• Larissa Saram
  • Colaboração para Marie Claire
Atualizado em

"Você está exagerando, são só elogios". Foi isso que a britânica Eliza Hatch ouviu de seus amigos homens ao compartilhar suas experiências de importunação sexual. Pouco tempo antes, um cara completamente desconhecido tinha mexido com ela na rua. A situação fez Eliza pensar o quanto ela mesma tinha normalizado casos de sexismo e assédio em espaços públicos durante a vida.

Eliza Hatch (Foto: Arquivo pessoal)

Eliza Hatch (Foto: Arquivo pessoal)

"E depois de falar com esses meus amigos, ficou ainda mais claro como o problema era generalizado. Fiquei irritada!", conta em entrevista para a Marie Claire. Para provar que cantadas abusivas nada têm a ver com elogio, Eliza, que trabalha como fotojornalista, começou a clicar mulheres nos lugares onde elas tinham sofrido assédio, e a postar no perfil @cheerupluv, no Instagram.

"Cada local reflete o assédio que elas enfrentaram e funciona como um palco para falar sobre aquela experiência. Fazendo isso, transformamos uma memória negativa em algo positivo, reivindicando o espaço e tomando o controle de volta", explica a criadora do projeto.

Hoje, o "Cheer Up Luv" é uma plataforma multimídia feminista interseccional, que reúne além da galeria online de retratos, uma série de iniciativas para combater e aumentar a conscientização sobre importunação sexual, como palestras, podcast, workshops e exposições.

No começo, em 2017, o projeto contava apenas as histórias de mulheres que Eliza já conhecia. Mas a sistematização da violência sexual ao redor do mundo levou o "Cheer Up Luv" de Londres para o México, Sri Lanka, EUA, Europa e Japão. "Quanto mais fotos e testemunhos eu postava, mais mulheres e pessoas não-binárias queriam se envolver. E, após o surgimento do movimento #MeToo, passei a receber centenas de inscrições na plataforma. Até hoje, organizo sessões com pessoas que me enviam depoimentos por meio do site ou mensagem particular no Instagram", diz Eliza.

Com a chegada da pandemia, as sessões passaram a ser feitas via FaceTime, o que abriu possibilidades ilimitadas para fotografar e filmar pessoas de qualquer lugar do mundo.

Na conversa a seguir, Eliza detalha como desenvolve o trabalho para promover discussões sobre o sexismo cotidiano e como ele pode ajudar mulheres vítimas de assédio.

MARIE CLAIRE Você fotografa e conta histórias de mulheres de lugares muito diferentes. O que há em comum na violência que elas sofrem?
ELIZA HATCH
Um denominador comum que permeia todas as histórias é a idade com a qual elas são vítimas do primeiro assédio sexual. Inúmeros relatos começam com as palavras: “Isso aconteceu quando eu tinha 11 anos” ou “A primeira vez que fui assediada na rua, eu tinha 12 anos”. Outro ponto em comum é como as vítimas se sentiram culpadas quando contaram o que aconteceu para amigos, colegas ou policiais. Muitas vezes, eles duvidaram das sobreviventes ou não foram levadas a sério e devidamente ouvidas.

MC Qual é o seu principal desafio quando vai contar a história de uma mulher que já foi vítima de importunação sexual ou assédio?
EH
Uma das coisas mais desafiadoras é recontar a história com sensibilidade e encontrar um equilíbrio entre dar visibilidade para a experiência, mas também ter certeza de não sensacionalizar ou retraumatizar a sobrevivente. Muitas vezes, ao fazer uma sessão de fotos, que ocorre em locais públicos, sofremos importunação sexual de homens que passam por perto. Já fui seguida, assediada e até agredida fisicamente enquanto fazia os cliques, então sempre tenho que estar atenta. A última coisa que quero é que a pessoa que está se empoderando novamente se sinta insegura. É um ato de equilíbrio constante reivindicar espaços públicos, mas também estar ciente de seus arredores. Em última análise, mostra que ainda temos a necessidade deste projeto e uma causa pela qual lutar.

MC Como o "Cheer Up Luv" contribui para o debate sobre o assédio nas ruas?
EH
Usar a arte para o ativismo faz com que a gente olhe para o tema do assédio nas ruas por um ângulo diferente. Gosto de chamar a atenção do espectador para a série com fotos bem brilhantes e o mais coloridas possível. É quase como se eu quisesse enganar as pessoas, envolvendo-as com algo esteticamente atraente. Acho que isso deixa muita gente chocada e em conflito com as histórias que estão lendo nas legendas, tendo que correlacionar algo tão horrível ou perturbador dentro de ambientes reconhecíveis e com um retrato que desarma. É também por isso que tiro as fotos em espaços públicos, para colocar o assunto em algum lugar que tem significado e impacto, mas também para transportar o público para um lugar onde ele já esteve antes, para criar um senso de compreensão e empatia com aquela experiência.

MC E como o projeto pode ajudar outras mulheres?
EH
Espero que se engajando no projeto, acompanhando a série de retratos e apoiando a plataforma, as mulheres e as pessoas de gêneros marginalizados possam se sentir capacitados para encontrar sua voz, expressar suas próprias experiências e criar um senso de solidariedade e impulso para a mudança. Também espero que eu possa inspirar outras pessoas a criarem seus próprios projetos usando sua voz de forma criativa e a arte para a defesa de direitos. Para completar, desejo que homens e meninos se tornem aliados e ajudem na luta pelo fim do assédio sexual e da violência de gênero.

MC Quais são os próximos planos para "Cheer up luv"?
EH
Tenho algumas coisas interessantes em andamento nos próximos anos, mas no futuro mais imediato vou lançar um projeto colaborativo para o Mês da História da Mulher no ano que vem. Também pretendo trabalhar em uma nova plataforma, com uma série de fotos que vão contar as experiências de skatistas mulheres e não-binárias. Quem quiser acompanhar a minha jornada é só seguir o @cheerupluv no Instagram e @_cheerupluv no TikTok.

Esta matéria faz parte do especial de Marie Claire sobre as variadas formas de assédio, que pode ser acessado em revistamarieclaire.globo.com/Feminismo/Assedio. O canal tem todas as reportagens abertas, sem paywall, com o apoio de L’Oréal Paris.