Em 2020, arqueólogos da Universidade de Sichuan (China) que faziam uma escavação próxima ao lago Xiada Co, no oeste do Tibete, descobriram seis artefatos incomuns de pedra. Cada objeto tinha uma ponta afiada e, na outra extremidade, uma abertura em formato de olho – como se fosse uma espécie de agulha grossa de costura.
A análise das ferramentas revelou, depois, que a semelhança no formato poderia não ser coincidência. De acordo com um artigo publicado na revista Journal of Archaeological Science: Reports, os artefatos são de fato agulhas de costura de pedra, e podem ter até 9.000 anos de idade — as mais antigas encontradas até hoje.
Até então, as agulhas de pedra mais antigas eram datadas de 2.700 anos atrás, e foram achadas na província de Henan, na China. A nova descoberta implica que o surgimento de agulhas de pedra, na verdade, veio 6.000 anos antes do que se imaginava. As agulhas mais antigas, de qualquer material, são feitas de osso, tem 50.000 anos e estavam na Caverna de Denisova, na Rússia.
O surgimento de agulhas com aberturas semelhantes a um olho é considerado um marco para a civilização humana. Afinal, elas permitiram que antigos povos confeccionassem roupas, além de abrigos mais bem protegidos. A ferramenta também permitiu a populações viver de forma permanente em regiões mais frias, explorando novos ambientes.
Como são as agulhas
Os exemplares de agulhas que representam o novo são feitas de tremolita, serpentina, actinolita e talco (minério presente na pedra-sabão). Das seis agulhas encontradas, apenas duas estavam intactas, e em quatro delas, os furos estavam preservados.
A agulha denominada como 1, era a mais longa, larga e grossa entre as amostras. A modelagem 3D revelou que o objeto apresentava marcas densas e profundas, característica do processo de raspagem. Essas marcas estavam ocultas por marcas de moagem -- ou seja, um "ajuste fino", feito com objetos de pedra, para deixá-las mais afiadas.
As evidências sugerem que, inicialmente, a agulha foi raspada para ter forma, e depois teve a ponta raspada mais de uma vez para ficar mais afiada. As outras agulhas provavelmente foram confeccionadas da mesma maneira, pois apresentavam um padrão semelhante.
Os pesquisadores tentaram replicar a raspagem, refino e perfuração das agulhas, para confirmar como elas foram feitas. Para isso, usaram placas de tremolita e rocha obsidiana. Após cerca de 50 minutos, a equipe conseguiu recriar as características de listras de raspagem dos objetos.
Para gerar as marcas de moagem encontradas, a equipe fez um atrito horizontal em um seixo áspero por cerca de 30 minutos. Já para o buraco, os cientistas perfuraram manualmente o objeto de pesquisa, com uma “broca” pontiaguda de obsidiana, por 5 horas. Por fim, conseguiram formar um buraco liso, idêntico ao que estava nas agulhas recuperadas pelos pesquisadores.
Todo o processo de confecção levou pelo menos, sete vezes mais tempo do que a fabricação de agulhas de osso, que são mais macias e maleáveis. Isso levanta a hipótese que os antigos tibetanos provavelmente tinham um motivo para usar pedra ao invés de osso. "Como eram mais duras e mais grossas do que as agulhas de osso, concluímos que essas agulhas de pedra podem ter sido usadas para costurar materiais mais espessos, como uma tenda", explica Yun Chen, pesquisador da Universidade de Sichuan que participou do estudo à revista Science.
A análise microscópica revelou alguns vestígios de tinta vermelha em uma das agulhas. Essa evidência demonstra que provavelmente o primeiro uso do pigmento no Planalto Tibetano ocorreu em 4.500 anos atrás.
Os pesquisadores argumentam que para os tibetanos, a cor vermelha tinha um profundo significado religioso, pois representava vida e energia aos objetos de pedra, e afastava os espíritos malignos.
Uso ainda é controverso
Apesar da hipótese levantada no estudo, ainda não é consenso de que os objetos sejam mesmo agulhas. Edward Jolie, arqueólogo da Universidade do Arizona que não participou da pesquisa, disse à revista Science que considera que os objetos podem ser ferramentas para tecer redes de pesca. "Dada a proximidade do local com um lago, eu gostaria que os autores considerassem essa possibilidade".
Já para Francesco d'Errico, antropólogo da Universidade de Bordeaux, na França, que também não participou da pesquisa, é mais provável que o objeto tivesse uso mais simbólico. "A explicação mais razoável é que elas eram usadas como ornamentos pessoais", afirma. Para d'Errico, o fato de os artefatos serem feitos de talco também vai contra a teoria das agulhas, já que essa rocha é muito macia para perfurar materiais duros.