Mudanças sociais, econômicas, culturais e políticas na Amazônia no tempo presente, 2023
A Amazônia, seja como fato, seja como ficção, é figura frequente no cinema contemporâneo internac... more A Amazônia, seja como fato, seja como ficção, é figura frequente no cinema contemporâneo internacional. Reunindo um vasto conjunto de possibilidades, desde documentários que abordam sua natureza exuberante e vasta biodiversidade, passando por seus povos originários e processos socioculturais e chegando a ficções que entrelaçam seus mundos urbanos e rurais ou que se voltam a seus universos míticos e lendários, imaginários ou não, o cinema apresenta-se como um importante meio pelo qual a região tem sido interpretada na modernidade. Não é exagero afirmar que contemporaneamente a representação do Brasil no cinema estrangeiro se dá frequentemente por meio de imagens da Amazônia (AMÂNCIO, 2000). Contudo as narrativas fílmicas sobre a região não estão limitadas ao contexto de um determinado país, sendo bastante comuns representações de um imaginário sobre a região que se impõe à sua experiência histórica e empírica. Podemos dizer que a ideia de Amazônia se apresenta como uma espécie de síntese sobre a noção de Novo Mundo no pensamento ocidental (PINTO, 2006), que a apresenta como sem história e “fora” da
História. Tal conjunto de filmes atravessa diferentes períodos do cinema mundial, mantendo certa recorrência, de modo que consideramos o cinema como um meio legítimo para a interpretação das interpretações sobre a Amazônia na contemporaneidade (ALMEIDA, 2008), uma vez que os filmes mobilizam e atualizam diversas das representações históricas sobre a região, remetendo a categorias elaboradas desde as crônicas dos viajantes do Século XVI e daí por diante, passando por discursos científicos, artísticos e midiáticos sobre a região, nos quais notamos a
recorrência de certos tropos e clichês narrativos sobre ela. A fim de estabelecer parâmetros para utilizar o cinema como objeto em um tal processo de análise, precisamos definir o corpus de filmes a ser utilizado para elaborar tal investigação sobre a recorrência das figuras de linguagem mobilizadas pelos filmes que tematizam a Amazônia. Assim, a utilizar o material fílmico como base documental de análise de
nossa pesquisa, por meio de levantamento de títulos em bases de dados sistematizadas sobre cinema disponíveis na internet, tais como, Internet Movie Database, Library of congress e All Movie. Dada a diversidade de objetos nesse escopo, nesta comunicação iremos apresentar: i) o corpus obtido; ii) os critérios adotados para a seleção do conjunto e iii) propor uma categorização dos filmes. Nosso recorte será composto por filmes de ficção estrangeiros, de países produtores que não estejam situados na região amazônica e cujos enredos se passam na Amazônia. Com esta sistematização esperamos obter subsídios para promover uma interpretação das interpretações da Amazônia no cinema, refinando a proposta de leitura dos tropos e clichês historicamente mobilizados sobre a região que são recorrentes neste domínio expressivo. A pesquisa tem como embasamento teórico Alfredo Almeida (2008) com "Antropologia dos archivos da Amazônia", Tonico Amâncio (2000) com "O Brasil dos gringos: imagens no cinema", Neide Gondim (1994) com "A invenção da Amazônia", Renan Pinto (2006) "Viagem das ideias" e Mary Pratt (1999) com "Os olhos do império: relatos de viagem e transculturação". A proposta de sistematização está associada ao projeto de pesquisa que atualmente conduzo no PPGARTES da UFPA que se propõe a uma apropriação artística de imagens de filmes narrativos sobre a Amazônia na montagem de um novo trabalho, deslocando os clichês visuais identificados nos filmes do regime da representação para o regime estético das artes, promovendo uma crítica ao discurso colonial sobre a região e inventando novos discursos e visualidades para a Amazônia, e, também, uma nova história da mesma.
Palavras-chaves: Amazônia. História da Amazônia. Documentos fílmicos. Cinema. Imagem.
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Papers by Gustavo Soranz
Palavras-chave: ex-pajé; documentário; filme etnográfico; ficção; autoficção.
Ex-shaman and the modulations between fiction and documentary
Abstract This paper is an essay on the film Ex-shaman, based on the idea that it is built on the thresholds of fiction and documentary. It is not a matter of discussing the ontological status of fiction or documentary in the domains of cinema, but of identifying how certain strategies are used that can be identified more frequently in fiction cinema and which, when adopted here in the focused case, allow us to see how the documentary achieves a type of final result that comes from this borderline place where these passages between the fictional and the documentary operate, which are consciously modulated by the film's director, his team, and his character. It is, therefore, to think about how the documentary makes use of narrative and aesthetic strategies that conceal the character of cinema representation, at the same time that they elaborate a possible historical narrative, based on the reconstruction by means of cinema of the memory of a particular character, from a meeting between director and character, articulating visible evidence from the past and subjective fabulations in the present. A cinema that tells a story while elaborating a possible visual ethnography based on the sensoriality of the world, between the visible and the non-visible.
essencial de uma prática experimental que nos permite ver o encontro entre a teoria e a prática.
Palavras-chave: Amazônia. Cinema. documentário
Podemos dizer que o uso da entrevista como meio de acesso mais direto ao “real” é criticado pela diretora, que enfatiza o grau de controle e de interferência que a edição de uma entrevista impõe. Tal opção contribui para a crítica em relação ao estatuto do documentário, enfatizando o aspecto ficcionalizante da representação. Segundo a diretora (TRINH, 1992, p.165) “ter o encenado e o real juntos é chamar atenção para a política das entrevistas, e para evidenciar as manipulações que tendem a ser tomadas como naturais no documentário”.
Em um segundo momento novas entrevistas, algumas com as mesmas mulheres da primeira parte, são apresentadas de forma completamente diferente. O controle evidente da luz e do som nos primeiros depoimentos dá lugar a conversas mais espontâneas em locações mais naturais e despojadas, com movimento e vida ao redor. Sabemos agora que essas mulheres vietnamitas estão nos Estados Unidos e não no Vietnã. Os depoimentos agora são sobre suas próprias vidas. A condição de imigrantes vem a tona em situações que apresentam a inserção dessas mulheres na cultura norte-americana. Desse modo, o filme passa a discutir questões ligadas a identidade e nação, elaboradas por meio das narrativas individuais de mulheres em condição diaspórica. Alguns dos depoimentos desta segunda parte do filme são emitidos em vietnamita e legendados em inglês. Desse modo, a reflexão sobre a tradução intercultural acrescenta mais uma camada de densidade ao filme. Para Lan Duong, (2009, p.196) “Trinh problematiza a ideia de traduções e subtítulos como `discursos visualizados` e recusa a ideia de que a tradução garante acesso ao Outro feminino”.
Quando observado em relação à filmografia anterior da cineasta, Surname Viet Given Name Nam aprofunda uma série de questões caras ao projeto político e estético de Trinh T. Minh-ha, que já haviam sido elaborados anteriormente nos outros filmes. Aqui neste caso, a crítica às formas de representação cultural, sobretudo em relação ao documentário, continuam, acrescidas da reflexão crítica sobre a ideia de tradução intercultural. A ênfase especial na questão do feminismo mais especificamente é outro elemento a ser destacado.
Sem insistir de modo recorrente em estratégias utilizadas nos filmes anteriores – podemos pensar na montagem em Reassemblage e na voz over em Naked Spaces - a cineasta traz novidades e nos entrega um filme que provoca o cinema documentário em suas convenções mais tradicionais, explorando e expondo os limites da entrevista como recurso central do filme, de modo a expandir as possibilidades criativas desta seara fílmica.
lifford colocam questões
convergentes em relação à revisão de cânones e conv
enções das áreas nas quais atuam.
Clifford (1986) aponta uma “parcialidade rigorosa”
nos discursos etnográficos,
enquanto Trinh consolidou uma filmografia em que es
tratégias típicas do cinema
documentário são problematizadas por meio de gestos
que contribuem para a renovação
da expressão fílmica, enfatizando a fragmentação, a
polifonia e a não-linearidade como
meios de exercer deslocamentos simbólicos e a criaç
ão de espaços discursivos outros.
Ao aproximarmos ambos os casos, sintonizando a teor
ia social com a expressão
cinematográfica da diretora, podemos pensar em uma
estética da parcialidade no cinema
de Trinh T. Minh-ha?
s Unidos, Trinh T. Minh-ha, lançou
seu filme
Reassemblage – from the firelight to the screen
, onde refletiu sobre a dificuldade
em se construir discursos objetivos sobre manifesta
ções culturais. Buscamos realizar aqui
uma análise do filme em questão, apresentando consi
derações sobre sua construção fílmica,
relacionando-a às críticas direcionadas à etnologia
e ao cinema documentário.
Nos idos de 1980, MARCUS e CUSHMAN (1982) notaram uma tendência crescente de experimentação na escrita etnográfica, uma espécie de reação filosófica às convenções de realismo que imperavam na antropologia. Isso seria fruto de uma autoconsciência por parte de alguns antropólogos, o que levou a um debate sobre a natureza da interpretação nas descrições etnográficas, destacando-se uma consciência crescente da sua estrutura narrativa e retórica. Para os autores, estamos falando de uma etnografia experimental. Na mesma década da formulação desse conceito, Trinh T. Minh Ha lança seu primeiro filme, Reassemblage – from the firelight to the screen (1982), trabalho em que a cineasta expõe suas reflexões sobre a dificuldade em se construir um discurso sobre o outro e onde apresenta seu conceito de falar ao lado (speaking nearby) ao invés do tradicional falar sobre, típico do filme etnográfico tradicional. O filme tem como objeto o Senegal, um tópico típico da seara de filmes etnográficos, mas radicaliza na sua forma fílmica, frustrando expectativas clássicas sobre o que seria um filme etnográfico tradicional, ampliando a percepção sensorial sobre a realidade social mostrada. Estaríamos diante de um filme etnográfico experimental¿ O conceito de etnografia experimental serviu de base para a análise de filmes experimentais, tomados como etnografias experimentais por RUSSEL (1999), para quem, ao se levar o conceito de etnografia experimental para o campo do cinema, não se pretende criar uma nova categoria de práticas no campo do filme etnográfico, mas sim uma “incursão metodológica da estética na representação cultural, uma colisão da teoria social e da experimentação formal” (p. xi, 1999). Para a autora, a “etnografia” (aspas da autora) se torna um termo expandido onde a cultura é representada de perspectivas diferentes, fragmentadas e mediadas e a aproximação entre o cinema experimental e o filme etnográfico tem efeito de iluminação em ambas as tradições.
Graças a sua atuação diversificada em diferentes frentes, da teoria pós-colonial à produção musical, passando pela teoria feminista e pelo cinema, Trinh T. Minh Ha posiciona-se em um lugar entre campos distintos de conhecimento, o que a coloca como uma intelectual intrigante para pensar diferentes tradições na produção de conhecimento. É desse lugar de fronteira, atravessado por diferentes saberes, que pretendemos olhar a tradição documentária e a reflexão sobre esse gênero cinematográfico, buscando identificar contribuições epistemológicas e teóricas para a prática e a teoria do cinema documentário, em especial um olhar sobre o filme etnográfico como objeto principal de um cinema com interesses nos processos culturais e sociais, motivados por uma obra fílmica e teórica questionadora dos dogmas e das convenções das tradições com as quais dialoga.
Além do projeto do INC, outras ações simultâneas no campo do cinema e da televisão aconteceram em Moçambique. Recém-saído da experiência militante com o Grupo Dziga Vertov e envolvido em trabalhos videográficos para a TV francesa, Jean-Luc Godard foi convidado pelo governo Moçambicano para desenvolver um estudo para a implantação da TV no país, baseado no uso do vídeo como suporte. Para Godard essa era a oportunidade de explorar um terreno fértil, explorando novas formas narrativas, aproveitando-se que o país ainda não tinha contato prévio com a televisão, não estando colonizado pelos conteúdos típicos das redes retransmissoras. Outro nome convidado pelo governo moçambicano foi Jean Rouch, que levou ao país um projeto de formação de cineastas em bitola super 8mm, desenvolvido com o apoio do departamento de comunicação da Universidade de Maputo, onde ele poderia aprofundar seus métodos de trabalho com equipamentos leves e portáteis, com equipes reduzidas e baixos orçamentos, desmistificando a ideia da necessidade de super produções.
Os projetos tocados pelos três grandes cineastas em Moçambique tem uma simultaneidade histórica. Em 1978, no mesmo ano em que o INC lança o cinejornal Kuxa Kanema, Jean-Luc Godard é convidado para sua experiência com a TV moçambicana e Jean Rouch implanta seu projeto de formação de cineastas em suporte super 8 mm, porém, a continuidade dos projetos não se deu exatamente de maneira harmoniosa revelando diferenças irreconciliáveis entre os três grandes cineastas. A despeito das críticas e acusações levantadas entre os principais envolvidos nos episódios, tais experiências inscreveram Moçambique em um episódio importante na história do cinema, notadamente na história do cinema militante, do cinema socialmente engajado. Por outro lado, ainda que breve, tais experiências certamente deixaram seu legado para o futuro do jovem cinema de Moçambique.
Iracema, uma transa amazônica
(1974), de
Jorge Bodanzky e Orlando Sena, buscando apresentar
como o filme desenvolve uma
estrutura narrativa dialética onde convenções típic
as do cinema documentário e
convenções típicas do cinema de ficção se imbricam.
Usaremos aqui como conceito
operacional a ideia de modulação, segundo a qual a
estrutura narrativa do filme oscila
entre o registro documentário e o registro ficciona
l, de modo a obter seu resultado
estético original.
Palavras-chave: ex-pajé; documentário; filme etnográfico; ficção; autoficção.
Ex-shaman and the modulations between fiction and documentary
Abstract This paper is an essay on the film Ex-shaman, based on the idea that it is built on the thresholds of fiction and documentary. It is not a matter of discussing the ontological status of fiction or documentary in the domains of cinema, but of identifying how certain strategies are used that can be identified more frequently in fiction cinema and which, when adopted here in the focused case, allow us to see how the documentary achieves a type of final result that comes from this borderline place where these passages between the fictional and the documentary operate, which are consciously modulated by the film's director, his team, and his character. It is, therefore, to think about how the documentary makes use of narrative and aesthetic strategies that conceal the character of cinema representation, at the same time that they elaborate a possible historical narrative, based on the reconstruction by means of cinema of the memory of a particular character, from a meeting between director and character, articulating visible evidence from the past and subjective fabulations in the present. A cinema that tells a story while elaborating a possible visual ethnography based on the sensoriality of the world, between the visible and the non-visible.
essencial de uma prática experimental que nos permite ver o encontro entre a teoria e a prática.
Palavras-chave: Amazônia. Cinema. documentário
Podemos dizer que o uso da entrevista como meio de acesso mais direto ao “real” é criticado pela diretora, que enfatiza o grau de controle e de interferência que a edição de uma entrevista impõe. Tal opção contribui para a crítica em relação ao estatuto do documentário, enfatizando o aspecto ficcionalizante da representação. Segundo a diretora (TRINH, 1992, p.165) “ter o encenado e o real juntos é chamar atenção para a política das entrevistas, e para evidenciar as manipulações que tendem a ser tomadas como naturais no documentário”.
Em um segundo momento novas entrevistas, algumas com as mesmas mulheres da primeira parte, são apresentadas de forma completamente diferente. O controle evidente da luz e do som nos primeiros depoimentos dá lugar a conversas mais espontâneas em locações mais naturais e despojadas, com movimento e vida ao redor. Sabemos agora que essas mulheres vietnamitas estão nos Estados Unidos e não no Vietnã. Os depoimentos agora são sobre suas próprias vidas. A condição de imigrantes vem a tona em situações que apresentam a inserção dessas mulheres na cultura norte-americana. Desse modo, o filme passa a discutir questões ligadas a identidade e nação, elaboradas por meio das narrativas individuais de mulheres em condição diaspórica. Alguns dos depoimentos desta segunda parte do filme são emitidos em vietnamita e legendados em inglês. Desse modo, a reflexão sobre a tradução intercultural acrescenta mais uma camada de densidade ao filme. Para Lan Duong, (2009, p.196) “Trinh problematiza a ideia de traduções e subtítulos como `discursos visualizados` e recusa a ideia de que a tradução garante acesso ao Outro feminino”.
Quando observado em relação à filmografia anterior da cineasta, Surname Viet Given Name Nam aprofunda uma série de questões caras ao projeto político e estético de Trinh T. Minh-ha, que já haviam sido elaborados anteriormente nos outros filmes. Aqui neste caso, a crítica às formas de representação cultural, sobretudo em relação ao documentário, continuam, acrescidas da reflexão crítica sobre a ideia de tradução intercultural. A ênfase especial na questão do feminismo mais especificamente é outro elemento a ser destacado.
Sem insistir de modo recorrente em estratégias utilizadas nos filmes anteriores – podemos pensar na montagem em Reassemblage e na voz over em Naked Spaces - a cineasta traz novidades e nos entrega um filme que provoca o cinema documentário em suas convenções mais tradicionais, explorando e expondo os limites da entrevista como recurso central do filme, de modo a expandir as possibilidades criativas desta seara fílmica.
lifford colocam questões
convergentes em relação à revisão de cânones e conv
enções das áreas nas quais atuam.
Clifford (1986) aponta uma “parcialidade rigorosa”
nos discursos etnográficos,
enquanto Trinh consolidou uma filmografia em que es
tratégias típicas do cinema
documentário são problematizadas por meio de gestos
que contribuem para a renovação
da expressão fílmica, enfatizando a fragmentação, a
polifonia e a não-linearidade como
meios de exercer deslocamentos simbólicos e a criaç
ão de espaços discursivos outros.
Ao aproximarmos ambos os casos, sintonizando a teor
ia social com a expressão
cinematográfica da diretora, podemos pensar em uma
estética da parcialidade no cinema
de Trinh T. Minh-ha?
s Unidos, Trinh T. Minh-ha, lançou
seu filme
Reassemblage – from the firelight to the screen
, onde refletiu sobre a dificuldade
em se construir discursos objetivos sobre manifesta
ções culturais. Buscamos realizar aqui
uma análise do filme em questão, apresentando consi
derações sobre sua construção fílmica,
relacionando-a às críticas direcionadas à etnologia
e ao cinema documentário.
Nos idos de 1980, MARCUS e CUSHMAN (1982) notaram uma tendência crescente de experimentação na escrita etnográfica, uma espécie de reação filosófica às convenções de realismo que imperavam na antropologia. Isso seria fruto de uma autoconsciência por parte de alguns antropólogos, o que levou a um debate sobre a natureza da interpretação nas descrições etnográficas, destacando-se uma consciência crescente da sua estrutura narrativa e retórica. Para os autores, estamos falando de uma etnografia experimental. Na mesma década da formulação desse conceito, Trinh T. Minh Ha lança seu primeiro filme, Reassemblage – from the firelight to the screen (1982), trabalho em que a cineasta expõe suas reflexões sobre a dificuldade em se construir um discurso sobre o outro e onde apresenta seu conceito de falar ao lado (speaking nearby) ao invés do tradicional falar sobre, típico do filme etnográfico tradicional. O filme tem como objeto o Senegal, um tópico típico da seara de filmes etnográficos, mas radicaliza na sua forma fílmica, frustrando expectativas clássicas sobre o que seria um filme etnográfico tradicional, ampliando a percepção sensorial sobre a realidade social mostrada. Estaríamos diante de um filme etnográfico experimental¿ O conceito de etnografia experimental serviu de base para a análise de filmes experimentais, tomados como etnografias experimentais por RUSSEL (1999), para quem, ao se levar o conceito de etnografia experimental para o campo do cinema, não se pretende criar uma nova categoria de práticas no campo do filme etnográfico, mas sim uma “incursão metodológica da estética na representação cultural, uma colisão da teoria social e da experimentação formal” (p. xi, 1999). Para a autora, a “etnografia” (aspas da autora) se torna um termo expandido onde a cultura é representada de perspectivas diferentes, fragmentadas e mediadas e a aproximação entre o cinema experimental e o filme etnográfico tem efeito de iluminação em ambas as tradições.
Graças a sua atuação diversificada em diferentes frentes, da teoria pós-colonial à produção musical, passando pela teoria feminista e pelo cinema, Trinh T. Minh Ha posiciona-se em um lugar entre campos distintos de conhecimento, o que a coloca como uma intelectual intrigante para pensar diferentes tradições na produção de conhecimento. É desse lugar de fronteira, atravessado por diferentes saberes, que pretendemos olhar a tradição documentária e a reflexão sobre esse gênero cinematográfico, buscando identificar contribuições epistemológicas e teóricas para a prática e a teoria do cinema documentário, em especial um olhar sobre o filme etnográfico como objeto principal de um cinema com interesses nos processos culturais e sociais, motivados por uma obra fílmica e teórica questionadora dos dogmas e das convenções das tradições com as quais dialoga.
Além do projeto do INC, outras ações simultâneas no campo do cinema e da televisão aconteceram em Moçambique. Recém-saído da experiência militante com o Grupo Dziga Vertov e envolvido em trabalhos videográficos para a TV francesa, Jean-Luc Godard foi convidado pelo governo Moçambicano para desenvolver um estudo para a implantação da TV no país, baseado no uso do vídeo como suporte. Para Godard essa era a oportunidade de explorar um terreno fértil, explorando novas formas narrativas, aproveitando-se que o país ainda não tinha contato prévio com a televisão, não estando colonizado pelos conteúdos típicos das redes retransmissoras. Outro nome convidado pelo governo moçambicano foi Jean Rouch, que levou ao país um projeto de formação de cineastas em bitola super 8mm, desenvolvido com o apoio do departamento de comunicação da Universidade de Maputo, onde ele poderia aprofundar seus métodos de trabalho com equipamentos leves e portáteis, com equipes reduzidas e baixos orçamentos, desmistificando a ideia da necessidade de super produções.
Os projetos tocados pelos três grandes cineastas em Moçambique tem uma simultaneidade histórica. Em 1978, no mesmo ano em que o INC lança o cinejornal Kuxa Kanema, Jean-Luc Godard é convidado para sua experiência com a TV moçambicana e Jean Rouch implanta seu projeto de formação de cineastas em suporte super 8 mm, porém, a continuidade dos projetos não se deu exatamente de maneira harmoniosa revelando diferenças irreconciliáveis entre os três grandes cineastas. A despeito das críticas e acusações levantadas entre os principais envolvidos nos episódios, tais experiências inscreveram Moçambique em um episódio importante na história do cinema, notadamente na história do cinema militante, do cinema socialmente engajado. Por outro lado, ainda que breve, tais experiências certamente deixaram seu legado para o futuro do jovem cinema de Moçambique.
Iracema, uma transa amazônica
(1974), de
Jorge Bodanzky e Orlando Sena, buscando apresentar
como o filme desenvolve uma
estrutura narrativa dialética onde convenções típic
as do cinema documentário e
convenções típicas do cinema de ficção se imbricam.
Usaremos aqui como conceito
operacional a ideia de modulação, segundo a qual a
estrutura narrativa do filme oscila
entre o registro documentário e o registro ficciona
l, de modo a obter seu resultado
estético original.
em Resgate. Metodologicamente, empreendemos uma descrição densa, análise e cotejaremos uma gama de fontes visando aprofundamento. A revelação das circunstâncias que levaram à composição nos mostra
uma importante aproximação entre os dois artistas, em um momento de questões ambientais e também as ligadas à identidade cultural. Conhecer a colaboração em uma composição musical, a abrangência e a complexidade de seu contexto e de seus resultados nos permitiu tocar na história da produção cultural no Amazonas, de forma inter linguagens artísticas, além de revelar o processo de colaboração desenvolvido
por Evangelista para além das artes visuais.
No domínio do cinema documentário notamos a emergência de modelos de produção surgidos no contexto das redes digitais, que exploram possibilidades diversas abertas pelos recursos disponíveis nestes ambientes. Proliferam formas narrativas interativas, imersivas, transmidiáticas e de realidade virtual. (Nash et al., 2014). Nesse ecossistema de possibilidades formais, narrativas e estéticas, buscamos aprofundar a análise nos modelos que podem proporcionar esforços colaborativos a custos reduzidos, aproveitando estruturas e recursos já oferecidos pelas redes digitais. Sendo assim, nos interessa investigar se no atual panorama da Cultura Digital, a existência de recursos de manipulação de imagens e sons disponíveis nas redes de computadores, aliada às possibilidades de armazenamento dos repositórios em nuvem, pode suscitar o surgimento de novas estéticas típicas desses arranjos surgidos da colaboração nas redes digitais. Para Manovich, (2001)
dada a dominância das bases de dados nos softwares e o papel central que estes exercem nos processos baseados em computadores, talvez possamos chegar a novas formas de narrativas focando nossa atenção em como narrativa e base de dados podem trabalhar conjuntamente. (p. 237)
O interesse de nossa investigação está baseado nessa premissa levantada por Manovich em seu pioneiro estudo sobre a linguagem da chamada nova mídia em um contexto centrado nas redes de computadores, com foco nos arranjos de produção audiovisual no domínio do documentário no cenário das redes digitais de colaboração. Pretendemos trazer algumas questões para pensar a produção audiovisual enfocando nos arranjos produtivos contemporâneos e nas estéticas deles resultantes. De que modo as tecnologias de armazenamento em rede, as chamadas nuvens, ou repositórios em nuvem, podem modificar os modos como se produz audiovisual? O acesso a bancos de imagens abertos e colaborativos gera novos arranjos produtivos e novas estéticas, típicas do mundo das redes digitais? Os recursos disponíveis nas redes estão gerando novos formatos audiovisuais? Existiria uma estética típica da produção audiovisual originada nas redes digitais de colaboração?
História. Tal conjunto de filmes atravessa diferentes períodos do cinema mundial, mantendo certa recorrência, de modo que consideramos o cinema como um meio legítimo para a interpretação das interpretações sobre a Amazônia na contemporaneidade (ALMEIDA, 2008), uma vez que os filmes mobilizam e atualizam diversas das representações históricas sobre a região, remetendo a categorias elaboradas desde as crônicas dos viajantes do Século XVI e daí por diante, passando por discursos científicos, artísticos e midiáticos sobre a região, nos quais notamos a
recorrência de certos tropos e clichês narrativos sobre ela. A fim de estabelecer parâmetros para utilizar o cinema como objeto em um tal processo de análise, precisamos definir o corpus de filmes a ser utilizado para elaborar tal investigação sobre a recorrência das figuras de linguagem mobilizadas pelos filmes que tematizam a Amazônia. Assim, a utilizar o material fílmico como base documental de análise de
nossa pesquisa, por meio de levantamento de títulos em bases de dados sistematizadas sobre cinema disponíveis na internet, tais como, Internet Movie Database, Library of congress e All Movie. Dada a diversidade de objetos nesse escopo, nesta comunicação iremos apresentar: i) o corpus obtido; ii) os critérios adotados para a seleção do conjunto e iii) propor uma categorização dos filmes. Nosso recorte será composto por filmes de ficção estrangeiros, de países produtores que não estejam situados na região amazônica e cujos enredos se passam na Amazônia. Com esta sistematização esperamos obter subsídios para promover uma interpretação das interpretações da Amazônia no cinema, refinando a proposta de leitura dos tropos e clichês historicamente mobilizados sobre a região que são recorrentes neste domínio expressivo. A pesquisa tem como embasamento teórico Alfredo Almeida (2008) com "Antropologia dos archivos da Amazônia", Tonico Amâncio (2000) com "O Brasil dos gringos: imagens no cinema", Neide Gondim (1994) com "A invenção da Amazônia", Renan Pinto (2006) "Viagem das ideias" e Mary Pratt (1999) com "Os olhos do império: relatos de viagem e transculturação". A proposta de sistematização está associada ao projeto de pesquisa que atualmente conduzo no PPGARTES da UFPA que se propõe a uma apropriação artística de imagens de filmes narrativos sobre a Amazônia na montagem de um novo trabalho, deslocando os clichês visuais identificados nos filmes do regime da representação para o regime estético das artes, promovendo uma crítica ao discurso colonial sobre a região e inventando novos discursos e visualidades para a Amazônia, e, também, uma nova história da mesma.
Palavras-chaves: Amazônia. História da Amazônia. Documentos fílmicos. Cinema. Imagem.
filme documentário como meio de representação cultural e faz isso apostando na
experimentação formal para destacar o caráter estético do cinema. Aqui ela
apresenta sua proposição de “falar ao lado”, ao invés do “falar sobre”, típico do
documentário clássico. Em 1991 ela publica o texto “The totalizing quest of
meaning”, onde critica a busca por objetividade no documentário e retoma sua
proposição de “falar ao lado”. Buscamos aqui cotejar o filme e o texto para
apontar os princípios do projeto crítico da cineasta.
Divulgação e jornalismo científico em saúde e ambiente
na Amazônia / Maria Cristina Soares Guimarães (org.)...
[et al.]. – Manaus: EDUA, 2014.
186 p.: il. color; 21 cm.
É uma publicação do Programa de Pós-graduação em Multimeios, da Unicamp, e conta com a colaboração de convidados externos.