Brasil
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Por , Valor — São Paulo

A Universidade de Cambridge ganhou, na quinta-feira, o primeiro brasileiro catedrático em economia. Aos 50 anos, Tiago Cavalcanti, que, desde 2007, percorreu todas as etapas da carreira acadêmica na universidade, tornou-se professor titular na mesma universidade que projetou os economistas britânicos John Maynard Keynes, Alfred Marshall e Joan Robinson e o indiano Amartya Sen.

A universidade tem 31 faculdades. Aquela em que Cavalcanti dá aulas, o “Trinity College”, tem mais prêmios Nobel do que a Alemanha. Por lá passaram o físico Isaac Newton e os filósofos Bertrand Russell e Ludwig Wittgenstein. Hoje circulam pelos corredores dois medalhas Fields, três prêmios Nobel de Química e um de Física. Além de Cavalcanti, o único brasileiro titular em Cambridge é a engenheira Simone Hochgreb, egressa da Universidade de São Paulo.

Colunista do Valor desde 2019, graduou-se em economia pela Universidade Federal de Pernambuco em 1995 e foi arrebanhado pelo professor Werner Baer, da Universidade de Illinois, para a pós-graduação. Findo o doutorado nos EUA, voltou em 2011 para dar aula no Recife e, aos 38 anos, tornou-se o professor titular mais novo do departamento de Economia da UFPE.

Há 17 anos, submeteu seu currículo ao congresso promovido, anualmente, pela associação americana de economia para o recrutamento de universidades do mundo inteiro, e foi convidado para dar aulas em Cambridge, para onde se mudou com a mulher e também professora de economia na mesma universidade, Juliana Guimarães, e dois filhos, com 22 e 19 anos.

Pertence a uma geração que optou por fazer carreira no exterior, como Leonardo Bursztyn, economista de 42 anos formado pela UnB, e que, desde 2019 é titular da Universidade de Chicago, e Thomas Fujiwara, formado pela USP em 2003 e, desde 2012, professor na Universidade de Princeton.

Foi um caminho parecido com aquele percorrido por José Alexandre Scheikman, que graduou-se na UFRJ e doutorou-se nos EUA (Rochester), de onde não mais retornou ao Brasil. Hoje é professor emérito em Princeton, numa trajetória distinta de contemporâneos seus, muitos deles colaboradores do Plano Real, que também se doutoraram no exterior mas optaram por voltar ao Brasil, como Persio Arida (MIT), Edmar Bacha (Yale), André Lara Resende (MIT) e Pedro Malan (Berkeley).

A carreira no exterior não impede Cavalcanti de ter o Brasil no foco de suas preocupações acadêmicas. Uma das pesquisas de maior repercussão com a qual se envolveu foi a que resultou na tese de doutorado de Felipe Puccioni, seu orientando em Cambridge, sobre o impacto da gestão das escolas públicas no desempenho dos alunos.

Movida pelo interesse em descobrir por que o aumento de 60% em valor real do gasto em educação ao longo de dez anos não havia resultado numa melhoria correspondente nas notas de seus alunos, a pesquisa selecionou 80 escolas do Rio. Introduziu em metade delas o treinamento a partir de 23 critérios desenvolvidos por uma ferramenta internacional reconhecida (“World management survey”).

Ao longo de dois anos seus gestores e professores foram instruídos a monitorar, estabelecer metas e operar processos básicos, como o uso de planilhas que lhes permitissem identificar mudanças no desempenho dos alunos de uma turma e intervir para evitar dano de aprendizagem. O resultado foi que os alunos dessas escolas foram capazes de atingir em dois anos o desempenho que os colegas das outras 40 escolas levaram três anos para alcançar.

Ao contrário de outros programas do gênero, este não adotou remuneração extra para professores ou bonificação de alunos nem contratou consultorias privadas. Valeu-se de técnicos do Tribunal de Contas do Município do Rio, do qual Puccioni é conselheiro, e da Secretaria Municipal de Educação. Tampouco transferiu diretores ou professores. Apenas os treinou.

Cavalcanti conclui que é possível se fazer mais com o que se gasta, mas não projeta resultados no caso de o gasto vir a ser reduzido. Não hesita, porém, em afirmar que um programa do gênero poderia ser ampliado em escala nacional. O artigo que sintetizou os principais resultados da tese de doutorado faz a seguinte simulação: se o gasto por aluno no Brasil, que hoje é de US$ 40 mil (em paridade de poder de compra), fosse elevado para US$ 50 mil, que é o patamar do Chile, os alunos brasileiros ainda teriam uma defasagem considerável em relação ao desempenho dos chilenos. O desempenho só seria equivalente ao do Chile se os métodos de gestão aplicados nas escolas do Rio fossem aplicados.

Os resultados jogam água no moinho dos planos dos ministros Fernando Haddad e Simone Tebet de ajustar o piso constitucional com educação para os limites do arcabouço fiscal. Cavalcanti já foi sondado para colaborar com o Ministério da Fazenda no ano passado, mas estava envolvido com a obtenção da cátedra. Voltou a pensar no assunto agora que o processo foi concluído. Não seria seu primeiro envolvimento com políticas públicas no Brasil. Em 2014 chegou a colaborar com o programa de governo da chapa Eduardo Campos/Marina Silva à Presidência. Finda a eleição, foi convidado para a diretoria no BNDES mas preferiu permanecer em Cambridge.

Indagado sobre a encruzilhada fiscal que o Brasil vive, o professor diz que o caminho da ampliação de receita não se esgotou, ainda que aponte rotas de impacto político ainda a ser mensurado junto à classe média. É o caso, por exemplo, das deduções no Imposto de Renda, baseado na sua própria experiência no Reino Unido, onde paga a universidade dos filhos sem qualquer devolução, e os buracos remanescentes na tributação sobre a “pejotização” da mão de obra no Brasil.

Reconhece que a piora nas expectativas da inflação vem da memória do que aconteceu com a gestão do Banco Central sob Alexandre Tombini, no governo Dilma Rousseff, mas é crítico da partidarização do atual ocupante do cargo, escancarada pelo uso da camisa do Brasil na eleição de 2022, quando a indumentária simbolizava a adesão ao governo Jair Bolsonaro. Remete-se, mais uma vez, à experiência britânica, onde a autonomia é garantida por um processo de recrutamento internacional, que já colocou um canadense na condição de principal autoridade monetária do país.

Cavalcanti vê, ainda, um longo caminho a ser percorrido na competição para reduzir o spread bancário. Não vê apenas uma Selic mais alta que a média mundial mas um juro comercial muito mais elevado do que em qualquer lugar do planeta. Quando começou a estudar o tema, acreditava que a taxa da inadimplência tivesse um papel maior do que efetivamente concluiu ter. Adentrou nos dados do BC sobre empréstimos e concluiu que a inadimplência só explica 30% do juro.

Usa o crédito do consignado para exemplificar esta percepção. Quem toma esse tipo de empréstimo oferece segurança muito alta para o credor porque tem um emprego estável ou é aposentado e, ainda assim, paga um juro de até 40%. Reconhece que os ventos da competição no mercado brasileiro, como a entrada do Nubank, que já tem 14% do mercado de cartão de crédito do país e pratica taxas menores que grandes bancos, não alterou substancialmente os spreads, mas vê avanços a serem feitos ainda na portabilidade.

Cavalcanti fala com o mesmo português com que escreve, atributo pouco comum entre economistas. Filho de pesquisadores da Fundação Joaquim Nabuco, foi criado numa casa cheia de livros, mas até os 15 anos só tinha interesse em futebol e surf. Aluno de um colégio dominicano em Olinda, virou a chave quando, após elogio do professor de matemática por uma prova, foi acusado de traição por colegas de pelada e pediu para mudar de turma.

As pegadas de sua origem ficam por onde passa. Em artigo publicado no Valor (“A cannabis deve ser legalizada?”, 5/2/2020), lembrou que, décadas antes de a maconha ser legalizada em dez Estados americanos, no Canadá e no Uruguai, era a erva que embalava o “Segura a Coisa”, bloco carnavalesco que passava em frente à sua casa e até hoje sai às 23:59 toda quarta-feira de cinzas, sob indiferença da polícia local à sua esfuziante anarquia.

O artigo argumenta que a maconha ocupa a oitava posição em danos à saúde física e psicológica de seus usuários num ranking que tem o crack e a heroína no topo e o álcool em quarto lugar. Na comparação entre Estados americanos que adotaram posturas distintas sobre sua legalização, não se verifica qualquer efeito sobre a criminalidade e ainda se registra redução nos casos de overdose de heroína e opioides.

Longe de fazer apologia ao consumo, o artigo coloca números no debate. O país que caminha a passos largos no caminho oposto, com a tramitação acelerada da PEC que criminaliza o porte de qualquer quantidade de droga, não poderia estar mais longe da cátedra que Cavalcanti acabou de conquistar.

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