Na última semana, entrevistando a CEO de uma multinacional, com bons resultados no país e meta de crescimento atingida anos antes do tempo previsto, ela me disse que quando assumiu a posição há sete anos sentiu-se simplesmente frustrada. Pode parecer um contrassenso alguém que fez carreira em uma companhia e conseguiu chegar ao topo aos 30 e poucos anos dizer isso. Ela era, inclusive, a primeira mulher a assumir o comando na história da empresa no país, um feito e tanto em um setor historicamente mais masculino. O que havia feito sua percepção ficar tão negativa no momento de maior sucesso de sua carreira?
“Nunca me senti tão sozinha”, ela me disse. De repente, as pessoas se afastaram ou assumiram uma outra postura na sua frente. Ela sabia que dali em diante, sua rotina passaria a ser tomar decisões e, por mais que se cercasse de pessoas com informações e dados para ajudá-la, a palavra final seria sempre a dela. Ninguém sabe o peso dessa responsabilidade até sentar-se nessa cadeira, comentou. Decidir, escolher, significa na maior parte das vezes, agradar alguns e desagradar outros. Significa, às vezes, optar por uma solução que eventualmente pode não trazer os melhores resultados para o negócio. Significa saber ouvir as críticas, assumir erros e acertos o tempo todo.
Essas mudanças eram um movimento natural, pensou a executiva, e que seria apenas uma questão de tempo até se acostumar a ter todo esse poder. Perguntei o que mais a incomodava naquela mudança de status, além desse sentimento de estar só nas decisões finais. “Estava deixando de fazer um trabalho que eu amava”, ela respondeu. Engenheira, antes de se tornar CEO, ela comandava uma diretoria importante ligada à área de operações. A gestão de pessoas já fazia parte da sua função e não era um problema, porque ela já tinha quase 700 funcionários sob sua responsabilidade. O que lhe causava certa angústia era saber que como número um da companhia, dificilmente ela colocaria a “mão na massa”, no operacional.
Alguns meses se passaram até que essa CEO começou a sentir que estava se encontrando na nova posição. Ela se deu conta de que suas decisões agora impactariam muito mais pessoas, incluindo as famílias dos funcionários. Isso significava uma responsabilidade ampliada, mas também uma motivação a mais para liderar. Tudo o que fizesse, ela sabia, seria observado e analisado de perto, então era preciso se acostumar com os holofotes. Outra constatação é que não seria mais possível centralizar as decisões, um hábito que havia adquirido como especialista.
No comando, um CEO precisa se cercar de pessoas com a expertise que lhe falta, em todas as áreas, e ter sempre talentos melhores que ele à sua volta. Essa é uma teoria conhecida, mas colocá-la em prática não é nada simples. O gestor centralizador, por natureza, é um perfeccionista. Tudo deve ser feito do melhor jeito, que ele acredita ser o dele. A obsessão por fazer tudo perfeito era algo que consumia uma energia descomunal dessa executiva. Isso chegou a causar efeitos nefastos em sua saúde. “Tive arritmia cardíaca, fui parar no hospital”, conta.
Escutei muitos relatos semelhantes ao dela nos últimos anos. Vivemos uma escalada pela produtividade, por resultados a qualquer custo, intensificada na pandemia, que tem levado muitos profissionais a sacrifícios pessoais que resultaram no aumento de doenças relacionadas ao trabalho, como, por exemplo, o burnout. Mas foi preciso chegar ao limite para que essa executiva decidisse que era essencial delegar mais. Para ela, isso não era natural nem confortável, porque muitas vezes era preciso aprovar trabalhos que ela acredita que teria feito diferente e que, na sua opinião, simplesmente “não estavam perfeitos”. A lição foi aprendida: faz parte do jogo.
O lugar do líder é outro, por mais que ele goste de executar e estar na operação, o seu ponto de vista é estratégico. Ele olha o cenário, imagina o futuro, traça um projeto para a organização e precisa pensar por todos. Hoje, ela se sente feliz por estar nesse cargo, mas diz que o processo até encontrar seu lugar na liderança foi dolorido. Foi preciso fazer coaching, investir no autoconhecimento e ter sangue frio para tomar decisões difíceis e, por vezes, impopulares.
Nem todo profissional vai gostar de estar nessa posição ou tem o perfil certo para aguentar o tranco. Uma vez chegando lá, contudo, é hora de ter humildade para aprender do zero. Estar na liderança sempre será um desafio diferente de todos os outros que as demais pessoas da organização enfrentam. Ter essa consciência já é um primeiro passo para ser bem-sucedido.
Stela Campos é editora de Carreira
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