Immanuel Kant  1724-1804

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A modernidade como um criticismo

(A modernidade como um auto-criticismo)


Resposta à pergunta: “Que é o Iluminismo?”

«lluminismo é a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é


culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem
a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria, se a sua causa
não residir na carência de entendimento, mas na falta de decisão e de
coragem em se servir de si mesmo, sem a guia de outrem. Sapere aude!
Tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento! Eis a palavra
de ordem do Iluminismo. »

Immanuel Kant, Resposta à pergunta: “Que é o Iluminismo?” (1784), trad. Artur Morão
Pablo Picasso, Les demoiselles d’Avignon, 1907
Kasimir Malevitch, Quadrado Negro sobre Fundo branco, 1913
Jackson Pollock, sem título,1957
Willem de Kooning,sem título, 1958, óleo sobre papel
«Clement Greenberg (1909-1994),

«Identifico o Modernismo com a intensificação, ou mesmo com o


exacerbar, da tendência autocrítica inaugurada pelo filósofo Kant.
Enquanto foi o primeiro a criticar os próprios instrumentos da crítica,
penso que Kant foi o primeiro verdadeiro modernista.
(…)
Tal como eu a vejo, a essência do Modernismo reside no uso dos
métodos particulares de uma disciplina para criticar essa mesma
disciplina — não em ordem a subvertê-la, mas para melhor
fundamentar a sua área de competência. (...)a autocrítica do
Modernismo nasce do Iluminismo, mas não se lhe identifica. O
Iluminismo critica a partir do exterior, naquele que é o procedimento
normal da crítica, o Modernismo critica a partir do interior, através
dos próprios meios daquilo que é objecto de crítica.»

Clement Greenberg, Modernist Painting, p. 754-755.


Immanuel Kant —1724-1804
Bibliografia

- KANT, E.,Crítica da Faculdade do Juízo, trad. António Marques, Valério


Rohden, Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa, 1998

- DELEUZE, Gilles, A Filosofia Crítica de Kant, trad. Geminiano Franco,


Edições 70, s/d.

- McEVILLEY, Thomas, Art & Otherness: Crisis in Cultural Identity,


Documentext, McPherson & Company, New York, 1992, p. 17-25.

- SCHAEFFER, Jean.Marie, L’Art de l’Age Moderne: L’Esthétique et la


Philosophie de l’Art du XVIII Siècle à Nos Jours, Éditions Gallimard,
Paris,1992, p. 27-84.
Criticismo:

- Trabalho crítico dirigido sobre o próprio homem e as suas faculdades,


avaliando os seus limites, e tendo como objectivo maior assegurar-lhe uma
verdadeira liberdade e autonomia racional que o emancipem de todas as
formas de submissão.

- Kant é o filósofo da liberdade: uma liberdade que não se esquiva a pensar a


questão essencial das sociedades modernas: como conciliar a liberdade
individual e uma vivência colectiva do mundo?
Projecto: Compreender o Homem

- Crítica da Razão Pura.


procura definir quais os limites e fundamentos do conhecimento humano;

- Crítica da Razão Prática.


procura compreender o homem como sujeito da acção, procurando
assegurar ao mesmo tempo a liberdade do homem, e o respeito por
princípios morais de cariz universal;

- Crítica da Faculdade do Juízo.


através de uma investigação no âmbito da estética, procura fundar a
possibilidade de judicação —isto é, da formulação de juízos— com carácter
universal.
A estética kantiana: Do Criticismo à descoberta da subjectividade moderna

O Criticismo irá mostrar que o conhecimento —isto é, formação de


representações verdadeiras do real— é fruto de um processo que
comporta

a) uma dimensão sensível —os dados da experiência, que fornecem a


posterior a matéria do conhecimento,e

b) uma dimensão racional —os quadros fornecidos pelos conceitos a priori


do sujeito, que estruturam formalmente o conhecimento.
A Revolução Coperniciana a)

- revolução ao nível do conhecimento : implica uma revalorização do papel do


sujeito:

o conhecimento é determinado pelas estruturas a priori do sujeito, e é em função


delas que o sujeito estrutura gnosiologicamente os dados da experiência
empírica.

O nosso conhecimento do mundo não depende apenas dos dados dos sentidos; é
função da relação que se estabelece entre esses dados e as nossas categorias
e conceitos:

A imagem que temos do mundo é, então, não um conhecimento do mundo


em si mesmo,
mas uma representação desse mundo.
A Revolução Coperniciana b)

No processo de conhecimento existem dois elementos imprescindíveis:

- a Forma —que é dada a priori pelo sujeito(é interior ao sujeito, prévia a


qualquer experiência)—

- e a Matéria —que é fornecida a posteriori pela experiência empírica—.

Não é o sujeito que se deve adaptar aos objectos, são os objectos que se
devem adequar às categorias do sujeito.
A Revolução Coperniciana c)

o sujeito não conhece realmente a realidade, mas sim o Fenómeno.

Fenómeno é o termo que Kant usa para designar o resultado da relação


gnosiológica do sujeito com o real: nunca conhecemos o real em si mesmo
—o Númeno—, conhecemos apenas a representação desse real —o
Fenómeno—.

o conhecimento que o sujeito tem do mundo é, assim, um conhecimento


limitado.
O Juízo de gosto como um juízo reflexivo: a)

-O juízo de gosto está ao nível de uma relação com o real que é de ordem
estética:

- ele não diz nada acerca do objecto, não proporciona nenhum conhecimento;

- diz, sim, alguma coisa relativa ao sujeito: traduz um juízo reflexivo do sujeito
quanto ao modo como é afectado pela experiência.
O Juízo de gosto como um juízo reflexivo: b)

- O “eu gosto”não traduz uma afirmação relativa à realidade do objecto, mas


apenas ao modo como o sujeito é afectado por ele:

«Para distinguir se algo é belo ou não, referimos a representação, não


pelo entendimento ao objecto com vista ao conhecimento, mas pela
faculdade da imaginação (...) ao sujeito e ao seu sentimento de prazer
ou desprazer. O juízo de gosto não é, pois, nenhum juízo de
conhecimento, por conseguinte não é lógico e sim estético, pelo qual
se entende aquilo cujo fundamento de determinação não pode ser
senão subjectivo.», ( 1, p. 90)
O problema do relativismo de cariz subjectivista: a)

- se todos os juízos se igualam, se todos são igualmente legítimos,

- afirmar que todos os juízos são igualmente válidos e legítimos equivale a afirmar
que nenhum é válido, porque nenhum tem um verdadeiro fundamento.

- Como fundamentar o juízo de gosto?


O “sensus communis”: a exigência de partilhabilidade do juízo de gosto:

- A universalidade como comunidade de valores:

« Por sensus communis (...) tem de se entender a ideia de um sentido


comunitário, isto é, de uma faculdade de julgamento que, na sua reflexão,
considera em pensamento (a priori) o modo de representação de todo o
outro, como que para ater o seu juízo à inteira razão humana e assim escapar
à ilusão que — a partir de condições privadas subjectivas, as quais
facilmente poderiam ser tomadas por objectivas — teriam influência
prejudicial sobre o juízo.», ( 40, p. 196.)
O Sensus Communis como um “horizonte de expectativa”:

« Visto que um juízo estético não é nenhum juízo objectivo e de


conhecimento, esta necessidade não pode ser deduzida de conceitos
determinados e não é pois apodítica. Muito menos pode ela ser
inferida da universalidade da experiência (de uma unanimidade
universal dos juízos sobre a beleza de um certo objecto).», ( 18, p. 128)

- O Sensus Communis não deve ser entendido como a existência concreta de


uma partilha de juízos, mas como a existência de um horizonte de
referência supra-subjectivo;

- É este horizonte que permite fundar os juízos particulares na possibilidade de


que tais juízos sejam susceptíveis de uma partilhabilidade universal.
A universalidade do belo:

- O sentimento do belo é, para Kant, simultaneamente subjectivo e dotado de


pretensões universais:

- ele é subjectivo porque parte de uma experiência que é individual e


subjectiva,
- mas pode ultrapassar esse subjectivismo porque tem o universal como
horizonte de referência.
O belo como relação desinteressada a)

O gosto é entendido por Kant como a faculdade de julgar o prazer ou o


desprazer desinteressado proporcionado por determinado objecto.

« Gosto é a faculdade de julgamento de um objecto ou de um modo de


representação mediante um comprazimento ou descomprazimento
(independentemente de todo o interesse). O objecto de um tal
comprazimento chama-se belo.», ( 5, p. 98)
O belo como relação desinteressada b)

« O belo é o que é representado sem conceitos como objecto de um


comprazimento universal:

(...) Consequentemente, tem que se atribuir ao juízo de gosto, com a


consciência da separação nele de todo o interesse, uma reivindicação de
validade para qualquer um (...).», ( 6, p. 99)
O belo como relação desinteressada c)

« O comprazimento que determina o juízo de gosto é independente de


todo o interesse.
Chama-se interesse ao comprazimento que ligamos à representação da
existência de um objecto. (...) Agora, se a questão é saber se algo é
belo, então não se quer saber se a nós ou a qualquer um importa ou
sequer possa importar algo da existência da coisa, mas sim como a
ajuizamos na simples contemplação (...)», (2, p. 91)
O belo como relação desinteressada d)

- A validade do juízo de gosto exige que o belo e a experiência estética sejam


desinteressados, isto é, válidos “em si mesmos”.
- O sentimento de desinteresse é dado pela ausência de fins imediatos.

- A experiência estética é entendida como sendo uma relação de “finalidade sem


fim”, uma finalidade em si mesma, não está subordinada a finalidades
exteriores.
A superioridade do belo natural

- A exigência de desinteresse implica o privilégio do belo natural em detrimento do


belo artístico.

- A natureza proporciona o modelo ideal do belo, pois a sua contemplação é


desinteressada e as suas propriedades não são determinadas ou antecipadas pelo
sujeito:

- « Uma beleza da natureza é uma coisa bela; a beleza da arte é uma


representação bela de uma coisa.», ( 48, p. 216)
Conceito de Sublime a)

- O sentimento do belo assenta sobre uma relação harmoniosa das


faculdades do sujeito,

- O sentimento do sublime diz respeito a uma experiência que perturba e


desregula a harmonia do sujeito.
Conceito de Sublime b)

«O belo da natureza concerne à forma do objecto, que consiste na


limitação, o sublime, contrariamente, pode também ser encontrado
num objecto sem forma, na medida em que seja representada nele
uma ilimitação ou por ocasião desta e pensada além disso na sua
totalidade. (...) o ânimo não é simplesmente atraído pelo objecto, mas
alternadamente também sempre repelido de novo por ele, o
comprazimento sublime contém não tanto prazer positivo, mas muito
mais admiração ou respeito, isto é, merece ser chamado de prazer
negativo. »
( 23., p. 137-138)
Conceito de Sublime c)

- O sublime como experiência do excesso;


como experiência daquilo que não é representável:

«Se porém, denominamos algo não somente grande, mas simplesmente,


absolutamente e em todos os sentidos (acima de toda a comparação) grande,
isto é, sublime, então compreende-se imediatamente que não permitimos
procurar para isso mesmo nenhum padrão de medida que lhe seja adequado
fora dele, mas simplesmente a si mesma. Daí se segue portanto que o sublime
não deve ser procurado nas coisas da natureza, mas unicamente nas nossas
ideias. (...) Por conseguinte, o que deve denominar-se sublime não é o
objecto, mas sim a disposição de espírito através de uma certa representação
que ocupa a faculdade de juízo reflexiva. »
( 27, p. 144)
Conceito de Sublime d)

O Sublime como construção cultural:

«Na verdade, aquilo que nós, preparados pela cultura, chamamos sublime,
sem desenvolvimento de ideias morais, apresentar-se-á ao homem inculto
simplesmente de um modo terrificante. Ele verá, nas demonstrações de
violência da natureza em sua destruição e na grande medida do poder
desta, contra o qual o seu é anulado, puro sofrimento, perigo e privação
(...). »
(  29, p. 162)
Conceito de Sublime d)

O Sublime como consciência da radical inadequação entre o objecto da experiência e


as categorias do sujeito

« Rochedos audazes e proeminentes, por assim dizer ameaçadores, nuvens de trovões


acumulando-se no céu, avançando com relâmpagos e estampidos, vulcões na sua
inteira força destruidora, furacões deixando para trás devastação, o ilimitado oceano
revolto, uma alta queda de água de um rio poderoso, etc., tornam a nossa
capacidade de resistência de uma pequenez insignificante em comparação com o
seu poder. Mas o seu espectáculo só se torna tanto mais atraente, quanto mais
terrível ele é, contanto que, somente, nos encontremos em segurança; e de bom
grado denominamos estes objectos de sublimes, porque eles elevam as forças da
alma sobre a sua medida média e permitem descobrir em nós uma faculdade de
resistência de espécie totalmente diversa, a qual encoraja a medir-nos com a
aparente omnipotência da natureza.»
(  28, p. 158)
Vincent van Gogh, Auto-retrato, 1889,
óleo sobre tela, 57×44cm
O Artista como Génio a)

«Génio é o talento (dom natural) que dá a regra à arte. Já que o próprio talento
enquanto faculdade produtiva inata do artista pertence à natureza, também
se poderia expressar assim: Génio é a inata disposição do ânimo
(ingenium), pela qual a natureza dá a regra à arte. (...) belas-artes
necessariamente têm que ser consideradas como artes do génio.»,

( 46, p. 211)

- O génio é aquele que recebe directamente da natureza as regras do seu


comportamento;

- É um mediador privilegiado entre a natureza e a arte.


O “talento” (unidade de medida mesopotâmica: 58,9 kg)

«Pois é assim como um homem que, partindo para outro país, chamou os seus
servos e lhes entregou os seus bens: a um deu cinco talentos, a outro dois e a
outro um, a cada qual segundo a sua capacidade; e seguiu viagem. O que
recebera cinco talentos, foi imediatamente negociar com eles e ganhou outros
cinco; do mesmo modo o que recebera dois, ganhou outros dois. Mas o que
tinha recebido um só, foi-se e fez uma cova no chão e escondeu o dinheiro do
seu senhor. Depois de muito tempo voltou o senhor daqueles servos e ajustou
contas com eles. Chegando o que recebera cinco talentos, apresentou-lhe
outros cinco, dizendo: Senhor, entregaste-me cinco talentos; aqui estão outros
cinco que ganhei. Disse-lhe o seu senhor: Muito bem, servo bom e fiel, já que
foste fiel no pouco, confiar-te-ei o muito; entra no gozo do teu senhor. Chegou
também o que recebera dois talentos, e disse: Senhor, entregaste-me dois
talentos; aqui estão outros dois que ganhei. Disse-lhe o seu senhor: Muito
bem, servo bom e fiel, já que foste fiel no pouco, confiar-te-ei o muito, entra no
gozo do teu senhor.
O “talento”

Chegou por fim o que havia recebido um só talento, dizendo: Senhor, eu soube
que és um homem severo, ceifas onde não semeaste e recolhes onde não
joeiraste; e, atemorizado, fui esconder o teu talento na terra; aqui tens o
que é teu. Porém o seu senhor respondeu: Servo mau e preguiçoso, sabias
que ceifo onde não semeei e que recolho onde não joeirei? Devias, então,
ter entregado o meu dinheiro aos banqueiros e, vindo eu, teria recebido o
que é meu com juros. Tirai-lhe, pois, o talento e dai-o ao que tem os dez
talentos; porque a todo o que tem, dar-se-lhe-á, e terá em abundância; mas
ao que não tem, até o que tem, ser-lhe-á tirado. Ao servo inútil, porém,
lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá o choro e o ranger de dentes.»

(Mateus, 14-30)
O Artista como Génio b)

- a) É um talento dotado de originalidade;

- b) É dotado de um carácter exemplar —não copia, mas o seu trabalho


serve de modelo aos outros artistas;

- c) A sua acção não é totalmente consciente;

- d) O génio é um instrumento de expressão da própria natureza que através


dele prescreve à arte as suas regras.

- O génio é inato, não pode ser adquirido através de aprendizagem


O Artista como Génio c)

«De acordo com estes pressupostos, o génio é a originalidade exemplar do dom


natural de um sujeito no uso livre das suas faculdades de conhecimento. Deste
modo, o produto de um génio (de acordo com o que nele é atribuível ao génio e
não ao possível aprendizado ou à escola) é um exemplo não para a imitação
(pois neste caso o que aí é génio e constitui o espírito da obra perder-se-ia), mas
para sucessão por outro génio, que por este meio é despertado para o
sentimento da sua própria originalidade, exercitando na arte uma tal liberdade
em relação à coerção de regras, que a própria arte obtém por este meio uma
nova regra, pela qual o talento se mostra como exemplar. Mas visto que o génio
é um favorito da natureza, que somente se pode considerar como aparição rara,
assim o seu exemplo produz para outras boas cabeças uma escola, isto é, um
ensinamento metódico segundo regras, na medida em que se tenha podido
extraí-lo daqueles produtos do espírito e da sua peculiaridade; e nesta medida a
arte bela é para estes uma imitação para a qual a natureza deu, através de um
génio, a regra.»,

( 49, p. 224)

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