Um filme de 2000, que colocou Christian Bale no páreo como um dos próximos superastros de Hollywood, tornou-se um daqueles exemplos óbvios de obras-primas pouco apreciadas na época de seu lançamento, mas que - com o tempo - tornam-se verdadeiros clássicos cult. Até que crítica e público entendessem a premissa de 'Psicopata Americano' levou bastante tempo; e dentro do set de filmagem não foi diferente.
Colegas do astro que estrelou a chocante trama, Josh Lucas e Chloë Sevigny, revelam agora que, por um breve momento, acharam a interpretação de Bale um verdadeiro terror. Péssima é a palavra.
Em uma entrevista especial para a conceituada revista Vanity Fair, Lucas e Sevigny, se reuniram para, entre outros assuntos, comentarem sobre o projeto de Mary Harron, que em janeiro do ano que vem completará seus 25 anos.
Durante a conversa, os dois relembram seus primeiros momentos juntos; como se conheceram no set e a sensação de dividirem as lentes com outros prestigiados atores. Lucas chega até a relembrar um momento em que Willem Dafoe, que interpreta o detetive Donald Kimball, lhe acalmou durante um momento de tensão.
Entre tantas lembranças dentro de um ambiente repleto de estrelas (que incluíram os próprios Sevigny e Bale, além de Dafoe, Reese Witherspoon, Jared Leto e outros mais), Josh Lucas denota uma específica: as primeiras impressões do trabalho do ator contratado para interpretar o protagonista do longa-metragem.
Dirigindo-se a Sevigny , o ator diz: "Eu não sei se você também se sentiu dessa forma, mas eu realmente me lembro de pensar que o Christian Bale estava horrível", declarou, entre risos.
"Eu lembro da primeira cena que fiz com ele, eu estava o assistindo, e tudo parecia tão falso -- mas agora eu entendo que foi uma decisão estupidamente brilhante tomada por ele. Era um ator que estava em um nível completamente diferente, e ele tinha a capacidade de ter todas essas camadas no que ele estava fazendo. Eu pensava que era uma atuação canastrona, mas era completamente o oposto."
"Eu estava tentando respeitar o processo dele, que eu achava extremamente desafiador, porque eu sou muito sociável, bobona e pateta longe da atenção do público. [...] Eu fiquei extremamente intimidada pelo processo dele e intimidada por ele. E eu queria pelo menos um pouquinho mais de generosidade para me sentir mais confortável, que é parte do meu próprio ego", comentou também Sevigny, que complementou: "Foi uma dinâmica muito desafiadora para mim, mas eu não achei que ele foi horrível. Eu só fiquei confusa, tipo: 'por que você não está sendo sociável?'".
A atriz ainda comenta que não sabia que, à época, Bale estava aplicando algo que hoje conhecemos bastante como "O Método". No set de 'Psicopata Americano', Christian permanecia como o personagem encarnado, mesmo fora de cena -- que é a essência da técnica usada por Marlon Brando, Daniel Day-Lewis, Robert De Niro e tantos outros artistas. "Eu nem sabia o que era esse negócio de 'Método'. Eu não tive nenhuma formação propriamente dita, e eu pensava que era só, tipo, 'finja até ser verdade'". Ela conclui: "Foi bem intimidante".
Os dois, porém, rasgam elogios ao intérprete do icônico Patrick Bateman, relembrando que ele começou a vida de ator ainda criança, e que isso deve ter influenciado - e muito - a maneira com que lidava com os personagens no set. "Não é como se ele tivesse ido para a faculdade e se tornado um ator do Método, estilo Marlon Brando. Ele encontrou a própria jornada sendo um ator mirim, e depois se encontrou como um ator adulto", analisou Josh Lucas.
'Psicopata Americano' virou o mundo do cinema de cabeça para baixo em 2000. Baseado no livro homônimo de Bret Easton Ellis, o longa-metragem conta com Bale no papel do executivo da Bolsa de Valores, Patrick Bateman. Jovem, vaidoso, prepotente...uma caricatura do executivo dos anos 1980; estereótipo que se via aos montes nas as ruas de Nova York, quando Wall Street ainda era uma megalópole comercial.
Na trama, Bateman, irritado pela possibilidade de ser "substituído" por alguém melhor do que ele, com um cartão de visitas mais bonito e elegante talvez, sai em uma onda de assassinatos violentos. Colegas de trabalho, prostitutas e até gatos são vitimados pelo violentíssimo assassino, que é investigado de perto pelo detetive particular Kimball (Willem Dafoe) e acha que corre risco de ser pego a qualquer momento.
Os colegas que comentam o trabalho de Bale, Chloë Sevigny e Josh Lucas, interpretaram a secretária Jean e o executivo Craig McDermott, respectivamente.
Exatamente por ser uma "paródia" de um tipo real de homens, Patrick Bateman é caricato, vulgar -- propositalmente. É claro, o público não entendeu de primeira, e 'Psicopata Americano' não foi visto com bons olhos. Mas, ainda bem, não demorou muito para que o filme fosse devidamente apreciado e cultuado.
Ainda hoje, o filme de Mary Harron é relembrado nas redes sociais como um ícone que critica a masculinidade frágil e a toxicidade dos estereótipos dos anos 1980. Além, claro, pender para comentários que criticam a misoginia intrínseca a homens como Patrick Bateman, que via não apenas seus amigos, mas principalmente mulheres, como seres inferiores a ele.
A decisão genial (como bem determinou Lucas) do ator de soar caricato, falso, mostrava apenas que, diferentemente dos colegas, ele havia compreendido muito bem o roteiro que tinha em mãos. O trabalho genioso lhe rendeu uma carreira lotada de pontos altos.
Foi o Batman da trilogia de Christopher Nolan, estrelou a versão mais obscura de 'Clube da Luta', 'O Maquinista'; além de também ter estado em outros filmes, como 'O Vencedor', que lhe garantiu seu primeiro Oscar, e outros três pelos quais recebeu indicações às estatuetas: 'A Grande Aposta', 'Trapaça' e 'Vice'.
Mesmo que fosse um gênio mal compreendido durante seu primeiro momento sob os holofotes, o talento de Christian Bale e sua capacidade única de se tornar um verdadeiro camaleão durante a encarnação de seus personagens, lhe garantiram a possibilidade de se tornar um verdadeiro astro de renome, como sempre treinou para ser.
Assista a Christian Bale no papel de Patrick Bateman no trailer do hoje cultuado 'Psicopata Americano', de Mary Harren.
*Com edição de Luís Alberto Nogueira