Lúcia Monteiro

Por Lúcia Monteiro

Crítica, pesquisadora e professora de cinema da Universidade Federal Fluminense

colaboração para Marie Claire

Na Coréia, a palavra "In-Yun", expressa pelos caracteres 인연, pode ser traduzida como "destino" ou "providência". Ela indica a conexão que surge quando duas pessoas se esbarram em algum momento, um sinal de que esse encontro já aconteceu em vidas passadas. Se duas pessoas se amam, é porque houve oito mil camadas de "In-Yun" ao longo de oito mil vidas anteriores.

Fui pesquisar o assunto ao ver Vidas Passadas, primeiro longa-metragem de Celine Song. Nascida na Coréia do Sul, a cineasta migrou para o Canadá com a família quando tinha 12 anos, abandonando seu primeiro amor. Uma década mais tarde, os dois retomam contato pela internet e, tempos depois, se reencontraram fisicamente.

Celine Song vivia em Nova York, estava casada e já trabalhava escrevendo roteiros e peças de teatro. Corajosa, colocou lado a lado os dois homens de sua vida: o sul-coreano por quem era apaixonada na infância e o marido estadunidense.

"Vidas passadas" é uma ficção, mas a história se baseia na trajetória da realizadora. Em especial, na experiência de, ao rever seu grande amor do passado, olhar para a própria vida sob uma nova perspectiva. O filme tem como protagonista Nora, escritora de origem coreana interpretada pela atriz Greta Lee (da série Russian Doll).

Filme Vidas Passadas — Foto: Divulgação/ California Filmes
Filme Vidas Passadas — Foto: Divulgação/ California Filmes

Aos 24 anos, Nora mora sozinha em Nova York e reencontra pelo Facebook Hae Sung (Teo Yoo), que vive em Seul. A ligação entre os dois permanece forte, eles se falam todos os dias pelo computador e planejam um reencontro, mas as circunstâncias não ajudam.

Ela se prepara para uma residência artística em Montauk (a semelhança com Brilho eterno de uma mente sem lembrança não é coincidência), enquanto ele embarca para aprender mandarim na China. Será que vão perseguir seus sonhos profissionais ou renunciar a eles para se verem?

Quem já viveu um desses momentos cruciais, quando as escolhas parecem capazes de determinar nosso destino de maneira definitiva, sabe que analisar a situação anos mais tarde pode ser bem doloroso. Na história como na vida, perguntar "e se" a fatos ou escolhas do passado é um exercício ingrato, daqueles sem resposta satisfatória.

Como seria minha vida se eu tivesse estudado Medicina em vez de Jornalismo? E se tivesse ficado com meu namorado em São Paulo em vez de ir fazer mestrado em outro país? Celine Song não dá margem para arrependimentos, embora filme com maestria a beleza dolorida dos amores interrompidos.

É muito bonita, no filme, a cena em que Nora e Hae Sung, ainda crianças, se despedem em um caminho que se bifurca. O reencontro deles tem a intensidade das conversas extremamente desejadas e, ao mesmo tempo, impossíveis. A ficção surge então em socorro à vertigem dos protagonistas, estilhaçados entre passado e futuro. E se, numa vida passada, tivéssemos sido um pássaro e o galho em que pousa para descansar? E se esta já for uma vida passada?

Filme Vidas Passadas — Foto: Divulgação/ California Filmes
Filme Vidas Passadas — Foto: Divulgação/ California Filmes
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