Silvia Chakian
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A violência sexual constitui uma das formas mais graves de violação aos direitos humanos e, segundo o Instituto Liberta, mais de 4 meninas de menos de 13 são estupradas por hora no nosso país. Ainda de acordo com essa estatística, 79,6% dos abusos aconteceram dentro de casa e 82,5% dos abusadores eram conhecidos da vítima.

No nosso país, desde 1940 o Código Penal autoriza que o aborto seja feito por médico em duas situações: para salvar a vida da gestante ou, de acordo com sua vontade, se a gravidez for decorrente de estupro. Em 2012 também foi reconhecida terceira possibilidade de interrupção da gravidez: quando constatada anencefalia fetal.

A questão do tempo gestacional, por vezes, gera confusão. Importa ressaltar que a legislação penal não prevê condicionante e, no sistema de saúde, o enfoque é clínico, disciplinado em normativas que consideram as variáveis possíveis nesses casos. Sobre a opção de interrupção, a Lei 12.845/13 prevê atendimento emergencial e multidisciplinar para casos de estupro, o que significa que só após análise de compatibilidade da narrativa da vítima, ela é informada sobre o direito de abortamento e, ainda assim, a decisão somente será tomada após avaliação médica e orientação psicossocial.

Ainda assim, há quem sustente o receio de que meninas e mulheres possam buscar o aborto como método contraceptivo. O cotidiano revela, entretanto, outro cenário: a interrupção se dá como forma de não perpetuar mais violência e suas consequências, considerando os índices de estupro no nosso país. O argumento de que a interrupção da gestação para essas vítimas poderia ser mais letal ou traumática que levar a gravidez a termo também não encontra amparo em evidências científicas, sempre que o procedimento obedecer os protocolos médicos.

Infelizmente, não há limites para a misoginia e o desprezo em relação ao gênero feminino no nosso país. Prova disso é constatar que há quem trabalhe (pagos por nós) para piorar a vida de meninas e mulheres que já sofreram violência extrema como é o caso do estupro, impondo a elas, ainda mais sofrimento.

Esse é o caso do PL 1904, que dificulta sobremaneira o já traumático caminho da vítima de violência sexual que procura atendimento no SUS. Mais grave que isso: criminaliza gravemente, prevendo pena de seis a vinte anos de reclusão, a interrupção da gravidez decorrente de estupro, autorizada na nossa legislação penal já é tão restritiva, desde 1940. Pena privativa de liberdade, equiparada ao crime de homicídio, desproporcional, inclusive, em relação à pena prevista para o próprio estuprador. Nada mais cruel e absurdo.

O movimento de perseguição a meninas e mulheres que são vítimas de violência sexual e procuram o Sistema de Saúde não é novidade, como demonstram os famigerados PL 5069/15 de Eduardo Cunha e PL 5435/20 de Eduardo Girão. Por mais terrível que pareça, tem se demonstrado, inclusive, como estratégia de grupos radicais que se beneficiam da desinformação da população para, a pretexto de defesa da vida, angariar votos e popularidade, às custas de retrocessos e atentado contra a dignidade humana.

Mais uma vez, fica a certeza de que apesar dos inegáveis avanços obtidos nos últimos anos, é justamente no que diz respeito aos direitos sexuais e reprodutivos que as meninas e mulheres se tornam mais indignas de direitos.

Resta a esperança de que a articulação histórica que vem sendo feita pelos movimentos de mulheres desperte a atenção do restante da população, que numa inacreditável passividade reflexo da naturalização do tratamento discriminatório contra a mulher, ainda não se dá conta que o que se pretende com o Projeto de Lei, além do reforço da cultura de violência, baseada na inferioridade do feminino, é impor a todas as mulheres que sofreram a violência sexual, tratamento desumano e degradante.

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