Análise de o Cortiço
Análise de o Cortiço
Análise de o Cortiço
PARTE I
DE ALUÍSIO DE AZEVEDO
1. REVENDO ALGUMAS CARACTERÍSTICAS
ROMANTISMO TRANSIÇÃO NATURALISMO
Brasil: 1836 – 1870 Brasil: 1870 – 1881 Brasil: 1881 – 1902
Nacionalismo ufanista
“Só o real e todo o
2. ALGUMAS CARACTERÍSTICAS
Imaginação, sentimento real”
Cientificismo
Subjetividade
Determinismo
Mundo idealizado
biológico.
Homem herói ou vilão:
liberdade individual,
força que pode levar o
homem a superar todos social,
os obstáculos: final feliz
Mulher: anjo ou
demônio geográfico:
Observações de Lúcia Miguel Pereira – História da
Literatura Brasileira – Prosa de Ficção de 1870 a 1920 3a ed.
Rio,1973, José Olímpio e INL p.119 e seg.s “A Guerra do
Paraguai, a Questão Religiosa, as Campanhas Abolicionista e
Republicana... e o Naturalismo brasileiro insistia em “casos de
alcova” “Começara nos últimos anos do Império, vira a Abolição e a
República varara os primeiros anos do novo regime, assistira à
revolta da Armada, ao Encilhamento, às angústias por que então
passou o país; e durante todo esse tempo os adeptos do
Naturalismo repisaram de preferência casos de alcova, estudaram
temperamentos anormais.” (p. 141)
A identificação homem-animal.
A exploração do homem.
Sorriu.
E no seu sorriso já havia garras.
Uma aluvião de cenas, que ela jamais tentara explicar
e que até ai jaziam esquecidas nos meandros do seu
passado, apresentavam-se agora nítidas e
transparentes. Compreendeu como era que certos
velhos respeitáveis, cujas fotografias Léonie lhe
mostrara no dia que passaram juntas, deixavam-se
vilmente cavalgar pela loureira, cativos e submissos,
pagando a escravidão com a honra, os bens, e até com
a própria vida, se a prostituta, depois de os ter
esgotado, fechava-lhes o corpo.
E continuou a sorrir, desvanecida na sua
superioridade sobre esse outro sexo, vaidoso e
fanfarrão, que se julgava senhor e que no entanto
fora posto no mundo simplesmente para servir ao
feminino; escravo ridículo que, para gozar um pouco,
precisava tirar da sua mesma ilusão a substância do
seu gozo; ao passo que a mulher, a senhora, a dona
dele, ia tranqüilamente desfrutando o seu império,
endeusada e querida, prodigalizando martírios que os
miseráveis aceitavam contritos, a beijar os pés que os
deprimiam e as implacáveis mãos que os
estrangulavam. ...
Num só lance de vista, como quem apanha uma
esfera entre as pontas de um compasso, mediu com
as antenas da sua perspicácia mulheril toda aquela
esterqueira, onde ela, depois de se arrastar por muito
tempo como larva, um belo dia acordou borboleta à
luz do sol.
E sentiu diante dos olhos aquela massa informe de
machos e fêmeas... E viu o Firmo e o Jerônimo atasalharem-
se, como dois cães que disputam uma cadela de rua; e viu o
Miranda, subalterno ao lado da esposa infiel, que se divertia
a fazê-lo dançar a seus pés seguro pelos chifres; e viu
Domingos... perdendo o seu emprego e as economias
ajuntadas com sacrifício, para ter um instante de luxuria
entre as pernas de uma desgraçadinha irresponsável e tola;
e tornou a ver o Bruno a soluçar pela mulher; e outros
ferreiros e hortelões,e cavouqueiros e trabalhadores... um
exército de bestas sensuais, cujos segredos ela possuía...
porque sua escrivaninha era um pequeno confessionário,
onde toda a salsugem e todas as fezes daquela praia de
despejo foram arremessadas espumantes de dor e aljofradas
de lágrimas.
( ibidem.p. 131-132 )
E na sua alma enfermiça e aleijada, no seu espírito
rebelde de flor mimosa e peregrina criada num
monturo, violeta infeliz, que um estrume forte demais
para ela atrofiara, a moça pressentiu bem claro que
nunca daria de si ao marido que ia ter uma
companheira amiga, leal e dedicada; pressentiu que
nunca o respeitaria sinceramente como a ser superior
por quem damos a vida; que nunca lhe votaria
entusiasmo, e por conseguinte nunca lhe teria amor;
desse de que ela se sentia capaz de amar alguém, se
na terra houvera homens dignos disso.
Ah! Não o amaria decerto, porque o Costa era
como os outros, passivo e resignado, aceitando a
existência que lhe impunham as circunstâncias, sem
ideais próprios, sem temeridades de revolta, sem
atrevimentos de ambição, sem vícios trágicos, sem
capacidade para grandes crimes; era mais um
animal que viera ao mundo para propagar a espécie;
um pobre-diabo enfim que já a adorava cegamente e
que mais tarde, com ou sem razão, derramaria
aquelas mesmas lágrimas, ridículas e vergonhosas,
que ela vira decorrendo em quentes camarinhas
pelas ásperas e maltratadas brabas do marido de
Leocádia.
E não obstante, até então, aquele matrimônio era o
seu sonho dourado. Pois agora, nas vésperas de obtê-
lo, sentia repugnância em dar-se ao noivo, e, se não
fora a mãe, seria muito capaz de dissolver o ajuste.
Mas, daí a uma semana, a estalagem era toda em
rebuliço desde logo pela manhã. Só se falava em
casamento; havia em cada olhar um sangüíneo reflexo
de noites nupciais. ( ibidem. p. 132-33 )