Saltar para o conteúdo

Racismo ambiental

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Racismo ambiental é um termo criado e utilizado nos Estados Unidos, para descrever a injustiça ambiental em contexto racializado. Refere-se a como comunidades de minorias étnicas são sistematicamente submetidas a situações de degradação ambiental.[1][2][3] Em sentido mais amplo, descreve as relações ecológicas desiguais entre o Norte e o Sul Global, associando-se ao colonialismo, ao neoliberalismo e à globalização.[4]

Em janeiro de 2024, o conceito entrou em voga na mídia brasileira depois que a ministra da igualdade racial, Anielle Franco, associou ao racismo ambiental aos danos causados por enchentes então ocorridas no Rio de Janeiro.[5][6][7]

O racismo ambiental (ou racismo meio ambiental) é um termo usado para descrever situações de injustiça social no meio ambiental em contexto racializado, ou seja, nas quais comunidades pertencentes a minorias étnicas, como as populações indígenas, negras e asiáticas, são particularmente afetadas.[1]

Situações de injustiça ambietal podem incluir a inacessibilidade a recursos naturais (como ar limpo, água potável e outros benefícios ecológicos), a exclusão da tomada de decisão sobre territórios tradicionais[8] e recursos naturais locais,[9] e também o sofrimento das mazelas das degradações ambientais, como:

Normalmente, quando referido dentro de um contexto internacional, o racismo ambiental descreve as relações ecológicas desiguais entre as nações industrializadas (o Norte Global) e países mais pobres (o Sul Global).[4] Neste sentido, associa-se diretamente às heranças da história colonial e do neocolonialismo sobre as minorias étnicas, bem como, às forças do neoliberalismo e da globalização advinda das grandes potências capitalistas sobre a biodiversidade nativa e comunidades locais dos países emergentes.[11]

Contexto histórico

[editar | editar código-fonte]

O termo "racismo ambiental" foi cunhado em 1982 pelo norte-americano Benjamin Chavis, ativista do movimento dos direitos civis nos Estados Unidos.[12][13]

Conhecido por ter sido, ainda adolescente, assistente de Martin Luther King Jr., Benjamin Chavis foi, posteriormente, notório membro de várias organizações negras estadounidenses, como a Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor.

Benjamin Chavis, ativista que cunhou o termo.

Acredita-se que a frase foi usada pela primeira vez no ano de 1982, no momento em que Chavis gritou "Isto é racismo ambiental!" ao ser preso, durante protesto contra um aterro químico de Bifenilpoliclorado no estado da Carolina do Norte, nos Estados Unidos.[14] Neste contexto, Bejamin Chavis cunhou o termo para se referir à:

Discriminação racial no ataque deliberado às comunidades étnicas e minoritárias por meio de sua exposição à locais e instalações de resíduos tóxicos e perigosos, juntamente com a exclusão sistemática de minorias na elaboração, cumprimento e reparação das políticas ambientais.[15] [tradução livre]

Robert D. Bullard, "pai da Justiça Ambiental".

O conceito foi expandido no livro Confronting environmental racism: voices from the grassroots ("Confrontando o racismo ambiental: vozes do movimento de base", tradução live para o português).[1] Esta obra, publicada no ano de 1993, foi organizada pelo intelectual negro Robert D. Bullard, também norte-americano, conhecido por ter cunhado o termo justiça ambiental.[16] No prefácio ao livro de Bullard, Chavis definiu racismo ambiental como:

Discriminação racial na elaboração das políticas ambientais, aplicação e regulação de leis, o ataque deliberado às comunidades de cor por meio de instalações de resíduos tóxicos, a sanção oficial de venenos e poluentes cuja presença causa risco de vida para nossas comunidades e a história da exclusão de pessoas de cor da liderança dos movimentos ecologistas[15] [tradução livre]

Direitos civis e ambientais

[editar | editar código-fonte]

Ao longo das décadas 1960, 1970 e 1980, os movimentos por direitos civis nos Estados Unidos conviveram com os movimentos por justiça ambiental. Suas pautas se aproximaram em vários pontos. Covergiram na mobilização de pessoas preocupadas com suas localidades e com a saúde comunitária, ecoando preocupação ambiental e empoderamento político na luta antirracista.[17]

O reconhecimento da noção de racismo ambiental impulsionou o movimento social de justiça ambiental e redefiniu o ambientalismo, movimento que ganhou força nas décadas de 1970 e 1980 nos Estados Unidos.[18]

Internacionalização

[editar | editar código-fonte]

Embora o termo tenha origem estadounidense, o racismo ambiental passou a ser utilizado em nível internacional. Exemplos incluem sua utilização por comunidades marginalizadas do Sul Global frente à importação de resíduos perigosos permitidas pelas políticas ambientais de seus países - liberais em relação às pressões das grandes corporações do Norte Global.[4]

No Brasil, foi realizado no ano de 2001 o "Primeiro colóquio internacional sobre justiça ambiental, trabalho e cidadania" na cidade do Rio de Janeiro, marcando a criação da Rede Nacional de Justiça Ambiental. No ano de 2005 ocorreu o "Primeiro seminário brasileiro contra o racismo ambiental". Desta maneira, estes dois termos, originados no contexto norte-americano, foram importados e adaptados para explicar a realidade brasileira.[19][20]

Racismo e injustiça ambiental

[editar | editar código-fonte]
Ver artigo principal: Injustiça ambiental

O racismo ambiental é uma forma específica de injustiça ambiental, na qual acredita-se que a causa subjacente é a discriminação étnico-racial.[12][20]

América Latina

[editar | editar código-fonte]

Na América Latina, o termo racismo ambiental se difundiu, com mais força, a partir dos anos 2000.[19]

Além da histórica e elevada desigualdade social e discriminação étnica, as situações de injustiça ambiental emergiram em virtude da situação política e econômica dos países latino-americanos no cenário internacional, marcada pela exploração intensiva e simultânea tanto dos recursos naturais, quanto da força de trabalho.[20]

Além de marcado por forte concentração de renda e de poder, inúmeras situações de injustiça ambiental e conflitos étnicos são historicamente observados no contexto brasileiro.[21]

Crime ambiental em Brumadinho (Minas Gerais, Brasil): lama tóxica matou o rio que sustentava os Pataxó.

Dois dos maiores desastres ambientais da história recente do Brasil comprovam as teorias de racismo e injustiça ambiental:

Governo Bolsonaro

[editar | editar código-fonte]

No Brasil, o racismo e a injustiça ambiental recrudesceu-se com o fenômeno do bolsonarismo.[25] A política ambiental do governo Bolsonaro ameaçou esforços globais de preservação do meio ambiente[26] com ações no escopo do necropolítica, como por exemplo: ameaças contra os direitos de povos indígenas e quilombolas com incentivo aos desmatamentos e a liberação de agrotóxicos;[27][28][29]bem como a falta de medidas contra a COVID-19, que afetou desproporcionalmente as populações de favela.[30]

O racismo ambiental também se expressa em sua esfera urbana, apesar da luta ambientalista estar frequentemente ligada aos biomas de floresta ou localidades rurais no geral.[30]

Moradores do estado do Rio de Janeiro afetados pelas enchentes de 2011.

No Brasil, em especial, as favelas e regiões de periferia são regiões racializadas e marcadas por um série de violações de direitos,[31] dentre eles, aqueles que giram em torno da tríade "saneamento, saúde e meio ambiente".[32] A negligência da saúde ambiental em saneamento da população negra das periferias e favelas do Brasil é considerada uma forma institucionalizada de racismo ambiental.[32]

Em 2024, o tema entrou em voga na mídia brasileira por conta da associação feita por Anielle Franco, então Ministra da igualdade racial do país, entre o racismo ambiental e os efeitos desproporcionais das enchentes no Rio de Janeiro, ocorridas em 14 de janeiro.[5][6][7]

Além de se expressar por meio da esfera da saúde ambiental, o racismo ambiental nestes locais também se reflete nas altas taxas de homicídio de jovens negros,[31][32] fenômeno por vezes denominado "genocídio do povo negro".[33]

Contaminação da água por agrotóxicos do agronegócio na aldeia guarani-kaiowá de Pyelito Kue (Iguatemi, Mato Grosso do Sul, Brasil), 2012

Terras Indígenas

[editar | editar código-fonte]

Os povos indígenas são também acometidos pelo racismo ambiental no Brasil. A contaminação de suas aldeias por agrotóxicos associados ao avanço do agronegócio em território indígena, a falta de território para a manutenção de seus modos tradicionais de vida, a exploração sexual de menores e a precarização da mão de obra, estão entre as causas, por exemplo, do alto índice de suicídio entre os jovens indígenas.[31] O conflito por terra também é responsável por um alto nível de assassinatos de lideranças e desocupações de comunidades.[34]

No ano de 2019, em face ao racismo ambiental, foram registrados:

A cultura devastadora da cana-de-açúcar nas terras tradicionalmente guarani-kaiowá (Dourados, Mato Grosso do Sul, Brasil), 2012.
Resumo do Relatório da Violência contra os Povos Indígenas no Brasil (2019)[35]
número de casos categoria da violência observações
1.120 violências contra o patrimônio dos povos indígenas 256 casos de exploração ilegal de recursos naturais
135 mortes por assassinato 42 casos no bioma da Amazônia e 40 casos no bioma do Cerrado
133 suicídios 59 casos no Amazonas e 34 no Mato Grosso do Sul
Guarani-Kaiowá da aldeia Guyraroka protestam contra as injustiças ambientais (Caarapó, Mato Grosso do Sul), 2018.

Além das exploração ilegal do meio ambiente e dos assassinatos, uma grande faceta do racismo ambiental é a violência autoinfligida.[36] O suicídio entre indígenas, fenômeno associado aos jovens, reflete as pressões da recorrência de situações violentas e dos racismos cotidianos.[36][13] Nos primeiros 19 anos do século XXI, a população Guarani-Kaiowá, do estado do Mato Grosso do Sul, sofreu uma média de 45 suicídios por ano.[36]

O confronto ao racismo ambiental e a defesa dos direitos do meio ambiente são grandes frentes do ativismo indígena contemporâneo.[37]

Comunidades quilombolas, ribeirinhas e ligadas ao extrativismo sustentável também são grupo afetados pelo racismo e injustiça ambiental no Brasil.[23]

Referências

  1. a b c Bullard, Robert D. (Ed.). (1993). Confronting environmental racism: Voices from the grassroots. South End Press.
  2. Pacheco, Tania (2008). Inequality, environmental injustice, and racism in Brazil: beyond the question of colour. Development in Practice, 18(6), 713-725.
  3. Herculano, Selene, & Pacheco, Tania (2006). Racismo ambiental, o que é isso. Rio de Janeiro: Projeto Brasil Sustentável e Democrático: FASE.
  4. a b c Figueroa, Robert, & Mills, Claudia (2001). "Environmental justice". In: Dale Jamieson (Ed.) A companion to environmental philosophy. Massachussets/Oxford: Blackwell Publishers. pp. 426-438. ISBN 1-557586-910-3
  5. a b «O que é racismo ambiental e de que forma ele impacta populações mais vulneráveis». Secretaria de Comunicação Social. Consultado em 17 de janeiro de 2024 
  6. a b «Entenda o que é racismo ambiental, termo apontado por Anielle Franco como uma das causas de tragédias climáticas no Rio». O Globo. 15 de janeiro de 2024. Consultado em 17 de janeiro de 2024 
  7. a b «O que é o racismo ambiental?». CartaCapital. 15 de janeiro de 2024. Consultado em 17 de janeiro de 2024 
  8. (em castelhano) Racismo ambiental, conflictos climáticos y la revuelta Sioux en Dakota del Norte. Eldiario.es. 7 de noviembre de 2016.
  9. (em castelhano) Justicia ambiental y climática: de la equidad al funcionamiento comunitario. Ecología Política. 2011.
  10. «Environmental Racism: A Public Health Crisis | Environmental Working Group». www.ewg.org (em inglês). Consultado em 19 de maio de 2021 
  11. (em castelhano) Racismo ambiental y otros ejemplos de capitalismo salvaje. Público. 1 de junho de 2016.
  12. a b (em inglês) Cutter, Susan L. (1995) Race, class and environmental justice. Progress in Human Geography, 19(1), p. 111-122. DOI: 10.1177/030913259501900111
  13. a b Pacheco, Tania & Faustino, Cristiane (2013). "A iniludível e desumana prevalência do racismo ambiental nos conflitos do mapa". In: Porto, Marcelo Firpo; Pacheco, Tania & Leroy (Org.). Injustiça ambiental e saúde no Brasil. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, pp. 73-114.
  14. Fears, Darryl; Dennis, Brady. «'This is environmental racism'». Washington Post (em inglês). Consultado em 6 de maio de 2021 
  15. a b Chavis, Benjamin (1993). "Foreword". In: Bullard, Robert D. (Ed.). Confronting environmental racism: Voices from the grassroots.. Cambridge: South End Press, pp. 3-6.
  16. Bullard, Robert D. (1993). "Anatomy of environmental racism and the environmental justice movement". Confronting environmental racism: Voices from the grassroots, 15, 15-39.
  17. Calgaro, Cleide, and Moisés João Rech. "Justiça ambiental, direitos humanos e meio ambiente: uma relação em construção." Revista de Direito e Sustentabilidade 3.2 (2017): 1-16.
  18. Lamim-Guedes, V. (2012). Consciência negra, justiça ambiental e sustentabilidade. Sustainability in Debate/Sustentabilidade em Debate, 3(2).
  19. a b SILVA, Lays Helena Paes (2012). Ambiente e justiça: sobre a utilidade do conceito de racismo ambiental no contexto brasileiro. e-cadernos CES, n. 17.
  20. a b c Porto, Marcelo Firpo; Pacheco, Tania & Leroy, Jean Pierre (2013). "Apresentação". In: ______. (Org.) Injustiça ambiental e saúde no Brasil: o mapa de conflitos. Editora Fiocruz, 2013.ISBN: 9788575414347
  21. Porto, Marcelo Firpo & Milanez, Bruno (2009) Eixos de desenvolvimento econômico e geração de conflitos socioambientais no Brasil: desafios para a sustentabilidade e a justiça ambiental. Ciência & Saúde Coletiva, 14: 1.983-1.994, 2009.
  22. Krenak, Ailton (2019). O insustentável abraço do progresso ou era uma vez uma floresta no Rio Doce. Os Indígenas e as Justiças no Mundo Ibero-Americano (Sécs. XVI-XIX), 19.
  23. a b c Carvalho, Diana; Schimidt De Ecoa, Fernanda (3 de agosto de 2020). «Racismo ambiental: Comunidades negras e pobres são mais afetadas por crise climática». Uol. Consultado em 5 de maio de 2021 
  24. País, Ediciones El (29 de janeiro de 2019). «Galeria de fotos: Lama da barragem em Brumadinho ameaça futuro da aldeia Pataxó Hã-hã-hãe». EL PAÍS. Consultado em 6 de maio de 2021 
  25. Redação. «Como a política anti meio ambiente brasileira reforça o racismo ambiental». Consultado em 6 de maio de 2021 
  26. «Como política ambiental de Bolsonaro afetou imagem do Brasil em 2019 e quais as consequências disso». BBC News Brasil. 31 de dezembro de 2019 
  27. Barcelos, Liege. «Bolsonaro e a necropolítica. Artigo de Erick Kayser». www.ihu.unisinos.br. Consultado em 6 de maio de 2021 
  28. Castilho, Daniela Ribeiro; Lemos, Esther Luíza de Souza (16 de junho de 2021). «Necropolítica e governo Jair Bolsonaro: repercussões na seguridade social brasileira». Revista Katálysis: 269–279. ISSN 1982-0259. doi:10.1590/1982-0259.2021.e75361. Consultado em 17 de janeiro de 2024 
  29. Souza, Murilo Mendonça Oliveira; Gurgel, Aline do Monte; Fernandes, Gabriel Bianconi; Melgarejo, Leonardo; Bittencourt, Naiara Andreoli; Friedrich, Karen (2 de dezembro de 2020). «Agrotóxicos e transgênicos: retrocessos socioambientais e avanços conservadores no Governo Bolsonaro». Revista da ANPEGE (29): 319–352. ISSN 1679-768X. doi:10.5418/ra2020.v16i29.12561. Consultado em 17 de janeiro de 2024 
  30. a b Júnior, Gilson Santiago Macedo; Carvalho, Claudio Oliveira de (4 de setembro de 2020). «Novo coronavírus e racismo ambiental: favelas brasileiras como zonas de necropolítica». Cadernos de Ciências Sociais Aplicadas: 195–205. ISSN 2358-1212. doi:10.22481/ccsa.v17i30.7150. Consultado em 17 de janeiro de 2024 
  31. a b c Lopes, Sheryda (16 de junho de 2014). «Entendendo o racismo ambiental |». FASE. Consultado em 5 de maio de 2021 
  32. a b c Jesus, Victor de (2020). Racializando o olhar (sociológico) sobre a saúde ambiental em saneamento da população negra: um continuum colonial chamado racismo ambiental. Saúde e Sociedade [online]. v. 29, n. 2 , e180519. ISSN 1984-0470.
  33. Nascimento, Abdias (2016). O Genocídio do negro brasileiro: Processo de um Racismo Mascarado. [S.l.]: Editora Perspectiva S.A. ISBN 978-85-273-1080-2 
  34. Wenczenovicz, Thaís Janaina, and Ismael Pereira da Silva (2019). "Terras Indígenas: discursos, percursos e racismo ambiental". In: Zuffo, Alan Mario (Org.). A produção do conhecimento nas Ciências Agrárias e Ambientais. Ponta Grossa: Atena Editora, pp. 132-144.
  35. Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de 2019. Observatório de Violência contra os Povos Indígenas no Brasil.
  36. a b c Rangel, Luciana Helena (2019). Violência autoinfligida: jovens indígenas e os enigmas do suicídio. DESIDADES: Revista Electrónica de Divulgación Científica de la Infancia y la Juventud, (25), 27-38.
  37. «4 ativistas negras explicam por que precisamos nos levantar contra o racismo ambiental». Vogue. Consultado em 6 de maio de 2021 

Ligações externas

[editar | editar código-fonte]