Violência de Gênero

Por Lola Aronovich, em Depoimento A Camila Cetrone

“A primeira vez que falei sobre grupos masculinistas no meu blog, Escreva Lola Escreva, foi em 2008. Fiquei indignada com o relato de uma feminista norte-americana que foi estuprada, relatou o crime no blog dela e recebeu comentários horríveis – tais como ‘não merecia ser estuprada porque é feia’ ou ‘pelo menos serviu para alguma coisa’.

Eu não sabia quem eram esses caras, mas descobri depois que eles já sabiam quem eu era. Comecei a ver alguns fóruns masculinistas [em que homens, de forma anônima, pregam a superioridade masculina e incentivam ataques e pensamentos misóginos] mais de perto depois disso. Não lembro como, acho que me mandaram alguns links. A primeira comunidade que vi foi uma no Orkut que enaltecia o assassino da Eloá Cristina [mantida refém e morta pelo ex-namorado, Lindemberg Alves Fernandes, em 2008] e lamentava que ele não matou a amiga dela, Nayara Rodrigues.

Nos fóruns, os masculinistas diziam que mulheres só gostavam de homens babacas, ou consolavam um ao outro dizendo que ‘até as baratas faziam sexo’. Era um festival de barbaridade e estupidez, mas era um nível mais ‘light’ do que o de hoje. Até pensava: 'Será que eles estão de gozação com a nossa cara?'. Eram realmente patéticos.

Fui anotando algumas pérolas do que diziam e compilei em um post, que publiquei em 2011. Foi o primeiro texto em que os apresentava para quem lia o blog, que, na época, já tinha um público maior. Foi, aliás, quando usei o termo ‘mascu’ pela primeira vez. Eles se ofenderam tanto que pararam de se identificar usando o termo ‘masculinista’. Tenho orgulho de ter feito isso [risos].

Estávamos rindo bastante, eu e minhas leitoras, mas logo vimos que não tinha tanto motivo para isso. Eles eram perigosos. Alertei que tinham potencial para crescer – e estava certa.

Logo em seguida, em abril daquele ano, aconteceu o Massacre de Realengo, em que um homem invadiu uma escola no Rio e matou 12 alunos, 10 meninas e 2 meninos. Já entendia o que estava acontecendo, porque o massacre seguia o padrão dos que aconteceram nos Estados Unidos e no Canadá. Acompanhei a reação dos fóruns: eles ficaram em pânico. Muitos saíram do ar, porque sabiam muito bem que o Wellington [Menezes de Oliveira, autor do massacre] era um masculinista.

Um dos principais blogs de ‘humor’ masculinista, assinado por Silvio Koerich, que era uma identidade falsa, também sumiu. Quando reapareceu meses depois, voltou mais radical e extremista, então sem humor. Pregava estupro corretivo para lésbicas e legalização da pedofilia e do estupro, além de recompensa para quem me matasse e matasse o Jean Willys, que era o único deputado abertamente gay na época.

O primeiro boletim de ocorrência que fiz foi em janeiro de 2012 depois de várias ameaças de morte desse blog. Passamos a denunciar direto para a polícia, o que foi uma grande dificuldade. Ninguém tinha a menor ideia do que eu estava falando. Não sabiam o que era um blog. Não sabiam o que era um chan, que são os fóruns virtuais. Não tinha legislação especializada para isso naquele tempo.

Descobriram que quem estava por trás do blog de ‘humor’ masculinista assinado por Silvio Koerich eram dois mascus neonazistas: Marcelo Valle Silveira Mello e Emerson Eduardo Rodrigues. Emerson, aliás, postava vídeos mostrando o próprio rosto – mais tarde publicou vários em que inventava coisas contra mim – quando outros masculinistas se escondiam. Também assinava alguns conteúdos com o nome real. Chamava meu marido de pedófilo. Era o que ele e todos os mascus faziam com frequência, unicamente por ser meu marido.

Marcelo e Emerson foram presos três meses depois do B.O., em maio de 2012, e o blog demorou nove meses para sair do ar, já que era hospedado em outros países. Em maio de 2013, os dois foram soltos e me viram como responsável pela prisão deles. Isso porque, enquanto estavam presos, divulguei informações sobre a prisão que estavam sob Segredo de Justiça (o que eu nem sabia o que era na época), como a sentença deles. Pensava que eram coisas que as pessoas que foram ameaçadas por eles mereciam saber.

Mesmo condenados e com provas de que eu não estava cometendo calúnia, me processaram. Achei um absurdo. Emerson abandonou o processo em 2018 porque não queria pagar os advogados. Só em 2019 foi condenado a me indenizar em R$ 25 mil. Só que ele já tinha fugido para a Espanha. Sei que nunca vou ver esse dinheiro e que ele nunca vai voltar para o Brasil.

Já Marcelo tinha como missão de vida acabar com a minha vida e da minha família – algo que ele manifestou várias vezes. Saiu da prisão tão radicalizado que chegou a ser expulso de chans – uma façanha, já que são espaços extremamente tóxicos.

'No chan, discutiam se me matariam ou se me estuprariam antes ou depois de me matar – ou os dois'

Em 2014, para chamar minha atenção, me mandou um link do chan que tinha criado, onde postava planos para me matar. Decidi entrar todos os dias para monitorar, porque preferi ver do que ser pega de surpresa. Claro que eu não sabia que teria de fazer isso por quatro anos disso, o que foi horrível.

No site de ódio que ele criou em 2015 com meu nome, minhas fotos, meu currículo Lattes, meu endereço residencial, ele dizia que eu era a favor de aborto e infanticídio de menino, queimava bíblias em fogueiras públicas e realizava abortos em sala de aula em alunas da UFC [Universidade Federal do Ceará]. Eu, uma professora de Letras.

Isso foi um ano antes da eleição de Donald Trump, quando o termo fake news foi criado. Mas, quando li aquilo, principalmente sobre o aborto, pensei: ‘Agora foram longe demais. Ninguém vai acreditar nisso’.

Comecei a receber ligações de homens cobrando explicações, fui denunciada na ouvidoria da universidade e tive que explicar como ré para a Polícia Federal que o site de ódio não era meu
— Lola Aronovich

Comecei a receber ligações de homens cobrando explicações, fui denunciada na ouvidoria da universidade e tive que explicar como ré para a Polícia Federal que o site de ódio não era meu. Se eu soubesse que dois anos depois o pessoal ia acreditar em kit gay e mamadeira de piroca, teria entendido que as pessoas levaram a sério.

Em 2017, Marcelo abriu um processo contra mim. Recebi uma intimação para comparecer a uma audiência do processo que movia contra mim em Curitiba. Li no chan uma discussão onde planejavam meu assassinato, me matariam quando eu chegasse no aeroporto ou no fórum. Eles discutiam se me seguiriam do fórum ao hotel e, lá, me matariam, ou se me estuprariam antes ou depois de me matar – ou os dois.

Acabei não indo, porque minhas advogadas na época conseguiram marcar uma videoconferência de última hora. Elas também foram alvos dos apoiadores de Marcelo, que fizeram doxxing [perseguição online feita por meio de compartilhamento de dados pessoais] com elas. Divulgaram RG, CPF, endereço... Colocaram telefone em site de prostituição e hackearam a firma de advocacia, mandando montagens pornográficas delas.

Elas precisaram largar o meu caso e, por muito tempo, tive de recorrer apenas a advogados homens, já que os ataques contra eles eram mais limitados. Ainda assim, alguns temiam por suas filhas, namoradas e esposas e não aceitavam me representar.

Em 2018, Marcelo finalmente foi preso e condenado, inclusive, por todas aquelas coisas que falou no site de ódio em meu nome – desde as ofensas racistas até as vendas de remédios abortivos. Também tinha apologia ao ódio, ameaças de massacres e de terrorismo.

A sentença dele é de 40 anos. Mas, antes disso, ficou cinco anos ininterruptos em liberdade, completamente impune. Sinceramente, até hoje não consigo entender como isso aconteceu. Eu fui a primeira pessoa que passou o endereço novo onde ele estava para a polícia, porque o tinha no processo. Cheguei a escrever: ‘Esse é o endereço dele. Por favor, façam alguma coisa'.

‘Já fiz mais de 12 boletins de ocorrência por ameaças’

Não consigo me desligar dos ataques porque eles acontecem o tempo todo. Sabem onde eu trabalho, onde moro. Me escrevem e-mails em que dizem que vão vir me matar. Eles ligam para o meu telefone fixo, sabe? Já pensei em desconectar, em ficar sem telefone. Mas pode fazer falta. Eu não uso celular, vive desligado.

Sou a própria moderadora dos comentários do meu blog e, para conseguir denunciar, eles precisam ser publicados para gerar um link de rastreio. Então, sou obrigada a publicar essas ameaças horrorosas. Só levo à polícia as mais sérias. Se não, eu ia viver na delegacia.

Em 2020, disseram que do Natal eu não ia passar. Depois, do Réveillon. Diziam que alguém estava vindo para a minha casa. Na época, o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), do qual faço parte, não estava funcionando por mudanças de edital. Mas recebi ajuda. Uma patrulha passava aqui para ver se estava tudo bem.

A delegada responsável pelo meu caso ficou meio em pânico porque queria que eu saísse de casa, fosse para um hotel. Falei que não ia. Era pandemia, minha mãe estava acamada – ela morreu poucos meses depois – e eu não ia sair de casa por uma coisa que, provavelmente, não aconteceria. Se eu ainda morasse em Santa Catarina, onde a gente sabe que tem muitos nazistas, acho que teria mais medo.

Já fiz mais de 12 boletins de ocorrência por ameaças. Se eu me abatesse, mudasse qualquer coisa da minha vida ou perdesse o sono por causa disso, seria uma pessoa deprimida, neurótica, paranóica…

Eu descarto, ignoro. Às vezes dou risada. Comento com meu marido e a gente faz piada. O humor é natural na minha vida. A ironia é importante para mim, uso muito no Twitter.

‘Os masculinistas nunca conseguiram tirar nada de mim’

Se tem uma coisa que perdi muito é tempo. Tempo é uma coisa que você não recupera. Eu podia ter publicado mais artigos acadêmicos, saber mais sobre outros tópicos. Podia ter feito qualquer coisa que não me dedicado a denúncias.

Tive sorte de começar o blog aos 40 anos. Então, já não era mais jovem. Eu tinha uma casca grossa. Realmente, os xingamentos não me ofendem. Não tô nem aí se um cara me chama de gorda. Só que ameaçar é diferente. Ainda mais se a ameaça for contra outra pessoa que você conhece.

No começo você fica um pouco receosa, mas eles nunca conseguiram tirar nada de mim. Eu sigo aqui firme e forte. Já deveriam ter aprendido que eu não tenho medo deles. Já passou do tempo de pararem de me ameaçar.

Eu não digo isso muito: ao longo desses anos, cerca de cinco mascus me escreveram. Mandaram e-mails arrependidos, dizendo que foram ridículos, que saíram do movimento masculinista enquanto era tempo, antes de piorar. Três deles eram gurus ou coaches.

Um deles, que se chamava como The Truth, autorizou que eu publicasse o pedido de desculpas no blog. Foi o único que respondi, porque não quero ter contato nenhum com eles. Ainda tem um ou outro que acaba acertando, encontrando um caminho melhor. Tive um pouco de esperança.

Eu espero que, algum dia, todos que ameaçam a mim e a outras pessoas sejam presos. Na verdade, gostaria que saíssem dessa vida. Ninguém fica melhor pertencendo a esses grupos. É uma vida com ódio, uma vida mentirosa.

‘Recebo muito mais carinho do que ódio’

Sei que muita gente me considera uma referência, mas não me vejo assim. Não consigo. Acho que tem muito mais que eu poderia fazer e não faço. Sei que tem gente que fala para mim: ‘Você não faz ideia da sua importância na vida de tantas mulheres e muitos homens’. Acho legal.

A verdade é que recebo muito mais carinho do que ódio, indiscutivelmente. Talvez se eu recebesse só ódio, nem estivesse mais na internet. O carinho que recebo e as amizades que faço são muito mais fortes. Tento me concentrar nisso.

Recebo muitos e-mails e muitos pedidos de ajuda, inclusive de mulheres e meninas que me escrevem desesperadas perguntando como fazer a denúncia pela Lei Lola [nº13.642/18, que determina que a PF investigue crimes de misoginia na internet e leva o nome de Lola] e em quais casos ela se aplica. E quem tem que decidir isso é a Polícia Federal, não eu.

Inclusive, estou querendo me reunir com a Luizianne Lins, autora do projeto de lei, para falarmos com a PF para, agora que a gente tem um governo progressista, ver se a gente realmente pode colocar o que está ali para valer. É uma lei super importante e a gente vai tocar isso para frente, sim.”

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