Frei Luis de Sousa

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FREI LUIS DE 11ºANO

SOUSA
CENA I do ATO I

■ Assunto: monólogo de D. Madalena, em que esta estabelece um paralelo/uma


comparação entre a sua vida (desditosa) e a relação amorosa infeliz e trágica de
Inês de Castro e D. Pedro.

■ Estrutura do monólogo:
■ 1.ª parte (do início da fala até “… pode-se morrer.”): D. Madalena abandona a leitura d’Os
Lusíadas e mostra-se enleada na ideia de felicidade que bebeu no texto.
■ 2.ª parte (de “Mas eu…” até ao final do monólogo): D. Madalena reflete sobre a sua
situação e revela o seu estado de espírito, marcado pela angústia, pelo medo e “contínuos
terrores”. O que marca a divisão entre os dois momentos da cena é a conjunção
coordenativa adversativa «mas», que possui o valor de oposição, contraste.
■ Estado de carência de D. Madalena:
  melancólica (“um livro aberto no regaço, e as mãos cruzadas sobre ele”; “repetindo maquinalmente e devagar”),
solitária (“só”), infeliz;
 sonhadora: anseia experimentar a felicidade, nem que seja por pouco tempo;
 sofredora e infeliz ao constatar a ausência de felicidade na sua vida, devido ao medo e aos constantes terrores que
a atormentam;
  insegura, preocupada e angustiada, sente-se destinada à morte;
  frágil, sensível e sentimental, bem ao gosto romântico;
  emocionalmente instável
 o seu nome evoca a figura bíblica da “pecadora” (prostituta) que depois foi Santa Maria Madalena. As duas figuras
– a imaginada e a real – ficam ligadas, sobrepostas, e o caminho ascensional da personagem bíblica, do pecado à
redenção, através da penitência, traça a linha a percorrer por D. Madalena: pecado → remorso → penitência →
ascese → redenção
 Além destes traços psicológicos, trata-se de uma mulher culta e letrada (está a ler, neste caso Os Lusíadas),
pertencente à aristocracia.

■ Causa do estado de espírito:


Os sentimentos e emoções evidenciados por D. Madalena ficam a dever-se (mesmo que só o confirmemos num
momento posterior da peça) ao receio de que o seu primeiro marido ainda esteja vivo e regresso, cobrindo-se e à família
de vergonha. A leitura do episódio de Inês de Castro insinua-lhe o drama de um segundo casamento, realizado sob a
ameaça velada de que D. João não tivesse morrido.
■ Relação entre D. Madalena e Inês de Castro:
Madalena e Inês são duas personagens para quem a felicidade não foi total, visto esta ter, em ambos os casos, sofrido a
intervenção do destino. A alegria e a felicidade de Inês de Castro foram breves, pois terminaram com a sua morte. A interrupção
da leitura feita por D. Madalena, precisamente nos dois versos que sugerem a efemeridade desse sentimento, remete para uma
relação de semelhança entre os dois casos:
 D. Madalena estabelece o confronto entre a situação de Inês, feliz “naquele ingano de alma ledo e cego / que a Fortuna não
deixa durar muito”, felicidade essa que, em seu entender, não se mede pela duração, mas pela intensidade: “Viveu-se, pode-
se morrer”, e a sua situação em busca da felicidade própria, pelos contínuos terrores, ou seja, pelos remorsos da consciência
moral, recalcada e abafada, mas sempre viva, atuante e martirizante;
 as imagens das duas figuras femininas de pecadores por amor-paixão, embora diferentes, sobrepõem-se e
ajustam-se admiravelmente;
 Inês de Castro é a heroína trágica no amor, na beleza, na desventura e na morte;
 D. Madalena é igualmente trágica no amor, na beleza, na desventura, no desfecho infeliz e trágico que a destrói:
ambas são perseguidas pelo destino, inexorável e cruel, que as irmanou na paixão impossível; ambas são infelizes
no meio da ventura, sendo que há uma diferença assinalável: Inês ainda teve um “ingano de alma”, isto é, um
momento fugaz de felicidade, ao passo que Madalena, mais consciente talvez, nem esse breve “ingano” pôde ter.
Porém, a reflexão posterior de D. Madalena permite deduzir um certo contraste: esta deseja a felicidade, ainda que
seja de curta duração, após o que morreria feliz; constata que a sua vida tem sido assolada pela desgraça, o que é
visível no recurso à conjunção coordenativa adversativa “mas” e à interjeição “Oh”.
Esta analogia entre a vida de Inês e de Madalena constitui um presságio trágico, se tivermos em conta que os amores
daquela e de D. Pedro terminaram tragicamente com a morte dela.
■ Traços românticos de D. Madalena:
a sobreposição dos sentimentos à razão;
o completo domínio da personagem pelas suas emoções;
o sentimento de culpa e de medo que a impedem de viver plenamente a sua felicidade;
o conflito interior que a sua fala deixa transparecer;
a angústia, o medo e os terrores que marcam o seu quotidiano;
a grande paixão por Manuel de Sousa;
a sensibilidade a cultura que demonstra;
o uso de uma linguagem adequada ao real, ao estado de espírito das personagens: o discurso de D. Madalena está
repleto de hesitações, repetições, frases curtas, suspensas, elípticas, exclamações e reticências, o que reflete com
precisão os estados de melancolia e introspeção da personagem, os quais são igualmente elementos românticos;
a leitura como refúgio.

■ Recursos expressivos:
Pontuação: revela o estado emocional de D. Madalena, refletindo as suas hesitações e angústias.
Enumeração, gradação crescente, realçada pela anteposição dos adjetivos “contínuos” e “imensa”,  interrupções,
pausas e repetições: contribuem para o adensar do estado de espírito da personagem, marcado pela melancolia,
angústia, medo, etc.
A construção anafórica: traduzem igualmente o estado de espírito da personagem.
A antítese: marca o contraste entre o estado de felicidade que seria de esperar que vivesse e os contínuos terrores que a
assolam.
Nomes abstratos: traduzem os sentimentos que marcam a personagem.
Caráter circular: dada a semelhança que existe entre o seu início, onde encontramos Madalena em meditação, o que remete
para uma total prostração da personagem, e o seu final, em que volta a descair em profunda meditação. Estes dois momentos
foram interrompidos pela reflexão, pela lamentação sobre a sua própria existência.

■ Elementos trágicos da cena:


Hybris: está presente indiretamente, já que o sofrimento (pathos) de D. Madalena advém da ousadia de ter casado segunda
vez sem ter encontrado o corpo do primeiro marido.
Pathos: é o causador do seu estado de melancolia e de medo, o qual faz adivinhar a presença de um destino firme e inflexível,
ao qual a personagem não se poderá furtar, constituindo assim indícios de uma situação que se irá verificar no futuro
Presságio: a leitura do episódio de Inês de Castro.
Agon de D. Madalena (de consciência): o monólogo-meditação mostra a profundidade da luta que lhe vai na consciência,
carregada de culpa, e aponta para a dupla personalidade de Madalena:
- personalidade aparente, feliz, ligada a Manuel de Sousa pelo amor-paixão;
- personalidade real ou oculta, infeliz ou “desgraçada”, ligada a D. João de Portugal, pela memória do passado, pelo
remorso do presente.
Esta consciência atormentada de D. Madalena, em que o remorso a não deixa repousar um só momento, remete para o
seu conflito com o primeiro esposo.
CENA II do ATO I

■ Funcionalidade da cena:
apresenta informações sobre:
 os antecedentes da ação
 as personagens, seus problemas e estado de espírito
 a situação em que se encontram
 a época em que decorre a ação

■ Assunto: apresentação das personagens principais, a qual resulta de um propósito de D.


Madalena: pedir a Telmo que não incuta no espírito de Maria as suas crenças e agouros
sobre uma desgraça iminente a cair sobre a sua família.
Datas Acontecimentos

Antes de 1578 Casamento de D. Madalena com D. João de


Portugal.

Batalha de Alcácer Quibir. ■ Antecedentes da peça:


4 de agosto de Desaparecimento de D. Sebastião e de D. João
1578 de Portugal.
Suposta viuvez de D. Madalena.

1578-1585 Diligências de D. Madalena para encontrar D.


João, mas sem sucesso.
1585 Casamento de D. Madalena e Manuel de Sousa
Coutinho.
1586
Nascimento de Maria.
1589
Ano em que decorre a ação da peça.
■ Caracterização das personagens:
▪ D. Madalena:
 Nobre: a designação dona só se dava na época às senhoras da aristocracia;
 Receosa e hesitante no que quer dizer a Telmo;
 Critica o ascendente do aio sobre si e, sobretudo, Maria, pedindo-lhe que não insista nesse ascendente;
 Casou muito jovem com D. João de Portugal;
 Enviuvou com 17 anos;
 Procurou exaustivamente D. João, desaparecido na batalha de Alcácer Quibir, durante 7 anos;
 Terá 38 anos: a batalha de Alcácer Quibir ocorreu há 21 anos, tinha ela 17; o seu segundo casamento teve lugar 7
anos depois, teria ela 24; casou pela segunda vez há 14; Maria tem 13;
 Vive constantemente atormentada e aterrorizada pelo passado e pelos agouros de Telmo, que lhe mantém esse
passado bem vivo, ou seja, a dúvida de que D. João não morreu e pode voltar a qualquer momento, o que
destruiria o seu casamento e tornaria Maria uma filha ilegítima, por isso não consegue ser feliz, já que não se
consegue libertar desse medo;
 Não amou D. João, mas respeitou-o sempre;
 É profundamente apaixonada por Manuel de Sousa;
 Sente-se vítima do destino;
 A contradição entre a felicidade aparente e a desgraça íntima que revela uma consciência moral atormentada
pela imagem sempre obsessivamente presente de D. João de Portugal e pelo remorso proveniente da
consciência de pecado – de facto, a personagem sente-se culpada por ter casado com Manuel de Sousa, sem ter
a certeza acerca da morte do primeiro marido;
 Revela, na última fala da cena, a tendência para o devaneio, o que já acontecera na primeira cena e está de
acordo com a tendência romântica e a extrema sensibilidade da sua alma.
▪ Telmo Pais:
 Não possui nobreza de sangue, mas está intimamente ligado à aristocracia pelo modesto título de
escudeiro;
 Manifesta ideias reformistas ao condenar o uso do latim na Bíblia (posição dos Protestantes);
 O seu verdadeiro senhor continua a ser D. João, primeiro marido de D. Madalena, dado como morto
na batalha de Alcácer Quibir;
 Possui grande ascendente sobre Maria e D. Madalena;
 É o confidente de D. Madalena, a quem reprova o segundo casamento;
 Nas palavras de D. Madalena, é “… o aio fiel de meu senhor D. João de Portugal…”, digno “… da
confiança, do respeito, do amor e do carinho…” de todos e “o escudeiro valido, o familiar quase
parente, o amigo velho e provado de teus amos…”;
 Era o aio de D. João, a quem queria como “filho”; é-o também de Maria, a quem “… ao princípio não
podia ver”, mas ela acabou por o cativar: “quero-lhe mais que seu pai” – a sua não aceitação inicial era
originada por ela ser fruto do casamento de Madalena e Manuel de Sousa, que Telmo via como uma
traição a D. João, cuja morte não aceita; porém, com o passar dos anos, a formosura e bondade de
Maria cativaram-no de tal modo que agora afirma ter-lhe mais amor do que os próprios pais;
 Foi “carinho e proteção” e amparo de D. Madalena quando esta enviuvou;
 Atormenta-a com os seus constantes agouros, presságios e acusações – é a lembrança viva e permanente do
«remorso» oculto e recalcado na consciência de D. Madalena;
 Ama profundamente Maria, como se constatará no ato III, pretendendo ter-lhe mais amor do que os próprios pais;
 Não aprova o segundo casamento de D. Madalena e atormenta-a com insinuações, agouros, profecias (como, por
exemplo, a da carta de D. João de Portugal, escrita na madrugada da batalha de Alcácer Quibir, onde afirmava: “vivo
ou morto, Madalena, hei de ver-vos pelo menos ainda uma vez neste mundo” – se não voltou, é porque está vivo;
além do mais, D. João nunca deixaria de cumprir a sua palavra;
 Atormenta-a também com ciúmes póstumos, por conta de D. João: é isto que explica as prevenções de Telmo em
relação a Manuel de Sousa e a sua aversão inicial por Maria;
 Começa a ser visível a sua divisão entre o amor a D. João e o amor a Maria (fragmentação que será confirmada na
cena V do ato III): sendo tão amigo dela e pretendendo ter-lhe tanto amor, sustenta uma crença que, a concretizar-
se, significaria a morte da jovem;
 É sebastianista:
 Crê que os eu antigo amo não morreu;
 Acredita no regresso de D. Sebastião e, consequentemente, de D. João;
 Funções ou papéis que desempenha:
 Coro:
 Alimenta o sebastianismo;
 Anuncia desgraças próximas;
 Profere contínuos agouros;
 Comenta a ação dramática, predizendo o seu desfecho trágico, através dos seus presságios e agouros;
 Alimenta a presença de um passado, um tempo que D. Madalena quereria enterrar mas não consegue, ou não a
deixam;
 Confidente de D. Madalena;
 Leva à revelação dos pensamentos das outras personagens;
 Os seus apartes revelam as dúvidas que possui relativamente à morte de D. João, bem como a sua intenção de salvar
Maria de uma desgraça que considera iminente.
▪ Maria:
 Nobre:
- A designação de “dona”;
- O apelido “Noronha” indicia alta estirpe (“é sangue de Vilhenas e de Sousas”);
 O seu nome evoca o da Virgem Maria: é pura e angélica (Madalena e Telmo apelidam-ma de anjo) – configura a
imagem da mulher-anjo dos românticos, contrastando com D. Madalena;
 Tem 13 anos;
 É alta;
 É precoce, tanto física (“Tem treze anos feitos… está uma senhora…”) como psicologicamente: “… em tantas outras
coisas tão altas, tão fora de sua idade, e muitas de seu sexo também…”; “Maria tem uma compreensão…”;
 É curiosa (“… aquela criança está sempre a querer saber, a perguntar”) e perspicaz (“tão perspicaz”);
 É bondosa (“um anjo como aquele… e então que coração!”);
 Sotada de espírito vivo (“uma viveza, um espírito!”);
 É sonhadora;
 Possui uma imaginação muito fértil;
 Segundo D. Madalena, é dotada de “Formosura e engenho, dotes admiráveis daquele anjo”.
Manuel de Sousa Coutinho:
 Nobre: “… o retrato daquele gentil cavaleiro de Malta que ali está” (o ingresso na Ordem de Malta era limitado aos
membros da aristocracia, aos quais se exigia certificado de nobreza);
 O seu nome é bíblico: é um dos nomes do Messias (Emanuel) e significa “Deus connosco”, significado que se
adequado à personagem, dado(a):
- a boa fé com que se casou com D. Madalena, viúva;
- a tranquilidade e a paz de espírito que daí lhe adivinha, revelada
 Na resposta aos melindres de Madalena por ter de regressar ao lar onde vivera com D. João (I, 8);
 Na vivência cristã da graça de Deus pela contrição do coração (II, 3);
 Pelo contentamento de viver e conviver com os frades de S. Domingos como de portas a dentro, quase no início da
mesma cena;
 No desapego dos bens materiais, “coisas tão vis e tão precárias”;
 No desamor pela própria vida (“vida miserável que um sopro pode apagar” – I, 11);
 Nas palavras de Telmo:
- “fidalgo de tanto primor e de tão boa linhagem, como os que se têm por melhores neste reino em toda a Espanha”;
- “é um guapo cavalheiro, honrado fidalgo, bom português”.
▪ D. João de Portugal:
 Nobre: nobreza de sangue que vinha do pai (“aquele nobre conde de Vimioso”), a designação dom, atribuído apenas
a alguns membros da aristocracia; o nome de família do Conde de Vimioso;
 Nas palavras de Telmo: “… espelho de cavalaria e gentileza, aquela flor dos bons…”;
 O nome de batismo:
- É bíblico: evoca o nome de um dos apóstolos;
- É também, desde a época em que decorrem os acontecimentos, o nome de um tipo literário (cf. um D. Juan).
■ Relação Telmo vs D. Madalena
Pelo que é dado ler nesta cena, a relação entre estas duas personagens supera em muito a tradicional ligação entre um
criado e o seu senhor. De facto, o escudeiro apresenta-se mais como um elemento da família de D. Madalena do que
enquanto mero aio, graças aos longos anos passados ao serviço da família (primeiro de D. João e depois de Manuel de
Sousa). Quando ela enviuvou aos 17 anos, foi o seu amparo e quase um pai, daí a liberdade de que goza quando lida com
D. Madalena. Esta respeita-o e reconhece-lhe alguma autoridade sobre si, seguindo também os seus conselhos como se
fosse sua filha. De igual forma, ele respeita-a e aconselha-a, não obstante ter sido contrário ao segundo casamento.
Assim sendo, é natural que a relação (que se foi estreitando ao longo dos anos) entre ambos seja de grande respeito,
amizade, confiança e abertura, como se comprova ao longo de todo o diálogo, que é motivado pelo pedido que D.
Madalena quer fazer ao seu velho aio: acabar com as conversas sobre o passado com Maria, ligadas à ideia de que de D.
Sebastião está vivo e, por extensão, D. João, facto que, a ser verdade, acarretaria consequências trágicas para Maria,
reduzida então à condição de filha ilegítima.
E é a questão do passado e da forma como este é alimentado em Maria pelo escudeiro que perturba a relação. Note-se
como Madalena sofre e chora quando Telmo afirma que a jovem deveria ter nascido “em melhor estado”, pois está
claramente a sugerir que ela era merecedora de ter nascido no seio de uma família constituída por pais casados
legitimamente, sem qualquer sombra a pairar sobre ela, o que não sucede na perspetiva do aio, dado acreditar que D.
João ainda está vivo. A ser assim, a família seria destruída e Maria uma filha ilegítima, com todas as consequências ao
nível da mentalidade e das convenções sociais da época.
Por isso mesmo, no final da conversa, Telmo reconhece que D. Madalena tem razão: se continuar a estimular o interesse
de Maria pelo passado, com as suas crenças e agouros, poderá levá-la a descobrir o passado da sua mãe. A ideia de que
D. João de Portugal poderá estar vivo despertaria nela a possibilidade da ilegitimidade e o receio de tal situação poderia
agravar seriamente o seu estado de saúde já tão debilitado.
■ Relação Telmo vs Manuel de Sousa:
Telmo manifesta grande respeito e admiração por Manuel de Sousa, cujas qualidades elenca e elogia, mas não lhe
dedica a mesma consideração e estima que nutria por D. João de Portugal, visto que considera que não é digno de
ocupar o lugar do seu antigo amo.

■ Tempo:
 Ação: 28 de julho de 1599, fim da tarde de uma sexta-feira
 Narração cronológica dos acontecimentos ocorridos antes do início da peça:
- casamento de D. Madalena com D. João de Portugal antes de 1578;
- desaparecimento deste em África, na batalha de Alcácer Quibir, a 4 de agosto de 1578 – sexta-feira – D. Madalena
tinha 17 anos;
- D. Madalena procurou D. João durante 7 anos (de 1578 a 1585), não se poupando a esforços;
- casou com Manuel de Sousa há 14 anos – 1586;
 Histórico:
- a existência de peste em Lisboa e
- a discórdia entre portugueses e castelhanos, de acordo com as palavras de D. Madalena (última fala da cena), o que
nos remete para o domínio filipino;
- as várias referências à batalha de Alcácer Quibir;
- a alusão de Telmo à Reforma protestante, quando menciona a tradução da Bíblia para as línguas dos países onde se
implantou.
■ Características das tragédia clássica da cena:
▪ A presença do Destino, por quem D. Madalena se sente perseguida/vítima. 
▪ Hybris de D. Madalena: nunca amou D. João.
▪ Pathos: os terrores de D. Madalena. 
▪ Os agouros e presságios de Telmo.
▪ A presença do coro nos agouros, comentários e prenúncios de desgraças próximas de Telmo.
AGON:
- de D. Madalena:
. interior, de consciência;
. contínuo;
. crescente;
. com Telmo: apesar de, durante os 7 anos de «viuvez», lhe ter obedecido como a um pai, D. Madalena não segue o
conselho de esperar o regresso de D. João, anunciado na carta profética, escrita na madrugada da batalha de Alcácer
Quibir;
. com D. João, presente nas conversas com Telmo, testemunha da «desobediência» de D. Madalena, conversas essas
cheias de reticências, de subentendidos, de duplos sentidos, de alusões, de agouros, de «futuros», de pressentimentos de
desgraças iminentes;
- de Telmo:
. de consciência: começa a ser evidente o conflito de consciência entre o desejo do regresso de D. João de Portugal e o
amor a Maria;
. com D. Madalena:
- desaprova o seu casamento com Manuel de Sousa, baseado nos dizeres da carta profética de D. João, escrita na
madrugada da batalha;
- e na superstição (maravilhoso popular) de que, se ele voltasse e aparecesse a D. Madalena, não se iria embora sem lhe
aparecer também (o que não se tinha verificado);
- daí os “ciúmes”, as alusões, os agouros, os “futuros”;
- o conflito de Telmo com D. Madalena fica sempre sem solução;
. com Maria:
- a princípio, não a podia ver, por causa do seu nascimento em berço ilegítimo (“Digna de nascer em melhor estado”);
- o conflito com Maria termina, porque ela acabou por o cativar e ele lhe quer como um pai;
. com Manuel de Sousa:
- apesar das qualidades que lhe reconhece, é, em sua opinião, inferior a D. João de Portugal;
- por conta deste tem “ciúmes”
- e uma certa aversão, por o considerar um intruso.
▪ O caráter ominoso, carregado de mistério e de fatalismo, conferido ao tempo pela repetição de
determinados números (3, 7, 14, 21, 13) e pela sexta-feira:
. D. Madalena procurou D. João durante 7 anos;
. D. Madalena e D. Manuel de Sousa estão casados há 14 anos (2X7);
. a batalha (e o consequente desaparecimento de D. Sebastião e D. João) ocorreu há 21 anos (3X7);
- 3:
. perfeição;
. 3 fases da existência;
- 7:
. tragédia;
. conclusão de um ciclo:
- 21:
. completa a tríade do 7, indicando o fechar de um ciclo e o iniciar de outro ainda desconhecido, mais concretamente de
três (7: o ciclo da busca de novas sobre D. João; 14: o tempo de vida em comum de Madalena e Manuel; 21: o encerrar
de todos os ciclos e o início de um novo).
CENA III do ATO I

■ Tema: o possível regresso de D. Sebastião.


■ Perspetiva e reação das personagens sobre o tema:
Maria, como personagem sebastianista, acredita piamente que D. Sebastião está vivo e vai
regressar num “dia de névoa muito cerrada” e fundamenta a sua posição em argumentos como a fé
e a crença do povo que, segundo ela, terá toda a razão de ser. Curiosa e intuitiva, questiona por que
razão o pai, sendo tão patriota, não gosta de ouvir falar no regresso do rei, que iria retirar do trono
português o rei espanhol, e chega a alvitrar a possibilidade de ser pró-castelhanos, não obstante
toda a sua postura patriótica, por ele revelada através de palavras e ações. Note-se como, nesta
cena, as palavras e atitudes de Maria revelam todo o seu extraordinário poder de observação e de
análise de comportamentos.
Telmo Pais crê profundamente no regresso de D. Sebastião, mantendo viva igualmente viva a
esperança no retorno do seu amo, D. João de Portugal.
D. Madalena procura demover a filha e afastá-la dessas ideias, fazendo uso, inicialmente, de
argumentos racionais: (a) os relatos dos tios Frei Jorge e Lopo de Sousa, homens cultos, sobre o que
aconteceu na batalha e (b) a desvalorização das crenças populares, que apresenta como quimeras
(ilusões). Quando verifica que a sua argumentação não resulta, aflige-se a chora. As reações dos
pais devem-se ao facto de a sobrevivência e o regresso de D. Sebastião e D. João de Portugal, cuja
morte nunca fora confirmada, implicariam a nulidade do seu casamento e a ilegitimidade de Maria.
Deste modo, as constantes referências ao assunto adensam os seus receios e terrores.
Segundo Maria, o seu pai, Manuel de Sousa, perante esta possibilidade, muda de semblante, fica pensativo e carrancudo,
o que mostra que não estará totalmente certo da morte de D. Sebastião, e leva a filha a, por momentos, duvidar do seu
patriotismo.
■ Visão de Maria sobre D. Sebastião:
Para Maria, D. Sebastião é um herói por quem nutre grande admiração e em quem deposita todas as esperanças para
resgatar Portugal das garras do domínio castelhano: “o nosso bravo rei”, “o nosso santo rei D. Sebastião”, etc.
CENA IV do ATO I

■ Caracterização das personagens (a partir das cenas III e IV):


a. Maria:
. sebastianista fervorosa e nacionalista, crê que D. Sebastião está vivo e vai regressar;
. é uma espécie de porta-voz da sabedoria popular: “Voz do povo, voz de Deus”;
. lê muito (novelas de cavalaria e romances populares);
. manifesta interesse por temas impróprios para a sua idade: romances populares sobre D.
Sebastião e a batalha de Alcácer Quibir;
. sofre ao observar o sofrimento da mãe, que não compreende;
. é bondosa, carinhosa e terna com a mãe;
. muito precoce, possui uma imaginação e curiosidade pouco próprias da sua idade: “Maria,
que tu hás de estar sempre a imaginar nessas coisas que são tão pouco para a tua idade”;
. pensa muito (“passo noites inteiras em claro a lidar nisto”; “a pensar em tudo”): Maria passa
as noites em claro, a rever as suas atitudes e as dos pais, para tentar descobrir as razões da sua
preocupação, por considerar que há algo que não lhe é revelado;
. tem sonhos estranhos, em cuja interpretação revela poderes de profecia: lê nos olhos e nas
estrelas;
. é muito intuitiva;
. é alegre, mas sente-se subitamente invadida por grande tristeza (“uma tristeza muito grande
que eu tenho”): essa tristeza está relacionada com a constante preocupação dos pais com ela;
o seu poder intuitivo e de observação permitem-lhe perceber a preocupação dos pais com a
sua saúde e crenças; quando pergunta à mãe por que razão o pai não tinha permanecido na
Ordem de Malta e deixara o hábito, parece expressar o desejo de que o pai nunca o tivesse
feito, o que corresponderia à sua inexistência; ela compreende que há algo que lhe escondem;
. é visionária e muito sensível: “não quero sonhar, que me faz ver coisas lindas às vezes, mas tão extraordinárias e
confusas…”;
. possui um conhecimento íntimo de si própria que escapa aos familiares: “O que eu sou… só eu o sei, minha mãe… E
não sei, não: não sei nada, senão que o que devia ser não sou…”;
. é corajosa, de personalidade forte, destemida e idealista, dotado de caráter varonil, revelado no desejo de ter um
irmão e de resistência aos governadores: “um galhardo e valente mancebo capaz de comandar os terços de meu pai”;
“Tomara eu ver seja o que for que se pareça com uma batalha!”;
. insurge-se contra as injustiças sociais: “Coitado do povo!”; “… onde a miséria fosse mais e o perigo maior, para atender
com remédios e amparo aos necessitados (cena V);
. Frei Jorge chama-lhe Teodora, nome que significa sábia (cena V);
. é idealista e patriota, manifestando toda a sua vontade de resistir aos governadores: “Fechamos-lhes as portas.
Metemos a nossa gente dentro e defendemo-nos.” (cena VI);
. fica entusiasmada com a notícia trazida pelo pai, dando largas à sua imaginação, ao seu idealismo e ao seu patriotismo;
. sofre de tuberculose, a doença dos românticos – sintomas:
- a febre
- as mãos a queimar
- as rosetas nas facetas
- a audição a grandes distâncias (cena VI)

modelo da heroína romântica:


. ideais de liberdade
. exaltação de valores de feição popular
. crença na independência nacional
. atração pelo mistério
. intuição
. doença da época (tuberculose)
. linguagem:
■ NOTAS:
1- A doença de Maria favorece ao longo da obra a sua extraordinária fantasia e a morte no final.
2- Maria tem duas atitudes contrastantes: uma de crítica, outra de afeto para com sua mãe. A alteração deve-se à
observação do aspeto doloroso da sua mãe.
 
b. D. Madalena:
. sofre (chora) com as palavras de Maria;
. evidencia uma grande tensão psicológica, agravada pela menção inconsciente de Maria a aspetos que a aterrorizam;
. manifesta grande preocupação perante a precocidade da filha.
 
c. Telmo Pais:
. tem uma presença silenciosa, mas identifica-se com os ideais de Maria;
. contribui para o clima de opressão;
. aparenta resignação e convencimento;
. manifesta preocupação com a debilidade de Maria.

■ Características da tragédia:
▪ Agón de D. Madalena:
- com Maria: para esta, há um enigma que nem a mãe, nem o pai, nem mesmo Telmo se prontificam a decifrar; são
segredos e mistérios intuitivamente pressentidos que não consegue desvendar:
. a razão por que nem a mãe nem o pai, apesar do seu patriotismo (“… que ele não é por D. Filipe, não é, não?”)
acreditavam no regresso de D. Sebastião;
. a razão por que, quando em tal se falava, o pai mudava de semblante, e a mãe se afligia e até chorava;
- com D. João de Portugal, nas reações de aflição, sublinhadas pelas lágrimas, sempre que Maria se refere à crença
popular da sobrevivência e possível regresso de D. Sebastião – cena III.
▪ Agón de Maria:
- com D. Madalena:
. a propósito da sobrevivência e do regresso de D. Sebastião (cena III) – D. Madalena não acredita, nem lhe convém
acreditar nem uma coisa nem outra. Maria acredita firmemente;
. desconfia que a mãe oculta alguma coisa muito importante; por isso, está sempre atenta, a observar os sobressaltos,
a ansiedade da mãe a seu respeito; por isso, lê nas palavras, nas ações e nos gestos da mãe (e do pai), à procura de
indícios, de respostas para a sua curiosidade (cena IV);
. não pode cumprir as esperanças nela depositadas (cena IV);
. por isso, desejaria ter um irmão (cena IV);
- com Manuel de Sousa:
. duvida do patriotismo do pai (cena III), por causa das atitudes que ele toma, ao ouvir falar de D. Sebastião: “Ó minha
mãe, pois ele não é por D. Filipe, não é, não?”;
. a hipótese não tem fundamento.
■ NOTA:
Este conflito de Maria com os pais, pois ambos não aceitam ouvir falar do regresso de D. Sebastião, tem razões óbvias:
se o monarca não morreu, também não terá morrido D. João de Portugal; o segundo casamento de D. Madalena seria
nulo.
- com D. João de Portugal (antes da mudança de palácio – cena IV):
. pressente intuitivamente que alguém, fazendo sofrer a mãe, também não a deixa ser feliz;
. por isso, procura uma resposta, com os meios ao seu dispor: “… leio… nas estrelas do céu também, e sei cousas…”; “…
não quero sonhar, que me faz ver coisas… lindas às vezes, mas tão extraordinárias e confusas”.
■ NOTA:
É da essência do drama provocar situações e sentimentos incompatíveis no interior das personagens:
. Maria não consegue explicar a perturbação dos pais;
. D. Madalena não pode revelar a causa das suas preocupações, o que se passa no foro da sua consciência.
▪ D. Madalena parece caída nas garras de um destino inexorável: a última fala de Maria da cena IV lança nela a dúvida
se teria valido a pena ter casado uma segunda vez. 
▪ A constatação de algo misterioso que paira sobre a ação e as personagens.
Presságios:
. as flores murchas e os sonhos deixam antever a tragédia com que encerra a obra: a morte progressiva de Maria (ela
colheu papoilas para pôr debaixo do travesseiro, por estas estarem associadas ao sono e ao sonho, acreditando que,
assim, terá uma noite descansada; no entanto, as flores, que representam, entre outras coisas, a beleza efémera,
murcharam rapidamente, indiciando a proximidade da morte;
. a contemplação do retrato do pai remete para a intuição do malogro do casamento dos pais.

■ Características românticas:
▪ O sebastianismo de Telmo e Maria.
 
▪ O nacionalismo e patriotismo de Maria, visível na resistência aos governadores castelhanos.
 
▪ Linguagem: exclamações, interrogações, reticências, frases curtas, adequação ao íntimo e ao estado de espírito das
personagens, etc.
 
▪ Caracterização de Maria:
. o modelo da mulher-anjo;
. os ideais de liberdade;
. exaltação de valores de feição popular;
. atração pelo mistério;
. intuição;
. tuberculose, a doença dos românticos. 
▪ Crenças: agouros, superstições, sonhos, visões de Madalena, Telmo e Maria (cenas II e IV).
CENA V do ATO I

■ Surgimento das personagens em cena:


As personagens não surgem todas em cena em conjunto, mas de forma gradual. Primeiro,
Madalena e Telmo; depois, Maria; nesta cena, Frei Jorge; a seguir, Manuel de Sousa. Esta
sucessão corresponde ao que se deveria passar no primeiro ato de uma tragédia – prólogo –, em
que se apresentam as personagens e se mostra o conflito latente entre elas.

■ Assunto da cena - notícias trazidas por Frei Jorge:


. saída dos governadores de Lisboa;
. intenção de se hospedarem na casa de Manuel de Sousa e D. Madalena. 
Entre 1598 e 1602, houve peste em Lisboa. As notícias trazidas por Frei Jorge contribuem
diretamente para o desenvolvimento do conflito. De facto, os governadores tencionam sair de
Lisboa, para fugirem à peste, e instalar-se em Almada, na casa de Manuel de Sousa.
 
■ Reações das personagens:
a) Maria
Maria, graças ao seu temperamento juvenil e gosto pela aventura, manifesta todo o seu patriotismo e considera a
intenção dos governadores um ato de cobardia, visto que abandonam o povo, deixando-o entregue à peste e à miséria, e
um ato de tirania que deve ser combatido pelo exército do seu pai.
Por outro lado, revela um grande sentido cívico e grande sensibilidade para com as injustiças: ela não aceita que os
governadores, que deveriam zelar e cuidar do povo e do seu bem-estar, o abandonem à sua sorte, para se protegerem.
Relativamente a recebê-los em casa, rejeita impetuosamente essa hipótese, defendendo que se deve pegar em armas
para os combater. Esta é uma visão romântica do poder e das reais forças das partes em conflito.

b) D. Madalena
D. Madalena reage à notícia de forma mais comedida, mas não deixa de se mostrar indignada com a situação, que
considera uma desconsideração pelas senhoras da sua casa.
Por outro lado, perante o sebastianismo da filha, que defende o regresso de D. Sebastião, no qual acredita convictamente,
fundamentando a sua posição com a crença do povo, mostra a sua descrença, apoiando-se em elementos mais concretos,
isto é, nos relatos dos tios Frei Jorge e Lopo de Sousa, e defende que as crenças do povo são ilusões.
CENA VI do ATO I

■ Nesta cena, de extensão muito reduzida, Miranda anuncia a chegada de Manuel de Sousa.
■ Por outro lado, nela é revelada a doença de Maria, que manifesta mais um sintoma de
tuberculose, a acuidade auditiva e visual: “É extraordinária esta criança; vê e ouve em tais
distâncias…”. Os tuberculosos possuem uma acuidade especial ao nível da visão e da
audição.
■ Papel de Frei Jorge - Nesta cena, Frei Jorge é o mensageiro portador de notícias: é por ele
que D. Madalena sabe que os governadores que representam o rei espanhol se pretendem
alojar no palácio de Manuel de Sousa. Ocasionalmente, Frei Jorge cumpre a função/o papel
semelhante à do Coro da tragédia clássica, enquanto conselheiro (revelando moderação e
sensatez), portador de notícias, veículo de expressão de temores e sinais (indícios) do que o
futuro poderá trazer.
■ Elementos trágicos da cena:
▪ Agón de Maria:
- com o pai: a hipótese de falta de patriotismo do pai aventada na cena 3 não tem fundamento;
- com os governantes de Lisboa (I, cena 5):
1. a razão de Maria é simples e sábia: os governantes ilegítimos, no momento das desgraças provocadas pela peste,
fogem do meio do povo; o rei natural, «pai comum de todos», fica junto do seu povo, «onde a miséria fosse mais e
o perigo maior, para atender com remédio e amparo aos necessitados». E acrescenta: «Eu entendia, se governasse,
que o serviço de Deus e do rei me mandava ficar…»;
2. por isso, no momento em que o pai resolve lutar, à sua maneira, contra os tiranos, também ela resiste à tirania e
lança a ideia de lutar e organizar a defesa, para que os governadores não entrem no seu palácio: «Fechamos-lhes
as portas. Metemos a nossa gente dentro; o terço de meu pai tem mais de seiscentos homens, e defendemo-nos.
Pois não é uma tirania?... E há de ser bonito! Tomara eu ver seja o que for que se pareça com uma batalha».

• Presságio/indício: na sua última fala, Frei Jorge expressa a sua preocupação com a saúde de Maria, podendo
presumir-se que ela não irá resistir à tuberculose.
CENA VII do ATO I

■ Assunto: chegada de Manuel de Sousa com a decisão de partir, com a família, para o palácio
de D. João, em virtude de os governadores castelhanos quererem hospedar-se no seu
palácio.
■ Estrutura interna da cena:
1ª parte - Chegada de Manuel de Sousa decidido a abandonar o seu palácio.
A chegada de Manuel de Sousa não seria, só por si, um acontecimento imprevisto, se não
fossem certas circunstâncias presentes (as desta cena até ao final do ato) e passadas, como, por
exemplo, a sua demora em Lisboa para além do que prometera a D. Madalena: «prometeu de
vir antes de véspera e não veio; que é quási noite, e que já não estou contente com a tardança”
(I, 3). A hora de véspera correspondia às seis horas da tarde; “quási noite”, em agosto, seria
pelas nove. D. Madalena presume a ocorrência de impedimentos graves, para Manuel de Sousa
faltar à palavra dada. Manda, por isso, chamar Frei Jorge, o qual a põe ao corrente do que lhe
“mandaram dizer em muito segredo de Lisboa”: os governadores, para fugirem à peste,
resolveram vir para Almada e escolheram o palácio de Manuel de Sousa para “aposentadoria”.
• Caracterização de Manuel de Sousa:
. nobre;
. agitado e nervoso: mover-se em várias direções e dá ordens a diferentes personagens;
. autoritário: “Façam o que lhes disse”;
. decidido e determinado: “nós forçosamente havemos de sair antes de eles entrarem”;
. caráter inflexível;
. precipitado;
. audaz e corajoso;
. culto, de acordo com o seu estatuto social: o uso do latim «mea culpa» e «pecavi»;
. belo e nobre, qualidades que, aliadas à inteligência e à cultura universitária, o tornam invejado pelos poderosos.
Manuel de Sousa informa as outras personagens da sua decisão de saírem daquela casa, naquela mesma noite, antes da
chegada dos governadores. Tenso e inquieto, mostra-se revoltado e indignado porque os governadores ao serviço de
Espanha querem hospedar-se no seu palácio e ele, como patriota, opõe-se a esse propósito. A resolução imperativa e
irremediável está presente nesta fala: «É preciso sair desta casa, Madalena”. Ora, a expressão «é preciso» marca a
fatalidade, combinada com a irreversível imediatez do advérbio: «sair já».
Por outro lado, a casa é o edifício, mas também o símbolo da família, a própria família. Parece que o Destino fala pela
boca de Manuel de Sousa, que lhe vai pegar na palavra, a ele que pensa agir apenas pelo patriotismo e na qualidade de
senhor da sua própria casa, para o empurrar, numa autêntica reviravolta da Fortuna, para uma situação equívoca, em
casa alheia.
▪ Tempo
Partindo das informações contidas na cena, podemos concluir que a ação decorre pelas oito horas do dia 28 de julho de
1599, de noite: “É noite fechada.”; “são oito horas”. A mudança do «fim da tarde» para «noite fechada» está de acordo
com o que vai acontecer, quer na família, quer no palácio; neste, permite um final espetacular e simbólico.
2ª parte - Reações das personagens à decisão de Manuel de Sousa.
. Madalena:
- inquieta;
- receosa;
- preocupada;
- pressente desgraças;
- procura chamar o marido à razão e demovê-lo, temendo a vingança dos governadores.

. Maria:
- orgulhosa;
- contente;
- vibrante;
- apoia totalmente o pai.

. Frei Jorge:
- mediador de conflito (concordando com D. Madalena, aconselha prudência; concordando com Manuel, aceita a
mudança de morada;
- assume a função de coro, aconselhando as personagens.

3.ª parte – Decisão de mudar a família para o palácio de D. João de Portugal.


Esta mudança é absolutamente necessária ao desenrolar dos acontecimentos, dadas as circunstâncias. A Fatalidade
parece falar pela boca de Manuel (“… a única parte para onde poderemos ir…”): aquela era, de facto, a única saída, a
única alternativa, perante o aperto em que as personagens parecem encurraladas.
▪ Postura e retrato de Manuel de Sousa
Ao longo da cena, a postura e o estado emocional de Manuel de Sousa alteram-se. Inicialmente, mostra-se agitado e
nervoso, mas, à medida que a cena se desenrola, vai ganhando tranquilidade, para não assustar a mulher e a filha, mas
mantém a decisão e a determinação de agir e com rapidez.
Manuel de Sousa, quer no discurso quer nas ações, mostra-se um homem honrado, patriota, valente e corajoso, ao
enfrentar e insurgir-se contra o poder espanhol, pretendendo dar-lhe uma lição exemplar (a eles e a “este escravo deste
povo que os sofre”), pois essa rebeldia poderia acarretar uma punição severa. Assim sendo, essa coragem vive de mãos
dadas com o patriotismo e a defesa da liberdade. De facto, quando se recusa a acatar as ordens dos governadores,
mostra que não aceita o domínio filipino e a união com Espanha. Como não pode agir a nível nacional, decide fazê-lo a
título particular, a nível da sua casa.
▪ Reação das personagens
 A reação das personagens é novamente diferenciada:
- Maria: exulta com a decisão do pai, que apoia, elogiando o seu patriotismo;
- Frei Jorge: apoia também a decisão, mas aconselha o irmão a ser prudente;
- D. Madalena: a reação desta personagem varia ao longo da cena. Assim, no início mostra-se inquieta com a decisão
do marido, alertando-o para as consequências de atos imoderados, temendo a reação dos governadores. Porém,
quando fica a saber que Manuel de Sousa quer mudar a família para o palácio de D. João, fica apavorada, como se
pode constatar pela sua linguagem repleta de reticências, pausas, interrupções, hesitações, repetições (“Ouve…
ouve…”) e no pedido para ficar só com o marido na tentativa de o demover. De facto, inicialmente, controla o pânico,
com dificuldade, para não atemorizar a filha, por isso espera que esta saia para reagir. As razões dos eu terror são
óbvias e plenamente justificadas.

▪ Dimensão simbólica da atitude de Manuel de Sousa


 As atitudes de Manuel de Sousa são de antipoder. Tendo em conta que, em 1844, ano da publicação de Frei Luís de
Sousa, Portugal era governado pela ditadura de Costa Cabral, o gesto de revolta da personagem pode simbolizar (e assim
foi entendido na época, por isso o poder vigente proibiu a representação da peça) a revolta contra esse governo
cabralista.
CENA VIII do ATO I

■ Assunto: diálogo entre Madalena e Manuel de Sousa, durante o qual aquela o tenta
demover da decisão de se mudarem para o palácio de D. João e este se mostra inabalável.
■ Caracterização das personagens:
■ ▪ Manuel de Sousa:
- sempre respeitou D. João de Portugal;
- não teme o passado;
- sereno e decidido (observe-se a sua linguagem);
- forte;
- patriota: “Há de saber-se no mundo que ainda há um português em Portugal.” (pleonasmo);
- amor à pátria e à liberdade;
- desrespeito pelos argumentos da esposa, que considera “caprichos”, “agouros”, “vãs
quimeras de crianças”, preferindo magoá-la a esquecer os seus princípios;
- inabalável e firme nas suas decisões;
- crente em Deus: “Não há senão o temor a Deus”;
- ironia das repetições dos pronomes num discurso duplo para o espectador: “E o presente, esse é meu,
meu só, todo meu…”;
- é o modelo do herói clássico:
. age segundo a razão;
. orienta-se por valores aceites como universais:
- a honra cavalheiresca;
- o culto do dever;
- a lealdade;
- o patriotismo;
- a liberdade.

▪ D. Madalena:
- obediente ao marido: “eu nunca me opus ao teu querer, nunca soube que coisa era ter outra vontade diferente da
tua; estou pronta a obedecer-te sempre, cegamente, em tudo”;
- amargurada e angustiada;
- aterrorizada por constantes agouros e pelo passado: “… que vou achar ali a sombra despeitosa de D. João, que me
está ameaçando com uma espada de dous gumes… que a atravessa no meio de nós, entre mim e ti e a nossa filha, que
nos vai separar para sempre…”;
- gradação crescente e hipérbole dos seus temores – menciona todas as preocupações e profetiza mesmo a morte:
“(…) a violência, o constrangimento de alma, o terror (…) viu ser infeliz, que vou morrer (…) sem que todas as
calamidades do mundo venham sobre nós.”;
- convicta, até ao final, de que consegue demover o marido;
- é o modelo da heroína romântica:
. vive obcecada pelos fantasmas do passado;
. age pelo coração, pelo sentimento.
Concretiza-se nestas cenas a ideia de que, em Madalena, a contradição entre a felicidade aparente e a desgraça íntima revela
uma consciência moral atormentada pela imagem sempre obsessivamente presente de D. João, mordida pelo remorso
proveniente da consciência de pecado. Motivações de ordem psicológica e moral profundamente enraizadas na psicologia desta
personagem, movimentada dentro do quadro de uma sociedade cristã, onde o matrimónio é um vínculo indissociável que só a
morte poderá quebrar, conduzem a reações e ao comportamento desta figura, cheia de ambiguidades, tão rica, tão modelada,
“mulher e muito mulher”, forte no amor, na paixão por Manuel de Sousa, fraca perante os agouros, os presságios, os indícios de
“uma grande desgraça” iminente, terna, lutando até ao fim pela felicidade, procurada mas nunca alcançada plenamente, rendida
contra vontade perante o irremediável Destino que a destrói, liquidando todos os sonhos de felicidade neste Mundo, junto do
homem que amou. As reticências são uma abertura pela qual os espectadores observam o seu íntimo conflito de consciência.
■ NOTAS:
1- Existe um contraste nesta cena entre a linguagem serena, decidida, de Manuel de Sousa e a de D. Madalena, hesitante,
titubeante, emotiva e excitada. Estão frente a frente dois mundos: o universal e o individual; estão frente a frente dois tempos: o
presente e o passado; um terá de vencer. Ela tem um discurso sentimental, marcado por emoções violentas. De acordo com a
época em que vive, é submissa ao marido, apelando ao seu coração para o dissuadir, mas ele tem um discurso racional,
mostrando-se forte e seguro, impondo a sua decisão, baseado em argumentos sólidos.
2- As duas personagens vivem, pois, um conflito dominado pelo tempo. Neste campo, a palavra caprichos tem um significado
diferente para ambos. Para Manuel de Sousa, trata-se de uma teimosia incompreensível; para D. Madalena, trata-se de uma
questão de vida ou de morte, um dilema fatal. Um minimiza a situação, o outro empola-a.
3- Manuel de Sousa desvaloriza os argumentos da esposa. De facto, D. Madalena argumenta com base na emoção, condicionada
pelo medo e pelo terror de que a figura de D. João interfira na felicidade da família. Os seus argumentos são óbvios: pressente
que não vai ser feliz e pressente que irá encontrar, na outra casa, a sombra despeitosa de D. João. O marido considera que esta
argumentação não é razoável, tratando-se de um mero capricho, causado pela “fraqueza de acreditar em agouros”. Pelo
contrário, ele mostra ser racional e pragmático. No final, chama D. Madalena à razão e lembra-lhe a sua condição e as
responsabilidades que tem, o que implica que tenha um comportamento digno e firme, visto que a situação assim o exige.
4- Os argumentos de Manuel de Sousa para contraditar a esposa e afastar os seus receios são os seguintes:
- não há outro lugar para onde ir, de repente;
- não lhe custa viver onde viveu D. João com D. Madalena;
- ela não deve acreditar em agouros; a única crença que deve ter é em Deus;
- nada tem a temer porque nunca pecou;
- não deve recear a perseguição por parte da alma de D. João.

5- A afirmação de Manuel de Sousa de que “não há espectros que nos possam aparecer senão os das más
ações que fazemos” significa que apenas se devem temer os erros que se cometem conscientemente e
mostra que desconhece a motivação profunda de D. Madalena para recusar mudar para o palácio de D. João.
6- A alternância de tratamento de D. Madalena (senhora / tu) explica-se assim: no primeiro caso, realça-se a
sua condição social – Manuel de Sousa pretende mostrar severidade para chamar a sua mulher à razão e aos
seus deveres de membro da aristocracia; no segundo, a sua situação de esposa – ele manifesta ternura e
compaixão pelo sofrimento da mulher (“Minha querida”).
7- Na sua fala final, Manuel de Sousa reitera a sua intenção de dar uma lição aos tiranos e um exemplo ao
povo, afirmando que se tratará de algo que os há de «alumiar». Este verbo pode ser interpretado de duas
formas: por um lado, com o sentido de “dar luz”, revelando a decisão de incendiar o próprio palácio (cena XI);
por outro, com o sentido conotativo de “esclarecer”, como um incentivo à oposição e à recusa da submissão
e tirania.
8- A frase “Há de saber-se no
mundo que ainda há um
português em Portugal” significa
que nem todos os portugueses
aceitaram o domínio filipino e
explica a insurreição de Manuel de
Sousa, bem como o seu gesto de
rebeldia e desobediência.
9- As figuras dos esposos
Manuel Madalena apresentam traços psicológicos
que se opõem claramente:
- Razão - Coração
- Honra - Temores e
- Fidelidade ás agouros
suas ideias permanentes
- Firmeza -
Pressentiment
- Patriotismo os fatais
- Luta pela - Fragilidade
liberdade e - Descontrolo
pela emocional
independência
■ Elementos trágicos (cenas 7 e 8):
▪ Agón de D. Madalena:
- com Manuel de Sousa:
Manuel de Sousa, no regresso de Lisboa, resolve incendiar o seu palácio, para não hospedar os governadores Luís
de Moura, o conde do Sabugal, o conde de Santa Cruz, “que tomaram este incargo odioso… e vil, de oprimir os
seus naturais em nome dum rei estrangeiro”. O arcebispo já estava alojado no convento dos domínicos de
Almada.
Tomando esta atitude dos governadores como opressão, prepara-se para dar “uma lição aos nossos tiranos que
lhes há de lembrar,… um exemplo a este povo que os há de alumiar”, numa frase ambígua e profética. Para não
“sofrer esta afronta”, diz, “é preciso sair desta casa”.
D. Madalena interroga-se, aterrada, diante do inevitável (voltar de novo para o palácio onde vivera com D. João),
acerca do novo local de habitação. É a partir desta premente necessidade de mudar de residência que se
manifesta o conflito de D. Madalena com Manuel de Sousa. As razões de D. Madalena são óbvias:
1- “a violência, o constrangimento de alma, o terror com que eu penso em ter de entrar naquela casa”;
2- “parece-me que é voltar ao poder dele, que é tirar-me dos teus braços, que o vou encontrar ali”;
3- “vou achar ali a sombra despeitosa de D. João, que me está ameaçando com uma espada de dous gumes… que
a atravessa no meio de nós, entre mim e ti e a nossa filha, que nos vai separar para sempre”;
4- “sei decerto que vou morrer naquela casa funesta, que não estou ali três dias, três horas, sem que todas as
calamidades do mundo venham sobre nós”.Por fim, um pedido ansioso:
5- “Meu esposo, Manuel, marido da minha alma, pelo nosso amor to peço, pela nossa filha… vamos seja para
onde for, para a cabana de algum pobre pescador desses contornos, mas para ali não, oh, não!...”.
Ouvem-se as lágrimas, sente-se o sofrimento íntimo e atroz nestas palavras proféticas, dolorosas e ambíguas,
carregadas de duplo sentido, cheias de motivações profundas, claras apenas para D. Madalena, só obscuras para
Manuel de Sousa, desconhecedor do mistério e do segredo nelas contido.
Por isso, Manuel de Sousa, a princípio, interpreta esta repugnância como «capricho» bem feminino, e leva-
a à conta de «fraqueza de acreditar em agouros». Se o coração e as mãos de D. Madalena «estão puras»,
colo ele crê, em sua boa fé, então «não há espectros que nos possam aparecer». Espectros só os das «más
ações». Tudo isso são «quimeras de criança». Por fim, chama-a à razão e lembra-lhe as responsabilidades
que ela tem, por si e pelos antepassados: «Vamos, D. Madalena de Vilhena, lembrai-vos de quem sois e de
quem vindes, senhora…».
Vencida, mas não convencida, nada mais adiantará para D. Madalena perante o irremediável: incendiado o
palácio de Manuel de Sousa, vê-se forçada, muito a contragosto, a mudar de residência, a regressar a casa
de D. João de Portugal.
- com D. João de Portugal: manifesta-se na relutância de voltar a viver sob o mesmo teto em que fora
(não o era ainda?) esposa de D. João, e nas razões que apresenta (I, 7 e 8).
▪ A presença do Destino, que estabelece um clima de fatalidade que paira sobre as personagens. 
▪ Os agouros e pressentimentos de destruição e morte, como o da espada, que sufocam D. Madalena.
▪ O pathos de D. Madalena

■ Características românticas:
. crença em Deus;
. nacionalismo e patriotismo;
. interioridade / sensibilidade;
. adequação da linguagem às personagens: coloquialidade e emotividade – reticências, pausas, exclamações,
interjeições, repetições;
. Manuel de Sousa representa o herói romântico que luta pela liberdade e pela pátria, contra a tirania;
. D. Madalena é a figura romântica da mulher dominada pelo sentimento (medo, culpa, agouros, terror…).
CENA IX do ATO I

■ Assunto: Telmo traz a noticia da súbita chegada dos governadores de Lisboa (à exceção do
arcebispo, que fico hospedado no convento de Almada); Manuel de Sousa sente-se
enganado por eles, mas não o apanharam desprevenido
CENA XI do ATO I

■ Retrato da Manuel de Sousa


Este monólogo de Manuel de Sousa exemplifica a sua determinação, coragem e patriotismo. De
facto, “como homem de honra e coração”, o seu foco está no afrontar os governadores: se for
caso disso, está disposto a perder os seus haveres e até a sacrificar a própria vida, que considera
efémera (“vida miserável que um sopro pode apagar em menos tempo ainda!”), para se opor à
tirania. Por outro lado, a cena enfatiza os valores que Manuel de Sousa representa e que já
conhecemos: a honra, o amor à pátria e à liberdade, o despojamento dos bens materiais.

■ Função da cena: só nesta cena se compreende cabalmente o plano de Manuel de Sousa e,


por conseguinte, a necessidade de abandonar a sua casa.
■ Presságio: A evocação por Manuel de Sousa da morte desastrosa do pai (caiu sobre a
própria espada) associa esta morte a uma morte provável, no meio das “chamas ateadas por
suas mãos”. É mais uma prolepse da desgraça que irá suceder. Por outro lado, esta
passagem chama a atenção para a ideia de que é o homem que constrói o seu destino e de
que todas as ações acarretam consequências.
CENA XII do ATO I

■ Assunto: o incêndio do palácio.

■ Consequências do ato de Manuel de Sousa:


■ partida da família para o palácio de D. João;
■ aumento do terror e da angústia de D. Madalena;
■ criação das condições para o desenlace trágico.
De facto, o incêndio do palácio de Manuel de Sousa:
■ é um acontecimento imprevisto: só na última cena se consuma, pois Manuel de Sousa não revelara a
ninguém os seus intentos;
■ é um acontecimento significativo e dinâmico: implica o antagonismo entre o patriotismo de Manuel de
Sousa e a “tirania” dos governadores, em nome de um rei estrangeiro; entre o pundonor do cidadão,
senhor e dono de sua casa, e a “afronta” de estes hóspedes indesejados imporem a sua presença, sem
ao menos uma consulta, ou uma atenção com o proprietário;
■ altera gravemente a situação das personagens: D. Madalena, esposa ilegítima, adúltera e bígama, volta
novamente para o palácio onde tinha sido (não o era ainda?) esposa legítima de D. João de Portugal
(como, aliás, ela temia – cena 8); por seu lado, Manuel de Sousa vai para o palácio de D. João como um
intruso e usurpador de um lugar que não podia ocupar legitimamente;
■ precipita o desfecho pelo retorno de D. Madalena ao passado, à casa fatal, onde irão suceder os
acontecimentos trágicos mais importantes e significativos, ou seja, as desgraças profetizadas por Telmo,
vividas na consciência atormentada de D. Madalena, indiciadas pela perda do retrato de Manuel de
Sousa, anúncio fatal da “perda” da personagem retratada, e ainda o incêndio do palácio, destruidor da
“casa”, no duplo sentido de edifício e de família.
■Simbologia do incêndio: O incêndio e a destruição do retrato representam a antecipação da morte de Manuel de
Sousa. Por outro lado, o mesmo fogo que consome o quadro vai permitir igualmente a purificação da personagem. De
facto, após a morte de Manuel de Sousa para a vida mundana, dá-se a sua ressurreição espiritual como Frei Luís de
Sousa, um dos grandes prosadores portugueses do século XVII.
■ Características das personagens:
▪ Manuel de Sousa Coutinho:
- guiado pela razão, toma as suas decisões à luz de um conjunto de valores universais: a liberdade, a moral, a honra, o
patriotismo (ex.: a resposta dada às tentativas dos governadores, incendiando o seu palácio);
- generoso e nobre de alma;
- bons instintos morais, servidos por uma fé cristão vivida;
- sentido de serviço para com a comunidade a que pertence, no exemplo de resistência ao rei estrangeiro;
- irónico (“Ilumino a minha casa…”; “Suas Excelências podem vir, quando quiserem.”): exprime o desrespeito que sente
pelos governadores [a ironia e a metáfora presentes na primeira expressão contêm um duplo sentido: remetem para
a luminosidade que receberá os governadores, proveniente do incêndio do palácio; por outro lado, a expressão
traduz o patriotismo de Manuel de Sousa, que receberá os governadores com fogo e destruição. Segundo o
manual Entre nós e as palavras, «D. Manuel afirma que aceita a vinda dos governadores; mas o ato de destruir
demonstra a sua oposição. A ironia verbaliza a revolta da personagem e contrasta o que os governadores esperavam
que D. Manuel fizesse (submeter-se) e o que ele faz (insurge-se).”];
- sereno na decisão que toma: note-se, por exemplo, no eufemismo repleto de ironia que usa para se referir ao
incêndio que está a atear à sua própria casa (“Ilumino a minha casa…”);
- Manuel de Sousa é um herói romântico, porque se deixa levar pelas suas paixões de forma violenta, impulsiva e até
precipitada na defesa dos conceitos de honra e patriotismo.
 
▪ D. Madalena:
- aterrorizada com o ato do marido;
- dominada pelo Destino e pelo fatalismo e impotente contra ambos: a tentativa de salvar o retrato do marido, parecendo
prever o que daí adviria;
- ao ver o palácio a arder, a sua única preocupação consiste em salvar o retrato, parecendo adivinhar na sua destruição
algo muito grave. De facto, para ela a destruição do retrato pelo fogo prenuncia a destruição do marido e da própria
família;
- o cerco vai-se fechando à sua volta e os seus contínuos medos e terrores começam a ser justificados: D. João de Portugal
não regressou, mas D. Madalena vai ao encontro do passado.

■ NOTAS:
 Estas derradeiras cenas do primeiro ato são bastante rápidas. Aliás, desde a chegada de Manuel de Sousa, o ritmo, até
então algo lento, torna-se rápido e, depois, muito rápido, o que está em sintonia com o final espetacular do ato e com a
peripécia: a intriga adensa-se e afunila. Esta aceleração do ritmo da ação é traduzida pela pontuação usada: frases muito
pontuadas, pausadas por vírgulas, pontos e vírgulas e reticências, mostrando o precipitar das ações; os pontos de
exclamação marcam o sentimentalismo das cenas.
Manuel de Sousa afirma conceitos e características do Barroco: nada perdura, tudo muda, a vida é perpétua mudança,
tudo é aparência e sonho.
■ Discurso das personagens: Nesta cena, há um contraste evidente entre o discurso de D. Madalena e do de Manuel de
Sousa. Assim, ela mostra-se emocionalmente descontrolada, aterrorizada, e esse estado de espírito é visível no recurso a
frases curtas, interrogativas e exclamativas, nas invocações a Deus e no uso da interjeição «ai». Por sua vez, o marido
mostra-se tranquilo, pois está convicto da decisão que tomou. Quando se refere aos governadores, é irónico e sarcástico.
■ Elementos trágicos das cenas:
1.ª) Anteriormente ao início da ação: o amor-paixão por D. Madalena é, para ele, legítimo, porque a julga «viúva». Todos os
indícios, todos os testemunhos apontavam para a certeza da morte de D. João, ao fim dos 7 anos já passados desde o
desastre de Alcácer Quibir. Na sua boa fé, julga não haver qualquer impedimento para o matrimónio. No entanto,
inconscientemente:
a) colabora na mentira;
b) profana o sacramento do matrimónio;
c) comete adultério;
d) passa a viver em bigamia;
e) usurpa o lugar que a outro pertence, de direito.
2.ª) Dentro da ação: rebeldia para com as autoridades de Lisboa:
. Miguel de Moura, «um vilão ruim»;
. o conde de Sabugal e o conde de Santa Cruz «que deviam olhar por quem são, e que tomaram este incargo odioso… e vil,
de oprimir os seus naturais em nome dum rei estrangeiro!»;
. o arcebispo é «o que os outros querem que ele seja», isto é, uma personagem sem vontade e sem caráter, muito
acomodatícia, facilmente manobrável.
É, portanto, pelos mais nobres ideais que Manuel de Sousa recusa a hospitalidade aos governadores:
■ patriotismo que não tolera essa «afronta»;
■ resistência ao rei estrangeiro nas pessoas dos seus representantes;
■ lição aos fidalgos degenerados, e a «este escravo povo que os sofre, como não tiveram tiranos há muito
tempo nesta terra» (I, 7).
Revela, assim, um sentido heroico da honra, na ética feudal, paralelo à virtude romana (virtus) e à excelência
grega (aretê). Por isso:
. recusa receber, no seu palácio de Almada, os governantes de Lisboa;
. incendeia o palácio;
. desafia as autoridades e o próprio Destino (I, 11);
. entra em conflito aberto e voluntário com as autoridades (I, 8);
. aceita o risco calculado, até às últimas consequências: renúncia e perda de bens, generosa entrega da
própria vida (I, 11);
. recusa o perdão dos governadores, «se ele quisesse dizer que o fogo tinha pegado por acaso» (II, 1);
. sofre presumível perseguição, mas prefere estar escondido, naquele «homizio», como diz Maria, naquela
«quinta tão triste d’além do Alfeite, e não poder vir aqui senão de noite, por instantes, e Deus sabe com
que perigo» (II, 1).
Manuel de Sousa faz ainda sucessivos desafios ao Destino. De facto, quando afirma «Meu pai morreu
desastrosamente caindo sobre a própria espada. Quem sabe se eu morrerei nas chamas ateadas por minhas
mãos? Seja.» (I, 11):
. evoca uma fatalidade que parece existir sobre a sua estirpe;
. se o pai morreu desastrosamente (à letra, desastre é a maléfica influência de poderes ocultos e cruéis,
manifestados através dos astros, sobre os destinos humanos), também lhe poderá acontecer algo de
terrível, ao incendiar o próprio palácio por suas mãos. As figuras paralelas do pai e do filho como que se
sobrepõem, unidas em comum desgraça. Com efeito, Lopo de Sousa Coutinho é atravessado pela própria
espada: quem com ferros mata… Manuel de Sousa, o filho, tem a intuição profética de que as «chamas
ateadas por suas mãos» o poderão destruir, e com ele todos aqueles que o amam e a quem ama, D.
Madalena e Maria: quem brinca com o fogo…
De resto, não serão essas «chamas ateadas por suas mãos», simbolicamente, as chamas do amor adúltero
(descontada embora a sua boa fé) a uma mulher casada com outro, que o irão queimar e destruir? Cupido,
além de fatal, também é, por vezes, cruel.
■ Presságio/ indícios:
1.º) O incêndio, que destrói o palácio onde as personagens viviam numa certa acalmia e precipita o desenlace fatal:
* pode ser o prenúncio de morte para o mundo de Manuel;
* pode significar que o homem é vítima do seu fogo, da sua paixão, que o conduz inevitavelmente à destruição;
* pode ainda significar que é a ação do Homem que cria o destino, determina o seu futuro;
* pode, igualmente, apontar para um possível renascer das cinzas de Manuel de Sousa (com a tomada do hábito).
 
2.º) A destruição do retrato de Manuel de Sousa, queimado também pelo fogo, e a tentativa infrutífera de D. Madalena
o salvar simbolizam a destruição que também cairá sobre a família brevemente e a impotência das personagens para
travarem o Destino, bem como a morte psicológica da personagem retratada.
Peripécia:
-» o incêndio do palácio;
-» a mudança para o palácio de D. João de Portugal. 
▪ O páthos de D. Madalena vai-se intensificando progressivamente (clímax), até ao incêndio do palácio (acmê, o ponto
culminante) e perda do retrato.
 
▪ O caráter trágico desta cena e de todo o final do ato é ainda evidenciado:
a) pelo apelo insistente à fuga;
b) pelas informações das didascálias:
- o deflagrar das chamas;
- os gritos;
- o rebate dos sinos;
- o cair do pano (pode simbolizar a queda que conduzirá à desagregação da família).

■ Marcas do drama romântico:


. o fundo histórico: a presença dos governadores, o incêndio do palácio por Manuel de Sousa;
. os valores representados por Manuel de Sousa: a honra, o patriotismo representativo da identidade nacional, a
oposição à tirania, etc.;
. o culto dos sentimentos fortes: os gritos e os movimentos agitados e precipitados.

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