Tetrodotoxina
A tetrodotoxina (TTX) é uma toxina hidrofílica, não proteica, produzida por certas bactérias, como Vibrio spp., no qual várias espécies de peixes, gastrópodes marinhos, bivalves, bactérias, anfíbios, artrópodes e platelmintas são incapazes de produzir a toxina endogenamente, logo adquirem-na através da cadeia alimentar.[1][2][3] Apresenta uma toxicidade cerca de 1000 vezes superior ao cianeto. É termoestável, o aquecimento não diminui a sua toxicidade, pelo contrário ocorre um aumento da mesma.[4]
Atualmente, conhecem-se 30 análogos estruturais da tetrodotoxina e vários estudos revelaram que o grau de toxicidade de cada um varia com a estrutura, de acordo com o número e a posição dos substituintes hidroxilo.
Tetrodotoxin | |
Fórmula | C11H17N3O8 |
LD50 | 5.0 - 8.0 µg/kg |
Massa molecular | 319.28 u |
É uma potente neurotoxina que bloqueia os potenciais de acção nos nervos. Esta substância liga-se aos poros dos canais de sódio voltagem-dependentes existentes nas membranas das células nervosas.
História
[editar | editar código-fonte]O peixe-balão é uma das espécies que contém tetrodotoxina mais estudada, podendo ser encontrado em ambientes de água doce ou salgada.
O primeiro relato de envenenamento num ocidental foi descrito nos registros do capitão James Cook, em 1774. Após a ingestão de uma pequena porção de peixe-balão, o capitão descreveu sensação de fraqueza e letargia nos músculos. Um dos porcos, que tinha ingerido o que restou do peixe, foi encontrado morto na madrugada seguinte.[5][6]
Síntese química
[editar | editar código-fonte]A primeira elucidação estrutural da tetrodotoxina ocorreu em 1964, por Robert B. Woodward et al. , seguida pela confirmação por cristalografia de raios-X em 1970.[7][8]
A primeira síntese total de tetrodotoxina racémica foi realizada no ano de 1972 e, atualmente, são diversas as metodologias e os reagentes utilizados, havendo várias estratégias para obtenção de tetrodotoxina enantiomericamente pura (−).[9]
Envenenamento
[editar | editar código-fonte]O envenenamento é causado pela ingestão de toxina produzida nas gónadas e outros tecidos viscerais de alguns peixes da classe Tetraodontiformes, à qual pertencem o peixe fugu japonês ou baiacu. Esta toxina e a saxitoxina são dois venenos dos mais potentes conhecidos, sendo a dose letal mínima de cada uma delas, no camundongo, de aproximadamente 8 μg/kg.[10] São fatais para o homem. Ocorre também na pele de salamandras aquáticas, bodião, sapo Atelopus (da Costa Rica), determinados polvos, estrela-do-mar, anjo-do-mar, porco-espinho e caranguejo xantídeo. Nenhuma alga foi identificada como responsável por essa produção e até recentemente a tetrodotoxina foi considerada como um produto metabólico do hospedeiro. Recentes estudos da produção da tetrodotoxina/anidrotetrodotoxina por determinadas bactérias, incluídas as cepas da família da Vibrionaceae, Pseudomonas sp., e Photobacterium phosphoreum, apontam uma origem bacteriana para estas toxinas. É comum bactérias associarem-se à animais marinhos. Se confirmados, esses achados podem contribuir para o controle dessas toxicoses. O primeiro sintoma de envenenamento é uma dormência/paralisação dos lábios e da língua, que aparece entre 20 minutos a 3 horas depois da ingestão do baiacu. O sintoma seguinte é o aumento de parestesia de face e extremidades, que pode ser acompanhada de sensação de leveza ou flutuação. Dor de cabeça, rubor facial, dor epigástrica, náusea, diarréia e/ou vômito podem ocorrer. Dificuldade para andar pode ocorrer nessa fase que evolui para o aumento da paralisia, com dispnéia. A fala é afetada e a pessoa envenenada apresenta comumente cianose e hipotensão, com convulsões, contração muscular, pupilas dilatadas, bradicardia e insuficiência respiratória. O paciente, embora totalmente paralisado, permanece consciente e lúcido até o período próximo da morte. O óbito ocorre dentro de 4 a 6 horas, podendo variar de cerca de 20 minutos a 8 horas.
Agente etiológico
[editar | editar código-fonte]Tetrodotoxina (anidrotetrodotoxina 4-epitetrodotoxina, ácido tetrodônico). É uma neurotoxina não protéica, termo-estável, em concentrações nanomolares, bloqueiam especificamente os canais de Na+ nas membranas das células excitáveis. Como resultado, o potencial de ação é bloqueado. Nem todos os canais de Na+ são igualmente sensíveis à tetrodotoxina; os canais nas células musculares cardíacas e de músculo liso são amplamente resistentes, e um canal de Na+ tetrodotoxina-insensível é observado quando um músculo esquelético é desnervado. O bloqueio dos nervos vasomotores, associado ao relaxamento do músculo liso vascular, parece ser responsável pela hipotensão que é característica do envenenamento por tetrodotoxina. Esta toxina causa morte por paralisia dos músculos respiratórios.
Mecanismo de ação
[editar | editar código-fonte]O mecanismo de toxicidade da TTX está relacionado com o seu efeito nos tecidos excitáveis. Esta toxina liga-se aos canais de sódio dependentes da voltagem NaV dos músculos e dos nervos e bloqueia-os. A ligação da tetrodotoxina impede a passagem dos iões de sódio pelo canal, o que resulta numa impossibilidade de ocorrer a despolarização e propagação de potenciais de ação. Assim sendo, a inibição dos canais de sódio conduz à imobilização destes tecidos.[11]
A ligação desta toxina aos canais de dependentes da voltagem resulta da interação entre o grupo guanidina (carregado positivamente) da tetrodotoxina com os grupos carbonilo (carregados negativamente) nas cadeias laterais das subunidades-α do poro do canal de sódio.[4]
Ocorrência e Reservatório
[editar | editar código-fonte]Os seres marinhos portadores de tetrodotoxina encontram-se geograficamente distribuídos por diversos locais do mundo, porém verifica-se um maior número de intoxicações por esta toxina na China, Japão, Taiwan e Austrália .
Mais comum no Japão, que registrou, de 1974 a 1983, 646 casos de envenenamento por baiacu, com 179 casos fatais. Estima-se que são vítimas do veneno, em regiões onde essa prática é mais comum, cerca de 200 pessoas por ano com 50% de mortes. Há registros de casos por ingestão de baiacu provenientes do Oceano Atlântico, Golfo do México e Golfo da Califórnia. Também foram relatados casos não confirmados com ingestão de espécies provenientes do Atlântico - Spheroides maculatus; contudo, a toxina extraída desse peixe foi altamente tóxica para ratos. Uma espécie de molusco - Charonia sauliae tem sido implicada também em intoxicações, com evidência de que contenha derivados da tetrodoxina. Não há dados no Brasil sobre esse tipo de intoxicação/envenenamento pelo peixe baiacu.
Em 23/10/14, de acordo com matéria veiculada no jornal eletrônico G1, 11 pessoas em Duque de Caixas, Rio de Janeiro, foram contaminadas após ingerirem o baiacu. Dois dos pacientes ficaram em estado grave. Os médicos procederam à lavagem gástrica das vítimas.[12]
Período de incubação
[editar | editar código-fonte]De 20 minutos a 3 horas, havendo relato de casos com início dos sintomas 2 a 3 minutos após a ingestão. 6. Modo de transmissão - ingestão de baiacu e outras espécies que produzem a tetrodoxina. 7. Susceptibilidade e resistência - todos os humanos são suscetíveis ao veneno tetrodotoxina. Esta toxicose pode ser evitada não se consumindo baiacu ou outras espécies que produzem o veneno. Há várias outras espécies que contém a toxina, mas que não são alvo, felizmente, da culinária. Fugu no Japão é um problema de saúde pública pois faz parte da culinária tradicional. É considerado uma guloseima preparada e vendida em restaurantes especiais com indivíduos treinados e licenciados capazes de remover cuidadosamente as vísceras para reduzir o perigo de envenenamento.
A despeito dos cuidados na preparação, produtos à base de fugu no Japão ainda são responsáveis por casos fatais contabilizando-se cerca de 50 mortes anuais. A importação desse peixe é proibida em alguns países, como os EEUU, com especial exceção para os restaurantes japoneses. Entretanto, um potencial perigo permanece em relação a possíveis erros em seu preparo.
Diagnóstico e Conduta médica
[editar | editar código-fonte]O diagnóstico presuntivo é feito com base no quadro clínico e história de ingestão recente do baiacu/fugu ou similar. É importante estabelecer o diagnóstico diferencial com outras síndromes causadas por toxinas naturais, em especial, as produzidas por frutos do mar (Tabela 1), e com outros quadro neurológicos, dentre eles, o botulismo.
Tratamento
[editar | editar código-fonte]Não há antídoto conhecido para a intoxicação com tetrodotoxina. O tratamento atual consiste em suporte respiratório, intubação e ventilação mecânica até que a tetrodotoxina seja toda excretada pela urina. Está descrito na literatura que se a intoxicação por tetrodotoxina for detetada nos 60 minutos consequentes à ingestão da toxina, há vantagens no uso de carvão ativado ou na lavagem gástrica para diminuir a absorção deste tóxico. Recorrer a hemodiálise também se mostrou benéfico, principalmente em pacientes com comprometimento renal. É frequentemente administrada neostigmina para tratar a insuficiência respiratória aguda, apesar de não haver dados suficientes que recomendem ou desencorajem o seu uso.[4][11] Foram investigados e desenvolvidos vários anticorpos e “vacinas” com ação anti-tetrodotoxina, e que preveniam a morte dos intoxicados com este produto.[13][14][15]
Alimentos associados
[editar | editar código-fonte]Os envenenamentos estão praticamente circunscritos ao consumo de baiacu das águas de regiões dos Oceanos Índico e Pacífico. Há contudo, casos registrados devido a ingestão desse peixe das águas do Oceano Atlântico, Golfo do México e Golfo da Califórnia. Esses peixes baiacu geralmente são importados da China, Japão, México, Filipinas e Taiwan.
Medidas de controle
[editar | editar código-fonte]1) Notificação de surtos - a ocorrência de surtos (2 ou mais casos) requer a notificação imediata às autoridades de vigilância epidemiológica municipal, regional ou central, para que se desencadeie a investigação das fontes comuns e medidas preventivas. Um único caso, por representar um agravo à saúde, deve ser também notificado.
2) Medidas preventivas – orientações sobre o risco de ingestão do peixe baiacu e outras espécies que produzem a tetrodotoxina.
3) Medidas em epidemias – investigação do surto e identificação do produto e origem, com medidas para controle e prevenção de novos casos.
Intoxicações associadas com toxinas de frutos do mar
[editar | editar código-fonte]Tipo de Intoxicação | Toxina | Fonte | Início dos Sintomas | Síndrome Clínica |
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Ciguatera | Ciguatoxina | Peixes de recifes/corais, barracuda, caranho vermelho e garoupa | 1 a 4 horas | Dor abdominal, diarréia, vômito, reversão sensorial frio e calor, parestesias, mialgias, e fraqueza |
Amnésica por frutos do mar | Ácido domóico | Mexilhões e outros mariscos bivalves, caranguejos e anchovas | 15 minutos a 38 horas | Vômito, diarréia, dor de cabeça, mioclonia, hemiparesias, apreensão, coma e perda permanente da memória recente. |
Escombróide | Histamina | Atum, bonita, cavala, peixes salteadores | Minutos a 4 horas | Severa dor de cabeça, vertigem, náusea, vômito, rubor, urticária, dificuldade respiratória |
Neurotóxica por frutos do mar | Neurotoxina | Mexilhões e outras espécies que se alimentam de plânctons | Minutos a 3 horas | Diarréia, vômito, ataxia e parestesias |
Paralítica por frutos do mar | Saxitoxina | Mexilhões e outras espécies bivalves | < 30 minutos | Vômito, diarréia, paralisia facial e respiratória |
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