Saúde

Por Tainá Rodrigues, com edição de Guilherme Eler

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, mais de 22 mil crianças entre 10 e 13 anos foram vítimas de estupro no país em 2022. A legislação nacional considera que menores de 14 anos não podem consentir uma relação sexual, e caracteriza o ato como estupro de vulnerável.

Ainda de acordo com o levantamento, em 7,8% dos casos, quem comete estupro contra meninas de até 13 anos é apontado como “companheiro” ou “ex-companheiro” no registro policial. Muitas vezes, essa relação resulta em uma gravidez indesejada. Dados divulgados pelo Ministério da Saúde, indicam que, entre 2014 e 2022, foram 191.003 nascimentos em que a mãe tinha entre 0 a 14 anos.

Dados preliminares de 2023 apontam para 13.909 casos registrados e em 2024, para 3.924. Na somatória, são 17.833 casos em um ano e meio, o equivalente a cerca de 32 partos por dia.

Do ponto de vista da saúde, a gestação em crianças entre 10 a 14 anos pode gerar diversas consequências negativas para a vítima. “Ela vai ter uma sobrecarga em vários órgãos que ainda está desenvolvendo. Ou seja, vai ter uma sobrecarga na frequência cardíaca, um aumento volêmico [ampliação da quantidade de sangue no corpo] em decorrência da gestação. Isso é algo fisiológico para uma mulher que está com seu desenvolvimento completo, mas, para uma criança em desenvolvimento, acarreta maiores riscos”, disse Marlise Lima, enfermeira obstetra e coordenadora do curso de Obstetrícia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), da Universidade de São Paulo em entrevista à GALILEU.

De acordo com Lima, o aumento volêmico, pode representar uma sobrecarga na medula óssea, já que aumenta a produção de glóbulos vermelhos e brancos. Esse cenário pode influenciar no próprio desenvolvimento físico de uma criança de 10 anos, já que muitas vezes, ela não produz ferro suficiente para si mesma e tem que suprir as necessidade do feto.

Crianças abusadas podem também viver em uma situação de vulnerabilidade social, não tendo o suporte calórico e nutrição adequados para gerar um novo ser. Mas, no aspecto de estrutura corporal, a lista de ameaças à saúde é ainda mais extensa.

“Há a alteração até das costelas. Conforme o bebê vai se desenvolvendo, as costelas vão mudando de posição para se adaptar a esse novo ser. Isso não retorna mais, fica para sempre”, explica Lima. “O trabalho dos rins também aumenta, [o que] afeta o próprio crescimento e desenvolvimento dessa adolescente”.

Outro problema possível é o maior risco de pré-eclâmpsia, relacionada ao aumento da hipertensão arterial. Quando não tratada, pode evoluir para a eclâmpsia — convulsões que colocam em risco a vida da mãe e do feto — e, também para a Síndrome de Hellp, envolvendo alterações no fígado.

Completam a lista de riscos a chance aumentada de hemorragias, distúrbios relacionados com a ovulação e o desenvolvimento de anemia. O consenso da área indica que uma mulher atingiu a maturidade ginecológica 4 anos após a primeira menstruação. Lima, porém, reitera que cada corpo é único, e tem seu próprio ritmo de desenvolvimento.

Riscos relacionados ao parto

Além do processo de gestação, dar à luz com um corpo tão pequeno também é mais difícil. Na ocorrência de uma cesárea, há chance mais alta de a mãe desenvolver placenta prévia — condição em que a placenta está em um posição incorreta no útero. O maior risco de acretismo, que ocorre quando a placenta está mais aderida ao útero do que o normal, pode levar a um quadro de hemorragia na hora do parto.

Quando a gestação é interrompida

Em meio a tantos problemas para a saúde da mãe, o aborto espontâneo, em meninas entre 10 a 14 anos, pode levar a um quadro hemorrágico ou um descolamento prematuro da placenta – outro fator que aumenta o risco de morte. “Comparativamente, elas têm um risco de morte de duas a três vezes maior do que uma mulher que esteja numa faixa etária em torno de 18 a 35 anos”, diz Lima.

No procedimento abortivo, a gestante também corre o risco de ter um aborto retido, o que leva a necessidade de passar pelo esvaziamento intra-uterino. A especialista ressalta que, nesses casos, o ideal seria fazer o procedimento com o procedimento de AMIU (Aspiração Manual Intrauterina), mas que no Brasil, prevalece o método chamado curetagem.

“Infelizmente, ainda é muito grande no Brasil o número de curetagens. A curetagem é um procedimento cirúrgico que, além de envolver uma anestesia, também [causa] diminuição do endométrio. É feita uma raspagem com um instrumento cirúrgico chamado cureta, e isso deixa o seu útero um pouco mais “fino””, explica Lima.

“Isso vai interferir nas gestações futuras que essa adolescente venha a ter. Como ela ainda não está completamente formada, há reflexos também no seu útero”, acrescenta. Fisiologicamente, a gestante com menos de 14 anos têm menor chance de morrer se optar pela interrupção da gravidez.

Aspectos psicológicos

As sequelas do abuso, da gestação e de uma gravidez interrompida podem deixar impactos ainda mais difíceis de se mensurar no quesito psicológico. Um dos quadros mais comuns é o desenvolvimento de estresse pós-traumático.

“Muitas vezes, ela tem uma iniciação sexual traumática, ela foi forçada a ter relação sexual, em que nem tinha noção exata do que estava acontecendo. No momento da assistência a um parto, ela tem todo o seu recordatório psicológico traumático dessa relação sexual inicial, que aconteceu de uma forma inadequada”, pontua Lima.

“Infelizmente, às vezes você tem que fazer o toque vaginal para ver como está a dilatação. Imagine você ser tocada, mesmo sendo [por] um profissional cuidadoso, com todo esse passado de violência?”, finaliza.

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