Junte de um lado jovens em busca de formação mais alinhada às necessidades do mercado. De outro, companhias de olho em mão de obra com formação técnica sólida e comportamento sintonizado com o ambiente de trabalho. O resultado são iniciativas para aproximar o setor privado da formação de seus futuros funcionários. É o que fizeram, por exemplo, a Auren Energia e o hospital Albert Einstein com a criação de cursos técnicos profissionalizantes incluindo opções integradas ao ensino médio. Também é o caso das escolas públicas da rede estadual da Paraíba, com um programa de estágio em empresas parceiras.
As estatísticas justificam as medidas. A falta de qualificação técnica é a principal dificuldade na contratação de jovens profissionais de nível técnico ou médio, segundo 54% das 802 empresas ouvidas em pesquisa do Itaú Educação e Trabalho (braço da Fundação Itaú), Fundação Roberto Marinho e Fundação Arymax.
Com o objetivo de reduzir números assim, a Secretaria de Educação da Paraíba criou o programa Primeira Chance, com estágios remunerados no setor privado e 80% das vagas reservadas a alunos de cursos técnicos integrados ao ensino médio. “Para os jovens, é uma oportunidade de aprendizado e inserção no mercado de trabalho. Para as empresas, uma maneira de formar mão de obra qualificada a baixo custo”, diz Rayssa Alencar, gerente de educação profissional da Secretaria.
Nas escolas técnicas da Paraíba os dois primeiros anos do ensino médio são dedicados a projetos de desenvolvimento de produtos e serviços para o próprio colégio e comunidade do entorno. Segundo Alencar, a intenção é que os alunos aprendam a identificar problemas, soluções e passos necessários para que objetivos sejam alcançados - habilidades cruciais no mercado profissional. No terceiro ano, com o estágio, leva-se o aprendizado ao ambiente de trabalho.
Segundo a Secretaria da Educação do Estado, dos 560 alunos de cursos técnicos que participaram do programa em 394 empresas, 36% foram efetivados, com carteira de trabalho assinada. Para este ano, a meta é aumentar para 860 estagiários. Cada um recebe bolsa de R$ 500 do governo da Paraíba, mais vale-transporte e plano de saúde pagos pelas empresas.
No projeto, segundo Alencar, a área de informática é responsável por grande parte da demanda. “O universo da tecnologia tem uma carência enorme de profissionais e oportunidades variadas para profissionais de nível técnico”, diz o secretário-geral da Fundação Roberto Marinho, João Alegria.
A socióloga Maria Helena Guimarães de Castro, titular da cátedra Instituto Ayrton Senna de Inovação em avaliação educacional da faculdade de educação da USP de Ribeirão Preto, concorda. “Áreas como TI e computação têm quase 100% de empregabilidade para formandos de bons cursos técnicos”, diz.
Empresas de agroecologia, administração e turismo também têm destaque no programa paraibano. Os setores se alinham com parte das áreas com melhores perspectivas de inserção produtiva, detectadas em outro estudo do Itaú Educação e Trabalho em parceria com Fundação Roberto Marinho, Fundação Arymax, Fundação Telefônica Vivo e Aspen Institute.
O levantamento menciona como promissores a economia verde, economia digital, economia criativa e serviços para o público com mais de 50 anos e os setores de saúde e bem-estar.
“Com o envelhecimento da população, há um mercado enorme e crescente na área de saúde, com muita demanda por profissionais de nível técnico”, avalia Alegria. Essa realidade se reflete no hospital Albert Einstein, que emprega 9,9 mil funcionários de nível técnico médio, 49% do quadro funcional.
A empresa criou há cinco anos cursos técnicos integrados ao ensino médio, com possibilidade de bolsa de estudos de até 70%, para suas áreas de maior demanda: enfermagem e administração em saúde. As modalidades eram oferecidas somente na forma de cursos técnicos regulares, que também incluem formação em análise clínicas, farmácia e radiologia.
“Com o ensino médio integrado podemos começar a formar as pessoas mais cedo, aos 14 ou 15 anos e, assim, evitar falhas básicas de ensino que percebíamos nos estudantes que chegavam mais velhos”, diz a diretora-executiva do Einstein, Miriam Branco. Segundo ela, grande parte dos problemas detectados se originava de deficiências de matemática. “Se o aluno não aprendeu números decimais, fica difícil explicar o que são 0,3 miligramas de medicamento.”
O Einstein reserva a seus ex-alunos todas as vagas de técnicos de enfermagem sem experiência. Com isso, 65% são empregados em unidades próprias ou em hospitais públicos geridos em parceria até um ano depois de formados. Outros 15% conseguem trabalho em outros locais, totalizando empregabilidade de 80%.
Para Branco, estudantes do curso próprio têm menor taxa de reprovação na contratação de técnicos de enfermagem, com 15% em comparação com 40% dos não alunos. Entre os aprovados, está Gabriela Nakad, de 19 anos, formada no ensino médio integrado em 2021 e atual funcionária do pronto-socorro. “Se não fosse o curso técnico, com oportunidade de estágio em diversas áreas do hospital, eu estaria completamente sem rumo, sem emprego e sem saber qual profissão escolher”, diz.
Para a executiva, outra vantagem da formação interna é a possibilidade de desenvolver também competências sócio-emocionais na escola e nos estágios. “Conseguimos formar mão de obra sintonizada com a cultura da empresa, com rotatividade menor que a dos funcionários que vêm de fora”, diz.
Alegria concorda. “Quanto mais tempo afastado do mundo do trabalho, maior tende a ser a dificuldade do jovem no desenvolvimento de habilidades sócio-emocionais”, afirma. E são justamente falhas em competências comportamentais, como desenvoltura, comunicação, foco, disciplina e engajamento, as maiores responsáveis por demissões de jovens de nível médio ou técnico, segundo 77% dos entrevistados na pesquisa com gestores de empresas.
A Auren Energia aposta na formação de técnicos em parceria com o Instituto Votorantim, o Itaú Educação e Trabalho e a Secretaria de Educação de Pernambuco. A empresa participou da formação do laboratório e grade curricular do curso técnico integrado em energia renovável, iniciado em 2021, na Etec Muniz Falcão, em Araripina, Pernambuco, próxima à divisa com o Piauí. A Auren doou R$ 200 mil em equipamentos para a escola. O curso tem quatro turmas de 45 alunos cada. Modelos semelhantes devem ser adotados, segundo o Itaú Educação e Trabalho, em outros cinco Estados com vocação para energia renovável: Rio Grande do Sul, Sergipe, Piauí, Paraíba e Amazonas.
Entre os recém-formados em de Araripina está Liliane Leal, 25 anos, estagiária no complexo eólico Ventos do Piauí, da Auren. Graduada também em letras pela Universidade Federal do Piauí, ela conta que chegou a trabalhar como professora numa escola da zona rural da região. “Mas vi que a empregabilidade aqui é bem maior na área de energia eólica e fotovoltaica.”
Os números dão razão a ela. “Durante os estudos para a criação do curso, o Instituto Votorantim identificou, num raio de 100 quilômetros de Araripina, 296 empreendimentos eólicos, fotovoltaicos e de geração de energia sobre telhados”, diz o gerente de operação e manutenção de parques eólicos da Auren, Henrique Barbosa. Entre outras companhias instaladas na região, estão Ibitu Energia, AES Brasil e CountourGlobal.
Barbosa conta que atualmente a empresa emprega na região sete funcionários de nível universitário e 36 funcionários de nível técnico, dos quais 21 especializados em energia renovável. Para sorte da estagiária, o número deve aumentar. “Queremos aproveitar Liliane no curto prazo, nas novas contratações para nosso projeto de energia híbrida, de fonte eólica e fotovoltaica”, diz.
“Com o curso, agora formamos mão de obra alinhada às necessidades do mercado, capacitada em quesitos como inovação técnica, metodologia de pesquisa, pensamento computacional e saúde e segurança”, diz ele. “Não precisamos mais trazer gente de São Paulo, Bahia e Ceará para trabalhar aqui.”