Saltar para o conteúdo

Cónios

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Navegação no histórico de edições: ← ver edição anterior (dif) ver edição seguinte → (dif) ver última edição → (dif)
Povos ibéricos pré-romanos
Konii

Cónios
Mapa das principais tribos pré-Romanas em Portugal e suas migrações. Túrdulos a vermelho, célticos castanho e Lusitanos em azul. Os cónios encontram-se no sul
Descendiam da
cultura megalítica?
ou
migraram de: ? data:?
Cidade principal
Conistorgis, localização desconhecida
Religião
Mitologia cónia
Lingua Indo-europeu?, Ibero?
Sistema económico-social
Chefaturas Poder politico militar[1]
Localização atual

(Alentejo e Algarve)

Os cónios (em latim: Conii), também denominados cinetes (cynetes), foram os habitantes das actuais regiões do Algarve e sul do Baixo Alentejo, no sul de Portugal, em data anterior ao século VIII a.C.,[2] até serem integrados na Província Romana primeiro da Hispânia Ulterior e posteriormente da Lusitânia. Inicialmente foram aliados dos romanos quando estes pretendiam dominar a Península Ibérica.

A origem étnica e linguística dos cónios ou cinetes permanece uma incógnita. Para os defensores das teorias linguísticas actualmente aceites, a sua língua poderia ser ou uma língua do ramo celta ou outra língua indo-europeia pré-celta ou mesmo anatólica (parente das línguas anatólicas, tais como a língua luvita ou a hitita)[3] da família linguística indo-europeia (descendente do proto-indo-europeu, cuja área de origem ainda é tema de debate). A língua dos cónios também poderia ser descendente de uma língua dos povos iberos pré-celtas e pré-indoeuropeus, que eram descendentes da população nativa da Península Ibérica, possivelmente parentes dos aquitanos e dos bascos. Assim, os cónios teriam origem celta, proto-celta, ou pré-céltica ibérica. Para esclarecer esta questão, ainda falta traduzir as inscrições da escrita do sudoeste, que estão na língua provavelmente falada pelos cónios, embora a escrita já tenha sido parcialmente decifrada (era uma escrita semi-silábica e semi-alfabética, que se pode designar por semi-silabário).

Visão bíblica

[editar | editar código-fonte]

Antes da investigação etnológica e linguística atual, muitos europeus julgavam-se descendentes de Jafé, um dos filhos de Noé, conforme escrito na Bíblia, no livro de Génesis 10:5, mas esse relato é mais uma metáfora ou uma parábola com objectivos morais do que um facto literal. Cronistas da antiguidade greco-romana enumeram mais de 40 tribos ibéricas, entre elas a tribo cónia, como sendo descendentes de Jafé, pai dos europeus.[4] Contudo, é preciso ter em atenção que muitos autores da Antiguidade Clássica quando utilizam o termo ibero, utilizam-no com um significado geográfico (Península Ibérica) e não com um significado étnico moderno. Um exemplo disso é quando Estrabão designa os lusitanos como a "mais forte das tribos iberas" embora a sua língua, o lusitano, fosse claramente indo-europeia e não ibera.

Escrita cónia do século VIII a.C.
Ex-voto de liga de cobre representando um touro, cuja criação é atribuída aos cónios. Foi descoberto em Ferragudo, e data de entre os séculos V - IV a. C. Fotografado no Museu de Portimão

Os cónios aparecem pela primeira vez na história pela mão do historiador grego Heródoto no século V a.C., e mais tarde referidos por Avieno, na sua obra Ode Maritima, como vizinhos dos Cempsos ao sul do Rio Tejo e dos sefes a norte.

Antes do século VIII a.C., a zona de influência cónia, segundo estudo de caracterização paleoetnológico da região,[5] abrangeria muito para além do sul de Portugal. Com efeito, o referido estudo baseando-se em textos da antiguidade grego-romana bem como na toponímia de Coimbra del Barranco, em Múrcia, Espanha, e de Conímbriga, propõe que os cónios ocuparam uma região desde o centro de Portugal até ao Algarve e todo o sul de Espanha até Múrcia. Em abono dessa tese podemos acrescentar o Alto de Conio no município de Ronda, na região autónoma da Andaluzia.

Segundo Schulten, que considera os cónios uma das tribos lígures e afirmou que «Os Lígures são o povo original da Península», os cónios também teriam marcado presença, não só em Portugal como em Espanha e na Europa, onde os lígures se fixaram. A favor dessa teoria temos os seguintes topónimos:

  • No norte de Espanha, encontramos o passo de montanha com o topónimo Puerto de Conio na região autónoma das Astúrias, onde terão habitado a tribo dos coniscos, descendentes dos construtores do dólmen de Pradías, de época neolítica, para muitos relacionada com os cónios. Nessa região terá existido uma cidade, a actualmente desconhecida Asseconia, incluída num dos Caminhos de Santiago. Também, estudos genéticos indicam que os bascos são o povo mais antigo da Península e poderão estar relacionados com os cónios através da tribo dos vascões.
  • Na França, os lígures também terão sido "empurrados" para as regiões montanhosas. Mas, em vez da Ronda espanhola ocuparam a região do Ródano-Alpes. O testemunho da presença lígure poderá ser a tribo iconii, conhecidos pelas tribos vizinhas como os Oingt, originando a localidade de Oingt (Iconium em latim) e a região de Oisans.
  • No norte de Itália, junto ao Ródano italiano a marca da presença lígure dos cónios, para além da Ligúria também aparece-nos, um pouco mais a norte, não só nas comunas Coniolo e Cónio, como na província com o mesmo nome, na província de Cónio, da região de Piemonte.

Para outros investigadores que terão ido mais longe, os povos iberos além de possuírem a Península Ibérica, França, Itália e as Ilhas Britânicas, penetram na península dos Balcãs, e ocuparam uma parte de África, Córsega e norte da Sardenha. Actualmente, e à luz de recentes estudos genéticos, aceita-se que uma raça com características razoavelmente uniformes ocupou o sul de França (ou pelo menos a Aquitânia), toda a Península Ibérica e uma parte de África do norte e da Córsega. Os topónimos a seguir enumerados também atestam esses dados:

  • Nas Ilhas Britânicas o assentamento fortificado romano Virocónio, atribuído à tribo cornóvios, proveniente da Cornualha. Provavelmente, utilizados pelos romanos como tribo tampão contra os ataques escoceses e incursões irlandesas.
  • Muitos autores concordam que a língua cónia teria um substrato muito antigo relacionado com Osco, Latim e Ilírico.
  • Em Chipre encontramos uma localidade com o topónimo Konia.
  • Nos Balcãs encontramos a tribo dos trácios cicones que poderão estar relacionados com os cónios e com os povos que invadiram a Anatólia, no século XII a.C. e posteriormente fundaram as cidades de Conni, na Frígia e de Icónio,[6] na Anatólia.
Mapa da escrita cónia no contexto das escritas paleo-hispânicas.

No Baixo Alentejo e Algarve foram descobertos vários vestígios arqueológicos que testemunham a existência de uma civilização detentora de escrita, adoptada antes da chegada dos fenícios,[7] e que se teria desenvolvido entre o século VIII e V a.C. A escrita que está presente nas lápides sepulcrais dessa civilização e nas moedas de Salatia (Alcácer do Sal) e é datável na primeira Idade do Ferro, surgindo no sul de Portugal e estendendo-se até a zona de fronteira.[8]

As estelas mais antigas recuam até ao século VII a.C. e as mais recentes pertencem ao século IV. O período áureo dessa civilização coincidiu com o florescimento do reino de Tartesso, algo que não deverá ser alheio à intensa relação comercial e cultural existente entre os dois povos e que se julgava ser distinta da dos cónios. Daí a razão para que a denominação dessa escrita comum não ser nem tartéssica nem cónia mas antes escrita do sudoeste (SO), referindo a região dos achados epigráficos e não à cultura dos povos que as gravaram.

Não é consensual a designação da primeira escrita na Península Ibérica. Para muitos historiadores é a escrita do sudoeste ou sul-lusitana. Já os linguistas utilizam as designações de escrita tartéssica ou turdetana. Outros concordam com a designação de escrita cónia,[9] por não estar limitada geograficamente, mas relacionada com o povo e a cultura que criou essa escrita. E, segundo Leite de Vasconcelos, com os nomes konii e Konni,[10] que aparecem inscritos com ligeiras variações em diversas estelas.[11]

A posição desses estudiosos deve-se à concordância das teorias-hipóteses históricas e modelos linguísticos actualmente aceites nos meios científicos. Essas posições baseiam-se em evidências linguísticas.

Há algumas dezenas de anos, ainda não tinham sido encontrados dados arqueológicos evidentes, por isso, havia investigadores ou simples curiosos que duvidavam da existência dos cónios,[12] enquanto outros ainda negavam a existência de celtas na Península Ibérica, apesar das fontes antigas e das evidências arqueológicas.[13] No entanto, atualmente a existência dos cónios e a presença de povos celtas na Península Ibérica está bastante comprovada por diversas fontes credíveis e não é questionada.

Cidade principal

[editar | editar código-fonte]
Mapa antigo do Golfo de Cádis, Bética. A localização provável de Conistorgis é a norte de Ossonoba (presente cidade de Faro)

A cidade principal do país dos cónios era Conistorgis, que em língua cónia, significaria "Cidade Real",[14] de acordo com Estrabão, que considerava a região celta. Foi destruída pelos lusitanos, por esses se terem aliado aos romanos durante a conquista romana da Península Ibérica. A localização exacta dessa cidade ainda não foi descoberta. No entanto, em Beja,[15] existem vestígios do que poderá ter sido uma grande cidade pré-romana. São muitos os autores[16] que admitem a possibilidade de Beja (então denominada Pax Julia) ter sido fundada sobre as ruínas da famosa Conistorgis.

Não há muitas fontes que indiquem a religião praticada pelos cónios mas, de acordo com diversos autores da Antiguidade Clássica, tais como Heródoto, Avieno, Estrabão e Plínio, o Velho (que escreveram numa época em que esse povo ainda tinha uma identidade distinta), a sua religião era politeísta. Há quem afirme que, antes dos romanos, a sua religião era monoteísta e que adoravam um Deus denominado Elohim (tal como um dos nomes dados a Deus pelos antigos hebreus), mas tal afirmação não tem fundamento pois não há provas que a sustentem. Essa ideia parece ser o resultado de especulações muito em voga há algumas décadas por autores que tinham uma visão mais mítica do que científica e histórica.

O Sudoeste na Idade do Ferro, desde o século a.C., apresenta um complexo de influências religiosas tartéssicas, gaditanas (bastante helenizadas) e célticas ou pré-célticas, correspondente a uma zona de grandes interacções culturais e movimentos de populações.

Referências

  1. Gomes, M. V. — O Oriente no Ocidente. Testemunhos iconográfi cos na Proto-história do Sul de Portugal. Revista ICALP, vol. 22 e 23, Dezembro de 1990 / Março de 1991, 125-177.
  2. Mountain, Harry (1997). «The Celtic Encyclopedia». Celt Site. Consultado em 4 de janeiro de 2013 
  3. Amaral, Augusto Ferreira do. (2011). Neo-Hititas em Portugal, a escrita e a língua do Sudoeste na 1ª Idade do Ferro do Baixo Alentejo e Algarve (séculos VIII a IV antes de Cristo). Lisboa: Aletheia Editores. ISBN 978-989-622-380-9.
  4. Cronografo, 354 d.C. Líber generationis mundi I;82-83 d) THA-IIB; p.877
  5. Dr. Manuel Maria da Fonseca Andrade Maia (Dissertação de Doutoramento em Pré-História e Arqueologia [1] Arquivado em 14 de fevereiro de 2006, no Wayback Machine., Faculdade de Letras de Lisboa, 1987)
  6. Dictionnaire de géographie ancienne © 2002
  7. «IREA - Escritura en el so de la Peninsula Ibérica» [ligação inativa]
  8. «Moedas de Salatia». Consultado em 16 de julho de 2006. Arquivado do original em 30 de julho de 2009 
  9. «escrita cónia». Consultado em 9 de abril de 2019. Arquivado do original em 13 de março de 2016 
  10. Ópusculos, Etnologia (1.ª parte), por J. Leite de Vasconcelos
  11. «Tabela de Variações da palavra "Conii" e estelas onde surgem, por Clavis Prophetarum, 2007/11/23». Consultado em 18 de setembro de 2012. Arquivado do original em 19 de janeiro de 2013 
  12. Cónios
  13. «Bosch Gimpera, Almagro Basch, e-keltoi-vol-6» 
  14. "No país Celta, Conistorgis é a cidade mais conhecida" (Estrabão, III, 2,2).
  15. A cidade romana de Beja, 2003, Maria Conceição Lopes, Instituto de Arqueologia, Faculdade de Letras
  16. Ensaio Monográfico de Beja, 1973, Manuel Joaquim Delgado e Beja XX Séculos de História de Uma Cidade,

Ligações externas

[editar | editar código-fonte]