Rosa Do Povo, Carlos Drummond de Andrade

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Obras literárias – vestibular

UFU 2021-2

Professora Graciana Oliveira


CONTEXTO
HISTÓRICO
• 1929CRASH NA BOLSA DE VALORES
DE NOVA YORK E A CRISE CAFEEIRA
• 1930 - 1945 ERA VARGAS
• 1939 - 1945 SEGUNDA GUERRA
MUNDIAL
• GUERRA FRIA DE !945 A 1991
Carlos Drummond de Andrade
NASCEU EM ITABIRA DE MATO DENTRO, INTERIOR DE
MINAS GERAIS, NO DIA 31 DE OUTUBRO DE 1902. FILHO DOS
PROPRIETÁRIOS RURAIS, CARLOS DE PAULA ANDRADE E
JULIETA AUGUSTA DRUMMOND DE ANDRADE.

EM 1924, ENVIOU CARTA A MANUEL BANDEIRA,


MANIFESTANDO-LHE ADMIRAÇÃO. NO MESMO ANO,
CONHECEU BLAISE CENDRARS, OSWALD DE ANDRADE,
TARSILA DO AMARAL E MÁRIO DE ANDRADE, QUE
VISITAVAM BELO HORIZONTE. SUA CORRESPONDÊNCIA
COM MÁRIO DE ANDRADE, INICIADA LOGO DEPOIS,
DURARIA ATÉ O FIM DA VIDA DO ESCRITOR PAULISTA.

NO DIA 5 DE AGOSTO DE 1987, DEPOIS DE DOIS MESES DE “E como ficou chato ser moderno
INTERNAÇÃO, MORREU SUA FILHA MARIA JULIETA, VÍTIMA Agora serei eterno!”
DE CÂNCER. O ESTADO DE SAÚDE DO POETA PIOROU, E Fazendeiro do Ar
DRUMMOND MORREU MENOS DE DUAS SEMANAS DEPOIS,
EM 17 DE AGOSTO, DE PROBLEMAS CARDÍACOS.
MODERNISMO SEGUNDA FASE
(1930 – 1945)
Também chamada de “Fase de Consolidação”, os poetas dessa fase
deram continuidade às conquistas dos primeiros modernistas e
criaram possibilidades temáticas, perpetuando a nova concep ção de
Literatura defendida por seus antecessores e levando adiante o
projeto de liberdade de expressão que possibilitou at é mesmo a
retomada do espiritualismo dos simbolistas, as formas clássicas do
Parnasianismo e as líricas portuguesas e brasileiras.

É possível identificar três tendências básicas na Poesia de 30:


a) poesia de tensão ideológica: denúncia de problemas sociais;
b) poesia de preocupação religiosa e filosófica
c) poesia de dimensão surrealista.

Poetas: Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Cec ília Meireles, Jorge de Lima,
Murilo Mendes...
MODERNISMO DRUMMONDIANO
Referente às obras de Carlos Drummond, os autores Carlos Faraco e
Francisco Moura sintetizam-nas da seguinte forma:
1. Desajustamento do indivíduo: o poeta se vê marginalizado,
desajustado;
2. Monotonia da vida: aborda o cotidiano como algo sem dinamismo,
retrata sua terra natal;
3. Nostalgia do passado: evoca sua cidade natal e sua inf ância perdida;
4. Obstáculos da vida: desafios da existência, vicissitudes da sorte;
5. Preocupação sociopolítica: aborda as grandes tragédias mundiais;
6. Angústia: presença constante da morte;
7. A própria poesia: reflexões sobre a função da poesia;
8. Falta de perspectiva: transformação do ser humano em objeto, pe ça
descartável da engrenagem social.
 
Características, como o pessimismo, a ironia, o humor, o saudosismo e
a coloquialismo, estão presentes em todas as suas obras.
 
SOBRE A OBRA
Uma poesia marcada pelo momento histórico." É assim que o crítico
Antônio Houaiss qualifica a poesia de Carlos Drummond de Andrade
reunida em A Rosa do Povo, livro escrito durante a Segunda Guerra
Mundial, publicado em 1945.
A obra propõe o mesmo debate inesgotável sobre a situa ção do
artista no mundo e sua posição em face dos problemas políticos e
sociais do seu tempo. Drummond tomou posição e manteve-se fiel a
seu ideário, embora reconhecendo a falácia de ilusões que se
misturavam a perenes interesses de justiça, liberdade e paz. Ao lado
disso, o livro é de intenso lirismo existencial.
São 55 poemas que podem ser rearranjados, como metalingu ísticos,
sociais, existencialistas e há aqueles que abordam rela ções
familiares, amorosas e de amizade.
GÊNERO LÍRICO

Gênero lírico: tem como característica a alogicidade e


antidiscursividade.

Alogicidade é a quebra de lógica racional e exterior em nome de


uma lógica interna do texto, de forma a acentuar o que o eu l írico
quer transmitir.

A antidiscursividade é a quebra do discurso linear, valorizando a


ordem inversa e a livre associação de deias. A língua é
naturalmente discursiva e sequencial. O gênero lírico permite a
quebra dessa sequencialidade e a livre associação de ideias,
permitindo a associação das ideias mais diferentes possíveis.

Predominância das funções poética, emotiva e metalinguística.


Poemas

Metalinguísticos: Consideração do Poema, Procura da Poesia

Esses dois poemas tematizam a própria poesia, sua função e os


recursos usados para sua produção.
 
Consideração do poema

“Não rimarei a palavra sono ∕ com a incorrespondente palavra


outono. ∕ Rimarei com a palavra carne ∕ ou qualquer outra, que todas
me convém.”
 
As preocupações do eu lírico não o permite escrever poesia para o
deleite ou entretenimento. A poesia tem função social.

 
Não rimarei a palavra sono Carne: coisas
com a incorrespondente palavra outono. reais, palpáveis
Rimarei com a palavra carne
ou qualquer outra, que todas me convém. As palavras
As palavras não nascem amarradas, possuem
elas saltam, se beijam, se dissolvem, independência e
no céu livre por vezes um desenho, são flexíveis
são puras, largas, autênticas, indevassáveis.

Uma pedra no meio do caminho Intertextualidade


ou apenas um rastro, não importa. com o próprio
Estes poetas são meus. De todo o orgulho, poema
de toda a precisão se incorporaram
ao fatal meu lado esquerdo. Furto a Vinicius Vinicius de Moraes: lírico
Murilo Mendes: surrealista
sua mais límpida elegia. Bebo em Murilo. Neruda: engajado
Que Neruda me dê sua gravata Apollinaire: caligramas
chamejante. Me perco em Apollinaire. Adeus, Maiakovski.
São todos meus irmãos, não são jornais
nem deslizar de lancha entre camélias: Maiakovski: cubofuturismo,
é toda a minha vida que joguei. militante
[...]

Como fugir ao mínimo objeto


ou recusar-se ao grande? Os temas
passam,
eu sei que passarão, mas tu resistes,
e cresces como fogo, como casa,
como orvalho entre dedos,
na grama, que repousam.

Já agora te sigo a toda parte, É o povo que


e te desejo e te perco, estou completo, permeia a
obra
me destino, me faço tão sublime,
É o elemento mais
tão natural e cheio de segredos,
importante
tão firme, tão fiel... Tal uma lâmina,
o povo, meu poema, te atravessa.
A ideia da seriedade da poesia é reforçada em Procura da Poesia:
 
“Não faças versos sobre acontecimentos. ∕ Não há criação nem morte perante a
poesia. ∕
Diante dela, a vida é um sol estático, ∕ não aquece nem ilumina. ∕ As afinidades,
os aniversários, os incidentes pessoais não [contam. ∕ Não faças poesia com o
corpo, ∕ esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efus ão
lírica.”
 
Neste poema, o eu lírico pretende deixar claro que as palavras n ão s ão
neutras, não são inimigas, apenas dormem (“em estado de dicionário”). Ao
poeta, cabe o trabalho de esculpir, manejar as palavras que lhe interessam.
 
“Penetra surdamente no reino das palavras. ∕ Lá estão os poemas que esperam
ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero, ∕ há calma e frescura na superf ície
intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário. ∕ Convive com teus poemas, antes
de escrevê-los.”
 
O eu lírico também deixa claro que antes de se voltar para o mundo, é
necessário se voltar para a própria complexidade do fazer poético.

“Chega mais perto e contempla as palavras. ∕ Cada uma ∕ tem mil faces
secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta, ∕ pobre ou terr ível, que lhe
deres: ∕ Trouxeste a chave?”

Não basta sentir, é necessário saber lidar com as palavras.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro ∕ s ão indiferentes.


Nem me reveles teus sentimentos, ∕ que se prevalecem do equívoco e
tentam a longa viagem.] ∕ O que pensas e sentes, isso ainda n ão é poesia.
O Elefante
A poesia
Vai o meu elefante
Eis meu pobre elefante pela rua povoada,
pronto para sair mas não o querem ver
à procura de amigos nem mesmo para rir
num mundo enfastiado da cauda que ameaça
que já não crê nos bicho deixá-lo ir sozinho.
e duvida das coisas.
Ei-lo, massa imponente
e frágil, que se abana
A cola se dissolve
e move lentamente
e todo seu conteúdo
a pele costurada
de perdão, de carícia,
onde há flores de pano
de pluma, de algodão,
e nuvens, alusões
jorra sobre o tapete,
a um mundo mais poético
qual mito desmontado.
onde o amor reagrupa
Amanhã recomeço.
as formas naturais.
II. Sociais: A Flor e a Náusea, Nosso tempo e Morte do leiteiro

São poemas nos quais o autor revela sua vertente engajada. Estão a
serviço da denúncia social e da transformação da sociedade. Percebe-se
nesses textos a consciência do poeta que se coloca no papel de revelar
as injustiças sociais.
Tem-se a influência do Existencialismo no qual a realidade é vista como
caótica e cabe aos homens ordená-la conforme suas escolhas.

É importante lembrar que os poemas de A Rosa do povo foram escritos


nos últimos anos da Segunda Guerra.
Em A Flor e a Náusea, percebe-se o inconformismo e perplexidade diante
dos acontecimentos.  

“Preso à minha classe e a algumas roupas, ∕ vou de branco pela rua


cinzenta. ∕ Melancolias, mercadorias espreitam-me. ∕ Devo seguir até o
enjoo? ∕ Posso, sem armas, revoltar-me?”
 
A impotência, indignação diante das barbáries aflige o eu lírico. A dor e
tristeza domina tudo.
 
“Olhos sujos no relógio da torre: ∕ Não, o tempo não chegou de completa
justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera. ∕ O tempo
pobre, o poeta pobre fundem-se no mesmo impasse.”
 
“Em vão me tento explicar, os muros são surdos. ∕ Sob a pele das palavras
há cifras e códigos.∕ O sol consola os doentes e não os renova. ∕ As coisas.
Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.” 
Para Drummond os escritores e jornalistas devem ser conscientes de seu
papel de escrever sobre a realidade e, principalmente, devem se
responsabilizar pelas mentiras que veiculam em seus textos.

 
“Crimes da terra, como perdoá-los? ∕ Tomei parte em muitos, outros
escondi.
Alguns achei belos, foram publicados. ∕ Crimes suaves, que ajudam a
viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa. ∕ Os ferozes padeiros do mal. ∕
Os ferozes leiteiros do mal.”
 
No entanto, mesmo diante de tanta miséria moral e tantas
atrocidades, ainda há esperança. Esta é mínima, mas existe e é o
começo de uma mudança.
 
“Uma flor nasceu na rua! ∕ Passem de longe, bondes, ônibus, rio de
aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada ∕ ilude a pol ícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios, ∕ garanto que uma
flor nasceu.”
“Sua cor não se percebe. ∕ Suas pétalas não se abrem. ∕ Seu nome
não está nos livros. ∕ É feia. Mas é realmente uma flor.”
 
“É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.”
“Nosso tempo” revela um pessimismo e um universo fragmentado,
dominado pela mentira e por interesses escusos. Nada resta ao eu l írico
além de tentar revelar tais problemas.

“Este é tempo de partido, ∕ tempo de homens partidos.”


“Mas eu não sou as coisas e me revolto. ∕ Tenho palavras em mim
buscando canal,”

“O poeta ∕ declina de toda responsabilidade ∕ na marcha do mundo


capitalista e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas ∕
promete ajudar destruí-lo ∕ como uma pedreira, uma floresta, ∕ um verme.”

O eu lírico menciona a presença de símbolos obscuros. Lembrando que o


Nazismo fazia uso da suástica, o Fascismo usava o fasces e o movimento
Integralista, no Brasil, fazia uso do sigma.

“Símbolos obscuros se multiplicam. ∕ Guerra, verdade, flores? ∕ Dos


laboratórios platônicos mobilizados vem um sopro que cresta as faces ∕
dissipa, na praia, as palavras.”
Símbolo nazista: a suástica

Símbolo fascista: o feixe significava a união e


a obediência; a machadinha, a repressão

Símbolo Integralista: sigma


Guernica, 1937 – Pablo Picasso
O esforço
A GUERRA gigantesco
realizado pelos
“Stalingrado...
soviéticos e o
Depois de Madri e de Londres, ainda há grandes cidades.
esgotamento da
O mundo não acabou, pois que entre as ruínas
força dos
outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora,
exércitos
e o hálito selvagem da liberdade
alemães
dilata os seus peitos, Stalingrado,
resultaram em
seus peitos que estalam e caem
uma vitória
enquanto outros, vingadores, se elevam.”
soviética
fundamental para
“Saber que resistes.
o destino do
Que enquanto dormimos, comemos e trabalhamos, resistes.”
conflito.
“As cidades podem vencer, Stalingrado!
[...]
Em teu chão calcinado onde apodrecem cadáveres,
a grande Cidade de amanhã erguerá a sua Ordem.”

(CARTA A STALINGRADO)
“Esperei (tanta espera), mas agora,
nem cansaço nem dor. Estou tranquilo.
Um dia chegarei, ponta de lança,
com o russo em Berlim.

O tempo que esperei não foi em vão.


Na rua, no telhado. Espera em casa. “Só palavras a dar, só pensamentos
No curral; na oficina: um dia entrar ou nem isso: calados num café,
com o russo em Berlim.” graves, lendo o jornal. Oh, tão melhor
com o russo em Berlim”

O slogan político "Trabalhadores do


mundo, uni-vos!", um dos mais “Essa cidade oculta em mil cidades,
famosos gritos de protesto do trabalhadores do mundo, reuni-vos
socialismo, vem do Manifesto para esmagá-la, vós que penetrais
Comunista de Karl Marx e Friedrich com o russo em Berlim”
Engels. 

(Com o russo em Berlim)


“Meus olhos são pequenos para ver O eu lírico não
a gente do Pará e de Quebec consegue compreender
sem noticia dos seus e perguntando a guerra e aceitar os
ao sonho, aos passarinhos, às ciganas. seus efeitos

Meus olhos são pequenos para ver


o mundo que se esvai em sujo e sangue,
outro mundo que brota, qual nelumbo
— mas veem, pasmam, baixam deslumbrados.”

(Visão 1944)
“Morte do leiteiro” evoca a morte (tema constante na obra) trágica e banal.
Tem-se a presença da ironia.
 
“Então o moço que é leiteiro ∕ de madrugada com sua lata ∕ sai correndo e
distribuindo leite bom para gente ruim.”
 
“O revólver da gaveta ∕ saltou para sua mão. ∕ Ladr ão? se pega com tiro.
Os tiros na madrugada ∕ liquidaram meu leiteiro. ∕ Se era noivo, se era
virgem, se era alegre, se era bom, ∕ não sei, ∕ é tarde para saber.”
 
“Está salva a propriedade. ∕ A noite geral prossegue, ∕ a manh ã custa a
chegar, mas o leiteiro ∕ estatelado, ao relento, ∕ perdeu a pressa que tinha.”
 
“Da garrafa estilhaçada, ∕ no ladrilho já sereno ∕ escorre uma coisa espessa
que é leite, sangue... não sei. ∕ Por entre objetos confusos, ∕ mal redimidos da
noite, duas cores se procuram, ∕ suavemente se tocam, ∕ amorosamente se
enlaçam, formando um terceiro tom ∕ a que chamamos aurora.”
“Quando surgiu a que cedo desponta, Aurora de róseos
dedos” – Odisseia, de Homero
IV. Abordam relações familiares, amorosas e de amizade: Campo, Chin ês
e Sono, Mário de Andrade Desce aos Infernos e Canto ao Homem do
Povo Charlie Chaplin, Caso do Vestido e O Mito

“Campo, Chinês e Sono” faz uma menção ao poeta João Cabral de Melo
Neto, retomando obra “Pedra do sono” da fase surrealista do poeta-
engenheiro.

“Mário de Andrade Desce aos Infernos”, é uma homenagem ao poeta e


amigo Mario de Andrade. Faz intertextualidade com a obra “Divina
Comedia”, de Dante Alighieri. Em que Dante desce ao Inferno guiado
pelo poeta latino Virgílio.
“Canto ao Homem do Povo Charlie Chaplin” fala sobre o ator Charles
Spencer Chaplin, um cineasta e ator inglês. Um dos personagens mais
famosos criado por ele foi Carlitos, um homem pobre, mas com maneiras de
gente chique, que usava um fraque velho e sapatos furados. No papel de
Carlitos, Chaplin fez filmes que misturavam comédia, ironia e preocupa ções
sociais.

“A noite banha tua roupa. ∕ Mal a disfarças no colete mosqueado, no


gelado peitilho de baile,] .∕ de um impossível baile sem orquídeas.”

No filme O Grande Ditador, de 15 de outubro de 1940, que


Charles Chaplin faz uma crítica ao nazifascismo. No poema, os filmes “O
garoto”, “Tempos modernos”
entre outros são
mencionados de forma
indireta.
A temática amorosa está nos poemas O Mito e o Caso do vestido. É
importante lembrar que o amor, para Drummond, é algo prazeroso, mas
também causa amarguras e sofrimento.

O Mito

“Sequer conheço Fulana ,∕ vejo Fulana tão curto,


Fulana jamais me vê, ∕ mas como eu amo Fulana.

Amarei mesmo Fulana? ,∕ ou ê ilusão de sexo?


Talvez a linha do busto ,∕da perna, talvez do ombro.”

Caso do vestido

“Mas a dona nem ligou. ∕Então vosso pai, irado,


me pediu que lhe pedisse, ∕ a essa dona tão perversa,
que tivesse paciência ∕e fosse dormir com ele...
Nossa mãe, por que chorais? ∕Nosso lenço vos cedemos.
Minhas filhas, vosso pai ∕ chega ao pátio. Disfarcemos.”
Áporo
Inseto/flor
Um/ in/se/to/ ca/va
Ca/va/ sem/ a/lar/me
perfurando a terra
sem achar escape.

Que fazer, exausto,


em país bloqueado, Ditadura, sem
Oligarquia,
enlace de noite liberdade de expressão
estrutura rígida
raiz e minério? e ação, bloqueios

Eis que o labirinto


(oh razão, mistério)
presto se desata:
Contrariando todas as Flor:
expectativas, o inseto se esperança
em verde, sozinha,
transforma, volta à superfície
antieuclidiana,
em forma de flor
uma orquídea forma-se
ROSA (FLOR, ORQUÍDEA, LÍRIO ETC)
o A flor e a náusea: “Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.”
“É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o
ódio.”

o Áporo: “Eis que o labirinto


(oh razão, mistério)
presto se desata:

em verde, sozinha,
antieuclidiana,
uma orquídea forma”
o Anúncio da Rosa: anúncio de paz/esperança
“Imenso trabalho nos custa a flor.
Por menos de oito contos vendê-la? Nunca.
Primavera não há mais doce, rosa tão meiga
onde abrirá? Não, cavalheiros, sede permeáveis”
“e não há oito contos. Já não vejo amadores de rosa.
Ó fim do parnasiano, começo da era difícil, a burguesia apodrece.
Aproveitem. A última
rosa desfolha-se.”

o Resíduo: “De tudo ficou um pouco.


Do meu medo. Do teu asco.
Dos gritos gagos. Da rosa
ficou um pouco.”

o Nosso tempo: “Os lírios não nascem


da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se
na pedra.”
Figura de linguagem

Mas de tudo, terrível, fica um pouco,


e sob as ondas ritmadas
e sob as nuvens e os ventos
Anáfora/ e sob as pontes e sob os túneis
Paralelismo e sob as labaredas e sob o sarcasmo
e sob a gosma e sob o vômito
e sob o soluço, o cárcere, o esquecido
e sob os espetáculos e sob a morte de escarlate
e sob as bibliotecas, os asilos, as igrejas
triunfantes
e sob tu mesmo e sob teus pés já duros
e sob os gonzos da família e da classe,
fica sempre um pouco de tudo.
Às vezes um botão. Às vezes um rato.
(Resíduo) Repetição/
Reiteração
Da garrafa estilhaçada,
no ladrilho já sereno
escorre uma coisa espessa
que é leite, sangue... não sei.
Por entre objetos confusos,
mal redimidos da noite,
duas cores se procuram,
suavemente se tocam,
Gradação amorosamente se enlaçam,
formando um terceiro tom
a que chamamos aurora.

(A morte do leiteiro)
PARA FINALIZAR...
“Já não há mãos dadas no mundo.
Elas agora viajarão sozinhas.
Sem o fogo dos velhos contatos,
que ardia por dentro e dava coragem

Desfeito o abraço que me permitia,


homem da roça, percorrer a estepe, “Mas viveremos. A dor foi esquecida
sentir o negro, dormir a teu lado, nos combates de rua, entre
irmãos chinês, mexicano ou báltico.” destroços.
Toda melancolia dissipou-se
em sol, em sangue, em vozes de
protesto.”

“Ele caminhará nas avenidas,


entrará nas casas, abolirá os mortos.
Ele viaja sempre, esse navio,
essa rosa, esse canto, essa palavra.”

(Mas viveremos)
Mãos dadas
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,


não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, do tempo presente, os homens
presentes,
a vida presente.
Sentimento do mundo (1940)

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