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O traje de luto no Brasil oitocentista: mortes
vitorianas, corpos, lutos e vestuários
Doutorando Tiago Augusto Xavier de Souza
Juliana Schmitt ■ Historiadora, formada pela Universidade Estadual de Londrina, onde também concluiu uma especialização em História e Teorias da Arte. É mestre em História pela Universidade Federal de São Paulo e mestre em Moda, Cultura e Arte pelo Centro Universitário Senac. Doutora em Letras pela Universidade de São Paulo, realizou pesquisa de pós-doutorado em Artes, Cultura e Linguagens pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Atualmente professora no curso de Moda do Centro Universitário Armando Alvares Penteado (FAAP - SP), ■ É docente e pesquisadora nas áreas de História da Arte, da Literatura, do Vestuário e da Moda, com as quais trabalha na interdisciplinaridade com a História da Cultura e das Mentalidades. ■ Autora de "Três lições da História da Morte" (2023), publicado pela Editora da UFRJ; "O imaginário macabro: Idade Média - Romantismo" (2017) e "Mortes Vitorianas: corpos, luto e vestuário" (2010), publicados pelo Editorial Alameda com apoio da Fapesp Mortes Vitorianas: Corpos, Luto e Vestuário
■ As atitudes e os comportamentos diante da morte mudaram de
acordo com as diferentes épocas e as diferentes sociedades. De maneira geral, em todas elas, diversas práticas rituais acompanham o evento, preenchendo-o de carga simbólica. Uma vez que o conceito de morte é também histórico – transformando-se no decorrer do espaço-tempo e refletindo variadas visões de mundo em eras passadas – foi possível começar a produzir sua historiografia, ou seja, registros sobre a maneira como os grupos humanos vivenciam a morte. Neste livro, a pesquisadora Juliana Schmitt analisa a morte e suas representações sociais no século XIX. Notas introdutórias: Corpos e lutos no século XIX ■ Contexto e Importância da Morte A morte, inevitável verdade biológica, leva os seres humanos a buscar o sentido da existência, implicando concepções de vida. As atitudes diante da morte variam ao longo das épocas e sociedades, sempre acompanhadas de rituais simbólicos. A historiografia da morte surge ao longo do tempo, refletindo visões de mundo distintas e formando o campo da História da Morte, consolidado na década de 1970. ■ Contraste entre Culturas Pré-Industriais e Industriais Nas sociedades pré-industriais, a morte era uma experiência comunitária, com rituais que ajudavam a mitigar a dor e a integrar a perda na vida coletiva. A crença em uma "morte-passagem" e a solidariedade coletiva faziam parte das culturas agrárias e artesanais. Com o advento das sociedades capitalistas e urbanas, o individualismo se intensificou, enfraquecendo o apoio coletivo. O indivíduo moderno, embora dominasse a natureza, temia o desconhecido e evitava a morte. As manifestações de luto tornaram-se mais privadas e reprimidas, exigindo soluções rápidas e discretas para a dor. ■ Mudanças no Período Vitoriano O século XVIII, especialmente o período vitoriano, marca a consolidação dessas mudanças. A morte, mais sensível e melancólica, é refletida nos corpos e na aparência. Os vitorianos enfrentavam a angústia existencial, alternando entre afirmação e negação da morte. A sociedade vitoriana desenvolveu um conjunto de códigos sociais que ditavam o comportamento diante da morte, resultando em autocontrole e repressão emocional. A moda também mudou, com vestimentas sóbrias e escuras simbolizando o luto permanente. A partir de 1850, o preto tornou-se a cor predominante no vestuário cotidiano. ■ Obsessão pela Morte O século XIX revelou uma obsessão pela morte, manifestada em práticas como a visita frequente aos túmulos e a preservação de restos mortais. Os túmulos personalizados e as fotografias post-mortem mantinham a presença dos falecidos entre os vivos. Este fenômeno representava uma negação da morte através da preservação do corpo sem vida. Capítulo II: Luto ■ No início do período vitoriano, a sociedade ocidental adotou o preto como cor predominante no vestuário, refletindo seriedade e moral rígida. Esse movimento, que culminou na repressão da espontaneidade e dos instintos humanos, levou à prevalência do luto como vestimenta cotidiana. O preto, associado à ausência de luz e interpretado como símbolo de obscuridade e negação, tornou-se uniforme para todas as classes sociais. A visão de Goethe sobre as cores, como conceitos que despertam reações na alma humana, reforça essa associação simbólica do preto com a melancolia e a segurança emocional. ■ A rainha Vitória, com seu longo reinado e tragédia pessoal pela morte do marido Albert, influenciou profundamente a prática do luto feminino. Sua dedicação ao trabalho e proximidade com as classes médias, ao contrário da aristocracia frívola, aumentaram seu carisma popular. Vitória personificou o ideal de esposa devota, transformando o luto em sinônimo de virtude ao adotar o preto até sua morte. Sua influência levou à popularização do luto prolongado, que se tornou uma expressão de respeito e isolamento, marcando profundamente a cultura vitoriana. Capítulo III: A morte do outro O último capítulo examina a obsessão vitoriana pela morte e as práticas de preservação da memória dos mortos. Schmitt analisa como a sociedade vitoriana se apegava dramaticamente aos mortos, com práticas como visitas frequentes aos túmulos, túmulos personalizados e fotografias post-mortem. Estas práticas visavam a negar a morte e a manter a presença dos falecidos entre os vivos. A autora discute a repressão dos sentimentos e as manifestações do luto, mostrando como essas práticas refletiam uma tentativa de superar a dor e preservar a memória dos entes queridos. Preservar o que resta do ente amado é tentar apreender essa essência fugidia que nos mantêm vivos. E porque o corpo passa a ser a instância total da vida, o resto mortal indicaria ainda uma existência: a presença do indivíduo mesmo que na ausência da vida. O protagonista da dor era agora aquele que ficava e não mais o que agonizava. Prolongar a existência ao máximo possível, sofrer junto ao moribundo, às vezes sofrer mais que ele, eram as missões desse novo personagem do drama da morte. Aos poucos, apoderava-se do evento do outro, alienando o doente de seu próprio fim: já na segunda metade do século XIX tornou-se recorrente a prática de se ocultar ao moribundo a gravidade de sua doença. Os parentes poupavam o indivíduo da verdade para que não entregasse os pontos e não se fosse mais rápido; sentiam o aniquilamento do outro para que esse continuasse desejando viver. Toda a devoção para com o doente transferia-se para o corpo morto quando a inevitabilidade da morte acometia. Negava-se, então, a morte, mesmo que ela já fosse fato. Esse comovente e exaltado culto aos mortos não tem origem cristã, pois essa se referia totalmente à salvação da alma. Sua origem foi influência das ciências do positivismo racionalista e empiricista, que retiram qualquer instância metafísica da realidade: sem mais valores espirituais, o homem se apegava ao que lhe restava: a materialidade corpórea. E como num ato de negação da própria morte – com a qual perderá o controle sobre seu corpo – se apossava do corpo do outro. A noção oitocentista, burguesa e capitalista, do corpo como o bem mais valioso do homem atribui a esse apego o caráter do bem material: o corpo do morto valendo-se de herança para os que ficam. Essa posse ocorria de maneira direta através do vínculo com o resto corpóreo, mas também por intermédio de uma prática altamente eloquente nesse sentido, e popular somente no período vitoriano: a fotografia post-mortem. Entre a norma e a moda As sociedades ao longo dos séculos desenvolveram uma série de rituais pós-morte que obrigavam os que sofriam a saírem do estado de desespero passando a cumprir normativas. Dentre as práticas fúnebres estava a adoção de um vestuário de luto responsável por assinalar as fronteiras entre a dor privada e a imagem pública. Ao se ao virar norma de civilidade o luto se transformou no tempo necessário de recolhimento que a sociedade impõe e que é respeitado por ela. Os altos índices de mortalidade em uma época em que a medicina ainda era rudimentar faziam com que os indivíduos dos oitocentos experimentasse o luto muitas vezes em sua vida com isso as mortes aconteciam dentro das casas com os familiares em torno do morto O luto na Revista A Estação “A Estação: Jornal Ilustrado para a família”, muito importante no século XIX, trazia recomendações não apenas dos tecidos e das modelagens a serem empregadas como também os acessórios como: chapéus diversos, toucados, sombrinhas, luvas, joias de vidrilho, colarinhos, punhos, bordados para aplicação variadas, gravatas e gravatinhas, cordões para relógio, leques, lenços de assoar, broches, flores de filigrana para cabelos e penteados, tudo para o luto completo e adequado.