Meio ambiente

Por Leticia Moro* | The Conversation

Quando você pensa no Semiárido brasileiro, qual é a primeira imagem que vem à sua cabeça? Talvez uma mistura entre falta de chuvas e solo seco. É difícil as pessoas associarem essa região à biodiversidade e à preservação ambiental. Mas neste 5 de dezembro, Dia Mundial do Solo, cabe desfazer estereótipos assim e mostrar que há muita pesquisa sendo conduzida nessa área, que se estende por nove estados do Nordeste, além do Norte de Minas Gerais.

Começando pela escala microscópica, um estudo publicado em agosto no Journal of South American Earth Sciences nos ajuda a caracterizar as condições mineralógicas de um ponto específico do Semiárido, contando também sob quais condições o solo foi formado. O cenário do estudo foi a Chapada do Apodi, situada na divisa entre o Ceará e o Rio Grande do Norte. Ali, coletamos amostras de solo em trincheiras cavadas em três posições de relevo diferentes. A análise foi conduzida com uma tecnologia adaptada especialmente para a realidade brasileira.

Estudos prévios já haviam indicado a presença de nódulos de ferro (Fe) e manganês (Mn) no território, o que é curioso porque esses depósitos minerais costumam ser encontrados nas profundezas oceânicas. Formados há milhares de anos em condições muito específicas de temperatura e umidade, eles costumam ser chamados de nódulos polimetálicos e contêm algumas substâncias, como os óxidos de manganês.

É aqui que a pesquisa ganha muita relevância, porque estes óxidos podem absorver metais pesados, contribuir para a nutrição de plantas, a formação de húmus, além de indicar condições hidrológicas atuais ou de um passado muito distante. Eles têm enorme importância ambiental e agronômica.

As amostras de terra foram coletadas em três posições diferentes na Chapada do Apodi, que tem um dos solos mais férteis do Brasil — Foto: Insa/MCTI
As amostras de terra foram coletadas em três posições diferentes na Chapada do Apodi, que tem um dos solos mais férteis do Brasil — Foto: Insa/MCTI

A identificação dos nódulos não é nada fácil

Ocorre que há poucos estudos que conseguiram investigar a mineralogia e a micromorfologia desses nódulos. As técnicas disponíveis ainda estão sendo aprimoradas para identificar óxidos de manganês de baixa cristalinidade (como a litioforita e a birnessita) – uma das características da substância - e também porque outros minerais naturais do solo aparecem nas análises, às vezes se sobrepondo ao que realmente queremos encontrar.

O estudo de agosto é o primeiro registro que temos disponível da aplicação de uma metodologia de investigação já consolidada fora do Brasil e adaptada para a região do Semiárido – a maior contribuição do trabalho. Implementamos um processo laboratorial para melhorar o procedimento químico utilizado internacionalmente, conhecido como processo de dissolução seletiva e sequencial (SSDP, na sigla em inglês).

Fizemos vários testes e modificamos parâmetros para eliminar as interferências, buscando obter a amostra mais pura possível. Depois disso, observamos os nódulos com uma técnica de microscopia de varredura, que possibilita visualizar as amostras em escala mil vezes maior que a original. A microscopia já é utilizada em outros países, mas é uma técnica cara. No estudo de agosto, ajudou na confirmação de que a SSDP havia sido eficiente para distinguir os minerais e óxidos e, adicionalmente, nos forneceu dados químicos sobre a composição dos nódulos.

Os resultados obtidos representam o primeiro registro micromorfológico de birnessita e litioforita em nódulos de Fe/Mn em solos do Semiárido brasileiro. A quantidade exata não chegou a ser detalhada no estudo, mas agora temos uma técnica robusta para estudar o solo do Semiárido. Estudos futuros podem coletar novos materiais em áreas onde há presença agrícola, buscando entender como esses nódulos se comportam sob diferentes condições de uso do solo. Sabemos que eles contribuem para a nutrição de plantas, mas precisamos avançar no entendimento sobre os mecanismos.

Do micro para o macro: o solo da Caatinga estoca carbono

A cerca de 400 quilômetros do ponto de coleta do primeiro trabalho, na cidade de Campina Grande, na Paraíba, o solo da Caatinga – um dos biomas do Semiárido – foi estudado para mapear como a degradação ambiental é disruptiva para atributos físicos, químicos e microbiológicos. Para isso, duas áreas que ficam a menos de um quilômetro uma da outra foram analisadas. Uma tem vegetação regenerada e se mantém preservada há cerca de 40 anos, com arbustos densos, e outra foi desmatada para fins de construção civil.

Quando a área passa por intervenção, até a camada superficial de solo pode ser retirada. São poucos centímetros que acabam guardando uma riqueza, como o banco de sementes com potencial germinativo e os microrganismos que cumprem funções ambientais. A segunda área ficou completamente descoberta durante vários anos. Algumas tentativas de recuperação foram feitas, mas sem muito sucesso. Isso é extremamente prejudicial.

Os resultados, publicados na Revista Árvore, mostram que a ausência de cobertura vegetal na segunda área resultou na perda de nutrientes por erosão. Além disso, o solo em áreas preservadas, mesmo em uma Caatinga caducifólia (aquela em que as plantas perdem as folhas em certas estações), exerce a função de sumidouro de carbono, sequestrando CO² (gás carbônico) da atmosfera. Isto ocorre porque a cobertura vegetal retarda a degradação da matéria orgânica presente no solo, além de garantir a proteção contra a radiação solar. A baixa oxidação dos resíduos vegetais contribui para diminuir a liberação do gás.

Áreas que são suscetíveis a intenso manejo, que muitas vezes “decapitam” o solo e retiram essa camada superficial, estão também contribuindo para aumentar as quantidades de CO² na atmosfera. A degradação ambiental na região está diretamente ligada a alterações climáticas que intensificam a desertificação no Semiárido brasileiro.

* Leticia Moro é pesquisadora bolsista da área de Solos e Mineralogia no Instituto Nacional do Semiárido (INSA). Recentemente, concluiu o pós-doutorado em ciência do solo pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Este artigo foi originalmente publicado no site The Conversation Brasil.

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