Comportamento
Por , redação Marie Claire — de São Paulo

De repente a Coreia do Sul e o movimento 4B – no qual mulheres heterossexuais abandonam definitivamente qualquer relação amorosa com homens – dominaram as redes sociais, em especial o Tik Tok. Como diz uma reportagem do site The Cut sobre o tema, essas sul-coreanas não estão lutando contra o patriarcado, mas o deixando para trás por completo. Há controvérsias sobre o quão representativa é de fato essa tendência radical em um país onde o mero fato de se dizer feminista já é mal visto, mas os dados não mentem: as sul-coreanas querem mudanças.

Em tradução livre, 4B significa “os 4 não”: não namorar, não transar, não casar e não ter filhos. Sem números oficiais que deem sua real dimensão, o fenômeno surgiu na Coreia do Sul em 2019 e agora ganha destaque nas redes sociais ao redor do mundo. O movimento faz parte de uma onda feminista que varreu o país na última década, assim como o movimento Escape the Corset (Libertar-se do Espartilho, em português), no qual mulheres rompem com os padrões de beleza: cortam os cabelos curtinho, jogam fora a maquiagem e se vestem como querem.

“É interessante que o 4B tenha viralizado nas redes pelo mundo, aqui na Coreia do Sul isso foi discutido há anos e agora está amortecido, ainda mais com o governo do presidente Yoon Suk-yeol, eleito em 2022 em cima de uma plataforma anti-feminista”, diz Hawon Jung, jornalista e autora do livro Flores de fogo: A história do movimento feminista na Coreia do Sul e como ele impactou as mulheres mundo afora.

O país asiático está há algum tempo no radar mundial por apresentar a menor taxa de natalidade do planeta. Em 2023 registrou nova queda no índice: segundo números do governo divulgados em fevereiro, as sul-coreanas têm, em média, 0,72 filhos. Em 2022, o país também deteve a menor taxa do mundo, com uma média de 0,78 filhos por mulher.

E por que as sul-coreanas não querem mais ser mães? “Por causa da nossa cultura patriarcal”, responde Chung Hyun-back, ex-ministra de igualdade de gênero da Coreia do Sul, em reportagem do jornal The New York Times, escrita por Hawon Jung. De acordo com a jornalista, uma pesquisa de 2022 mostra que 65% das mulheres do país não querem ter filhos – versus 48% dos homens. Como pouquíssimas sul-coreanas são mães fora do casamento, elas também estão evitando o matrimônio – com todo o trabalho doméstico delegado às mulheres e expectativas sociais que vêm no pacote, além do alto índice de violência doméstica no país.

“A realidade de gênero na Coreia do Sul é composta por estereótipos rígidos historicamente construídos, onde os papéis sociais de homens e mulheres, apesar das mudanças produzidas pela industrialização e pelo grande desenvolvimento econômico e tecnológico alcançado pelo país, seguem uma tradição milenar, na qual as mulheres são consideradas responsáveis pelo trabalho doméstico e de cuidado dos filhos e filhas, e os homens responsáveis pelo trabalho externo à casa”, diz Mayara Bichir, psicanalista e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), especialista em feminismo e gênero. “Ainda nos dias de hoje alguns coreanos usam a palavra ‘Djip-saram’ para se referirem às esposas, que significa ‘pessoa de casa’, e a palavra ‘Bakat-Yangban’ para se referirem aos maridos, o que significa ‘homem de fora’.”

Com isso, a população da Coreia do Sul está diminuindo. Em 2020, o país registrou mais mortes do que nascimentos – e quase uma década antes do previsto pelas estatísticas governamentais.

Os motivos para as sul-coreanas não desejarem a maternidade incluem o alto custo de moradia, a discriminação contra mães no ambiente profissional e longas jornadas de trabalho, argumenta Hawon Jung. A educação dos filhos também é considerada um fardo para 94% da população coreana, segundo pesquisa de 2022, e apenas 2% dos pais não pagam por um ensino privado. “Na Coreia do Sul, os pais gastam fortunas para que os filhos consigam entrar nas melhores universidades, porque isso define o futuro profissional e até as possibilidades de casamento”, explica a jornalista.

Apesar das mulheres do país asiático apresentarem os maiores níveis de escolarização dentre as nações da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a Coreia do Sul tem também o maior índice de desigualdade salarial há 30 anos, com mulheres ganhando um terço a menos do que os homens. A participação feminina no mercado de trabalho aumentou de 49.8% em 2011 para 55.6% em 2023, mas ainda assim é 18 pontos percentuais abaixo da masculina. Pesquisadores afirmam que o cenário impõe às sul-coreanas um dilema inescapável: dedicar-se à carreira profissional ou à maternidade. Cada vez mais, elas têm escolhido a primeira opção.

“A pergunta que costuma ser feita é por que as sul-coreanas não querem ter filhos, mas a pergunta que deveria ser feita é: ‘por que elas teriam um filho nessas condições?’”, questiona Hawon Jung.

Ainda que não tão acentuada em outros países, a tendência não se restringe à Coreia do Sul. O Japão, por exemplo, vende mais fraldas geriátricas do que para bebês. Aqui no Brasil a taxa de natalidade também cai. A psicanalista Vera Iaconelli discorre sobre o tema no seu último livro, Manifesto antimaternalista: psicanálise e políticas de reprodução (Ed. Zahar, 253 págs., R$ 49,90). Em entrevista para Marie Claire, a doutora em psicologia pela Universidade de São Paulo destaca a impossibilidade de mulheres ocuparem postos de trabalho remunerado - mães solo chefiam 50% das famílias brasileiras -, e ao mesmo tempo serem as responsáveis pela economia de cuidado.

“O desejo de ter filhos não é um desejo solto no nada, ele também é atravessado pela cultura, por expectativas, reconhecimento social, o valor que se dá para isso. E tem perdido muita força. A mulher não precisa ser mãe para ser considerada uma mulher. Antigamente víamos essa associação muito mais forte do que hoje. (...) Temos o déficit demográfico como sinal alarmante desse movimento, no qual a maternidade já está colapsando, não consegue ser protegida, cuidada, e mulheres vão declinando essa tarefa que foi se tornando impossível.”

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Além das condições materiais que desfavorecem a criação de filhos e a diminuição da expectativa da mulher com relação à maternidade, pesquisas mostram outro elemento: um inédito distanciamento ideológico entre homens e mulheres da mesma faixa etária. Um levantamento feito pela pesquisadora Alice Evans, da Stanford University, nos Estados Unidos, revela que a geração Z é composta por duas ideologias opostas: as mulheres mais progressistas e os homens, conservadores. Países de todos os continentes fizeram parte do estudo, e o desencontro maior entre os dois pólos é justamente na Coreia do Sul.

Segundo reportagem do Financial Times, o movimento #MeToo foi a principal causa para esse fenômeno - ao fortalecer valores feministas dentre jovens mulheres, que passaram a protestar contra injustiças de gênero de longa data. Esse marco foi especialmente determinante na Coreia do Sul, defende o jornalista John Burn-Murdoch.

Em 2018, uma promotora, inspirada pelo movimento #MeeToo, anunciou em rede nacional que foi assediada sexualmente por um de seus chefes. Outras mulheres decidiram seguir os seus passos, o que resultou em uma série de denúncias contra homens de alto poder. Desde então, dezenas de milhares de sul-coreanas tomaram as ruas e a internet para protestar contra assédio sexual, os inúmeros casos de filmagens ilegais de mulheres feitas por câmeras escondidas e pela descriminalização do aborto, aprovado pela Suprema Corte em 2019.

“Na Coreia do Sul, as mulheres não são mais progressistas do que nos outros países da pesquisa, os homens é que ficaram muito mais conservadores - um backlash cultural depois do #MeeToo”, afirma Hawon Jung. “Pesquisas mostram que 25% dos homens na faixa dos 20 anos se identificam como anti-feministas, acreditam que uma sociedade com igualdade salarial não é justa, que medidas por igualdade de gênero são equivocadas e que o feminismo almeja a supremacia feminina.”

A jornalista também cita uma pesquisa feita por um aplicativo de relacionamentos da Coreia do Sul em 2022, que perguntou aos usuários o que o sexo oposto deveria mudar com mais urgência. As mulheres responderam que os homens deveriam assumir mais do trabalho de cuidado e do lar. A resposta dos homens, por sua vez, foi: o feminismo.

“O movimento 4B - que muitas vezes foi criticado na Coreia do Sul, especialmente pelos homens, por ser radical ou extremo demais - está ganhando uma nova vida em outras partes do mundo depois de anos”, diz Jung. “Embora ser contra namoro e sexo com homens possa parecer extremo para muitos, o movimento reflete a intensidade da pressão que as mulheres na Coreia do Sul enfrentam. O fato de a mensagem do 4B estar ressoando em tantas mulheres fora do país é um alerta de que tais normas e pressões patriarcais, afinal, existem em todo o mundo, e mulheres compartilham frustrações semelhantes”, diz Hawon Jung.

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