Eu, Leitora
Por , Karoline Bezerra Maia, em depoimento a Marie Claire — de São Paulo (SP)

"Meu pai nasceu e cresceu no quilombo de Jutaí, no Maranhão, e eu sou a filha mais nova, a sexta. Então, ao contrário dos meus outros irmãos, tive mais oportunidades de vida. Sou quilombola por toda a ancestralidade, mas cresci em São Luís, capital do estado. Meu pai buscava melhores oportunidades para mim. Assim, eu sempre voltava ao quilombo nas férias ou feriados. Mantinha essa conexão com a terra, o território, meus familiares, os rituais e as comidas quilombolas, que incluem muita banana da terra, galinha caipira e alimentos feitos com leite de babaçu.

Minha primeira escola foi uma escola comunitária. Mais tarde, fui bolsista parcial em uma instituição particular. Durante o Ensino Fundamental e Médio, enfrentei vários casos de racismo. Acabei escolhendo Direito por necessidade, também porque não me identificava com a área da Saúde nem com áreas de Exatas. Na época, minha mãe precisava de um remédio de alto custo, então buscamos a ajuda da Defensoria Pública quando ela estava doente. Após o falecimento dela, houve a questão da pensão por morte e era eu quem acabava lidando com todas essas burocracias, pois minha mãe era analfabeta e meu pai não tinha frequentado a escola.

Foi assim que encontrei o Direito e prestei vestibular. Em 2008, ingressei na Universidade Federal do Maranhão pelo sistema de cotas raciais, que era novo na época, estava nos primeiros anos de implementação. Me formei em 13 de abril de 2013 e fui aprovada no exame da OAB ainda no 9º período. Porém, ao me formar, não tinha dinheiro para pagar a anuidade da OAB. Só consegui tirá-la em 2014, um ano depois.

Trabalhei por oito anos em um escritório de advocacia e durante a pandemia meu pai faleceu também. Ele tinha diverticulite e já era idoso. Não tínhamos condições de pagar plano de saúde e dependíamos do sistema público de saúde, o SUS. Na semana em que ele faleceu, fomos ao hospital e ele foi mandado de volta para casa, mas sua condição piorou. Tivemos que retornar ao hospital e passamos algum tempo no corredor, aguardando uma vaga na UTI. Foi uma situação degradante, onde você se sente completamente incapaz de fazer algo.

Um dos sonhos deles era que eu continuasse lutando pelos meus objetivos e um dos últimos pedidos do meu pai foi que eu não desistisse. Assim, deixei o escritório e decidi estudar para me tornar advogada autônoma. Graças a Deus, obtive êxito em concursos no Ministério Público de Sergipe, no Ministério Público de Rondônia e aqui no Ministério Público do Pará.

Meu pai sabia que eu não estava feliz, nem realizada como advogada de escritório e que buscava um cargo público. Tenho certeza de que ele ficaria orgulhoso se eu fosse defensora, juíza ou promotora, como sou agora. Estar aqui hoje é estar por todos que vieram antes de mim, especialmente meu pai e minha mãe, mas também por meus avós, bisavós e por todas as pessoas do quilombo, assim como por todas as que ainda virão."

Karoline Maia e o pai, Sr. Erozino — Foto: Arquivo Pessoal
Karoline Maia e o pai, Sr. Erozino — Foto: Arquivo Pessoal

"Muitas pessoas me estenderam a mão"

"No início da minha jornada como estudante e concurseira, comecei trabalhando na advocacia pública e cheguei a ser aprovada em Manaus, mas fora das vagas. Participei de duas segundas etapas e fui reprovada. O que me ajudou bastante foi o projeto da NPR, da Associação Nacional do Ministério Público, que me concedeu uma bolsa de R$2,5 mil por 6 meses. Além disso, o projeto Magistratura Negra financiou minhas passagens para as etapas de prova, um curso de oratória e diversos outros professores independentes que tinham projetos. Se estou aqui hoje, é porque muitas pessoas me estenderam a mão.

Meu maior desafio foi o financeiro, principalmente quando precisava viajar. Deixei de fazer algumas provas por questões financeiras, pois envolvem passagens, transporte, hospedagem e alimentação, além de outros custos associados aos concursos. Sem contar o impacto psicológico ao longo dos seis a sete anos de jornada. À medida que o tempo passa e os resultados não vêm, é difícil manter a motivação. Conciliar trabalho e estudos também não é fácil; muitas vezes chegava tarde do escritório, o que acabava me desanimando. Isso tudo vai minando as esperanças e a fé de que um dia alcançarei meus objetivos. Financeiro e psicológico, foram os maiores obstáculos que enfrentei."

Karoline Maia celebra o cargo conquistado — Foto: Arquivo Pessoal
Karoline Maia celebra o cargo conquistado — Foto: Arquivo Pessoal

"Ter assumido esse cargo é uma realização indescritível. É uma felicidade que não consigo mensurar porque não é apenas uma realização pessoal, é uma conquista coletiva. É uma realização da minha família, do meu quilombo, de todos os quilombos, ter uma representatividade, ter alguém do seu povo ali, alguém em quem você possa se espelhar e pensar: 'Se ela conseguiu, eu também sou capaz.' O Ministério Público é um órgão essencial na vida da sociedade, onde posso fazer diferença através da minha atuação. Por isso, isso é muito significativo para mim.

Eu tenho um Instagram, o perfil 'Barbie Preta Concurseira', que criei após a pandemia, quando retomei os estudos. Após minha posse, planejei desativá-lo, mas ele acabou ganhando uma repercussão que jamais imaginei. Muitas pessoas compartilharam depoimentos e histórias que me motivaram a continuar com essa página. É gratificante receber essas mensagens e poder retribuir, ajudando outras pessoas que passaram por situações semelhantes às minhas. Às vezes, tudo o que precisamos é de uma palavra de incentivo para acreditar que é possível alcançar nossos objetivos.

Meu maior sonho daqui pra frente é exercer meu trabalho da melhor forma possível para que possa refletir na vida de outras pessoas, fazer diferença nas promotorias, nos municípios para onde eu possa passar e que eu consiga levar todos os saberes, conhecimentos tradicionais e esteja, de fato, fazendo diferença na sociedade.”

Karoline Maia tomou posse em abril — Foto: Arquivo Pessoal
Karoline Maia tomou posse em abril — Foto: Arquivo Pessoal
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