Depois de aprovada no Parlamento Europeu, entra em vigor este mês de julho a Nature Restoration Law - Regulamento (UE) 2022/869, que compõe o Pacote Green Deal europeu, no âmbito da Estratégia de Biodiversidade da UE para 2030, a fim de promover ao menos 20% da recuperação dos ecossistemas degradados das áreas terrestres e marítimas até 2030, e evidencia a preocupação do bloco europeu com a sua escassez de recursos naturais e baixo potencial de competitividade nos mercados globais de serviços ambientais e carbono.
O novo instrumento normativo, considerado “audacioso” pelo próprio parlamento europeu, estabelece metas e obrigações específicas para a restauração das áreas, além de determinar que ao menos 90% dos ecossistemas danificados sejam recuperados até 2050, sob o fundamento de transformar o bloco em uma sociedade justa, eficiente e competitiva, além de atenuar os impactos das mudanças climáticas.
O advento normativo entra em vigor sob um contexto delicado enfrentado pelo bloco, uma vez que mais de 80% dos habitats europeus estão em estado de degradação, 10% das abelhas e das espécies de borboletas estão em risco de extinção e 70% dos solos estão em estado de insalubridade, em que pese os esforços envidados no passado para proteger e conservar, não foram suficientes para reverter o quadro de degradação florestal e perda significativa da biodiversidade.
Nesse contexto, a legislação prevê a adoção de medidas não só para conservar como também para restaurar a natureza, além de apresentar sinergia com os acordos e compromissos internacionais assumidos pelo bloco europeu, em especial o Quadro Mundial para a Biodiversidade de Kunming-Montreal, pactuado na Conferência das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica de 2022 (COP15).
Regras da nova legislação
Dentre os principais objetivos, a Nature Restoration Law prevê prazos para que os estados-membros signatários do bloco europeu alcancem: a) A recuperação sustentada e a longo prazo dos ecossistemas biodiversos e resilientes em toda a medidas de recuperação eficazes com o objetivo de cobrir áreas terrestres e marítimas dos Estados-Membros; b) Os objetivos globais da União em matéria de atenuação das alterações climáticas, necessidade de restauração até 2050, adaptação às alterações climáticas e neutralidade da degradação dos solos; c) melhoria da segurança alimentar; e d) compromissos internacionais da União.
Sob o ponto de vista da estrutura jurídica, o regulamento destaca essencialmente 04 (quatro) eixos temáticos de atuação, segregados em:
- i) Metas quantitativas vinculantes;
- ii) obrigações legais;
- iii) Planos nacionais de restauro;
- e iv) monitoramento e reporte.
A ideia é que as obrigações sejam implementadas pelos Estados membros até 2030, em pelo menos 30 % da área total de todos os tipos de habitats enumerados no anexo I da Lei que não se encontra em bom estado, tal como quantificado no plano nacional de recuperação; até 2040, em pelo menos 60%; e até 2050, em pelo menos 90% da área de cada grupo enumerados no anexo I que não estejam em boas condições.
Para além das exigências de restauro em áreas terrestres e marinhas, a legislação também incidirá sobre: a proteção dos polinizadores, ecossistemas agrícolas, zonas urbanas, rios e planícies aluviais e florestas. O plano de implementação será monitorado, e tem como baliza melhorar os indicadores das populações de borboletas dos prados, as reservas de carbono orgânico em solos agrícolas minerais e o percentual de terras agrícolas constituídas por elementos paisagísticos de alto valor de conservação e diversidade.
Aos Estados-Membros caberá ainda a adoção de medidas destinadas a plantar, pelo menos, três mil milhões de árvores adicionais até 2030, do mesmo modo, deverá transformar pelo menos 25 000 km de rios em rios de curso natural até 2030 para eliminar as barreiras artificiais à conectividade das águas de superfície.
Outra novidade, são os atos preparatórios para a elaboração do plano nacional de restauração, sendo uma exigência para que cada Estado-membro apresente à Comissão competente planos de restauro que demonstrem os instrumentos e ações a serem adotados para alcançar as metas legais. Além do dever de reporte e monitoramento para comunicar a evolução da implementação dos seus respectivos planos, com base em indicadores de biodiversidade reconhecidos pela EU, conforme prevê o artigo 14º da nova lei.
Quanto aos reflexos para o Brasil, Nature Restoration Law, fortalece o contexto da política ambiental global, e deve ser objeto de observação pela academia e governo brasileiro, sobretudo às vésperas do país sediar a reunião do G20 no final do ano e a maior conferência climática do mundo, em Belém no Pará em 2025.
Para além da corrida contra o tempo do bloco europeu com relação a competitividade no mercado de serviços ambientais e de carbono, há também evidente tensão quanto ao alcance de metas e compromissos climáticos e ambientais assumidos pela UE, que se tornou uma das vozes indutoras no plano internacional na criação de regras impositivas ambientais e climáticas para outros países, embora não seja possível identificar rigor interno equivalente, quando comparado ao arcabouço ambiental brasileiro, por exemplo.
Isto porque parte das metas e obrigações oriundas da nova Lei europeia, já foram incorporadas no Brasil desde 2012, com a promulgação da Lei Federal nº 12.651/2012 (Código Florestal Brasileiro). Ademais, no Brasil já existem programas e planos nacionais e estaduais semelhantes, a exemplo do Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis (PNCPD), que prevê a recuperação e conversão de até 40 milhões de hectares de pastagens de baixa produtividade em áreas agricultáveis; e Plano de Adaptação e Baixa Emissão de Carbono na Agricultura - ABC+, a fim de promover a adaptação à mudança do clima, e o controle das emissões de GEE na agropecuária brasileira.
Ainda segundo a Comissão do parlamento europeu, cada 1€ (1 euro) investido em restauração ecológica, pode gerar de 8€ a 38€ (oito a trinta e oito euros) em benefícios, e emerge como janela relevante de oportunidade para que empresas sediadas no bloco europeu apresentem planos e projetos autorais com o escopo de restauro, para serviços de conservação da vegetação nativa, disponibilidade hídrica, regulação climática e sequestro de carbono, proteção e fertilidade do solo, ciclagem dos nutrientes, entre outros benefícios ambientais e ecossistêmicos.
Sobre a autora
Marcela Pitombo é advogada, líder de Relações Institucionais e ESG da MoselloLima Advocacia e Presidente da Comissão de meio ambiente e Mudanças Climáticas da OAB de Feira de Santana (BA).