Comportamento

Por Camila Cetrone, redação Marie Claire — São Paulo


Como os aplicativos tornaram uma geração inteira cansada de tentar encontrar o amor? — Foto: Reprodução/Pexels
Como os aplicativos tornaram uma geração inteira cansada de tentar encontrar o amor? — Foto: Reprodução/Pexels

Depois de terminar um namoro de cinco anos, a jornalista Luisa Rodrigues, 26, decidiu mergulhar de cabeça nos aplicativos de relacionamento. Era 2015, e três anos antes o precursor desse ramo, o Tinder, foi fundado, reprogramando a forma como as pessoas do mundo inteiro se relacionam. Ao longo desse tempo, Luísa viu os papos interessados e a ânsia pelos dates presenciais serem trocados pelo ghosting (quando uma pessoa perde interesse, para de responder e desaparece) e pela banalização de seus sentimentos.

No lugar das borboletas no estômago, veio o esgotamento derivado da dinâmica dos apps de relacionamentos – o que, no último ano, ganhou o nome de dating burnout (ou “esgotamento de encontros”, em tradução livre). O cansaço vem de condutas apáticas que se tornaram muito comuns nestes espaços: além do sumiço, há a intensificação de relacionamentos superficiais, do acúmulo de likes e matches e das conversas monossilábicas — isso quando passam do “oi” —; além da facilidade surpreendente em fazer a fila andar.

"Parece que as relações atuais são como um miojo, você tem tudo muito rápido e passa por estágios que passaria só com três meses de convivência", pensa Luisa. "Mais do que nunca as pessoas só vêm até você para sugar algo que sirva a elas. Depois é só silenciar, dar ghosting e soft block [quando uma pessoa bloqueia e desbloqueia outra para que parem de se seguir nas redes, de forma silenciosa] para evitar conflito. Esquecemos que estamos lidando com pessoas e sentimentos reais por trás da tela.”

Luisa está longe de ser a única a se sentir esgotada. Só no TikTok, seu desânimo é compartilhado por mais 119 mil pessoas, que usam a hashtag #datingburnout para fazer desabafos sobre o quanto a lógica que reina nos aplicativos passou a sugar suas energias – e as fazerem pensar mil vezes mais antes de topar o tête-à-tête.

"Para mim é exaustivo marcar, me arrumar, se encontrar e, na maioria das vezes, precisar forçar uma conversa. Se eu saio com uma garota, acabo pagando a conta... É exaustivo. Eu só quero amar”, diz a usuária Hannah C em um dos vídeos mais populares da hashtag.

O relato de Hannah reflete bem a experiência pela qual a bacharel em direito Nathalya Ferreira de Melo, 27, passou diversas vezes. "Percebi que estava exausta de gastar horas me arrumando para sair e, chegando lá, a pessoa era simplesmente chata ou não tínhamos química. Sou uma mulher plus size e, uma vez, um homem foi embora após dizer que ‘eu era diferente da foto’, mesmo deixando isso claro no meu perfil e não usar filtros. No online as pessoas são ótimas, flertam bem e são mais desinibidas. No presencial, elas travam ou o clima acaba em 5 minutos”, conta.

Obrigada, próximo!

Em novembro de 2022, quando o Tinder completou sua primeira década de existência, a psicóloga Lígia Baruch, doutora em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e autora do livro Tinderellas – O Amor na Era Digital (Ed. e-galáxia, 199 págs., R$ 24,90), afirmou a Marie Claire que uma das características mais marcantes dos aplicativos é o excesso de opções e a rapidez no ritmo das relações – o que ela entende agora, em 2023, ter se intensificado. O resultado dessa equação é que, por mais que nunca tenha sido tão fácil na história conseguir um encontro, as chances de encontrar o par perfeito e de trocas mais enriquecedoras é menor.

Essa dinâmica fez Nathalya chegar à conclusão de que os apps não são feitos para pessoas como ela: “monogâmica, que curte conhecer alguém profundamente e ter um relacionamento”. “A maioria quer uma coisa casual. Estou buscando algo em um ambiente que não foi idealizado para mim. Preferi excluir todas as minhas contas e esperar que a pessoa com quem vou ter meu próximo relacionamento esbarre comigo em algum lugar”, diz.

Nathalya Ferreira de Melo, 27, desinstalou suas contas nos apps de relacionamento — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal
Nathalya Ferreira de Melo, 27, desinstalou suas contas nos apps de relacionamento — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

A jornalista Georgia*, 30, compartilha dessa falta de conexões aprofundadas, e conta que a sua saúde mental e autoestima abalaram; seja por ter topado sair com pessoas demais no início, seja pelo fato de sentir que nunca há interesse genuíno nela.

Georgia, que é heterossexual, conta que raramente sente que os homens com quem dá match querem, de fato, conhecê-la: não perguntam sobre seu trabalho, filmes que gosta ou seus drinks preferidos. E mais: com quanto mais sede ao pote eles vão – com elogios excessivos ou clamando que acharam a mulher da vida deles no primeiro encontro –, menos interesse eles têm em algo duradouro. Para ela, essa é uma bandeira vermelha de que o interesse ali é só sexo.

"Comecei a ficar desgastada dos apps depois de entendê-los como um cardápio, e mais ainda porque as pessoas não me valorizavam pelo que sou de verdade. Sempre acabava descartada e, tempos depois, essas pessoas assumiam relacionamentos com outras", desabafa.

Não é que o esgotamento esteja nos aplicativos em si, mas nessa lógica inerente da velocidade e na dinâmica emocional que normaliza a pressa de conhecer o próximo, sem levar em conta a responsabilidade afetiva do outro. Além do ghosting, dá para lembrar de comportamentos como o orbiting (quando um relacionamento acaba, mas a pessoa continua interagindo em posts nas redes sociais) e do love bombing (a tentativa de influenciar uma pessoa por meio de demonstrações de atenção e afeto).

Além disso, a prioridade parece ter mudado: mais do que encontrar a metade da laranja, o alto número de likes e matches se tornou mais desejável. Segundo uma pesquisa realizada em 2020 pelo aplicativo Happn, 81% dos usuários brasileiros passam mais tempo curtindo perfis do que conversando, e mais de 90% dizem sentir dificuldade de criar diálogos profundos.

Ana Suy, psicanalista, professora da PUC do Paraná e autora do livro A gente mira no amor e acerta na solidão (ed. Paidós, 160 págs., R$ 38,90), explica que as relações ali são colocadas como objeto de consumo. Se os apps se tratam de cardápios, como definiu Georgia, as pessoas seriam os produtos, que precisam fazer marketing de si mesmos para chamar atenção e – mais do que iniciar o papo com alguém – acumular matches, mesmo que não haja interesse de seguir em frente.

“Ficamos muito fixados nessas imagens mais superficiais, o que é absolutamente exaustivo porque isso acontece de uma maneira que se repete, como se tudo fosse a mesma coisa. O que esgota não são as relações em si, mas, nesse caso, a frustração pela falta sentida por uma pessoa que busca esse ideal”, diz.

“O encontro é nutritivo da nossa existência. O que é cansativo é a fantasia de que o outro vai corresponder a algo. Somos seres estruturalmente faltantes, em que inexiste um objeto adequado para nos satisfazer em definitivo. Então, quando encontramos um objeto/pessoa e temos a ideia de que vamos encontrar o amor, invalidamos os outros encontros que podemos ter na vida. Tudo se massifica, se torna mais do mesmo.”

Dentro deste ciclo, a balança parece desequilibrar mais para o lado das mulheres, que são as mais queixosas. Luisa afirma perceber que, para os homens cisgênero, se retirar da vida de uma pessoa, em qualquer contexto que seja, é muito mais fácil e naturalizado. “Sinto que, para eles, não significa nada uma troca emocional. Culturalmente fazem isso com as mães dos seus filhos e com os próprios filhos. Geralmente, a mulher pensa no cara no mínimo algumas semanas, se perguntando o que fez de errado para ele sumir”, diz.

“O dispositivo amoroso é muito forte no ideário feminino”, afirma Baruch. “A felicidade nesse ideário está atrelada à realização amorosa e materna. É difícil não sucumbir à ansiedade de não encontrar essa tal felicidade prometida pela literatura, cinema, novelas e música.”

Suy complementa que a manutenção desse dispositivo continua forte – e esperado – para as mulheres, mesmo que tenham se tornado mais informadas e encorajadas à independência, se comparadas com a geração passada. Mesmo assim, a psicanalista avalia que uma geração é pouco para curar definitivamente essa demanda.

“Temos que nos dar conta do quanto é impossível colocar todas essas realizações esperadas de nós – de ser bem sucedida, ser mãe, casar – na mesma conta. A pergunta ideal é: qual pratinho estamos dispostas a deixar cair para ter experiências de alegria na vida?”, questiona. Para ela, a saída pode estar numa desidealização do que se busca quando se decide abrir a página inicial de um aplicativo.

Por sentirem que não cabem naquele espaço, Georgia, Luisa e Nathalya pararam ou reduziram drasticamente o uso, intensificaram o tempo com amizades ou se voltaram para si mesmas, em busca de um amor que venha de dentro para fora.

"Ao me afastar dos apps ou dar um tempo, tento entender mais sobre amor próprio. Busco me convencer do quanto sou incrível e que não preciso me esforçar para que me amem e queiram estar comigo. Isso vai acontecer quando tiver que acontecer. Não adianta eu forçar”, diz Georgia.

*O nome foi alterado a pedido da entrevistada.

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