1988 - Velloso - A Literatura Como Espelho Da Nacao
1988 - Velloso - A Literatura Como Espelho Da Nacao
1988 - Velloso - A Literatura Como Espelho Da Nacao
Mnica Pimenta Velloso* 1. A tradio documental da literatura Em todas as literaturas imperativamente o pblico exige novos reflexos do meio, do tempo, da alma; grandes revelaes naturais e sociais do espao.(Autores e Livros 31.8.1941). A primeira vista parece que se est falando da arte fotogrfica, ao menos como ela foi concebida na sua origem, em finais do sculo XIX. Nessa poca, acreditava-se que a realidade s poderia ser capturada pela sbia e todo-poderosa rede da cincia. Assim, a inveno da fotografia vinha responder a esse anseio de objetividade. Ela passou a ser considerada quase um sinnimo de realidade. Todas, as vezes que se pretendia objetivar qualquer coisa, falava-se em retrato. O ideal fotogrfico acabou fundamentando uma determinada concepo de mundo cujo referencial era a visibilidade e a exatido. Da porque, no texto acima, vemos a idia da literatura-reflexo, da literatura-revelao. Ao longo de nossa histria poltico-intelectual, as mais diferentes correntes de pensamento tenderam a conceituar a literatura enquanto instncia portadora e/ou refletora do mundo social. Assim, a produo literria aparecia como reflexo imediato e diretamente condicionado pela ordem social. Raros foram os nossos autores que se rebelaram contra esse paradigma de anlise, buscando formas alternativas para pensar a relao literatura-sociedade. Os que tentaram esse caminho foram tachados de alienados, aliengenas, e definitivamente proscritos da legio dos escritores consagrados. Afinal, a grande acusao que sobre eles pesava era sria: desconhecer a nao! Era senso comum ver a literatura como veculo da nacionalidade. Nomes corno Olavo Bilac, Jos Lins do Rego, Cassiano Ricardo, Raquel de Queirs, Afonso Celso, Jorge Amado reforam, embora de perspectivas diferentes, essa vertente tradicional de anlise. Seja ao defender a literatura como "escola de civismo" (Olavo Bilac e Afonso Celso), seja ao consider-la como instrumento de conscientizao poltica (fase inicial da obra de Jorge Amado), a idia acaba sempre incidindo sobre o mesmo ponto., lteratura-sociedade via relao didtico-pedaggica. Essa concepo da literatura, que entre ns se constitui em verdadeira tradio, no mnimo simplista. Simplista porque apresenta a obra literria como mero testemunho da sociedade, corno uma espcie de documento destinado exclusivamente ao registro dos fatos. Perde-se, dessa forma, uma dimenso essencial da questo: a de que a sociedade ao mesmo tempo uma realidade objetiva e subjetiva. Se o escritor exterioriza seu ser no mundo social, ele
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Mnica Pimenta Velloso mestre em filosofia pela PUC-RJ e pesquisadora do Cpdoc. co-autora de Estado Novo; ideologia e poder (Rio de Janeiro, Zahar, 1982) e autora de A brasilidade verde-amarela; nacionalismo e regionalismo paulista e Os intelectuais e a poltica cultural do Estado Novo (ambos publicados por FGV/ Cpdoc, 1987).
tambm o interioriza como realidade objetiva. No h, portanto, um mundo dos fatos pairando acima do indivduo. Essa relao unilateral e objetiva entre os termos no existe. Existe, sim, uma profunda dinmica entre indivduo e sociedade feita de interaes, deslocamentos e modificaes. A produo literria um fenmeno social, na medida em que resulta de convices, crenas, cdigos e costumes sociais (ver Oliveira, 1984). Enquanto tal exprime a sociedade, no ipsis litteris mas modificando-a e at mesmo negando-a. Se a literatura emerge de uma determinada realidade histrica, isso no implica que deva ser o seu registro fiel, ou a sua fotografia. Ao contrrio: a literatura tende freqentemente a insurgir-se contra este real, apresentando dele uma imagem em que a prpria sociedade muitas vezes se recusa a reconhecer-se. Trata-se, portanto, de uma relao necessria, contraditria e imprevisvel (ver Paz, 1983: 12-34). Essas questes se referem a um problema epistemolgico de fundamental importncia no campo da teoria literria, que tem alis merecido a ateno dos especialistas no assunto: o da relao entre arte e realidade ,(ver Auerbach, 1971; e Lima, 1980 e 1984). O que nos interessa aqui mostrar como essa problemtica foi pensada pelos nossos intelectuais. Com base em que argumentos eles formularam. a equao literatura = sociedade? Ou, em outras palavras, por que motivos se consolidou entre ns uma tradio documental da literatura? Nossa condio de pas colonizado explica em parte essa situao. Antes de termos uma existncia histrica prpria, j ramos uma idia europia. Octavio Paz quem diz: "Somos um captulo da histria das utopias europias." Pas do futuro, Novo Mundo, enfim, uma existncia premeditada, imaginada e projetada ideologicamente pelo outro. Como o restante da Amrica Latim. o Brasil serviu de campo experimental ao saber europeu. Assim, os princpios da abstrao, racionalizao e sistematizao acabaram minimizando a individualidade, a imaginao e a inveno local (Paz, 1976; e Rama, 1985). Dessa forma, nossa literatura j nasceria comprometida com uma escala de valores adversa sua natureza ficcional. Racionalidade ao invs de imaginao, sistematizao ao invs de inveno. Essa herana cultural aparece magistralmente corporificada em um personagem de Garcia Marques chamado Florentino Ariza. Encarregado de escrever ofcios e relatrios, esse personagem se confronta com um srio problema: a incapacidade de faz-lo de acordo com as exigncias burocrticas. Florentino sempre descamba para a literatura. Mistura o mundo dos negcios com o mundo imaginrio, pragmatismo com subjetividade. Redigir um ofcio significa para ele a oportunidade de fazer literatura. Assim, literatura e documento acabam sendo uma coisa s. Realmente, o veto ao imaginrio e subjetividade tem sido uma constante em nossa histria intelectual. Para Lus Costa Lima, desde a independncia poltica do pas tem prevalecido nos escritos literrios o paradigma da objetividade. Seja atravs de Gonalves Dias cantando a saudade no exlio, seja atravs de lvares de Azevedo falando do seu "eu", visvel a tendncia ao pragmatismo (Lima, 1986). Debruar-se sobre um objeto exterior (seja ele a ptria ou a pessoa), dissecando-o e analisando-o como se fora um fato pronto a ser decodificado, ver a literatura como instncia encarregada de documentar e/ou descrever o "real". Essa concepo da literatura, vista como apndice ou epifenmeno da sociedade, de matriz positivista. Encarada como coisa menor ou discurso de segunda grandeza, a literatura s passa a ser respeitada quando escorada pelos parmetros cientificistas. Exige-se preciso, objetividade, exatido. Condenam-se os juzos de valor, as interpretaes e opinies. A realidade social concebida como um fato a ser examinado pelas lentes da cincia. Essa viso se faz presente nos paradigmas clssicos da crtica literria brasileira, atravs de Slvio Romero e Jos
Estudos Histricos, Rio de Janeiro, vol. 1, n. 2, 1988, p.239-263.
Verssimo. Se, para Slvio Romero, o padro de julgamento de uma obra literria a nacionalidade, para Verssmo esse padro a linguagem. Com as devidas diferenas, o raciocnio o mesmo: a literatura considerada como representao fiel de uma realidade maior que a condiciona, seja ela a nao, conforme o quer Silvio Romero, ou a lngua, como quer Verssimo. O que est em discusso uma determinada concepo ou modelo de realidade. E que realidade esta que a literatura deve tomar como paradigma? Que valores os escritores devem acatar, no intuito de terem suas obras reconhecidas? De modo geral, nossa crtica literria tem insistido num princpio: o da "verdade". E esta verdade deve ser buscada fora da mente humana, que considerada ilusria e fadada ao erro. A verdade reside no mundo dos fatos, dos acontecimentos e da ao. neste mundo que determinou-se estar o lugar do real. Continuando o nosso raciocnio: se a literatura tem como funo representar o real, como faz-lo? Recorrer aos aparatos conceituais da cincia, objetivar o seu discurso, conceituar. Foi o que fez a escola realista, quando procurou tornar o real acessvel descrio, definindo-o como "um campo complexo e produtivo, descontnuo, 'rico' e enumervel, nomevel, de que se deve fazer o inventrio" (Hamon, 1984: 175-176). A literatura se transforma, ento, num inventrio da realidade, j que essa realidade algo que pode ser mapeado. Est feita a associao: literatura = representao do real = documento ou inventrio. A partir da, possvel conceituar a literatura como o canal adequado para a captura do "real" (entendido como mera objetividade). Tal forma de ver supe uma transparncia ou uma correspondncia imediata entre a realidade e a obra artstica. como se ao artista coubesse a funo nica de retratar uma realidade j dada. No entanto, os objetivos da obra literria esto longe de ser estes. Em lugar de retratar o real, o que ela busca transfigur-lo. E problematizando a realidade histrica, transformando-a em aventura, que o autor constri sua obra. A Historia se confunde com a histria. A realidade histrica mero instrumento, matria-prima sobre a qual trabalha o artista quando recria a realidade. Voltamos questo inicial: por que, no interior do discurso literrio, a realidade foi reduzida ento mera objetividade, relato, fato? Por que nossa crtica literria se deixou marcar tanto pela mentalidade cientificista-positivista? Afinal de contas, por que tamanha nfase idia de nao e de ptria? Uma coisa certa: essa vinculao literatura-nao, da forma como foi feita, acabou dificultando a apreenso da literatura como forma discursiva prpria. Note-se bem: no estamos incompatibilizando literatura e realidade histrica, nem estabelecendo oposio entre subjetividade e objetividade. Se assim fosse, estaramos apenas reforando a tradicional vertente positivista da nossa crtica literria. O que estamos pondo em questo o vnculo obrigatrio, o compromisso que se estabeleceu existir entre a criao literria e a nao. No af de retratar o Brasil, nossa literatura inclinou-se mais para as tendncias realistas do que propriamente ficcionais. Isso porque ou a fico foi considerada matria de segunda grandeza (devido sua alegada incompatibilidade com o "real"), ou significava uma ameaa ordem de valores vigente. Pertencente ao universo da subjetividade, a fico passou a ser vista como pea indesejvel e prejudicial em um discurso cujo referente era exterior, ou seja, a nao. Obcecado pela captura do real-nao e pela caa ao documento, o discurso dos nossos intelectuais nasceu na confluncia entre o discurso histrico e o discurso literrio. Assim que as mais significativas expresses da sensibilidade nacional assumiram esse discurso heterodoxo, onde literatura e histria se confundiam na apreenso da nao.
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Essa mentalidade positivista, calcado no culto veracidade, daria origem a uma produo intelectual sui generis. Buscando interpretar o Brasil, os nossos ensaios se inspirariam nas mais diversas reas de reflexo, como a histria, a economia, a arte, a poltica, a literatura (ver Cndido, 1965). Dentro desse gnero que se enquadram as grandes reflexes sobre a nacionalidade, com as obras de Euclides da Cunha, Gilberto Freyre, Srgio Buarque de Holanda. A preocupao sociolgica que move esses autores tpica de toda uma gerao de intelectuais que se voltou para a busca de nossas razes civilizatrias. Para conhecer o Brasil, era necessrio dominar um instrumental de anlise que passasse pelo crivo da cientificidade. Munido deste aparato, nosso intelectual teria melhores condies de apreender a nacionalidade, diagnosticando seus males e propondo terapias. A sociologia este saber que ganha o estatuto da cientificidade, porque capaz no s de oferecer uma anlise mais "realista" da nossa situao, como tambm de nela interferir. Esse mito criado em torno da sociologia no passaria despercebido a Mrio de Andrade, que ironicametne a denominaria a "arte de salvar rapidamente o Brasil" (Mrio de Andrade, O empalhador de passarinho, citado por Sadeck, 1978: 81). no perodo do Estado Novo (1937-1945) que as idias salvacionistas ganham maior fora entre nossas elites intelectuais, preocupadas em marcar sua presena no cenrio poltico. No debate que ento se trava, um aspecto chama particularmente a ateno: a tentativa de redefinir o papel da literatura no seio da nacionalidade. j se sabe o quanto a literatura sensvel s oscilaes da poltica, servindo como rea estratgica na implementao das mudanas, venham elas de onde vierem. E este fato particularmente notvel no Estado Novo, quando o regime resolve tomar a seu cargo a esfera da cultura, utilizando-a como canal difusor de sua doutrina. Vivendo um momento de afirmao da identidade nacional, o regime se esfora por capitalizar os grandes nomes de nossa literatura, transformando-os em "vultos nacionais", responsveis pela nossa histria ptria.1 Da mesma forma que a concepo clssica da histria, a literatura tambm aparece como "mestra da vida", destinada aos exemplos edificantes e virtuosos. Assim, ela aparece como urna espcie de feito nacional realizado pelos nossos heris-escritores. Associa-se ento explicitamente a literatura nao, transformando-se a primeira num espelho capaz de estampar com perfeio a imagem da nacionalidade. Essas idias do uma dimenso da importncia que, durante o Estado Novo, atribuda literatura, vista como elemento-chave na constituio da nao. No toa que o regime prope que seja feita uma nova histria da literatura brasileira. Este projeto comea a ser implementado por seu porta-voz, o jornal A Manh, atravs do suplemento, literrio Autores e Livros. Esta fonte de anlise riqussima, pois oferece uma verdadeira genealogia da vida intelectual brasileira. Toda essa genealogia construda com base em uma determinada concepo de literatura, calcada na idia de representao da nao. Buscando legitimar tal concepo ao longo da nossa histria, o regime esbarra num adversrio: o movimento modernista. Por que adversrio? Onde estaria a incompatibilidade entre o regime e o movimento?
Esta idia tambm desenvolvida por Ana Cristina Csar (1980) a respeito do cinema no Estado Novo. Estudos Histricos, Rio de Janeiro, vol. 1, n. 2, 1988, p.239-263.
2. Um balano do movimento modernista Comecemos pelas afinidades. Tanto o movimento modernista como a ideologia do Estado Novo esto defendendo a literatura como veculo da nao, o papel do escritor engajado (ou ao menos inspirado na temtica nacionalista) e um projeto cultural centrado na idia de brasilidade. Aparentemente, ao menos nas grandes questes, reina o consenso. Mas essa idia no se sustenta por muito tempo. Na avaliao que o regime faz do movimento aparecem claramente as divergncias. J se sabe que a doutrina do regime se apropria do modernismo, estabelecendo com ele unia relao de continuidade em que o movimento acaba aparecendo como um prenncio do Estado Novo. Subjacente idia de prenncio, temos a de inacabado, imaturo, incompleto. Assim, o perodo modernista minimizado, perdendo sua autonomia e impacto, para aparecer apenas como o anncio de um perodo glorioso e maior que o Estado Novo. O modernismo sempre retomado como momento primeiro de um processo em que os desacertos predominariam sobre os acertos. Se so apontados os equvocos do movimento, se este visto como prenncio de um outro momento, porque se tem em mente um modelo. E este modelo o projeto literrio do Estado Novo. Que argumentao legitimaria esta idia? Ou, como os intelectuais do regime vo demonstrar a "superioridade" da literatura estadonovista sobre a modernista? A argumentao que fundamenta todo esse discurso pode ser resumida numa nica idia: a literatura do Estado Novo seria mais nacional. Mais nacional porque fruto da Revoluo de 30, que refletiria as aspiraes mais autnticas da sociedade. O contraponto com o modernismo imediato nascido do impacto da Primeira Guerra Mundial, este movimento refletiria muito mais a influncia externa do que a interna. Resultaria da um nacionalismo de carter puramente "sentimental e livresco". Sentimental, porque preocupado em demasia com a valorizao das coisas da terra. Livresco, porque restrito a um pequeno crculo de intelectuais. Assim, o movimento ironicamente descrito como uma "conspirao tramada entre meia dzia de intelectuais". j o nacionalismo estadonovista qualificado de "objetivo e realista", porque em comunho com os anseios sociais (Lousada, jun. 1942: 376-377). Para os idelogos do Estado Novo, o romance da dcada de 30 representa a verdadeira literatura, porque voltado para a construo da nacionalidade. Unindo os elementos insprados na modernidade com aqueles herdados da tradio naturalista, o romance de 30 iria perder muito do mpeto criativo modernista. Assim, da mesma forma que a literatura volta a ganhar sua aura identificada com uma funo social -o poeta reassume seu papel de guia, encarregado tambm de cumprir sua misso salvacionsta. Em uma palavra: promove-se a sacralizao da arte. A partir da, esta s concebvel quando atrelada a uma obrigao poltica. Logo, " ... o engajamento do artista reduzia-se suas possibilidades de comunicar, de transmitir, de fazer funcionar a literatura dentro do quadro maior da revoluo. Acrescente-se a isso a viso mecnica das relaes infra-estrutura e ideologia, alm da ingenuidade na concepo do 'real', e ter-se- a descrio do realismo 'socialista'(Lafet, 1974: 174). A caa ao real e a rgida atribuio de papis - o artista sendo encarregado da captura desse real mostra-se incompatvel com a literatura, cuja natureza ficcional. Ao longo dos anos
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30 tanto as correntes de pensamento da esquerda quanto as da direita vo negar essa natureza essencial da literatura, procurando subordin-la aos ditames -da poltica. Assim, a funcionalidade da arte, levada ao extremo, acaba esvaziando-a do seu verdadeiro papel, que o da transformao e recriao potica da realidade. O contexto social no impe nem determina a obra literria. simples pano de fundo sobre o qual se desenrola a trama ficcional. Na dcada de 30 pensava-se o inverso. A literatura vista como fraude, engodo, retrica, enquanto a sociologia representa a revelao e a ao. Jorge Amado em Cacau prope fazer um mnimo de literatura para um mximo de honestidade; Jos Lins do Rego em Meus verdes anos declara-se disposto a no recorrer s imagens poticas que podem encobrir a realidade (ver Sussekind, 1984: 170-171). Poltica, realidade, honestidade, verdade. Essas so tambm as palavras de ordem do projeto literrio do Estado Novo. Fazendo um balano do movimento modernista, os idelogos do e ime vo acus-lo de um erro capital: o de construir uma viso "literria" da nacionalidade (Lousada, mar. 1941). Associa-se literatura a fico, no sentido de incompatibiliz-la com a problemtica nacional. Nessa crtica, o que fica subjacente no a condenao da literatura em si mesma. O grande espectro a ser combatido a subjetividade, vista como prejudicial nao, Assim, no interior desse discurso j fica transparente um princpio: o da "vocao nacional" atribuda literatura. O que significa dizer que a literatura s deve ser reconhecida enquanto voltada para a tarefa de construo da nao. Neste ponto que o reside o x da questo para o desempenho da grande misso, necessrio que a literatura se mova dentro de uma determinada escala de valores. Esta escala, segundo os idelogos do regime, deve ser pautada pelos ideais da objetividade cientfica. Nessa linha de raciocnio que os intelectuais modernistas so desqualificados como intrpretes da nacionalidade, porque adversos a esses ideais. O fato de o nacionalismo modernista ser qualificado de "sentimental" e "livresco" denota claramente os valores que esto em jogo. O princpio da eficcia, pragmatismo e ao alocado no universo da sociologia, que o locus da "interpretao realista", em oposio interpretao literria, que aparece como terreno da pura subjetividade. Esta categoria apontada como verdadeiro descaminho para a construo do nacionalismo, j que envereda por trilhas que fogem ao controle da ao humana. nessa perspectiva que os modernistas so acusados de se perderem em "aventuras freudianas", paganismos e experimentalismos insensatos (Lousada, mar. 1941: 252-256). O que est em discusso o saber mais adequado para interpretar a nossa nacionalidade. Nacionalidade esta que se apresenta cindida entre duas realidades: litoral e serto . E curioso como essa oposio geogrfica ganha extenso, a ponto de se transformar em uma oposio de saberes. Ou seja: estabelece-se um verdadeiro confronto entre aqueles intelectuais que vem o Brasil literariamente (do ponto de vista do litoral e da cidade) e aqueles que o vem sociologicamente (do ponto de vista do serto e do interior). O exemplo que melhor ilustra essa diviso geogrfica de saberes, se que assim podemos cham-la, o de Machado de Assis e Euclides da Cunha. Machado corporifca o literato, cidado litorneo, cuja obra se caracteriza pelo "cosmopolitismo dissolvente". j Euclides da Cunha representa o socilogo que adentrou o serto; seu pensamento a "fora original da terra" (Ricardo, 1941: 549). O mundo das letras - personificada em Machado - passa a representar a parte falsa do Brasil, porque voltada para a cultura importada. l a sociologia - personificada em Euclides - se transforma na prpria expresso da brasilidade. A valorizao do mundo rural concomitante desqualificao do universo urbano. Nesse contexto de valores, escolher a cidade como temtica significa dar as costas ao "Brasil real". Como a maioria dos escritores cariocas, Machado se
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inclui entre os autores que optam pelos temas urbanos, tomando como cenrio a rua do Ouvidor, os sales aristocrticos de Botafogo ou os subrbios humildes. A revista Cultura Poltica, no desprezando o mrito de tais escritores, lamenta que negligenciem a "nobreza de suas razes rurais" (Lousada, ago. 1941: 277-279). Num contexto onde o universo urbano identificado como uma espcie de corpo estranho realidade nacional, escolh-lo como temtica significava, em ltima instncia, assumir o antinacionalismo. Esse esquema de interpretao da, nacionalidade centrado na geografia assume uma importncia indita entre ns. E . com base nele que vai ser construda uma espcie de tipologia intelectual centrada nas categorias litoral e serto. Extrapola-se, ou melhor, sofistica-se a tese dos dois brasis, que passam a configurar saberes opostos. A partir da, estabelece-se uma verdadeira antinomia, que vincula sociologia-objetividade-serto-brasilidade em contraposio a literatura-subjetividade-litoral-cosmopolitismo. A srie sociolgica, eleita como a mais capacitada para o conhecimento da nacionalidade, acaba desaguando na tradio regionalista. Explicando melhor: entre nossos intelectuais a regio sempre se constituiu em referencial obrigatrio para se pensar a nao. Sempre existiu o apelo s razes e tradies locais, enfim, idia de que o escritor s poderia realizar-se brasileiramente atravs do regionalismo. Assim, o ponto de partida para se traar uma interpretao da nacionalidade deveria ser regional e rural. Da porque os idelogos do Estado Novo sadam com entusiasmo o romance dos anos 30, vendo a corrente "sociolgica-regional" como anunciadora dos novos tempos. Segundo sua avaliao, tal corrente levaria a um reencontro com o Brasil, determinando o "fim do perodo subjetivo", dos "abusos da literatura" e do esteticismo modernista (Lousada, set. 1941: 291). A idia que, no modernismo, a literatura se esquivara de sua funo frente nao. Ou seja, ela caminhara sobre um terreno falso, porque se afastara das razes, do povo e da terra. Numa palavra: da regio. Quando os modernistas voltaram os seus olhos para o regional, o fizeram de forma errada. j vimos a causa. Afastados da sociedade, esses intelectuais construram idias falsas sobre ela, geralmente perdendo-se em divagaes. O trabalho de pesquisa folclrica desenvolvido por Mrio de Andrade um dos grandes alvos dessa crtica. Acusa-se o autor de fazer mau uso das ricas inspiraes da cultura regional, transformando-as em "frmulas de inveno pessoal". Mais uma vez a subjetividade que posta em questo. E, o julgamento severo: "O certo que nenhum deles (nossos modernistas) pde ir alm da superfcie e alcanar o que havia de real sob o nosso tdio. Ficaram nas lendas do folclore, ficaram no primitivismo. Ficaram numa pretendida renovao esttica de frgil valor objetivo" (Lousada, mar. 1941: 255; grifo meu). o chamado ao real que est em primeiro plano. Ocorre que os modernistas so desqualificados para lidar com a realidade. E por qu? A resposta pode surpreender: pela sua alegria, pela sua forma irreverente, irnica e jocosa de encarar a vida. A ruptura com a linguagem linear, a mistura de fico e realidade vista corno verdadeiro acinte "causa nacional". Os modernistas se dizem interessados na nao. Mas a forma como eles expressam esse interesse errada. Errada porque foge do srio, acusam os crticos do Estado Novo. A "alegria a prova dos nove" nos diz Oswald de Andrade. Realmente. Na dinmica modernista, a alegria ocupa papel central. Pondo em questo a linguagem acadmica formal, o riso desestrutura a antiga potica, contribuindo assim para a dessacralizao da arte. justamente
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a recusa desse esprito dionisaco, do humor e da blague que caracteriza o romance dos anos 30 (ver Lafet, 1974: 186). E essa reao herana modernista taxativa: "Passou a hora das coisas bonitas".2 necessrio, ento, encarar a dura face da vida. Beleza, alegria e humor no fazem mais parte desse universo, onde o modernismo se transforma num "doloroso equvoco", numa infantilidade que urge superar (Picchia, 1941: 426). Na crtica dirigida contra os modernistas duas questes se destacam: a primeira diz respeito subjetividade, vista como prejudicial construo da nao, na medida em que dificultaria o acesso ao "real". j vimos que o regime s concebe a literatura enquanto documento, capaz de imprimir a face da nao. No essa a concepo literria defendida pelos modernistas. Fugindo da tradio documental, eles no vo concordar com a rgida simetria que se pretende estabelecer entre literatura e nao. O tom dos escritos modernistas muito mais de perplexidade do que de constatao e de testemunho. Com exceo, verdade, do grupo Verde-Amarelo, que defendeu enfaticamente esta vinculao entre literatura e nacionalidade. No por acaso que a ideologia deste grupo vai predominar na doutrina do regime, notadamente a sua forma de conceber a literatura.3 J se sabe o quanto alguns dos nossos modernistas questionaram nossa identidade, jogando por terra a imagem de uma nacionalidade coesa e em paz consigo mesma. Nesse contexto conflituoso, a idia de simetria no tem lugar. A paternidade pura inveno autoritria: "O pater famlias a criao da moral de cegonha: ignorncia real das coisas mais falta de imaginao mais sentimento de autoridade ante a prole curiosa" (Oswald de Andrade, Manifesto Antropfago, em Fonseca, 1982). Se a nao brasileira ainda no se conhece enquanto tal, como pretender que a literatura seja seu registro infalvel? Como se preocupar com as simetrias, quando se desconhece a prpria matriz? Essa a viso que Oswald de Andrade deixa transparecer em todos os seus escritos, que nada tm de simtricos. E o que seria o Manifesto Antropfago (1928) seno uma proposta de ruptura com a nossa consagrada tradio documental? a partir da "desconstruo" dos documentos e de sua fragmentao que Oswald de Andrade nos apresenta a sua viso de Brasil. E esta catica e inquieta, insurgindo-se "contra todas as catequeses". No toa que este autor tenha sido um dos raros intelectuais intransigentemente vetados pelo regime do Estado Novo. J a avaliao da figura de Mrio de Andrade mais complexa. Se ele um estudioso da nossa etnografia e folclore, se est preocupado em resgatar retratos do Brasil - o que o aproxima do documentalismo -, no podemos dizer que sua literatura preencha completamente os requisitos do projeto estadonovista. Uma coisa certa. Em Macunama, escrito em 1928, clara a grande incompatibilidade do autor com o regime. Tratase de um retrato do Brasil. Mas este retrato no tem nada de documental! Misturam-se tempos, lugares, situaes. E o retrato do brasileiro acaba sendo o do "heri sem nenhum carter"... Um heri que a cada momento suspira: "Ai que preguia!" Um heri que mente, dribla, ctico e imaturo. E, alm do mais, vive conflitado entre valores culturais diversos. Ao longo de sua obra, Mrio probleiriatiza questes
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Este o ttulo de um artigo de Tristo de Athayde publicado em Vida Literria, 19.10.1930. Citado por Lafet (1974: 187).
Consultar a propsito Velloso (1983), mais particularmente o captulo 2, "O projeto cultural dos Verde-Amarelos", p. 24-65.
de fundamental importncia: o carter abstrato da identidade nacional, o trgico desencontro entre sociedade e Estado e entre intelectuais e povo (ver Sandroni, 1987). Essa forma crtica, irnica e livre de apreender a realidade nacional se choca diretamente com os paradigmas literrios do Estado Novo. O outro aspecto que o grande alvo da crtica literria o regionalismo modernista, acusado de visar puramente o lado esttico. Da ele ser chamado de "inconseqente" e "pobre de colorido", tendo apenas carter experimental. preciso sublinhar que esta desqualificao se refere a distintas formas de ver o Brasil. no interior do movimento modernista que construda uma viso de Brasil voltada para a desregionalizao. Viso esta adversa do regime, que refora a nossa tradio regionalista, conforme veremos mais adiante. Se at agora nos detivemos na avaliao que os intelectuais do Estado Novo esto fazendo do modernismo, porque ela nos permite compreender com maior clareza o projeto literrio defendido, pelo regime. No interior deste projeto, o requisito da objetividade assume importncia fundamental. Na maioria das vezes, quando se fala em objetividade, fala-se em sociologia. Idia esta que pode ser assim equacionada: conhecimento objetivo = sociologia. No discurso estadonovista, a categoria da objetividade vai se encontrar, portanto, diretamente relacionada com a defesa de um enfoque sociolgico da literatura. E esse enfoque exige urna ruptura com a esttica e a subjetividade, vistas como falsas porque incapazes de apreender a nacionalidade.
3. Resgatando o "discurso verdico"... Num contexto onde a sociologia identificada como o saber social capaz de amparar e dar validade aos outros saberes, a literatura passa necessariamente para a sua rbita de influncia . Assim, ela redimensionada, passando a ser a "voz da nao", espcie de orculo, capaz de revelar "verdades essenciais sobre a nossa histria, a nossa formao espiritual e principalmente sobre o nosso de. tino" (Moog, 1943: 21). Enquanto revelao da nacionalidade, literatura cabe a misso de retratar o pas, sendo o seu documento fiel e translcido. Ela deve ater-se, portanto, descrio da terra e do homem, cortando definitivamente seus vnculos com a fico. Essa ruptura com a fico implica um compromisso cada vez mais forte com a objetividade. Aqui o ponto a que pretendemos chegar, ou seja, o quanto nossa literatura se deixou marear por essas caractersticas. Ocorre que foi dentro dos moldes do pensamento positivista que a histria do nosso continente comeou a ser escrita. Atravs de Slvio Romero e do mexicano Francisco Pimentel. que assistimos s primeiras tentativas de reconstituio de nossa literatura, enquadrando-se esta dentro do projeto nacionalista (ver Rama, 1985: 91). Foi, portanto, sob o signo do pensamento positivista e de todo o seu corolrio de valores que o conceito de literatura comeou a tomar forma entre ns. Para a literatura adquirir validade era necessrio ganhar o veredictum da cincia. Da por que ela cresceu sombra protetora da sociologia, que lhe fornecia os requisitos necessrios ao seu reconhecimento social. Este marco de fundao acompanha nossa literatura at os dias de hoje. A cada esforo de reconstituio, vemos reeditarem-se os mesmos pressupostos tido como "cientficos": observao, preciso, descrio, objetividade etc. Nesses pressupostos est subjacente a idia de deciframento do real, do "verdadeiro", enfim, do alcance da profundidade. Philippe Hamon chama a ateno para este aspecto, mostrando a "verticalidade" como uma das principais
Estudos Histricos, Rio de Janeiro, vol. 1, n. 2, 1988, p.239-263.
tendncias do discurso realista, voltado que est para ler os signos do ser ntimo, verdadeiro e profundo. Nesse movimento estabelece-se, ainda, segundo Hamon, uma relao de tipo pedaggico onde a narrativa se estrutura como procura do saber (Hamon, 1984: 173). Na doutrina do Estado Novo, este fato claramente constatvel: trata-se de resgatar a "essncia" do ser ntimo Brasil. Neste resgate, a histria sempre chamada a testemunhar, ou melhor, a ensinar aos que ainda no sabem. Foi assim e assim dever ser, porque o passado o grande inspirador do presente. Tomando a seu encargo a tarefa de reconstituir nossa histria literria, a revista Cultura Poltica parte de dois -pressupostos: a evoluo simultnea da literatura e da poltica e o carter documental da literatura. Nesse contexto, a poltica pensada como unia espcie de matriz da literatura. Explicando melhor: a poltica que inspiraria os nossos primeiros escritores que, imbudos dos ideais nativistas, dariam voz aos anseios da nao. Mas seria apenas no romantismo que se efetuaria a unio das duas esferas, a partir da inseparveis (ver Fusco, 1942: 368-369). Assim, literatura caberia a funo de documentar e registrar nossa histria ptria. Esta a idia que a revista procura marcar, mostrando que a tendncia documental de nossa literatura remonta aos primrdios de nossa histria. Vamos encontr-la na carta dos escrives, nos dirios de bordo e nos sermes dos jesutas. Seja para exaltar as belezas naturais da terra, fixar os usos e costumes dos nativos ou prestar contas coroa portuguesa, nossa literatura sempre prestou-se ao papel documentalista. Ela foi a "pintura entusiasta da natureza" e o orgulho dos grandes feitos dos reis, navegantes, soldados e jesutas (Sodr, 1942: 142-147; e Pousada, fev. 1942: 241-243). Fica claro, ento, o papel que a literatura deve desempenhar. A reconstituio histrica tem este objetivo, qual seja, o de demonstrar que a nossa literatura sempre obedeceu a determinados parmetros. E fugir desses parmetros significa pr em risco a "vocao nacional" atribuda literatura. Por isso a condenao do modernismo, visto como experincia esttica que veio quebrar uma determinada linha evolutiva. l foi assinalada a tendncia conservadora do projeto literrio naturalista, cuja preocupao a de preservar identidades e estabelecer continuidades no corpo da nao.4 Ocorre que ao operacionalizar esse movimento, a literatura logo se depara com um problema: como captar a identidade frente uma realidade to fragmentada? Como estabelecer continuidade em meio a tantas ambigidades? Esse universo de contradies, onde se quer o uno no mltiplo, a continuidade na ruptura, sugere a metfora do espelho. Pretendendo o igual, ele apenas ludibria, pois a imagem projetada jamais corresponde ao real. Reflexo e real nunca podero se encontrar, posto que so inversos. Poderia existir, entre ns, metfora mais precisa do que a literatura como o espelho da nao?5 Conforme mostra o sugestivo trabalho de Flora Sussekind, a persistncia de um projeto literrio realista e documental se explica justamente pela dificuldade em captar nossa realidade, que demasiado complexa e conflituosa. O projeto se transforma, ento, num artifcio, quando a literatura a cmara fotogrfica que focaliza a nao (de acordo com a tica desejada, claro).
Ver Sussekind (1984: 94), A autora mostra a continuidade do projeto literrio naturalista, que teria sua origem no sculo passado, passando pela dcada de 30 e marcando presena nos anos 70. Esta idia da dissimetria entre a literatura e a realidade poltico-social da Amrica Latina trabalhada por Morse (1982).
Diludas as ambigidades, reconstitudos os fragmentos, possvel alcanar a simetria desejada entre literatura e nao. J vimos como a idia de objetividade se articula com a defesa de um enfoque sociolgico da literatura, concebendo-se esta como documento da nao. E como pensada esta nao? 4. O Brasil um arquiplago cultura! Entre ns, o nacionalismo sempre foi compreendido como a capacidade de retratar, o mais fielmente possvel, as coisas locais. Descrever lugares, cenas, fatos e costumes das diversas regies brasileiras significava entrar em comunho com a nao. Dentro desse quadro, as diferentes regies vo adquirir fora inusitada, dificultando uma viso sinttica da nacionalidade. O Brasil se transforma, ento, num verdadeiro arquiplago: " ... apesar da continuidade do territrio, no constitumos um continente, somos antes um arquiplago cultural. Com muitas ilhas de cultura mais ou menos autnomas e diferenciadas." (Moog, 1943: 22). Estas idias foram defendidas por Vianna Moog numa palestra realizada no Itamarati em 1940. Dando continuidde a este ciclo de palestras, dois anos aps, Mrio de Andrade faria a sua avaliao do movimento modernista. A viso da literatura e da nacionalidade expressa pelos dois autores radicalmente diferente. Defendendo a idia do Brasil enquanto "arquiplago cultural", Vianna Moog refora a tradio regionalista incorporada pelo regime. Em contraste com a "teoria da desgeografizao", proposta por Mrio, em que a preocupao maior era a de encontrar nas manifestaes culturais uma unidade fixada por nossa histria (ver Moraes, 1983), o regime insiste em acentuar as diferenas regionais. A prpria nfase nas metforas geogrficas Brasil = arquiplago; regies ilhas - traduz uma maneira de ver o Brasil em que a geografia o referencial de conhecimento. E ela que traduz a idia de fragmentao e isolamento. Se a literatura como a nao, posto que o seu espelho, ela incapaz de abrang-la como um todo. Seguindo esta linha de raciocnio, Vianna Moog apresenta seu projeto literrio: "Fragmente-se o Brasil em regies onde predominem o mesmo clima, a mesma geografia, as mesmas formas de produo, e o problema ficar imediatamente simplificado. L, onde esses fatores se conjugam numa certa uniformidade, pode ter-se a certeza de que h de encontrar um ncleo cultural homogneo e definidor, formando uma unidade parte no conjunto da literatura brasleira" (Moog, 1943: 22. o grifo meu). a defesa de um critrio regional para a literatura brasileira que est em jogo. Mais uma vez fica clara a nfase na geografia que informa a nacionalidade e, conseqentemente, deve informar o nosso projeto literrio. As vrias regies brasileiras so vistas corno "ilhas" e analisadas em ordem geogrfica. Assim, a Amaznia, de natureza exuberante e tropical, gera uma literatura marcada pelo ,$sentimento csmico". j no Nordeste, so os contrastes das paisagens os responsveis por uma literatura de cunho social, e assim por diante ... A idia a de que o meio geogrfico modela o homem, exercendo influncia determinante em toda a sua obra. No por acaso que a crtica literria identifica a expresso "realismo da terra" com fidelidade e autenticidade. Se o homem fruto do meio, sua obra deve, conseqentemente, refletir esse meio.
Esses so alguns dos argumentos que fundamentam a defesa de um critrio regional para nossa literatura. A teoria dos ncleos regionais como base para a elaborao da histria da literatura foi amplamente utilizada pelo Estado Novo.6 Esta idia que vai dar origem a um projeto ideolgico de grande envergadura: o de reconstruir a histria da cultura brasileira. A idia, conforme j vimos, toma corpo no jornal A Manh. atravs do suplemento literrio Autores e Livros, dirigido pelo acadmico Mcio Leo. Logo no seu editorial de lanamento, fica claro o cunho regionalista do projeto literrio. Anunciando-se disposto a divulgar a obra dos nossos escritores de provncia, o jornal se prope terminar com o exclusivismo cultural da metrpole. notria a importncia que confere ao local de nascimento do autor como determinante de sua histria de vida e produo intelectual. A idia a de que na sua regio de origem esto as razes sociais capazes de modelar a nao. Regio-autor-obra passam a ser projeo de um ideal maior consubstanciado na nao. o principio da semelhana e da identidade que ordena essas categorias, dentro de um universo centrado na idia de nao. Flora Sussekind traduz com preciso esta idia: "A tradio literria parece exigir no s que a obra se assemelhe a seu pas mas que todos os filhos (textos) se assemelhem entre si maneira de produtor em srie obediente ao molde paterno" (Sussekind, 1984: 30; o grifo meu). No projeto literrio do Estado Novo, a exigncia desta simetria obra = pas manifesta-se mais clara do que nunca. 0 prprio ttulo do suplemento Autores e Livros j explicita uma determinada concepo de literatura. Concepo esta que toma a anlise biogrfica, a histria de vida do autor como o elemento que d sentido obra. Supe-se, assim, uma correspondncia imediata entre o autor e a obra. Revisitando a vasta galeria dos nossos escritores, a crtica literria aponta um personagem destoante: Machado de Assis. 5 - A literatura rebelde: Machado de Assis A maioria dos autores que escreve em Autores e Livros mostra-se unnime em identificar Machado como elemento parte em nossas letras. O que significa isso? Em que aspectos sua obra iria entrar em confronto com o projeto literrio do regime? Onde estaria afinal a dissonncia? Um ponto claro: Machado no recorre ao gnero documental, escapando assim famosa simetria autor-obra. Por isso acusado de uma dupla alienao: em relao nao, quando no se interessa pelos problemas pblicos, e em relao a si prprio, quando nega suas origens. Logo, sua obra no se assemelha a ele que pobre e mestio - nem sua ptria, porque ele se identifica mais com os ideais gregos e ingleses. A simetria se realizaria se Machado se visse tal como , ou seja, se escrevesse um "romance mulato", com a experincia de suas origens e sua psique (Lima, 1941: 98). No nmero do suplemento literrio dedicado a Machado fica flagrante a ruptura que este realiza com o gnero documental. Fugindo da autobiografia, recusando-se a ser um mero retratista do seu meio, Machado estaria indo frontalmente contra os valores e padres estticos de
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Wilson Lousada escreve uma srie de artigos em Cultura Poltica em que toma o critrio regional como referncia na construo da histria da literatura brasileira.
sua poca. impressionante como essa ruptura vai causar impacto entre os intelectuais do Estado Novo, cuja maior preocupao de carter documental-biogrfico. Inquirindo sobre a vida de Machado, eles, consternados, concluem que: "No existe a respeito de sua origem humilde e de sua infncia pobre e triste, nenhum dado exato, nenhuma referncia objetiva, nenhuma informao minuciosa e documentada" (Peregrino Jnior, 1941: 105 e 111 ; o grifo meu). Essa ausncia de dados, de objetividade, vista como um verdadeiro empecilho para se compreender a obra machadiana. Sem a histria familiar, o autor e a obra literria correm o risco de se transformar em verdadeiros rfos. Ao negar a histria de suas origens, Machado estaria negando tambm uma hierarquia de valores que poderia explicar sua sensibilidade singular de escritor. Estas idias so defendidas por Peregrino Jnior num curioso artigo intitulado "A iconografia de Machado de Assis". Nele, o autor se esfora por recuperar a defasagem autor-obra, procurando reconstituir a histria de Machado atravs de fotografias. Na falta do texto escrito recorre-se fotografia, na esperana de que ela venha a preencher as lacunas deixadas pelo texto. Na descrio minuciosa do fsico, a tentativa de encontrar a histria de vida: " ... as feies se vo atenuando, o nariz mais fino, os lbios menos grossos, o prognatismo se esconde e disfara por trs da barba rala e do tmido bigode (...) h certa tendncia para uma composio mais doce e menos vulgar da fisionomia: talvez influncia do pince-nez (...) que lhe atenua at certo ponto a grossura do nariz e a dureza do olhar." E mais adiante, a concluso: " um branco e os resduos da cor e da raa, doena, do seu drama, enfim, so to escondidos que se torna quase impossvel descobri-los primeira vista" (Peregrino Jnior, 1941: 105). Este exerccio de imaginao e mesmo de detetive sobre fotografias "desbotadas e imprecisas" dimensiona bem a importncia que o regime credita documentao. A vida do autor deve ser transparente para que se estabelea a necessria transparncia entre ele, sua obra e a nao. Esta relao, conforme mostra o sugestivo trabalho de Flora Sussekind, uma relao familiar onde o que interesse resgatar o elemento semelhana. Este aspecto tem uma importncia muito maior do que possa parecer primeira vista. j foi assinalado o papel central que a instituio famlia ocupa dentro do projeto realista, constituindo-se mesmo em sua referncia obrigatria: "A meno de uma hereditariedade ou de uma famlia, como figura simultnea de referncia realista da classificao, de chamada e de nota informtica, (. . .) como figura de transferncia e circulao de um certo tipo de saber gentico (e reencontramos perpetuamente esta problemtica da circulao de saber) sem dvida importante. . . " (Hamon, 1984: 146). Concordamos. A ausncia do fator famlia na recuperao da obra machadiana salta aos olhos. Em todos os nmeros de Autores e Livros aparece uma sesso, logo na primeira pgina, intitulada "Notcia". A prpria etimologia da palavra j esclarece o significado da sesso: memria, resumo, nota histrica. Local e hora do nascimento, nome dos pais e avs, amizades de infncia, primeiros estudos etc., estes so alguns dados que fazem o perfil do personagem. Todos
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os autores so apresentados ao pblico atravs desses referenciais, onde a famlia desempenha papel chave. O flash-back, a recordao e a tradio so, portanto, peas indispensveis que vo dar sentido ao discurso realista. Acontece que Machado constitui uma exceo. Ele no tem o mesmo tratamento que os outros autores. O nico nmero do suplemento onde no aparece a sesso "Notcia" o nmero dedicado a Machado. Ele visto como verdadeiro "trnsfuga" por ter abandonado sua histria. Graa Aranha quem diz: "Machado de Assis no tem histria de famlia!" No tem, porque a esconde. Ele passaria a vida evitando as "tentativas de devassa" que os seus poucos amigos pudessem empreender para encontr-la (Lima, 1941: 98). Aqui entra outro aspecto importante: o grupo de amigos. Dentro do projeto realista, os amigos so referncia obrigatria, pois so aqueles que conhecem os antecedentes, Ou seja, colaboram diretamente na recuperao da tradio e da memria (Hamon, 1984: 146). Machado de Assis foge ao modelo. Ele tem poucos amigos. um solitrio, no vive em sintonia com a sociedade do seu tempo. Da a diferena do autor em relao ao restante da intelectualidade: sua obra no ele, no a sua "verdade", mas pura fico, ocultamento do real. O raciocnio mais ou menos este: se Machado no foi capaz de encarar a si prprio, reconhecendo suas origens humildes, como poderia encarar a sociedade em que vivia? Como retrat-la, se temia o seu prprio retrato? De onde se conclu: sua obra pura fico, iluso, fruto de uma mente alucinada que teme enfrentar o real. Assim, autor desenraizado = obra desenraizada. Este o tom do artigo de Tristo da Cunha que aparece logo na primeira pgina do suplemento (substituindo a sesso "Notcia", vale lembrar). O autor parte de uma suposta dicotomia entre a pessoa de Machado e o artista. A pessoa seria indulgente, discreta e cordata, enquanto o autor seria um analista cruel e um niilista. A chamada "crtica biogrfica" (Moyss, 1973: 58) incide num equvoco fundamental quando confunde o narrador com a pessoa do autor. Como eles no se correspondem (um cruel, o outro indulgente), ento a obra aparece como deformao, percepo distorcida da realidade, fraude. Para Lus Costa Lima, justamente no jogo ficcional. que reside a modernidade de Machado, capaz de articular dois nveis narrativos: o primeiro, aparentemente cordato, teria a funo de encobrir a virulncia crtica do segundo (Lima, 1984: 242-261). Se o autor evita uma crtica direta s instituies de sua poca, no deixa, contudo, de faz-la. no drama dos seus personagens que Machado habilmente deposita a crtica s instituies scio-polticas do seu tempo. Mas como esses dilemas no aparecem como reflexos imediatos da sociedade, a crtica machadiana acabou passando despercebida, e o autor foi acusado de ser um intimista, alienado dos problemas sociais. Atravs do suplemento dedicado a Machado, fica claro que o ponto sensvel e polmico de sua obra reside no perfil dos seus personagens. Isto no acontece por acaso, pois atravs do personagem que se revela o carter fictcio ou no do texto (Cndido, 1987). E como os personagens machadianos fogem ao "eu emprico do autor", reforando a esfera do imaginrio, a crtica literria mostra-se intransigente nesse aspecto. No h meias-palavras: seus personagens ou so bonecos, porque carentes do cenrio social, ou "amorais", porque refletem a personalidade solitria e doentia de seu criador (Amaral, 1941; e Leo, 1941). A doena, conforme observa Hamon, tambm faz parte do projeto literrio realista, que a interpreta como elemento revelador da obra artstica (Hamon, 1984: 147). Machado no escapa a esse gnero de interpretao. Ele visto como "retratista das contradies da alma", porque sua doena o coloca em sintonia com as anomalias sociais. Pela enfermidade que ele penetra no mundo subterrneo da mente, retirando de l a matria-prima para compor o universo conturbado
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dos seus personagens. Da se explicam o delrio de Brs Cubas e a loucura de Quincas Borba. Nesta perspectiva, Machado acusado de fazer o elogio da loucura, confundindo-a com filosofia. Vale a transcrio: "A obra do romancista parece-nos que poderia, sem impropriedades, ser representada em resumo por aquele hospcio de Itagua, do famoso conto O Alienado'. Doidos, doidos, todos doidos. Mas porque Machado repugnava a violncia, o alarido, o excesso, mesmo na loucura, todos os seus loucos so mansos. Quincas Borba, o pior de todos, no faz esgares. faz filosofia" (Autores e Livros, 28.9.1941). Em O alienista est contida uma das crticas sociais mais profundas ao sistema poltico-ideolgico brasileiro. Os desmandos do poder e da cincia, a manipulao das massas, os valores hipcritas de uma sociedade provinciana, tudo isso captado pela sensibilidade singular de Machado. Alguns autores interpretam este conto como verdadeiro libelo contra o poder, na medida em que desmascara a psiquiatria enquanto instrumento autoritrio de imposio de uma disciplina. Combatendo a escravido, a misria humana, as injustias e mentiras sociais, Machado considerado como um dos grandes autores sintonizados com o seu tempo (Strube, 1985.33-44; e Cledson, 1986). Se a crtica literria do Estado Novo insiste em desqualificar sua obra pelo tom de alienao nela contido, porque Machado fala uma outra linguagem que foge ao cdigo consagrado. Essa linguagem a subjetividade. Para um projeto que se pretende realista e "social", a subjetividade no tem absolutamente nada a ver. O narrador deve ser invisvel para proporcionar ao leitor a impresso da objetividade do relato. Note-se bem: a coincidncia do projeto literrio com o projeto historiogrfico iluminista. Ambos incumbidos de transmitir a "verdade" pela boca de um autor que se encontra destitudo de qualquer juzo de valor. por isso que Machado destoa. Recusando o ideal da observao cientfica e a tradio descritiva, tpcos da narrativa naturalista, o autor gera controvrsias. Da o tom de espanto e at de queixa registrado pela crtica ao constatar que sua obra "No tem paisagens, nem descries ( ... ) no tem mesmo ambientes. No encontramos tambm personagens nos seus enredos. Os funcionrios pblicos e as vivas que se multiplicam nos seus livros so antes situaes do que pessoas" (Lima Sobrinho, 1941: 106-107). Em suma: cobra-se a ausncia, Faltam paisagens, pessoas; falta a descrio! a "esttica do visvel" que quer a representao fiel do real, a fotografia exata, o milmetro dos detalhes. Machado recusa esta receita literria. Ao invs do retrato bem comportado, prefere falar pelas pulses e contradies dos seus personagens, deixando que o social a aparea. Interpretando o naturalismo como expresso tpica de nossa "adolescncia literria", Machado se coloca como um dos seus maiores opositores, criticando a viso de Ea de Queirs e de Silvio Romero. Mas a onda de protesto seria tamanha que o autor acabaria recuando e desistindo do seu papel de crtico do naturalismo (ver Broca, 1963: 9-72). o que importa destacar que Machado sempre ocupou posio de vanguarda no campo intelectual, minando com sua crtica mordaz o status quo da literatura. A obra de Machado tem, portanto, importncia-chave na nossa histria literria, pois seria capaz de subverter a relao tradicional entre fico e histria. Libertando a fico do seu papel subordinado, o autor a dota de autonomia suficiente para inspirar-se na matria histrico-poltica
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(Lima, 1984: 260). A nosso ver, justamente esse carter indito e revolucionrio da obra que a coloca em ntido antagonismo com a crtica literria do Estado Novo. No suplemento Autores e Livros, h um autor que reconhece o mrito da obra machadiana: Monteiro Lobato. Voz destoante do regime, Lobato distingue a originalidade de Machado no conjunto da nossa literatura, vendo-a como a ruptura com ,o patriotismo e a "grotesca brasilidade" (Lobato, 1941: 124). Astrojildo Pereira tambm defende o aspecto nacionalista da obra machadiana, argumentando que o autor seria tanto mais nacional quanto universal e tanto mais universal quanto mais nacional. Este outro aspecto nos interessa particularmente. a viso universalista do autor, Viso esta que vai diretamente contra a ideologia regionalista do regime. No toa que Jos Lins do Rego, fazendo sua apreciao sobre Machado, escreve um artigo com o seguinte ttulo. "Um escritor sem razes" (Rego, 1941: 99). Destacando a viva imaginao de Machado, Jos Lins lamenta que sua obra no seja um modelo para quem deseja obter um retrato do povo brasileiro. A crtica clara: no se faz literatura recorrendo apenas aos caminhos da imaginao. Se assim o fizer, o escritor incorre num grave erro: o de perder o contato com a nao! Por isso, Machado considerado como um autor desenraizado e at mesmo maldito, e compara-se sua obra com a de Edgar Allan Poe (a metfora dos corvos no aleatria). Walter Benjamin chama a ateno para a corrente literria que se detm nos aspectos ameaadores e inquietantas da vida urbana e suas multides (Benjamin, Poesia y capitalismo, citado por Veneu 1986). Tal coirente, a seu ver, estaria inspirada em autores como Oscar Wilde, Dickens e Allan Poe. No toa que Machado acusado de buscar inspirao nas obras de Poe e de ser um "autor desenraizado", espcie de bruxo maldito, fascinado pelas paixes e perverses humanas. A imaginao vista como verdadeiro desvio, quando impede que se realize a "vocao nacionalista" da nossa literatura. nesse sentido que Machado acusado de assumir frente nao uma "atitude literria". j vimos o que significa isso, quando a literatura vista como alienao, fuga e descompromisso. Para mostrar o descaso do autor frente aos problemas polticos, Autores e livros deixa a fala ao prprio Machado: " ... que me trariam os dirios? As mesmas notcias locais e estrangeiras, os furtos do Rio e de Londres, as damas da Bahia e de Constantinopla, um incndio em Olinda, uma tempestade em Chicago. As cebolas do Egito, os juzes de Berlim, a paz de Varsvia, os mistrios de Paris, o carnaval de Veneza. . . " (Lima Sobrinho, 1941: 198). O noticirio o discurso da monotonia. Acontecimentos iguais em todo o mundo, seja na Bahia ou em Constantinopla! o carter descritivo e a escrita transparente - monopolizada pela transmisso da informao - que parecem aborrecer Machado. Para ele, a literatura no cpia, descrio ou reproduo da realidade social. Fazer literatura significa sobretudo criar e/ou recriar o real. No de se estranhar que essa sua perspectiva no tenha sido compreendida na poca. Para a maioria dos crticos, ela no passava de "evaso" e alienao frente realidade. Esse julgamento no prprio de uma determinada poca, mas tem aparecido sempre que se tenta construir uma viso autnoma da arte: . . onde quer que se formule uma aspirao autonomista do campo esttico sem que se analise seu compromisso e confluncia com outras formas de relacionamento com o mundo, ser inevitvel que se a confunda com uma forma de evasionismo" (Lima, 1986: 156).
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Machado recorre a uma outra forma de relacionamento com o mundo social: a fico. E esta no o avesso da realidade. Apenas um outro canal, uma outra forma de captar e recriar o real. E por isso que ele se incompatibiliza com a crtica literria do Estado Novo, que consagra o paradigma naturalista. De acordo com esse paradigma, fico e realidade so termos absolutamente antagnicos. Logo, os que optam por uma categoria tornam-se automaticamente adversrios da outra. A outra grande dissonncia da obra de Machado indubitavelmente reside no seu carter anti-regional. Antnio Cndido chama a ateno para este aspecto, observando que a contribuio do autor decisiva para os rumos da nossa histria literria. Ao tomar como motivo de inspirao o homem universal, Machado estaria colocando o regionalismo como "opo temtica secundria" (Cndido, 1981: 61). Este corte com a tradio literria visvel em Instinto da nacionalidade, texto escrito em 1873. Nele, Machado vai defender os limites da temtica regionalista, mostrando-se totalmente avesso ao provincianismo. Baseado no exemplo da literatura inglesa, questiona a regio como foco rradiador da nacionalidade: "E perguntarei se o Hamlet, Otelo, Jlio Cesar, Julieta e Romeu tm alguma coisa com a histria inglesa nem com o territrio britnico, e, se, entretanto, Shakespeare no , alm de um gnio universal, um poeta essencialmente ingls" (Assis, 1959: 815-822). Assim, o grau de autenticidade de uma obra literria no passa necessariamente pelo critrio espacial - regio - nem tampouco temporal histria. Se as paisagens locais inspiram normalmente o escritor, isto no quer dizer que o esprito nacional reside apenas nestas obras. Assim, o que necessrio "exigir de um escritor antes de tudo, certo sentimento ntimo que o torne homem do seu tempo e do seu pas, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espao" (Assis, 1959: 817). Estas idias colocam a obra de Machado em flagrante desacordo com o projeto literrio do regime, centrado na tradio regionalista. O universal visto como uma verdadeira ameaa nao, na medida em que no se detm nas paisagens, ambientes e personagens locais. inconcebvel, portanto, se fazer literatura sem o referencial da regio: "Fora do seu ncleo cultural, o escritor, a menos que o traga entranhado na alma, quaisquer que sejam os caminhos que a vida lhe reserve, corre o risco de corromper-se. Conserva a habilidade, extingue-se-lhe porm o fogo interior. O homem sem ncleo cultural, como o sem regio e o sem ptria, uma utopia quando no uma indignidade" (Moog, 1943: 75; o grifo meu). No projeto literrio do Estado Novo o escritor tem um dever: ser fiel ao seu tempo e ao ncleo cultural de origem. Em outras palavras: literatura = nao, via regio. Rebelando-se contra esse modelo e essa forma de fazer literatura, Machado realizou uma dupla ruptura: de um lado, com a nossa tradio documental, de outro, com a tradio regionalista. No Instinto da nacionalidade essa ruptura se torna clara quando nossa tradio documental vista corno fruto da "adolescncia literria" em que vivemos, e quando o referencial de valor de uma obra literria deixa de ser o tempo e o espao para ser o "sentimento ntimo" do seu autor para com a nao. Sentimentos ntimos e impresses no combinam com objetividade, da mesma forma que o universalismo no tem lugar no seio da tradio regionalista. por esse motivo que o perfil de Machado to estigmatizado no Estado Novo. Nem o fato de ele ser o fundador da Academia Brasileira de Letras e de ser conhecido e respeitado internacionalmente consegue diluir a crtica
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do regime. Se lembrarmos que o suplemento Autores e Livros dirigido por um membro da Academia 'Brasileira de Letras, que a maioria dos seus colaboradores pertence a esta instituio, e que esta instituio desfruta do maior prestgio poltico, j que o prprio presidente Vargas acadmico, o fato adquire uma outra dimenso. Dimenso esta que revela o quanto foi profunda a ruptura introduzida por Machado no campo da nossa literatura. Se Machado representa a desobedincia ao "modelo paterno", j que contradiz as grandes linhas do projeto literrio estadonovista, em Euclides; da Cunha encontramos a consagrao deste mesmo modelo. =========================================================== 6. A literatura-modelo: Euclides de Cunha O primeiro aspecto que permite a capitalizao deste intelectual para o projeto literrio estadonovista o carter documental de sua obra. Diferentemente de Machado, a vida de Euclides um livro aberto: suas origens so fartamente documentadas, com retrato dos pais e avs maternos e paternos. Se a vida do autor assim, assim a sua obra, que um retrato do Brasil. Mais uma vez temos presente a idia da simetria: Euclides da Cunha se confunde com Os sertes. Mais do que isso: Euclides o prprio serto, Brasil.7 O autor descrito como tendo a "vulgaridade mameluca" da nossa "humilde e boa caipiragem". Ele no se "apavona"; suas vestes so simples, seu tipo despretensioso (Rangel, 1942). Curiosamente, a estrutura fsica do autor passa a vestir a estrutura de sua obra. Euclides o intelectual autntico porque fala sobre o seu meio rural, o serto, o mameluco, e o faz de forma simples, objetiva, despretensiosa e nacional: "As roupas de Euclides desconheciam os recortes da tesoura de Pool. Euclides no nega suas origens, no se envergonha delas, e por isso tambm no nega as origens de nossa nacionalidade. Como bom caipira que , reconhece o serto como bero da nossa civilizao, j que o nascedouro da nacionalidade tambm o seu. Essa identidade fundamental que une autor-nao - ambos tm razes interioranas - vai ser um dos aspectos capitalizados pela ideologia estadonovista na consagrao da obra euclidiana. A simetria autor-nao via interior claramente constatvel quando se compara a obra de Euclides com a de Machado. Enquanto o primeiro resgata o fenmeno Antnio Conselheiro como uma epopia, compondo uma verdadeira "sinfonia wagneriana", Machado compara os jagunos com os romnticos (Lima Sobrinho, 1941: 106). o lugar de onde fala o autor que vai autorizar ou no a "verdade" do seu texto. Falando do serto (e sobre ele) Euclides passa a emitir o discurso verdadeiro, srio e grandioso: a epopia. j o texto de Machado, que fala da cidade, no mnimo pouco srio, pouco convincente e superficial. H um texto notvel, onde Euclides vai deixar clara a simetria que entende existir entre autor-obra-nao. Analisando o papel do artista na modernidade, Euclides detecta uma mudana radical: o declnio da subjetividade e da religiosidade em prol da cincia. Para sobreviver, o artista deve priorizar as verdades extradas da anlise objetiva, vinculando-se cada vez mais ao
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Comentando o livro Anna de Asss, histria de um trgico amor (Rio de Janeiro Codecri, 1979), escrito em co-autoria com Judith Ribeiro de Assis, Jefferson de Andrade declara que enquanto escreveu esta obra no abandonou a leitura de Os sertes, para no confundir o escritor Euclides da Cunha com o homem. Judith de Assis refora este ponto de vista: "A obra de Euclides da Cunha uma das mais importantes da literatura brasileira, mas o homem Euclides nada tem a ver com a obra." Ver Idias, Jornal do Brasil, 15.8.1987.
seu meio. Ele adquire, ento, a "passividade de um prisma", refletindo aspectos da natureza e da sociedade. Donde se conclui existir uma crescente dificuldade do artista em transmitir sua emoo na obra de arte: o artista "retrata os brilhos de um aspecto da natureza, ou da sociedade, ampliando-os apenas e mal emprestando os cambiantes de um temperamento (Cunha, 1942a.74). A elaborao da obra de arte se d fora do artista, ou melhor, fora do circuito de suas emoes pessoais. Como um dos representantes da gerao cientificista de 1870, natural que Euclides defenda este ponto de vista que privilegia a observao sobre a emoo. Analisando o culto da observao, Lus Costa Lima mostra que, entre ns, esta no remete ao imaginrio do sujeito, estimulando a leitura de si mesmo, mas sim ao objeto observado (Lima, 1984: 201-236). o princpio da fidelidade, segundo o qual ao escritor cabe to-somente o papel de fazer falar o seu objeto. Assim, ele emudece as suas emoes e juzos de valor para deixar a fala ao objeto. A natureza se apresenta aos olhos do artista para ser descrita e observada, enfim, para ser "testemunhada verazmente". Na obra de Euclides, este aspecto claro: o escritor se comporta como verdadeiro observador que, munido da objetividade cientfica, descreve a natureza (Cunha, 1942b: 70). Ele nos fala, ento, de um "Amazonas real" diferindo-o da imagem subjetiva que temos deste rio. Assim, s impresses que nos sugerem os sentidos devem corresponder "verdades positivas". Estamos em pleno domnio do cientificsmo, do rigor e da preciso. No se exige do artista a mais absoluta neutralidade? Que ele retrate os brilhos da natureza e da sociedade, mal deixando transparecer, o seu temperamento... Estes so os pressupostos que norteiam a gerao intelectual de 1870, da qual fazia parte Escondes da Cunha. E este grupo, conforme j foi assinalado anteriormente, que introduz uma concepo sociolgica da literatura, ligada corrente realista-naturalista. O grupo encontraria em Taine um dos seus maiores inspiradores. Segundo a famosa trindade tainiana, a arte seria conseqncia direta do meio, raa e momento (Coutinho, 1980: 124-125). Essas idias, conforme j foi assinalado, exerceram influncia considervel entre os nossos intelectuais, vindo a se constituir em uma das vertentes mais slidas do nosso pensamento poltico. No Estado Novo, essa tradio minuciosamente recapitulada, analisada e atualizada. A defesa de uma abordagem sociolgica est de novo na ordem do dia, recorrendo-se ao aval da cincia para viabilizar a existncia da literatura. A fidelidade ao tempo, lugar e raa passa a ser o referencial obrigatrio por onde tem que passar a literatura para ser reconhecida enquanto tal. Euclides da Cunha segue exemplarmente esta trajetria, caminhando sob a inspirao de Taine. Significativo a este respeito o texto que Afrnio Peixoto escreve sobre Euclides da Cunha, reivindicando para o autor o papel de "pai da sociologia brasileira" (Peixoto, 1942: 70). Nele, fica claro que a instncia de consagrao de uma obra que se pretenda nacional h de ser a sociologia. Conhecedor da terra e da gente brasileiras, Eucldes iria inspirar vrias geraes de intelectuais: de Alberto Torres a Gilberto Freyre. No entanto, observa Afrnio, este aspecto no considerado na sua obra. Consagrado como epopia", valorizado pelo estilo, Os sertes acabara por se transformar em obra de arte. E vendo firmar-se seu reconhecimento literrio, a obra perdera seu carter mais importante, que era o de denncia social. Literatura e nacionalidade acabam sendo coisas incompatveis, j que a primeira acaba justificando crimes contra a prpria nao: Quase que o Brasil ou apenas sentia que seria justa aquela terrvel e canibal trucidao fria de cinco mil brasileiros inermes, e da tinham vindo Os sertes. Lembra a beleza de Helena, justificando toda e penitncia, por dez anos, dos guerreiros gregos e troianos. Terminvamos a
chacina com um saldo: Euclides da Cunha... Nunca a nossa admirao nos custara tanto. . . " (Peixoto, 1942: 70). A sociologia aparece como verdadeiro saber, capaz de conscientizar a nacionalidade dos seus problemas reais. Ela documenta, informa e age. Em contraposio, a literatura aliena porque se desenvolve no terreno da esttica, e esta incapaz de conviver com a realidade. Da o equvoco lamentvel, para o qual Afrnio Peixoto deseja chamar a ateno. A obra de Euclides, consagrada pela "beleza", acabara por emudecer a realidade que trazia. Mais uma vez temos a idia da literatura como universo do ilusrio, Mais do que isso: como verdadeira fraude. H ainda um outro aspecto que favorece a identificao da obra euclidiana com as idias do projeto literrio em questo: o regionalismo. j se apontou o critrio espacial como um dos princpios ordenadores da obra euclidiana (Sevcenko, 1983: 130-160). A maior parte de seus escritos gira em torno de trs referncias geogrficas - Norte, Sul e Regio Amaznica - e atravs delas que o autor desenvolve suas reflexes sobre a nacionalidade. Conferindo papel decisivo geografia como elemento modelador das diferenas regionais, defendendo o expansionismo territorial e o sertanismo, Euclides se transforma numa espcie de escritormodelo do Estado Novo. Afonso Celso o aponta como um dos nossos mais bizarros "heris-literrios" (Celso, 1942: 69). E esta faceta do heri que aparece na carta que Euclides enderea a Machado de Assim em fevereiro de 1904 (Cunha, 1942c: 71). Nela, o autor lamenta que o trabalho o afaste de seus autores preferidos - Taine, Bucke, Comte, Renan obrigando-o a lidar apenas com livros cientficos, esses "brbaros annimos". O dilaceramento entre o homem do "mau-ofcio" engenheiro - e o intelectual - amante das letras - indica a necessidade de praticidade, mesmo que custosa. Se o escritor visto como heri, no deve medir esforos para ajudar a obra de construo nacional. Euclides vai preencher estes requisitos- alm de literato e socilogo, participa na edificao da nossa rede ferroviria e fluvial. Autodefinindo-se como "homern prtico", distante das abstraes dos poetas e sonhadores, Euclides obtm o reconhecimento do regime, que o consagra como um dos grandes vultos da nacionalidade. Em contraposio, Machado de Assis acaba por encarnar o esteretipo do intelectual. "Inteligncia antigregria" (vivendo na sua torre de marfim), um desencantado com a cultura da sua poca, deixando-se apenas fascinar pelos "cavacos da Garnier". Este confronto entre Machado e Euclides revela claramente quais eram as instncias de consagrao do campo intelectual no Estado Novo. 7. Consideraes finais Literatura no documento, histria documento. possvel que se chegue a tais concluses aps a leitura deste texto. Se estas afirmaes so verdicas, necessrio, no entanto, relativiz-las. J vimos o peso que nossa crtica literria confere palavra documento, Este o fiel da balana que vai avaliar a contribuio da obra literria nao. Documento, objetividade, nao, aparecem como termos sinnimos. Dentro desse contexto, aventurar-se fora do gnero documental significa cair nas armadilhas e labirintos do imaginrio humano. Lembremos a crtica dirigida a Machado de Assis e aos modernistas: imaturidade, evaso, alienao e at demncia. Esses os riscos corridos por aqueles que ousam se afastar da objetividade e do jargo documentalista... J se sabe o quanto essa oposio objetividade x subjetividade resulta enganosa. Fruto do legado positivista, ela acabou por incompatibilizar discurso histrico e discurso literrio. Ou
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melhor: o discurso literrio s seria aceitvel se referendado pelo histrico (identificado como documento-objetividade). Aqui comea o equvoco. A idia de documento no subtende necessariamente a de objetividade. Ao contrrio: a escolha de um documento histrico pode ser inteiramente guiada por motivos subjetivos. No s isso. O mesmo se pode dizer em relao interpretao desse documento, capaz de dar margem a inmeras leituras. Se a obra histrica guarda certa dose de subjetividade, a literria no se indispe com certos parmetros da realidade objetiva. por isso que a obra literria tambm pode oferecer um retrato de poca. Ela recorre histria no na perspectiva de testemunho ocular ou reprter dos fatos, mas como intrprete, capaz de recriar poeticamente a realidade. Histria como matria inspiradora para a fico, reinveno da realidade. A obra de Machado de Assis um exemplo claro dessa fuso real-imaginrio, desde Memrias pstumas de Brs Cubas (1881). O autor parte de uma referncia histrica para montar sua fico. No se trata do Brs Cubas, fundador da cidade de Santos, conforme possa parecer ao leitor desavisado. Trata-se da histria de um indivduo narrada aps sua morte. No entanto, nessa narrativa de alm-tmulo entram desde os acontecimentos da conjuntura nacional s mincias do cotidiano. Os reflexos da queda de Napoleo Bonaparte, o perodo regencial, as dissenses polticas, a problemtica da escravido, a marginalizao e misria das camadas populares so fatos que se entrecruzam com as vivncias ntimas do personagem, suas frustraes polticas e amores secretos. Desaparece a contradio entre imaginrio e realidade, narrao e documento, impresso e registro, referencial interno e externo. A reconstituio da memria subjetiva. Tambm o Manifesto Antropfago (1928) refora essas idias. Nele Oswald de Andrade reinventa uma nova forma de contar a histria do Brasil: ao invs do documento, o fragmento. Histria, fico, poesia e poltica se misturam, desestruturando a narrativa tradicional: contra a verdade dos povos missionrios, contra as elites vegetais, contra os importadores de conscincia, contra a realidade social opressora. Um outro aspecto que denota a compatibilidade entre a histria e a literatura a captao do passado.8 Paul Veyne lembra que, assim como o romance, a histria tambm seleciona, simplifica e organiza o tempo. por isso que o historiador se aproxima da fico: ele tambm reinventa o tempo. Assim, o historiador "faz com que um sculo caiba numa pgina" (Veyne, 1982: 11). Que critrios ordenariam esses cortes, seno os da subjetividade? Toda essa argumentao deixa claros os vnculos entre a histria e a literatura, sem que sejam negligenciadas as especificidades dos respectivos discursos. Recapitulando as idias expostas, vemos que a tentativa de fazer uma nova histria da literatura brasileira aparece balizada pela idia de nao. Tanto a literatura como a histria devem espelhar o corpo e alma da nao, adquirindo uma funo claramente tica e pedaggica. A histria de vida do escritor passa a ser considerada elemento-chave, porque capaz de revelar os rastros de uma trajetria que se quer clara, exemplar e didtica. Assim, Euclides da Cunha to heri quanto Caxias. Suas histrias so a histria da nao. Dentro desse contexto de valores, a figura de Machado de Assis mais se aproximaria da de um Calabar: traidor de sua histria e da histria de seu pas. Esse aspecto cante A ausncia de dados biogrficos sobre o autor leva os crticos a cometerem verdadeiros malabarismos e peripcias dignas de um detetive. Para investigar a vida de Machado, recorre-se a depoimentos de amigos, anlise de suas fotografias e at mesmo grafologia. Mas Machado mostra-se indecifrvel. Indecifrvel tambm sua obra, acusada de trair seu pas e sua gente.
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Em vez de fazer de sua obra documento e espelho da realidade brasileira, Machado problematiza e recria essa realidade, fazendas emergir em toda a sua tenso e dinamismo. A no cabem intenes, convices e projetos a priori. A realidade (seja ela individual ou social) sempre supera as expectativas e surpreende: "No escrevi a histria que esperava; a que de l trouxe esta."9
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