Como fazer a mudança de mentalidade de que precisamos para salvar a Terra - e a nós mesmos? Para buscar inspiração e encontrar as soluções para os problemas complexos de um mundo em aquecimento, Um Só Planeta e “Época Negócios” reuniram em São Paulo cerca de 100 executivos, empreendedores, investidores e especialistas em sustentabilidade.
O evento Mind The Gap abordou na terça-feira (27) como podemos construir uma sociedade mais resiliente às mudanças climáticas. O termo em inglês faz alusão à distância que existe entre o trem e a plataforma, um lembrete para prestarmos atenção às discrepâncias entre expectativas e realidade, e trabalhar para saná-las.
Para inspirar as discussões, o encontro teve dois painéis temáticos: um sobre mudança de mentalidade, com participação do professor e ativista indígena Edson Kayapó e da especialista em investimentos sustentáveis e de impacto, Mariana Cançado; e outro sobre adaptação climática nas cidades, com Monique Evelle, fundadora da Inventivos, Pedro Henrique de Christo, urbanista climático, e Roberto Speicys, CEO da startup de mobilidade Scipopulis.
A plateia também pôde assistir a vídeos gravados especialmente para a ocasião.
A futurista Amy Webb destacou a necessidade de mais colaboração entre empresas, governos e cidadãos. Apontou caminhos simples para adaptação, mas que precisam de incentivo, como a instalação de painéis solares transparentes em residências e prédios comerciais, e o investimento em sistemas avançados de monitoramento e análise de dados, para prever padrões climáticos e identificar vulnerabilidades. “Eu não sei exatamente como será o amanhã, mas sei que juntos temos a chance de gerar um impacto positivo”, afirmou.
O cientista Carlos Nobre, referência mundial em estudos climáticos, destacou como a Terra vem quebrando recordes perigosos. “Pensávamos que atingiríamos pela primeira vez um aumento de temperatura de 1,5°C um pouco antes de 2030, mas chegamos a esse ponto sete anos antes. De julho de 2023 até junho de 2024, em todos os meses, esse limite foi ultrapassado. Os oceanos bateram todos os recordes de temperatura, nunca estiveram tão quentes.”
Ele destacou a importância das metas brasileiras para a redução das emissões e do desmatamento e a necessidade de o país abraçar soluções de adaptação, como a agricultura regenerativa, e investir em infraestrutura para proteger comunidades vulneráveis.
Jornalista climático e autor do livro “The Heat Will Kill You First” (“O Calor Vai te Matar Primeiro”, em tradução livre), Jeff Goodell ressaltou que os mais pobres sofrem mais com as ilhas de calor urbano, já que as comunidades de baixa renda têm menos áreas verdes e sombras. Ele propôs soluções como plantar mais árvores, usar telhados brancos e verdes e apostar em construções que utilizem ventilação natural em vez de ar-condicionado para tornar os espaços urbanos mais frescos.
A crise climática, disse Goodell, exigirá mudanças profundas em como projetamos cidades, cultivamos alimentos e gerenciamos o consumo de energia. Apesar dos desafios e do título “apocalíptico” de seu livro, ele acredita que podemos construir um mundo mais justo e equitativo. “Estamos em um momento de extremo perigo com a crise climática, mas também de possibilidades extraordinárias.”
Após momentos de reflexão e debates, CEOs, empreendedores, fundadores de startups, pesquisadores, ativistas ambientais e cientistas compartilharam ideias e recomendações para abordar a crise climática de forma holística e criar um futuro mais resiliente e sustentável.
Veja as principais discussões:
Envolvimento comunitário
As empresas devem colocar as necessidades do cidadão em primeiro lugar para criar soluções colaborativas e inovadoras para os desafios climáticos. As decisões devem considerar o contexto local e as condições específicas das comunidades mais vulneráveis, além de garantir inclusão e representatividade nas discussões. Líderes indígenas e de comunidades periféricas devem estar nas discussões.
Integração e colaboração
Envolver empresas, governo e sociedade civil na criação de soluções é chave para um mundo mais resiliente. Não existe uma única solução: é necessário um esforço coletivo. Intercâmbio de boas práticas empresariais, novas tecnologias e soluções locais de baixo custo pode acelerar o processo.
Adaptação e resiliência
Fio condutor do evento, a importância de preparar e adaptar cidades para eventos climáticos extremos e garantir que esses planos de adaptação sejam inclusivos e antirracistas foi enfatizada pelos participantes. Também foi destacada a urgência de os planos considerarem tanto a gestão de riscos e prevenção quanto a resposta emergencial a desastres.
Diversidade regional
Outro ponto levantado foi a necessidade de direcionar capital às iniciativas e projetos que desenvolvam soluções para uma economia de baixo carbono. Os convidados destacaram a ineficiência do mercado em apoiar iniciativas mais regionais e periféricas, mesmo se tratando de projetos de baixo custo e com alto impacto. Enfatizaram ainda a necessidade de melhorar a alocação de recursos e reconhecer soluções inovadoras em diversas regiões do Brasil.
Ajustes na contabilidade
Parte da solução passa por ajustar os sistemas financeiros e de contabilidade, que não consideram ainda algumas das externalidades negativas dos negócios. As externalidades negativas ocorrem quando as empresas impõem custos à sociedade, prejudicando o bem-estar geral. A ideia se aplica, por exemplo, às emissões de gases de efeito estufa, que geram efeitos negativos sem que os emissores paguem por esses danos.
Regeneração
Os convidados defenderam a busca pela “regeneração”, com objetivo de melhorar e restaurar ecossistemas. Em vez de só reduzir danos, abordagens regenerativas ajudam a criar condições para um ambiente mais saudável e próspero.
Consciência pessoal e coletiva
A mudança também passa por decisões individuais. Fazer reflexões sinceras sobre as próprias ações pode contribuir para a solução dos problemas climáticos. Ações diárias, mesmo que simples, podem se somar a outras e garantir um impacto positivo maior.