Análise de o Cortiço

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ANÁLISE DE O CORTIÇO,

PARTE I
DE ALUÍSIO DE AZEVEDO
1. REVENDO ALGUMAS CARACTERÍSTICAS
ROMANTISMO TRANSIÇÃO NATURALISMO
Brasil: 1836 – 1870 Brasil: 1870 – 1881 Brasil: 1881 – 1902

1.Bases ideológicas: Positivismo Racionalismo

Idealismo Abolicionismo Determinismo

Liberalismo Materialismo Socialismo


Evolucionismo
Espiritualismo Anticlericalismo
Antiburguesia
Religiosidade Reformismo Antimonarquia
Republicanismo
Compromisso com Visão crítica
valores burgueses Nacionalismo crítico

Nacionalismo ufanista
“Só o real e todo o
2. ALGUMAS CARACTERÍSTICAS
Imaginação, sentimento real”

Cientificismo
Subjetividade
Determinismo

Mundo idealizado

biológico.
Homem herói ou vilão:
liberdade individual,
força que pode levar o
homem a superar todos social,
os obstáculos: final feliz

Mulher: anjo ou
demônio geográfico:
Observações de Lúcia Miguel Pereira – História da
Literatura Brasileira – Prosa de Ficção de 1870 a 1920 3a ed.
Rio,1973, José Olímpio e INL p.119 e seg.s “A Guerra do
Paraguai, a Questão Religiosa, as Campanhas Abolicionista e
Republicana... e o Naturalismo brasileiro insistia em “casos de
alcova” “Começara nos últimos anos do Império, vira a Abolição e a
República varara os primeiros anos do novo regime, assistira à
revolta da Armada, ao Encilhamento, às angústias por que então
passou o país; e durante todo esse tempo os adeptos do
Naturalismo repisaram de preferência casos de alcova, estudaram
temperamentos anormais.” (p. 141)

Naturalismo – “é produto do movimento do norte” (p. 125).


(Lembre-se a renovação moderna do romance.) “No fim do século
passado, quando a observação entrou a ser obrigatória no romance,
podemos dizer que, à exceção de Machado de Assis e Raul Pompéia,
só as vozes do Norte se faziam ouvir” ( p. 126 ) “O Rio sempre foi, e
é, antes um centro receptor do que criador” ( p. 125) Academia
Francesa, de Fortaleza e Escola de Recife.
“Livros completamente realizados, sem fugir uma linha ao
Naturalismo, só mesmo O Cortiço e Bom Crioulo” ( p. 137 )
2. O AUTOR: ALUÍSIO DE AZEVEDO (1857 –
São Luís – 1913 – Buenos Aires, onde era agente
consular )

“Aos 17 anos é como caricaturista que


aparece em jornais como o Fígaro,
Mequetrefe e a Semana Ilustrada”
O MULATO (1881) é tida como o romance que
introduziu o Naturalismo no Brasil, embora O Coronel
Sangrado, de Inglês de Sousa lhe seja anterior.

Língua Portuguesa “é um cemitério de idéias e pensamentos.”

Tão exato na observação dos pormenores exteriores,


Aluísio de Azevedo é sempre indeciso na análise
psicológica.
Não é à toa que “as habitações coletivas do Rio
forneceriam ao maranhense os seus dois maiores
romances – Casa de Pensão e O Cortiço.
3. A OBRA: O CORTIÇO (1890)

Todas as existências se entrelaçam, repercutem umas nas


outras. “Essa visão panorâmica parece constituir a grande
qualidade de Aluísio de Azevedo como romancista, esse poder de
fixar as coletividades representa a sua maior contribuição para o
nosso romance.”

Esse pendor para o espetáculo das massas, raríssimo em nossa


literatura, fez com que a personagem coletiva do cortiço fosse a
única que Aluísio de Azevedo conseguiu fixar para sempre.”

O Cortiço é - o único livro que Aluísio de Azevedo executou da


grande obra que pretendia fazer, abrangendo a vida da Corte
desde 1820;
IDÉIAS:
A visão determinista biológico-racial, social e geográfica.

A predominância do biológico. A abordagem explícita do


sexual – heterossexualidade e homossexualidade.

A identificação homem-animal.

A ênfase nos aspectos de degradação do homem e da


sociedade.

A denúncia da realidade social e política – abordagem do


contemporâneo ao autor.

O problema habitacional do Rio – a promiscuidade dos cortiços.

A exploração do homem.

O casamento e os interesses econômicos.

A linguagem – presença do coloquial – portuguesa e brasileira.


contra-ideologia

“Nele estão presentes as mais marcantes


características do Naturalismo: condicionamento dos
personagens ao meio físico; satisfação das
necessidades instintivas dos personagens; enfoque na
hereditariedade física e psicológica, determinantes do
comportamento; uma visão predominantemente
biológica do ser humano; personagens-tipo;
personagens com um destino contra o qual não podem
lutar; o romance funcionando como um documento da
realidade social que leve o leitor a refletir.”
(Samira Youssef Campedelli)
APROXIMANDO-NOS
DO ROMANCE
1.João Romão

Hoje quatro braças de terra, amanhã seis, depois mais


outras, ia o vendeiro conquistando todo o terreno que se
estendia pelos fundos da sua bodega; e, à proporção que o
conquistava, reproduziam-se os quartos e o número de
moradores.
Sempre em mangas de camisa, sem domingo nem dia
santo, não perdendo nunca a ocasião de assenhorear-se do
alheio, deixando de pagar todas as vezes que podia e nunca
deixando de receber, enganando os fregueses, roubando nos
pesos e nas medidas, comprando por dez réis de mel coado
o que os escravos furtavam da casa dos seus senhores,
apertando cada vez mais as próprias despesas, empilhando
privações sobre privações, trabalhando e mais a amiga como
uma junta de bois, João Romão veio afinal a comprar uma
boa parte da bela pedreira, que ele, todos os dias, ao cair da
tarde, assentado um instante à porta da venda, contemplava
de longe com um resignado olhar de cobiça.
(AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço Correio da Bahia. no 045/A p.
10)
totalmente, todos ao seus atos, todos, fosse o mais
simples, visavam um interesse pecuniário. Só tinha
uma preocupação: aumentar os bens. Das suas hortas
recolhia para si e para a companheira os piores
legumes, aqueles que, por maus, ninguém compraria;
as suas galinhas produziam muito e ele não comia um
ovo, do que no entanto gostava imenso, vendia-os
todos e contentava-se com os restos de comida dos
trabalhadores. Aquilo já não era ambição, era uma
moléstia nervosa, uma loucura, um desespero de
acumular; de reduzir tudo a moeda. E seu tipo
baixote, socado, de cabelos à escovinha, a barba,
sempre por fazer, ia e vinha da pedreira para a venda,
da venda às hortas e ao capinzal, sempre em mangas
de camisa, de tamancos, sem meias, olhando para
todos os lados, com o seu eterno ar de cobiça,
apoderando-se, com os olhos, de tudo aquilo de que
ele não podia apoderar-se logo com as unhas.
01.Como você caracteriza o
personagem?

02.O que se pode esperar do


comportamento deste personagem?
2.MIRANDA – ESTELA

Dona Estela era uma mulherzinha levada da breca:


achava-se casada havia treze anos e durante esse tempo
dera ao marido toda sorte de desgostos. Ainda antes de
terminar o segundo ano de matrimônio, o Miranda pilhou-
a em flagrante delito de adultério; ficou furioso e o seu
primeiro impulso foi de mandá-la para o diabo junto com
o cúmplice; mas a sua casa comercial garantia- -se com
o dote que ela trouxera, uns oitenta contos em prédios e
ações da divida publica, de que se utilizava o desgraçado
tanto quanto lhe permitia o regime dotal. Além de que,
um rompimento brusco seria obra para escândalo, e,
segundo sua opinião, qualquer escândalo doméstico
ficava muito mal a um negociante de certa ordem.
Prezava, acima de tudo, a sua posição social e tremia só
com a idéia de ver-se novamente pobre, sem recursos e
sem coragem para recomeçar a vida, depois de se haver
habituado a umas tantas regalias e afeito à hombridade
de português rico que já não tem pátria na Europa.
Diálogo entre Botelho e Miranda sobre Estela:

– Uma mulher naquelas condições representa nada


menos que o capital, e um capital em caso nenhum se
despreza! Agora, você o que devia era nunca chegar-se
para ela...
– Ora! explicava o marido. Eu me sirvo dela como quem
se serve de uma escarradeira! (p. 24-25)

Dona Estela diz a Botelho:


– Você quer saber? Eu bem percebo quanto aquele
traste do senhor meu marido me detesta, mas isso tanto
se me dá como a primeira camisa que vesti!
Desgraçadamente para nós, mulheres de sociedade, não
podemos viver sem o esposo, quando somos casadas;
de forma que tenho de aturar o que me caiu em sorte,
quer goste dele quer não goste! Juro-lhe, porém, que, se
consinto que o Miranda se chegue às vezes para mim, é
porque entendo que paga mais a pena ceder do que
puxar discussão com uma besta daquela ordem! (p. 25)
“Uma bela noite, o Miranda, que era homem de sangue
esperto e orçava então pelos seus trinta e cinco anos, sentiu-
se em insuportável estado de lubricidade. Era tarde já e não
havia em casa alguma criada que lhe pudesse valer.
Lembrou-se da mulher (Estela), mas repeliu logo com
escrupulosa repugnância. Continuava a odiá-la. Entretanto
este mesmo fato... ainda mais lhe assanhava o desejo da
carne, fazendo da esposa infiel um fruto proibido.... Foi ter ao
quarto dela. A mulher dormia a sono solto. Miranda entrou pé
ante pé e aproximou- -se da cama. “Devia voltar... Não lhe
ficava bem aquilo!”. Mas o sangue latejava-lhe, reclamando-
a... Miranda não pôde resistir, atirou--se contra ela. ... Estela
deixou-se empolgar, fingindo que continuava a dormir...
Ah! Ela contava como certo que o esposo, desde que não
teve coragem de separar-se de casa, havia, mais cedo ou
mais tarde, de procurá-la de novo. Conhecia-lhe o
temperamento, forte para desejar e fraco para resistir ao
desejo.
Consumado o delito, o honrado negociante sentiu-se tolhido
de vergonha e arrependimento. ... Retirou-se para seu quarto
de desquitado.
No dia seguinte, os dois viram-se e evitaram-se em
silêncio, como se nada houvera acontecido. ... Depois
daquela ocorrência, o Miranda sentia crescer o seu
ódio contra a esposa. ...
Mas daí a um mês, o pobre homem, acometido de
um novo acesso de luxúria, voltou ao quarto da
mulher. Estela recebeu-o desta vez como da primeira,
fingindo que não acordava; na ocasião, porém, em que
ele se apoderava dela febrilmente, a leviana, sem se
poder conter, soltou-lhe em cheio contra o rosto uma
gargalhada... O pobre-diabo desnorteou, deveras
escandalizado, soerguendo-se, brusco... mas a mulher
não lhe deu tempo para fugir; passou rápido as
pernas por cima e, grudando-se-lhe ao corpo, cegou-
com uma metralhada de beijos.
Não se falaram.
Miranda nunca a tivera, nem nunca a vira, assim tão
violenta no prazer. Estranhou-a. Afigurou-se-lhe estar
nos braços de uma amante. ...
A partir dessa noite, da qual só pela manhã o
Miranda se retirou do quarto da mulher, estabeleceu-
se entre eles o hábito de uma felicidade sexual, ...
posto que no íntimo de cada um persistisse contra o
outro a mesma repugnância moral em nada
enfraquecida.
Durante dez anos viveram muito bem casados... e
agora que o negociante já não era acometido tão
freqüentemente por aquelas crises que o arrojavam
fora de hora ao dormitório de dona Estela, eis que a
leviana parecia disposta a reincidir na culpa, dando
cordas aos caixeiros... Foi por isso que o Miranda
comprou o prédio vizinho a João Romão.
(ibidem. p. 11-13)
Posto que lá na Rua do Hospício os seus negócios não
corressem mal, custava-lhe a sofrer a escandalosa fortuna do
vendeiro “aquele tipo! Um miserável, um sujo, que não
pusera nunca um paletó, e que vivia de cama e mesa com
uma negra!”
À noite e aos domingos ainda mais recrudescia o seu
azedume, quando ele, recolhendo-se fatigado do serviço,
deixava-se ficar estendido numa preguiçosa, junto à mesa da
sala de jantar, e ouvia, a contragosto, o grosseiro rumor que
vinha da estalagem numa exalação forte de animais
cansados. Não podia chegar à janela sem receber no rosto
aquele bafo, quente e sensual, que o embebedava com o seu
fartum de bestas no coito.
E depois, fechado no quarto de dormir, indiferente e
habituado às torpezas carnais da mulher, isento já dos
primitivos sobressaltos que lhe faziam, a ele, ferver o
sangue e perder a tramontana, era ainda a
prosperidade do vizinho o que lhe obsedava o espírito,
enegrecendo-lhe a alma com um feio ressentimento de
despeito.
Tinha inveja do outro, daquele outro português que
fizera fortuna, sem precisar roer nenhum chifre; daquele
outro que, para ser mais rico três vezes do que ele, não
teve de casar com a filha do patrão ou com a bastarda
de algum fazendeiro freguês da casa! (ibidem. p -19)
01. Como você caracteriza Miranda?

02. Como você caracteriza Estela?

03. Como você avalia a persistência do


casamento deles, apesar de eles se odiarem?

04.Você identifica alguma semelhança entre os


personagens?

05. Quais as causas da tensão de Miranda?


3. JERÔNIMO–RITA–FIRMO-PIEDADE

Uma transformação, lenta e profunda, operava-se


nele, dia a dia, hora a hora, reviscerando-lhe o
corpo e alando- -lhe os sentidos, num trabalho
misterioso e surdo de crisálida. A sua energia
afrouxava lentamente: fazia-se contemplativo e
amoroso. A vida americana e a natureza do Brasil
patenteavam-lhe agora aspectos imprevistos e
sedutores que o comoviam; esquecia-se dos seus
primitivos sonhos de ambição; para idealizar
felicidades novas, picantes e violentas; tornava-se
liberal, imprevidente e franco, mais amigo de gastar
que de guardar, adquiria desejos, tomava gosto aos
prazeres, e volvia-se preguiçoso resignando-se,
vencido às imposições do sol e do calor...
E assim, pouco a pouco, se foram reformando
todos os seus hábitos singelos de aldeão português:
e Jerônimo abrasileirou-se. A sua casa perdeu aquele
ar sombrio e concentrado que a entristecia..,. A
revolução afinal foi completa: a aguardente de cana
substituiu o vinho... a carne-seca e o feijão-preto ao
bacalhau com batatas e cebolas cozidas; a pimenta-
malagueta e a pimenta-de-cheiro invadiram
vitoriosamente a sua mesa; o caldo verde, pelos
ruivos e gostosos quitutes baianos, pela moqueca,
pelo vatapá e pelo caruru; a couve à mineira
destronou a couve portuguesa; e, desde que o café
encheu a casa com seu aroma quente, Jerônimo
principiou a achar graça no cheiro do fumo e não
tardou a fumar também com os amigos.
E o curioso é que quanto mais ia ele caindo nos
usos e costumes brasileiros, tanto mais os seus
sentidos se apuravam, posto que em detrimento das
suas forças físicas. Tinha agora o ouvido menos
grosseiro para a música.. seus olhos, dantes só
voltados para a esperança de tornar à terra, agora,
como os olhos de um marujo, que se habituaram aos
largos horizontes de céu e mar, já se não revoltavam
com a turbulenta luz, selvagem e alegre, do Brasil, e
abriam-se amplamente defronte dos maravilhosos
despenhadeiros ilimitados e das cordilheiras sem fim.
( ibidem. p. 83-85 )
Rita, essa noite, recolhera-se aflita e assustada.
Deixara de ir ter com o amante ( Firmo) e mais tarde
admirava-se como fizera semelhante imprudência;
como tivera coragem de pôr em prática, justamente
no momento mais perigoso, uma coisa que ela, até aí,
não se sentira com ânimo de praticar. No intimo
respeitava o capoeira; tinha-lhe medo... mas desde
que Jerônimo propendeu para ela, fascinando-a com a
sua tranqüila seriedade de animal bom e forte, o
sangue da mestiça reclamou os seus direitos de
apuração, e Rita preferiu no europeu o macho de raça
superior. O cavouqueiro, pelo seu lado, cedendo às
imposições mesológicas, enfarava a esposa, sua
congênere, e queria a mulata, porque a mulata era o
prazer, era a volúpia, era o fruto dourado e acre
destes sertões americanos, onde a alma de Jerônimo
aprendeu lascívias de macaco e onde seu corpo
porejou o cheiro sensual dos bodes. ( ibidem. p. 156-
157 )
O português abrasileirou-se para sempre; fez-se
preguiçoso, amigo das extravagâncias e dos abusos,
luxurioso e ciumento; fora-se-lhe de vez o espírito da
economia e da ordem; perdeu a esperança de
enriquecer, e deu-se todo, todo inteiro, à felicidade
de possuir a mulata e ser possuído só por ela, e mais
ninguém.
( ibidem. p. 185 )

1 – Quais as causas da transformação de


Jerônimo?

2 – Para o narrador o que é “abrasileirar-se”?

3 – Sublinhe e explique o trecho em que se


explicita um preconceito racial.
4. LÉONIE- POMBINHA – SENHIORINHA
RELAÇÃO HOMEM - MULHER

Sorriu.
E no seu sorriso já havia garras.
Uma aluvião de cenas, que ela jamais tentara explicar
e que até ai jaziam esquecidas nos meandros do seu
passado, apresentavam-se agora nítidas e
transparentes. Compreendeu como era que certos
velhos respeitáveis, cujas fotografias Léonie lhe
mostrara no dia que passaram juntas, deixavam-se
vilmente cavalgar pela loureira, cativos e submissos,
pagando a escravidão com a honra, os bens, e até com
a própria vida, se a prostituta, depois de os ter
esgotado, fechava-lhes o corpo.
E continuou a sorrir, desvanecida na sua
superioridade sobre esse outro sexo, vaidoso e
fanfarrão, que se julgava senhor e que no entanto
fora posto no mundo simplesmente para servir ao
feminino; escravo ridículo que, para gozar um pouco,
precisava tirar da sua mesma ilusão a substância do
seu gozo; ao passo que a mulher, a senhora, a dona
dele, ia tranqüilamente desfrutando o seu império,
endeusada e querida, prodigalizando martírios que os
miseráveis aceitavam contritos, a beijar os pés que os
deprimiam e as implacáveis mãos que os
estrangulavam. ...
Num só lance de vista, como quem apanha uma
esfera entre as pontas de um compasso, mediu com
as antenas da sua perspicácia mulheril toda aquela
esterqueira, onde ela, depois de se arrastar por muito
tempo como larva, um belo dia acordou borboleta à
luz do sol.
E sentiu diante dos olhos aquela massa informe de
machos e fêmeas... E viu o Firmo e o Jerônimo atasalharem-
se, como dois cães que disputam uma cadela de rua; e viu o
Miranda, subalterno ao lado da esposa infiel, que se divertia
a fazê-lo dançar a seus pés seguro pelos chifres; e viu
Domingos... perdendo o seu emprego e as economias
ajuntadas com sacrifício, para ter um instante de luxuria
entre as pernas de uma desgraçadinha irresponsável e tola;
e tornou a ver o Bruno a soluçar pela mulher; e outros
ferreiros e hortelões,e cavouqueiros e trabalhadores... um
exército de bestas sensuais, cujos segredos ela possuía...
porque sua escrivaninha era um pequeno confessionário,
onde toda a salsugem e todas as fezes daquela praia de
despejo foram arremessadas espumantes de dor e aljofradas
de lágrimas.
( ibidem.p. 131-132 )
E na sua alma enfermiça e aleijada, no seu espírito
rebelde de flor mimosa e peregrina criada num
monturo, violeta infeliz, que um estrume forte demais
para ela atrofiara, a moça pressentiu bem claro que
nunca daria de si ao marido que ia ter uma
companheira amiga, leal e dedicada; pressentiu que
nunca o respeitaria sinceramente como a ser superior
por quem damos a vida; que nunca lhe votaria
entusiasmo, e por conseguinte nunca lhe teria amor;
desse de que ela se sentia capaz de amar alguém, se
na terra houvera homens dignos disso.
Ah! Não o amaria decerto, porque o Costa era
como os outros, passivo e resignado, aceitando a
existência que lhe impunham as circunstâncias, sem
ideais próprios, sem temeridades de revolta, sem
atrevimentos de ambição, sem vícios trágicos, sem
capacidade para grandes crimes; era mais um
animal que viera ao mundo para propagar a espécie;
um pobre-diabo enfim que já a adorava cegamente e
que mais tarde, com ou sem razão, derramaria
aquelas mesmas lágrimas, ridículas e vergonhosas,
que ela vira decorrendo em quentes camarinhas
pelas ásperas e maltratadas brabas do marido de
Leocádia.
E não obstante, até então, aquele matrimônio era o
seu sonho dourado. Pois agora, nas vésperas de obtê-
lo, sentia repugnância em dar-se ao noivo, e, se não
fora a mãe, seria muito capaz de dissolver o ajuste.
Mas, daí a uma semana, a estalagem era toda em
rebuliço desde logo pela manhã. Só se falava em
casamento; havia em cada olhar um sangüíneo reflexo
de noites nupciais. ( ibidem. p. 132-33 )

... daí a meses, Pombinha desapareceu da casa da


mãe. Dona Isabel quase morre de desgosto. Para onde
teria ido a filha?...”Onde está? Onde não está? Procura
daqui! procura dali!” Só a descobriu semanas depois;
estava morando num hotel com Léonie. A serpente
vencia afinal: Pombinha foi, pelo seu próprio pé,
atraída, meter-se-lhe na boca. ( ibidem. p. 211-212 )
Pombinha abria muito a bolsa, principalmente com
a mulher de Jerônimo, a cuja filha, sua protegida
predileta, votava agora, por sua vez, uma simpatia
toda especial, idêntica à que noutro tempo inspirara
ela própria à Léonie. A cadeia continuava e
continuaria interminavelmente; o cortiço estava
preparando uma nova prostituta naquela pobre
menina desamparada, que se fazia mulher ao lado de
uma infeliz mãe ébria.
( ibidem. p. 213 )

1 – Como Pombinha vê a relação homem-mulher?


Confirma-se a maneira como o narrador descreve o
cortiço e seus moradores?

2 - Como os trechos comprovam a visão


1.O CORTIÇO e SEUS MORADORES

Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo,


não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas
alinhadas.
Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma
assentada sete horas de chumbo. ...
A roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros,
umedecia o ar e punha-lhe um farto acre de sabão ordinário.
As pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e em
alguns pontos azuladas pelo anil, mostravam uma palidez
grisalha e triste, feita de acumulações de espumas secas.
Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas de
sono; ouviam-se amplos bocejos, fortes como o marulhar das
ondas; pigarreava-se grosso por toda parte; começavam as
xícaras a tilintar; o cheiro quente do café aquecia, suplantando
todos os outros; trocavam-se de janela para janela as
primeiras palavras, os bons-dias...
Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum
crescente; uma aglomeração tumultuosa de machos e
fêmeas. Uns após outros, lavavam a cara... As mulheres
precisavam já prender as saias entre as coxas para não as
molhar, via-se-lhes a tostada nudez dos braços e do
pescoço, que elas despiam, suspendendo o cabelo todo para
o alto do casco; os homens, esses não se preocupavam em
não molhar o pêlo, ao contrário metiam a cabeça bem
debaixo da água e esfregavam com força as ventas e as
barbas, fossando e fungando contra as palmas da mão. As
portas das latrinas não descansavam, era um abrir e fechar
de cada instante, um entrar e sair sem tréguas. Não se
demoravam lá dentro e vinham ainda amarrando as calças
ou as saias; as crianças não se davam ao trabalho de lá ir,
despachavam-se ali mesmo, no capinzal dos fundos...
A primeira que se pôs a lavar foi a Leandra, por
alcunha a “Machona”, portuguesa feroz, berradora,
pulsos cabeludos e grossos, anca de animal de campo.
Tinha duas filhas e um filho: a das Dores... que largara
o marido para meter-se com um homem de
comércio... que, retirando-se para a terra, deixara o
sócio em seu lugar. 25 anos. A Nenen, 17 anos,
franzina e forte, com uma proazinha de orgulho de
sua virgindade, escapando como enguia por entre os
dedos dos rapazes que a queriam sem ser para casar.
E Agostinho, menino levado dos diabos, que gritava
tanto ou melhor que a mãe.
.... Ao lado de Leandra, foi colocar-se à sua tina a
Augusta Carne-Mole, brasileira, branca, mulher de
Alexandre, um mulato de 40 anos, soldado de polícia...
Augusta era de uma honestidade proverbial no cortiço,
honestidade sem mérito, porque vinha da indolência de
seu temperamento e não do arbítrio de seu caráter. Junto
dela pôs-se a trabalhar a Leocádia, mulher de um ferreiro
chamado Bruno, com uma fama terrível de leviana....
Seguia-se a Paula, uma cabocla velha, meio idiota, ...
tinha virtudes para benzer erisipelas e cortar febres por
meio de rezas e feitiçarias.... Era extremamente feia, ...
dentes cortados à navalha, formando pontas, como
dentes de cão... Chamavam-lhe “Bruxa”.
Depois seguiam-se Marciana e mais a sua filha
Florinda, que... tinha quinze anos, a pele de um moreno
quente, beiços sensuais, bonitos dentes, olhos luxuriosos
de macaca. Toda ela estava a pedir homem, mas
sustentava ainda a sua virgindade e não cedia, nem à
mão de Deus Padre, aos rogos de João Romão, que a
desejava apanhar a troco de concessões na medida e no
peso das compras que Florinda fazia diariamente no
armazém. Depois via-se a velha Dona Isabel... todos lhe
dispensavam consideração.. mulher comida de
desgostos. Fora casada com o dono de uma casa de
chapéus, que quebrou e suicidou-se. ...Tinha uma cara
macilenta de velha portuguesa devota, que já foi gorda,
bochechas moles de pelancas rechupadas, que lhe
pendiam dos cantos da boca como saquinhos vazios...
Sua filha era a flor do cortiço. Chamavam-lhe
Pombinha, que tinha o seu noivo, o João da Costa,
moço do comércio, com grande futuro... Dona Isabel
não queria que o casamento se fizesse já. É que
Pombinha, orçando aliás pelos dezoito anos, não tinha
ainda pago à natureza o cruento tributo da
puberdade....
Fechava a fila das lavadeiras, o Albino, um sujeito
afeminado... Era lavadeiro e vivia sempre entre as
mulheres... que o tratavam como uma pessoa do
mesmo sexo... faziam-no até confidente dos seus
amores e das suas infidelidades. ( ibidem p. 28 a 32 )
DIFERENÇAS ENTRE REALISMO E NATURALISMO
itores realistas propõem-se a fazer o “romance de revolução”, pretende
ar a sociedade por meio da literatura crítica. Preferem trabalhar com um
o elenco de personagens e analisá-las psicologicamente. Esperavam qu
res se identificassem com as personagens e as situações retratadas e, a
e uma auto-análise, pudessem transformar-se. Tratava-se, portanto, de
o de educação intelectual e moral, que pretendia converter-se em
rmação social.

aturalistas, comprometidos com a ótica cientificista da época, objetivava


olver o “romance de tese”, no qual seria possível a demonstração das d
científicas. Tinham uma perspectiva biológica do mundo, reduzindo,
vezes, o homem à condição animal, colocando o instinto sobre a razão.
ectos desagradáveis e repulsivos da condição humana são valorizados, c
ma de reação ao idealismo romântico. Os naturalistas retratam
ncialmente o coletivo, envolvendo as personagens em espaços corromp
/ou moralmente, pois acreditavam que a concentração de muitas pesso
desfavorável fazia aflorar os desvios psicopatológicos – um alvo de inte
escritores, o que denota uma visão determinista, em que o meio e o con
o têm influência.

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