito ao ver seu professor vencer a luta de sanda. Cheia de orgulho, batia palmas sem parar. Ao mestre todo o carinho.

O Oswaldo, mestre do meu filho, participou como juiz. Sua história reflete um pouco dessa cultura que observei no campeonato. Ao saber que a unidade que comandava da academia de kung fu ia fechar, ele decidiu manter o lugar e se aventurar como empreendedor. Ele tinha poucos recursos, mas era muito querido pelos alunos. O espírito coletivo transformou o lugar. Os estudantes se reuniram para comprar tinta, pintaram e ajudaram no que puderam. Ele retribui até hoje sempre melhorando a experiência dos estudantes, inovando, buscando novos métodos, se atualizando. Ele não treina apenas, mas conta histórias que aprendeu com outros mestres. Mantém vivo o espírito de equipe, promove festas, encontros em que todos colaboram de alguma forma.

Meu filho ganhou medalha de bronze no seu primeiro campeonato naquela manhã, uma nota acima de 8. Ele é faixa roxa, está quase lá. No meio da sua apresentação, ele conta que teve um lapso de pensamento que quase o fez esquecer tudo, mas continuou. Me enchi de orgulho de ver ele se superar e do quanto aquele dia me fez entender a importância de se ter ambientes diversos, de ter respeito ao outro e o poder de um trabalho em equipe onde existe admiração e confiança.

Stela Campos é editora de Carreira
E-mail: [email protected]

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