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Maria Ortiz

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Maria Ortiz
Nascimento 1603
Vitória, ES, Brasil.
Morte 1643
Vitória

Maria Ortiz (Vitória, 1603 — Vitória, 1646) é considerada uma heroína brasileira. Era uma jovem de origem espanhola que vivia na colônia portuguesa da capitania do Espírito Santo.

Apesar de sua importância na história e cultura capixaba, existem controvérsias sobre sua existência.

De acordo com a tradição[1], acredita-se que Juan Orty Y Ortiz e Carolina Darico chegaram à capitania do Espírito Santo, no Brasil, em 1601, numa das imigrações promovidas por Felipe II, rei da Espanha, que, à época da União Ibérica (1580-1640) , dominava Portugal e suas colônias. A filha do casal espanhol, Maria Ortiz (ou Urtiz), nasceu, dois anos depois, em 14 de setembro de 1603, na vila de Nossa Senhora da Vitória – hoje a cidade de Vitória A família residia na parte mais estreita da ladeira do Pelourinho - hoje Escadaria Maria Ortiz -, que era a via de comunicação entre as partes baixa e alta da Vila, num sobrado branco, no qual no térreo seu pai negociava com vinho e mantinha uma taberna.

Na época em que a Holanda era inimiga da Espanha, que, por sua vez, dominava Portugal. As colônias portuguesas passaram a ser alvo da ânsia de domínio da Holanda em uma onda de ataques que se iniciara em Salvador (BA), em 1624. Assim, o capitão holandês Piet Pietersz Heyn (1577-1629) aportou em frente à Vitória, em março de 1625, aguardando o momento propício para o desembarque. A vila começou a se preparar para resistir ao invasor com as poucas forças que tinha. O ataque decisivo foi no dia 14 de março, através da rampa de acesso à parte alta da Vila, que era a Ladeira do Pelourinho.

Maria Ortiz contava com 21 anos de idade. Na manhã do ataque, o pai de Maria, ao sair de casa e fechar a taberna para participar, como escrivão da câmara, de uma reunião de guerra convocada às pressas, recomendara cuidado à mulher e à filha. Finalmente, os invasores, após chegarem à terra, em frente à Ladeira do Pelourinho, e afugentarem a pouca resistência encontrada, lançam-se morro acima, buscando atingir o paço municipal, onde se encontravam os defensores e o seu armamento bélico, para se apossar da vila, e se estabelecer por lá.

Mas, ao atingirem pouco mais da metade da empreitada, num local onde a ladeira se afunilava, justamente em frente ao sobrado de Maria Ortiz, foram surpreendidos pelos ataques da jovem, que lhes jogava água fervendo, enquanto empolgava os vizinhos a lhes jogarem paus e pedras de suas janelas. Ao mesmo tempo, Maria Ortiz, aos gritos, incitava os que se encontravam na parte alta ao prosseguimento da luta. Enquanto açulava os soldados e os populares, com um tição à mão, pôs fogo à peça de artilharia que estava próxima à sua casa, disparando contra os invasores. Os holandeses, pegos de surpresa e feridos, tiveram que retroceder, descendo a ladeira, enquanto os defensores, assim encorajados, foram-lhes ao encalço.

Poucos foram os holandeses que chegaram ao navio sem nenhum tipo de ferimento, sendo que 38 deles foram mortos. A ação surpreendente deu tempo ao donatário da Capitania do Espírito Santo, Francisco de Aguiar Coutinho, de fortalecer as defesas da vila, organizando militares e civis para um novo confronto. Porém, os invasores derrotados, humilhados e desanimados, zarparam quase de pronto, encaminhando-se à Bahia.

A ação daquela jovem corajosa fora tão decisiva que o donatário da Capitania a teria destacado em carta-relatório enviada, em junho de 1625, ao Governador Geral do Brasil, Diogo Luis de Oliveira:

Na repulsa dos invasores audaciosos é de justiça destacar a atitude de uma jovem moça que, astuciosamente, retardou o acesso dos invasores à parte alta da vila, por eles visada, permitindo assim, que organizássemos com os homens e elementos de que dispúnhamos, a defesa da sede. Essa jovem se tornou para todos nós um exemplo vivo de decisão, coragem e amor à terra. A ela devemos esse valioso serviço, sem o qual a nossa tarefa seria muito mais difícil e penosa. O seu entusiasmo decidido fez vibrar o dos próprios soldados, paisanos e populares na defesa e perseguição do invasor audaz e traiçoeiro[2]

Enfim, expulsos os invasores do Espírito Santo, seguiram-se as comemorações da vitória. No senado da câmara, numa sessão solene, em meio a discursos e aclamações dirigidas ao rei Felipe II e à Fé Católica, Maria Ortiz foi agraciada, por seu gesto heróico, com uma coroa de margaridas amarelas, posta sobre sua cabeça por seu pai, o escrivão Juan Orty y Ortiz.

Pouco mais se sabe da vida de Maria Ortiz. Segundo Eurípedes Queiróz do Valle, a heroína veio a falecer em Vitória a 25 de maio de 1646, antes de completar 43 anos de idade. Em 1889, por influência do escritor Peçanha Póvoa, mudou-se o nome da Ladeira do Pelourinho para Ladeira Maria Ortiz. Mais tarde a ladeira virou uma escadaria e conservou o mesmo nome da heroína capixaba. Ainda hoje a escadaria Maria Ortiz é a principal ligação entre a parte baixa da cidade e a parte alta. Maria Ortiz também ganhou nome de escola e, nos anos 70, numa faixa de terra desocupada próxima ao manguezal, a história da heroína é perpetuada, mais uma vez, com o surgimento de um bairro, em Vitória, que também levou seu nome e que, hoje, é uma região residencial com mais de 11 500 moradores.

Controvérsias

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A maior parte dos fatos que estão registrados na tradição de Maria Ortiz vêm do relato do pesquisador Eurípedes Queiróz do Valle, que teria encontrado um documento que apresentaria em detalhes a história de Maria Ortiz e os acontecimentos da invasão holandesa de 1625. Entretanto, Eurípedes foi o único a ver tal documento, que nunca foi divulgado por completo, nem fotografado nem microfilmado. Não há outro documento histórico, do século XVII ou posterior, a mencionar o nome de Maria Ortiz, o que sugere que ela provavelmente nunca existiu[3].

Uma das controvérsias está ligada ao fato de que Eurípedes Queiróz do Valle afirmar que o capitão donatário do Espírito Santo, Francisco de Aguiar Coutinho, teria enviado ainda em 1625 uma carta narrando os feitos de Maria Ortiz para o Governador Geral do Brasil, Diogo Luís de Oliveira. Entretanto, Diogo de Oliveira estava em Portugal em 1625 e só assumiu o cargo de governador geral no ano seguinte, 1626[4]. Isso parece indicar que a mencionada carta é, na verdade, falsa.

Segundo pesquisas históricas mais recentes, o primeiro autor a mencionar o nome de Maria Ortiz foi José Marcellino Pereira de Vasconcellos, que em 1858 (mais de 200 anos após a luta contra os holandeses) lançou o livro Ensaio sobre a História e Estatística da Província do Espírito Santo. Ali, ele escreveu:

Refere Brito Freire, que no segundo dia, em que os hollandezes accommetterão a villa com maior intrepidez, experimentarião de certo melhor fortuna, si uma animosa mulher, posta á janella de uma casa aguardando a passagem do chefe, não derramasse sobre este uma caldeira d’agua fervente, que o fez retroceder, e desanimar a sua gente, declarando-se a victoria pelos habitantes com perda de 38 dos contrarios, que forão mortos, e 44 feridos. Chamava-se esta mulher Maria Urtiz.[5]

Foi apenas após esta publicação que o nome de Maria Ortiz se popularizou, aparecendo em outras obras de pesquisadores e historiadores capixabas, como Misael Penna (1878) e Basílio Daemon (1879), tornando-a protagonista da vitória contra os holandeses em 1625[6].

Fatos Históricos

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O que os documentos históricos mostram é que houve sim uma tentativa de invasão holandesa em Vitória em 1625. Entretanto, os primeiros documentos a falar sobre esta luta sequer mencionam a participação de uma mulher.

Em 1626, o padre Antônio Vieira escreveu a Annua ou Annaes da Provincia do Brazil dos dous anos de 1624, e de 1625. Nesta fonte portuguesa, está escrito que:

por entre o fumo, e perturbação’ dos tiros, apparelhárao’ sete lanchas com o melhor dos Soldados, e ainda Marinheiros: os quaes saindo das Náos, e saltando livremente em Terra, começárao’ a marchar para a estancia do Cappitao’ Francisco de Aguiar Coitinho, que tambem o erá da Villa, e Senhor della. Estava aqui huma roqueira (que nao’ havia outra na Terra), e tanto que foi vista dos Inimigos, para evitarem o perigo, desfizerao’ as fileiras, e arrimando-se todos ás paredes, continuárao’ a entrada. Vendo isto o animozo Cappitaõ, manda pôr fogo á roqueira (o que nao’ foi debalde), e logo successivamente salta fóra das trincheiras, com alguns poucos, que o seguirão’ ; conjecturárao’ os Hollandezes, q. tanto ânimo vinha confiado em maior podêr de Gente ; e sem fazer rosto derao’ as costas, e largárao’ as Armas.[7]

Já do lado holandês, a primeira obra a mencionar a tentativa de invasão é a Historia ou Annaes dos feitos da Companhia Privilegiada das Indias Occidentaes desde o seu começo até ao fim do anno de 1636, de Johannes de Laet, publicada em 1644. Ali, o autor escreve:

Mettida a gente nos bateis, largaram estes para a náo almirante, donde seguiram todos os nossos juntos para terra, e aqui se puzeram em ordem de batalha. Mas, como havia pouco espaço para arrumar toda a gente, o almirante avançou um pouco com oito ou dez fileiras. Os habitantes desta praça, informados da chegada dos nossos, se haviam apercebido para resistir, e assestaram um morteiro de bronze contra o caminho, que os nossos tinham de enfiar, e deram-lhe fogo, tanto que nos poderam alcançar. Vendo isso, salta o almirante para o lado, amparando-se atraz de uma casa, e apenas soa o tiro, apresenta-se de novamente, animando a sua gente a dar bravamente sobre o inimigo; mas, pois os officiaes e particularmente os capitães ainda não estavam na frente, nem as fileiras se achavam dispostas, segundo a ordem determinada, estando quase todos os marinheiros adiante, já estes não atendiam ás vozes, e entraram a cuidar de si, receiosos da artilheria. O almirante trabalhou com eles que avançassem, mas embalde, que o medo lhes ia lavrando pelos peitos. Voltaram costas em grande confusão, e recolheram-se aos navios com perda de oito homens, e outros tantos feridos. Na fugida alguns lançaram de si as armas[8].

A primeira vez em que é mencionada a participação de uma mulher neste evento é em outra obra que narra os acontecimentos da guerra entre portugueses e holandeses. Essa obra é a Nova Lusitânia, História da Guerra Brasílica, lançada por Francisco de Britto Freire em 1675, 50 anos após a luta em Vitória. Apesar disso, seu livro é bastante detalhado sobre a guerra e é considerada uma das principais obras sobre o tema. Segundo Britto Freire,

tornando em o dia seguinte, a experimentar no segundo combate, o primeiro successo, huma molher Portuguesa, escolheu ao Perez [o Almirante holandês Piet Pietersz Heyn] por singularidade na differença do trajo, & lugar da pessoa, para lançarlhe do alto da casa, hum tacho de agoa fervendo sobre a cabeça. Não o pode molestar braço algum varonil, & molestou-o aquela mão feminina[9].

Anos depois, a mesma coisa é narrada em outra obra, a Istoria delle guerre del regno del Brasil, que o padre carmelita português João José de Santa Teresa publicou em italiano em Roma no ano de 1698. O texto diz:

Daí indignado o Petrid [Piet Heyn] da fortuna, e enrubescendo nitidamente com a brincadeira ali feita pela mão de uma portuguesa, que subiu acima do muro e lançou sobre ele um caldeirão de água pegajosa, que com gargalhadas dos sitiados, e da mesma forma, o molestou ao extremo; ele se retirou imediatamente o exército e fez a viagem para a Holanda. [Traduzido do italiano original][10]

Assim, ambas as obras parecem utilizar o acontecimento - uma armada holandesa a ser derrotada por uma mulher portuguesa a jogar água quente ou pegajosa do alto do muro de sua casa - para humilhar o almirante e a tentativa holandesa, o que não significa que tudo de fato não aconteceu. Porém, aqui também destaca-se o fato de que a mulher é tida como portuguesa e se nome não é mencionado, dando a entender que toda a tradição de Maria Ortiz e sua história foram inventadas posteriormente, e provavelmente não são verdade.

Referências

  1. https://www.gazetaonline.com.br/especiais/capixapedia/2015/07/cafetina-ou-heroina-conheca-a-verdadeira-historia-de-maria-ortiz-1013901573.html
  2. «Maria Ortiz». www.morrodomoreno.com.br. Consultado em 30 de maio de 2022 
  3. Reis, Fabio Paiva (21 de outubro de 2016). «3 evidências históricas de que Maria Ortiz nunca existiu». História Capixaba. Consultado em 30 de maio de 2022 
  4. «Lista de governadores-gerais do Brasil». Wikipédia, a enciclopédia livre. 6 de abril de 2022. Consultado em 30 de maio de 2022 
  5. Vasconcelos, José Marcelino de Andrade (24 de novembro de 2016). «Ensaios sobre a História e a Estatística da Província do Espírito Santo, de José Marcelino de Andrade Vasconcelos (1858)». História Capixaba. Consultado em 30 de maio de 2022 
  6. França, Gerson (25 de novembro de 2016). «Maria Ortiz: A Lenda, a Verdade e a Tradição, por Gerson França». História Capixaba. Consultado em 30 de maio de 2022 
  7. Vieira, Antônio (20 de outubro de 2016). «Annua ou Annaes da Provincia do Brazil dos dous anos de 1624, e de 1625, do padre Antônio Vieira (1626)». História Capixaba. Consultado em 30 de maio de 2022 
  8. Laet, Johannes de (20 de outubro de 2016). «Historia ou Annaes dos feitos da Companhia Privilegiada das Indias Occidentaes desde o seu começo até ao fim do anno de 1636, de Johannes de Laet (1644)». História Capixaba. Consultado em 30 de maio de 2022 
  9. Britto Freire, Francisco de (21 de novembro de 2016). «Nova Lusitânia: História da Guerra Brasílica, Francisco de Britto Freire (1675)». História Capixaba. Consultado em 30 de maio de 2022 
  10. Teresa, Santa; De, João Jose; 1658-1733 (1698). «Istoria delle guerre del Regno del Brasile : accadute tra la corona di Portogallo e la Republica di Olanda, composta, ed offerta alla sagra reale maesda di Pietro Secondo, Re di Portogallo & C. dal P. F. Gio. Gioseppe di S. Teresa Carmelitano Scalzo : Parte prima e Parte seconda». Consultado em 30 de maio de 2022 
  11. «Vitória – Escola Maria Ortiz | ipatrimônio». Consultado em 30 de maio de 2022