Severino Galvao Prea - 11net
Severino Galvao Prea - 11net
Severino Galvao Prea - 11net
Entrevista
Poeta Antnio Francisco
A fotografia, segundo
Giovanni Srgio
Antnio Francisco diz que o mundo duro, mas tambm muito inspirador
Expediente/Cartas A palavra da casa Giovanni Srgio, o poeta da imagem Transfigurativismo - Em busca da conscincia mais profunda M8M homenageia Zaira Centro de Teatro est de cara nova Um velho caso amoroso Foco Potiguar O rock do Cumade Cristina invade o serto Um peixe pronto para voar Projeto Seis e Meia - Um marco na cultura contempornea potiguar Severino Galvo - O eterno rei momo de Natal Porto Filho - O poeta popular Poesia Potiguar A ginga da capoeira Recebendo boas-novas Modernos dois cajus maduros Spok Frevo Orquestra A narrativa performtica de A obscena senhora D Uma histria do lao entre mestre e discpulo, iluminada pelo dipo Uma alma resignada O que houve com Spengler e Toynbee Omagro Bienal do Livro de Natal Pedro Velho - Cultura ressurge sobre as runas do passado Entrevista - Poeta Antnio Francisco Pau dos Ferros - Cidade preserva tradies bem nordestinas Livros/Lanamentos 13 por 1 PS
Mar/Abr 2005
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FUNDAO JOS AUGUSTO Rua Jundia, 641 - Tirol - CEP 59020-120 Fone/fax: (84) 232.5327/232.5304 Governadora Wilma Maria de Faria Presidente Franois Silvestre de Alencar Diretor Jos Antnio Pinheiro da Cmara Filho PRE - REVISTA DE CULTURA DO RIO GRANDE DO NORTE ISSN 1679-4176 ANO III N 11 MARO/ABRIL/2005 DISTRIBUIO GRATUITA
C A R TA S
Senhores Sou catarinense, residente em VitriaES h 71 anos. Hoje estou com 73. Gosto muito de poesia, tanto que tenho um site www.poetas.capixabas.nom.br que divulga os talentos que este Estado possui. Dois grandes amigos que fiz, atravs da Internet, os poetas Fernando Antnio de S Leito Morais e Angelina Luiza de Souza Neta, ambos auenses, me enviaram um exemplar da Pre. Fiquei encantada. Quero parabeniz-los pelo excelente trabalho de divulgao da cultura norte-rio-grandense. Que 2005 oferea a todos da equipe oportunidades para realizarem seus projetos culturais (sei bem o quanto difcil e rdua a trajetria de quem quer divulgar a cultura em nosso pas) e pessoais.
(Vitria-ES)
Sr. editor A Pre 8 foi como todas as outras revistas, muito bem elaborada, com bons artigos e lindas fotos, e ilustraes de fazer inveja s redaes de outras revistas do mesmo gnero. Mas esta tem um gostinho e sabor diferente das demais para os filhos de Acari, e que residem em outras cidades ou Estados. um passeio precioso no tempo pelas 15 pginas dedicadas museologia, etnografia e historiografia de sua gente e de sua terra. Parabns a toda equipe que encara com seriedade e com o fino trato a coisa pblica.
A P r e e s t n a I n t e r n e t : w w w. f j a . r n . g o v. b r
PERIODICIDADE BIMESTRAL EDITOR TCITO COSTA [email protected] EDITOR ASSISTENTE GUSTAVO PORPINO DE ARAJO [email protected] ESTAGIRIO DAVID CLEMENTE
******************** Paraibano de nascimento e potiguar de corao, estou passando uma chuva aqui no Distrito Federal. Todos os anos, porm, fao um grande esforo para visitar meus familiares e amigos que deixei em Natal. Nesse incio de 2005, num contato com a livraria da FJA, do Praia Shopping, recebi da Sra. Adna Barreto a Pre 9. Fiquei encantado e ainda mais orgulhoso do nosso RN, pelo tratamento que est sendo oferecido a nossa cultura! Publicao primorosa em todos os aspectos, de uma profundidade e leveza sem par. Parabns ao Franois Silvestre, extensivo a toda a equipe da FJA, pela feliz e brilhante iniciativa!
PROJETO GRFICO E DIAGRAMAO LUCIO MASAAKI [email protected] ASSISTENTE DE DIAGRAMAO VIRGINIA HELENA LINS MAIA REVISOR JOS ALBANO DA SILVEIRA CAPA FOTO: GIOVANNI SRGIO
Mar/Abr 2005
r e v i s t a p r e a @ r n . g o v . b r
Sr. editor Recentemente visitei Natal, ocasio em que tive oportunidade de conhecer a Pre. A revista estava na casa de minha irm, Jolda Pinto. Fiquei surpreendido com a qualidade grfica e de contedo. Ficaria muito satisfeito se a nossa Patrulha Ecolgica-Goinia fosse contemplada com uma assinatura da revista.
Sr. editor
Sr. editor
Tive o privilgio de conhecer a Pre atravs de meus filhos, alunos da Escola Nossa Senhora das Graas, que fizeram um trabalho escolar sobre a cultura potiguar. Parabenizo a revista pelo alto nvel de informao, divulgao e resgate de nossa cultura. Aproveito a oportunidade para solicitar a doao da publicao Vicente de Paula Pinto para as bibliotecas de nossas duas escolas (Escritor - Goinia-GO) de Ensino Fundamental. ********************
Sr. editor A Pre 9 est um primor, casamento perfeito (se que existe...) entre a qualidade grfica e os textos fascinantes. como uma chuva de perfume nestas paragens insalubres em que vivo, rodeado de processos interminavelmente tristes uns, chatos outros. Corro agora pra casa, rede, leitura de capa a capa. Parabns!
Magnus A C Delgado
(Juiz Federal -1 Vara - Natal-RN)
******************** Sr. editor Conheci a revista Pre durante uma aula da faculdade e, imediatamente, percebi que no poderia mais viver sem ela. Essa revista desperta em ns o orgulho de sermos potiguares e, acima de tudo, nordestinos. Estou terminando o curso de licenciatura em Letras e Artes na UERN e adoraria compartilhar esse tesouro com os meus alunos. Seria eternamente grata se pudessem me enviar os exemplares futuros. Vida longa Pre. Longussima!
Gilvnia Holanda
(Professora - Apodi-RN)
O artigo Meu convvio com Emmanuel (Pre 9) remeteu-me ao velho casaro da Casa do Estudante, onde fui residente de 1970 a 1973 e de 1976 a 1977. Na foto, h cones que a minha semiologia saudosista identifica como semideuses de minha gerao-cidad. Emanuel a minha saudade j em musgos, mas to presente, vez que sua humildade, por resistir, era um presente dado aos que se incorporavam resistnJoarimar Tavares de Medeiros cia naquela poca. Franois (est na mes(Prefeito - Flornia-RN) ma foto) era nosso Diretor de Cultura. Resistiu no tempo em que a Ptria mais ******************** precisava. Agora, vejo-o escritor - consSr. editor trutor de metforas. Contemplo-o a um s tempo - gramtico e filsofo (basta ler Sou gegrafa e trabalho com as discipli- A palavra da casa, na Pre 9). nas de Geografia, Cultura e Economia Sales Felipe do Rio Grande do Norte. Gostaria de (Advogado - Natal-RN) passar a receber a revista, pois ela ir me servir como timo instrumento de trabalho, enriquecendo o meu dia-a-dia na sala de aula, alm de aumentar os meus CORREO conhecimentos pessoais. A autora do poema Preservao da Betnia Rodrigues lagoa do Apodi. Essa luta nossa!, (Professora - Caic-RN). reproduzido em parte na pgina 65, ******************** da Pre 10, a professora Maria LuiSr. editor za Marinho Gurgel. A poetisa j ps o ponto final em Vozes de um coUma bela edio, a Pre 10, e um belo rao, livro a espera de apoio para texto de Mrio Ivo. Tem a leveza, o sabor lanamento. A professora Maria e o aroma da cachaa que a famlia dele fabrica. Parabns a todos, e um especial Mnica Freitas, citada erroneamenao designer da revista. te como autora do poema, tambm Norton Ferreira pretende publicar um livro.
(Redator-publicitrio - Natal-RN)
Mar/Abr 2005
A palavra da casa
Franois Silvestre
ultura popular muito maior que folclore. O folclore encontra-se contido nela. A cultura popular abrange a produo, divulgao, consumo e estudo de tudo que originrio da ao humana. Portanto, a arte erudita tambm cultura popular. No existe cultura do prncipe. Se o prncipe for artista, ele produz cultura popular. Os ditos sofisticados que arrotam a pavonice da cultura como elemento de elite so apenas habitantes de um castelo que inexiste. como algum que senta nobremente mesa de um restaurante fino, come lentamente, pondo pequenas pores na boca, passa suavemente o guardanapo nos lbios, levanta-se quase flutuando, mas quando chega ao banheiro a finura some. Assim a cultura. Quem a produz o faz como representante do seu povo. Seja nobre ou plebeu. Toda cultura popular. O verso de Patativa do Assar ou de Fernando Pessoa. A toada de Catulo ou a ria de Verdi. Essa conversa fiada de arte fina ou cultura erudita mero complexo de inferioridade. Papo furado. Erudio de meia-tigela. Quando o poder pblico resolver tratar a cultura com o respeito que ela merece e no como marac de diverso, talvez a comecemos a caminhar na trilha do desenvolvimento e da paz. Assim como no h harmonia sem comrcio, tambm no h paz sem cultura. Porque a cultura o primeiro elemento de sublimao humana, sem cuja tessitura desfibra-se o carter. E sem carter no h compromisso coletivo com a paz. Como exigir de um garoto sem escola, sem instruo, mesmo que tenha lar e famlia, algum sentimento de repulsa ao delito? S a cultura cria esse elo que permite a distino do bem. Sem os malefcios do sentimento mrbido da culpa, que criado pela fornalha das religies. Ta a nova Pre. Cace uma, enquanto ainda h perspectiva de inverno.
Mar/Abr 2005
erta vez, o fotgrafo francs Henri Cartier-Bresson, falecido em 2004, disse que a cmera era a extenso de seus olhos. Tmido, Cartier-Bresson parecia observar o mundo atravs das lentes de sua inseparvel Leica. O potiguar Giovanni Srgio, fotgrafo por opo e provinciano incurvel, a exemplo de Cmara Cascudo, tambm lana um olhar criativo para retratar a sua terra e confessa que gostaria de dedicar mais tempo fotografia documental. Cartier-Bresson retratou personalidades como o pintor Henri Matisse, a cantora Edith Piaf, o filsofo Jean-Paul Sartre e outras personalidades do seu tempo. Giovanni Srgio parece se inspirar no fotgrafo legendrio quando diz que pretende fazer a fotografia ligada literatura. Quero retratar os intelectuais do meu tempo. Fotografar como eu, leitor, os vejo. S os da terra. Ou me volto para c, ou no fao nada. As quatro margens do rio, primeiro livro com fotos suas em parceria com a fotgrafa Angeles Laporta, j mostrava a preocupao de retratar as coisas genuinamente potiguares. O livro, publicado em 1997, com apresentao do poeta Lus Carlos Guimares e poemas de diversos autores potiguares, traz uma srie de fotografias sobre o rio Potengi desde a sua nascente em Cerro Cor, at o encontro com o mar em Natal. Em 1999, veio o premiado Natal 400 anos - uma viagem potica, livro com textos do poeta Nei Leandro de Castro, editado pela FIERN. Por ltimo, fotografou a Economia no tempo, publicao tambm da FIERN lanada em 2003 mostrando a evoluo econmica do estado e escrita pela professora Denise Mattos Monteiro. Arquitetura no tempo, outro trabalho com temtica potiguar j concludo, aguarda lanamento. Giovanni Srgio do Rgo, 49 anos, sabe como poucos valorizar o Rio Grande do Norte. Lembrando a antiga corrente que demarcava o final da cidade do Natal at a dcada de 60, o fotgrafo salienta a importncia de prestigiar as coisas da terra. Sou um fotgrafo que tem o olhar para o RN, no interessa o que passa da corrente. A minha provncia o centro do universo. A vontade, ainda no completamente preenchida, de retratar sua terra e sua gente traz descontentamento para o fotgrafo potiguar. Giovanni dedica quase todo seu tempo fotografia publicitria e teme o sentimento de fracasso. Gasto meu tempo com publicidade. Devo terminar como Willy Loman, personagem de A morte do caixeiro viajante. No final percebe que no registrou o seu tempo. Isso duro. Mar/Abr 2005 7
Rede de dormir
Passou dois anos e meio na Tribuna at aceitar o convite da Dumbo, agncia de publicidade que reunia na poca o designer Marcelo Mariz, o publicitrio Cassiano Arruda, o redator Nei Leandro de Castro e outros nomes que seguiram carreira prpria. A experincia no jornal foi suficiente para apresentar a Natal um fotgrafo que tinha cuidado no trato com a informao da imagem. Prefiro a fotografia que leve compreenso, a um entendimento melhor das coisas, que justifique o ditado que uma foto vale mais do que mil palavras. O
fotgrafo no esconde que a troca do jornalismo pela publicidade foi motivada por circunstncias financeiras. Giovanni levou para a propaganda a sensibilidade do retratista acostumado com as ruas. A busca pelo flagrante, pelo inusitado, foi substituda pela necessidade de incentivar o consumo. No jornalismo tinha toda oportunidade de documentar o meu tempo, fazer o jornalismo com a perspectiva da histria. Troquei pela publicidade para fazer a fico do real, o imaginrio...
outros autores que emprestaram seus es- talizar a Ribeira, na primeira metade da critos para seus livros de fotografia. dcada de 90. O abandono da rua Chile O estdio do fotgrafo, instalado num e arredores incomoda o fotgrafo. Esses prdio de 1920 na histrica rua Chile, programas de revitalizao so impratipossui onze prateleiras de livros no salo cveis. Deveria ser uma rua de fotgrafos de entrada. Os livros vo at o teto do e artistas, mas s tem eu. casaro que serviu de sede para a antiga Wharton e Pedrosa, empresa exportadora de algodo que pertenceu famlia do ex- As paixes e a inveja governador Sylvio Pedrosa. A maioria dos livros so clssicos da literatura nacional Sentado na sala de entrada de seu este estrangeira, mas tambm h lugar para dio, Giovanni Srgio comea a conversar alguns ttulos sobre fotografia e artes. sobre o que mais gosta. Incitado a coA opo de montar o estdio na rua mentar sobre a obra de alguns fotgrafos Chile veio logo aps a iniciativa de revi- que marcaram sua vida, ele primeiro faz 10 Mar/Abr 2005
uma observao bastante peculiar para quem parece perder tempo fotografando o imaginrio - Gosto de retratos. Fotografar pessoas que compem o meu tempo. A timidez do fotgrafo vai se dissipando medida que so citados alguns nomes. Primeiro, Cartier-Bresson, o mais clssico, considerado uma espcie de renascentista da fotografia. Giovanni Srgio compara a sensibilidade e perfeio de Bresson ao tambm francs Gustave Flaubert (1821 - 1880), autor de Mada-
Menino e peixes
me Bovary, romance realista de lingua- O sentimento de fazer valer a brasilidade, faz Giovanni Srgio destacar o nome gem extremamente trabalhada. do fotgrafo carioca Walter Firmo, nove Cartier-Bresson era um estilista. vezes vencedor do Prmio Internacional como um Flaubert de Madame Bova- de Fotografia Nikon. Gosto de Salgado ry. Esteve presente no perodo da efer- (Sebastio Salgado), mas destaco Walter vescncia cultural da Frana. O ameri- Firmo pela espontaneidade e alegria do cano Ansel Adams, cone da fotografia trabalho fotogrfico dele. Me d uma grande inveja no saber ser um Walter paisagstica, falecido em 1984, tambm Firmo. merece a lembrana de Giovanni Srgio. Pretendia fazer o que Ansel Adams fez Fazendo uma ponte entre fotografia e literatura, Giovanni compara as fotos de para os americanos. Mostrou a Amrica Firmo aos textos recheados de brasilidade para os americanos - ta o pas em que dos escritores Jorge Amado e Joo Ubalvocs vivem. do Ribeiro. Walter Firmo trata o povo
brasileiro com amor, o mesmo amor que Jorge Amado e Ubaldo Ribeiro. Firmo no trata da dor. No faz a esttica da pobreza. Os chamados fotgrafos da misria, definidos por ele como profissionais que querem ser artistas com o uso da misria humana, conseguem alcanar o sucesso graas ao interesse estrangeiro de ver o Brasil extico. Fazem isto como mero exerccio de ego, no tem bagagem literria e humanstica. No sou contra fotografar a misria, mas fotografar a misria como razo de um discurso pessoal. Mar/Abr 2005 11
O legado de Manoel
Pensativo e olhando para a rua, como se estivesse imaginando o dia em que a Ribeira ser tratada com o respeito que merece, Giovanni Srgio resgata o nome do jornalista e professor Manoel Dantas, retratista pioneiro na Natal do final do sculo XIX e incio do sculo XX. O fotgrafo mais importante do RN talvez tenha sido Manoel Dantas, um literato e homem frente do seu tempo. Escreveu em 1909 Natal daqui a 50 anos, um manifesto futurista se antecipando ao Para Giovanni, as fotos feitas por Manomodernismo. Dentre a multiplicida- el Dantas comprovam que ele sabia da de de Manois que ele era, era fotgra- importncia histrica da fotografia e do 12 Mar/Abr 2005
fo. No foi um grande fotgrafo apesar de ter sido o mais importante. Manoel Dantas, no incio do sculo XX, documentava timidamente, distncia. No se expunha como fotgrafo. O melhor registro de nossa histria dele, mais por ele ser nico. Deixou um acervo enorme e que precisa urgentemente ser tratado, destaca. O acervo a que Giovanni se refere guardado por Dona Slvia, viva de Osrio Dantas. Foi ela quem catalogou e tem memria para organizar.
registro do seu tempo. Jaeci (Jaeci Emerenciano, fotgrafo natalense), um grande paisagista, no teve a percepo da importncia histrica, compara.
Giovanni Srgio acredita que o advento das digitais cria mais naturalidade nas imagens. No se sabe mais quem est sendo fotografado, comenta, apontando para a mquina digital do fotgrafo Anchieta Xavier. A digital tira a obrigao do fotgrafo olhar atravs da janelinha. mais natural. H cumplicidade entre o fotografado e o fotgrafo. Os trs filhos de Giovanni (Giovanna, 17, Renan, 16, e Georgia, 14) j fazem fotografias e lanam na Internet. O fotgrafo lembra o fato da juventude absorver informao cada vez mais atravs de
imagens. Eles fotografam a si e aos seus grafia e fazer valer seu olhar diferenciado. como se ele, fotgrafo por opo, e jogam na rede, diz sobre os filhos. Giovanni concorda que fotografar ser deixasse que suas fotos falassem por si. cada vez mais fcil e corriqueiro, mas o E dissessem, que quem est por trs das avano tecnolgico no tira a necessida- fotos dos meninos brincando nas guas do Potengi, um adepto do uso da linde da sensibilidade do fotgrafo. Tudo guagem atravs das imagens to bem vai fotografar. Caneta, relgio, celular... captadas por ele. Todo mundo tem acesso ao retangulozinho, mas o olhar por trs o grande Eu sou a antipropaganda. Nunca tive um carto de visita, no tenho pgina diferencial. na Internet e nem placa na fachada do Giovanni Srgio aparenta despreocupa- estdio. O fotgrafo antes de tudo um o quando o assunto autopromoo. tmido. O desenvolto, extrovertido, norAvesso ao marketing pessoal, uma prti- malmente no um grande fotgrafo. ca que parece to em moda, o fotgrafo prefere acompanhar os avanos da fotoMar/Abr 2005 13
Tr a n s f i g u r a t i v i s m o
Em busca da conscincia mais profunda
efinitivamente a artista plstica potiguar Zaira Caldas nasceu para pintar. Ou foi para esculpir? Ou foi para montar? Autora de um novo conceito em artes plsticas, ela volta de Portugal para o Brasil, para Natal, sua terra de origem, a fim de apresentar o transfigurativismo. O nome transfigurativismo foi dado pelo poeta, jornalista e crtico de arte, Walmir Ayala, em 1992, durante a Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a ECO 92, quando Zaira j tinha a experincia de 58 anos de arte. Ayala explicou que o estilo deveria chamar-se assim porque transcende a tudo que j se viu na arte. Para definir, a autora diz que a transformao de uma imagem em outra com o poder de atingir a conscincia mais profunda. Vai alm da transfigurao porque transcende do artista por uma nova autonomia plstica, possibilitando ao espectador criar mltiplas formas metamorfoseadas em diversas dimenses, dependendo de como so vistas e sentidas. Seu irmo Dorian Gray Caldas, tambm artista plstico, elogia Zaira pela sua inventiva plstica, tensa e redescoberta na autonomia plstica de sua pintura. O
escritor Jorge Amado quando vivo registrou: sua obra vem somar, no complexo cultural nordestino, a realidade de uma conscincia sensvel a chamados aparentemente dspares. Apenas aparentemente, pois existe uma real unidade na obra da artista: seu profundo sentimento de amor vida. Seu conterrneo Cmara Cascudo escreveu: um temperamento que se expressa em arte forte, leal e ntida, documental e direita, antiga e contempornea, sabendo comunicar os valores da motivao. A verdade que descrever com palavras a arte de Zaira difcil at para grandes nomes da cultura porque o transfigurativismo s pode ser entendido quando observado de perto. De frente para um quadro ou escultura de Zaira, ponha sua imaginao para trabalhar livremente. Os galhos, razes e cores presas tela ganharo formas novas a cada nova pessoa que se propuser a interpretar a obra. Ora se v muitas pessoas num ambiente, ora, nenhuma. Ora uma floresta em decomposio, ora um bosque colorido. Cada obra ganha um significado que varia de acordo com a cultura de quem o admira. A ligao com a arte comeou inocentemente aos sete anos de idade quando ela e o irmo Dorian Gray brincavam de fazer construes de barro. Fazamos cidades inteiras, conta Zaira. Entre brin-
car com o barro e desenhar com carvo no cimento, ela ocupou o perodo de 10 anos. At que chegou 1944, 2 Guerra Mundial, Natal era chamada de Trampolim da Vitria porque servia como ponto de apoio para os Estados Unidos. Nessa poca, Zaira, ento com 17 anos, era assustada com o cotidiano tenso da cidade. No saamos de casa, no tnhamos luz, a sirene tocava... descreve ela, para mostrar o propsito que a fez mudar-se para o Rio de Janeiro. Na capital carioca, j casada, ela fez curso de cermica e tapearia. Foi a oportunidade de conhecer tecnicamente o que j fazia h tempos. E ento se consagrar recebendo seu primeiro prmio no Salo Nacional de Belas Artes.
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Tr a n s f i g u r a t i v i s m o - E m b u s c a d a c o n s c i n c i a m a i s p r o f u n d a
guras humanas dramticas. Minha vida no foi fcil, eu no tinha como pintar coisas bonitas, explica Zaira, dizendo que exprimia seus medos nas telas. At hoje pinto muita gua porque tenho medo dela.
nasceu Pedro lvares Cabral, Zaira fez mais exposies que no Brasil, ganhou reconhecimento e prestgio suficientes para receber o apoio necessrio para fundar a escola transfigurativista. Optou por recusar a oferta porque queria que o mundo soubesse que esse tipo E Zaira continuou a testar, misturar e de arte nasceu em Natal, Rio Grande produzir muitas telas at descobrir que do Norte, sua terra de origem. sua capacidade infinita e poderia atinEla pretende juntar pessoas interessagir pblico inimaginvel. Um dia desses das em aprender as tcnicas usadas por vi uma reportagem pela televiso sobre a ela para darem continuidade ao estilo. Itlia. Em um momento passou um ga- Vamos fundar a escola transfiguratibinete poltico e eu identifiquei um qua- vista. Assim como foi com o renascidro meu de raiz na parede. bom saber mento, arte moderna, barroco..., diz que meu trabalho est andando. a artista. At o Papa Joo Paulo II apegou-se ao trabalho de Zaira. A pintora conta que numa exposio coletiva de artistas de Natal, em 1991, o Papa ficou encantado com uma de suas telas e o arcebispo que o acompanhava pediu para comprar. Claro que eu no ia vender um quadro para o Papa. Eu dei de presente. Em janeiro do ano seguinte, Zaira recebeu uma carta do Vaticano agradecendo a bela composio artstica elaborada com elementos naturais. Mas lacnico interesse no basta, tambm ser necessria disposio, pois as principais matrias-primas usadas nos trabalhos tm que ser previamente preparadas para que a obra seja eterna. Primeiro uma visita ao mato para colher galhos, pedaos de pau e raiz que sero mergulhados em cido ntrico, depois tomaro banho de sal, assaro numa grelha ou sol quente e, por ltimo, cobertos por resina. Terminadas as preliminares, o criador decide se vai montar, esculpir ou criar um quadro. Zaira diz que s decide at esse ponto. Depois ela vai deixando a criao ganhar espontaneidade e forma. Confessa que algumas vezes pensou em obter um resultado e deparou-se com outro bastante diferente. A interpretao a derradeira e no so todas as obras que recebem nome.
A escola transfigurativista
Depois de 19 anos no Rio de Janeiro, ela foi morar no Distrito Federal, onde permaneceu por mais quatro anos e voltou capital potiguar. De Natal para Portugal, que foi o ponto de partida para visitar toda a Europa como artista plstica autnoma e professora de artes. No pas onde
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Mar/Abr 2005
artistas de todo o segmento, sendo em sua maioria artistas visuais, vem refle(Artista visual) tindo a vida, promovendo discusses, incentivando a produo e catalogando as artes visuais do Rio Grande do Norte, que culminar na edio de um livro/caonge de uma imagem romntica tlogo e uma exposio itinerante pelo de artista, nossa gerao tem uma prointerior do Estado. ximidade com a vida cotidiana. O artista contemporneo vive numa espcie de O dia 8 de maio tornou-se um dia sigassentamento permanente no prprio nificativo para a arte visual potiguar, por habitat, reativa e recria formas de artes iniciativa e persistncia do artista plsj realizadas, inventa maneiras de vidas tico Pedro Pereira, que em 1999 e 2000 no campo dos signos e da produo. O organizou um movimento com oficinas artista contemporneo um inventor de e exposies na Fundao Hlio Galvo trajetrias na semi-esfera da sociedade e em 2001 o Projeto Nao Potiguar realizou a I Mostra de Arte Contemporatual. nea, da qual fui curadora. Na ocasio, a Acreditar na percepo cultural do espa- historiadora de arte e artista pernambuo e ter uma orientao em direo ao cana Maria Ducarmo Nino realizou uma interior da narrativa biogrfica pode ser comunicao. o papel no primeiro tempo da arte hoje, j que a chave do discurso no est na Em 8 de maio de 2004, o M8M reaobra de arte, mas sim no intervalo/lugar lizou o Panorama 0.8-RN BRASIL, coentre o espectador e a obra. Perceber e letiva que teve a curadoria da jornalista captar o lugar uma maneira de surfar e crtica de arte Leonor Amarante e da sobre uma estrutura cultural flutuante pesquisadora do GRECOM (Grupo de e existente ao mesmo tempo em que se Estudo para o Pensamento Complexo) Snzia Pinheiro Barbosa, onde foi posvive dentro dela. svel diagnosticar a produo local, eviCom esse pensamento, o M8M (Movi- denciando-se a necessidade de informamento Oito de Maio), constitudo de es e intercmbios.
Sayonara Pinheiro
Este ano, em comemorao ao dia 8 de maio, o M8M realizar um assentamento de artistas de 1 a 8 de maio no ANDAIME, que contar com a presena de artistas da Paraba, Pernambuco e Cear; palestra de bis Hernndez, curadora da IX Bienal da Havana no Brasil, no dia 6 de maio no Solar Bela Vista. O tema abordado ser a organizao da Bienal de Havana. bis ter uma conversa com artista na Fundao Capitania das Artes. O tema abordado por Leonor Amarante no dia 7 ser curadoria e Walter Wagner, artista paraibano, ministrar uma oficina de montagem de exposio de 3 a 5. Haver tambm, um dilogo com Xico Chaves, coordenador do setor de artes visuais da FUNARTE no dia 8. Ivens Machado, artista visual e representante oficial do Brasil na ltima Bienal de So Paulo, ministrar uma oficina e far uma instalao. A comemorao prev exposio coletiva na Fundao Capitania das Artes, na Pinacoteca do Estado e intervenes no corredor cultural. Tudo isso com artistas convidados do Rio Grande do Norte. Em 2004, o 8 de maio homenageou Marcelus Bob, que fazia 25 anos de arte. Este ano, a homenagem para Zaira Caldas e seu universo criativo conduzindo o eu transfigurativista. Mar/Abr 2005 17
Centro de teatro
Por David Clemente
Fotos: acervo do CEFPT ngana-se quem imaginar que salas com paredes negras so sombrias. As paredes das salas em que os alunos do Centro Experimental de Formao e Pesquisa Teatral (CEFPT), da Fundao Jos Augusto, tm aulas so negras como a noite e poticas como a lua cheia. O CEFPT, mais conhecido como Centro Experimental de Teatro, est localizado na avenida Hermes da Fonseca, colado ao Aeroclube, em Natal.
A cor das paredes das salas foi um dos itens que a recente reforma do Centro contemplou. A fachada tambm ganhou nova cara, agora tem mais cores e melhor identificao, o que trouxe para o Centro mais alunos e mais pblico. O interior parece ter recebido vida prpria e sorri para os visitantes de to acolhedor que ficou. A parte administrativa tambm deve ganhar uma mudana em breve. Uma delas a criao de um banco de textos do Estado do Rio Grande do Norte, com produes individuais e de grupos potiguares.
Por semestre so oferecidas 160 vagas para o aprendizado da interpretao. Os futuros atores ficam espalhados por quatro turmas de 40 alunos, cada. E se revezam por oficinas permanentes que tm perodos letivos de trs meses, lecionadas pelos professores Marcos Martins, Fernando Yamamoto, Lenilton Teixeira e Mariana Guimares, todos com formao em Artes. Ao final do curso, os alunos podem mostrar a eficincia das suas caras e bocas e eloqncia, montam o espetculo que ser o exerccio final. Formados, todos recebem certificado de concluso.
do, mais de 20 grupos j montaram seus espetculos nas salas da casa. O CEFPT uma opo nova para a cidade, um espao alternativo para quem quer se experimentar e no tem onde, diz Joo Marcelino. O filme Fabio das Queimadas - O poeta da liberdade apresentado na mostra DOCTV - Brasil Imaginrio, em setembro de 2004, um exemplo disso. A escolha e preparao do elenco foram feitas inteiramente no Centro. E se os grupos produzem, montam, ensaiam no Centro e no tm onde apresentar? Voltam ao Centro para isso, oras. O projeto Teatro Alternativo uma parceria com o Departamento de Artes
C e n t r o d e Te a t r o e s t d e c a r a n o v a
po em que estava impresso o programa de um dos projetos que mais levou aplausos para o Centro, o Caf Teatro. Em 2002, quando o projeto teve incio, foram realizadas cinco leituras dramticas; em 2003, mais cinco, sempre aos sbados. Em cada sesso, que era dividida entre o Prato de Entrada e o Prato Principal, uma mdia de 100 espectadores prestigiavam os atores locais que interpretavam textos de autores potiguares e nacionais. O projeto ficou to bem conhecido na cidade que o pblico passou a pedir por ele. Em razo disso, em 2005 o projeto Caf Teatro ser nosso carro chefe, adianta o coordenador.
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), com o Teatro Municipal Sandoval Wanderley e com a Casa da Ribeira. Atores e estudantes oriundos dos trs locais j utilizaram o Centro Experimental para apresentarem-se. Especialmente alunos formandos da UFRN com seus projetos de final de curso.
quebrar a mxima de Cmara Cascudo em que ele diz que Natal no consagra, nem desconsagra ningum. Eu digo que consagra sim.
Sagrados so os poetas, que to bem traduzem a vida. Sagrados, todos os atores so por tornarem seus, os filhos dos outros, ao representarem, com a alma tanPara Joo Marcelino, os espetculos exi- tas personagens. Fragmento de poema bidos no Centro movimentam o mundo de Joo Marcelino, escrito no inverno de artstico e formam atores. Eu brigo para 2002 e publicado no mesmo papel de 20 Mar/Abr 2005
as funes de figurinista, cengrafo, diretor, ator e ainda produtor de adereos. Atualmente ele assina os espetculos Chuva de Bala no Pas de Mossor, que ocorre anualmente em julho, e Oratrio de Santa Luzia, que exibido em dezembro. A entrada no CEFPT aconteceu em julho de 2002 graas a trs indicaes: dos artistas, do deputado estadual Cludio Porpino e do presidente da Fundao Jos Augusto Franois Silvestre. Para ele,
o convite foi conseqncia de toda a dedicao que ele investiu em si. Tanta que ficou entranhada no seu dia-a-dia. Para suprir sua necessidade de encenar ele faz teatro na prpria residncia, no seu cotidiano. No sobra muito tempo para trabalhar como artista. Precisamos apenas de alma para fazer arte, considera Joo Marcelino, que inclui a arte entre suas poucas ambies. Dem-me uma sala escura para criar fantasias e eu serei um homem feliz.
P o t i g u a r
Marco A. Felipe
livro Luzes, Sombras e Magias - Os filmes que fazem a histria do cinema (Sebo Vermelho Edies, 2005), do escritor potiguar Moacy Cirne, foi lanado em maro como mais uma homenagem a Stima Arte. Como toda produo cinfila, este livro o resultado de uma paixo que remonta a dcada de 50, mais precisamente ao Cinema Pax (Caic-RN) e a revista manuscrita Cinematic, cujo editor, redator e nico leitor se confundiam. Em sua trajetria, Moacy destaca dez momentos, dentre eles, Luzes da Cidade (1931, de Charles Chaplin), que preencheu sua existncia de menino calado; A Aventura (1960, de Michelangelo Antonioni), que o comoveu a ponto de deix-lo apaixonado pela obra como concepo cinematogrfica; e Assuntina das Amrikas (1976, de Luiz Rosenberg Filho), que o arrebatou pelo desespero e grandeza de sua narrativa anti-romanesca. Aps comentar alguns filmes, nos brinda com o sempre possvel futuro cinematogrfico a partir de um conto-argumento de sua autoria. Sendo a produo de um cinfilo, Luzes, Sombras e Magias... tm seus cnones, suas escolhas e selees particulares. No entanto, o estabelecimento dos melhores filmes no emana da particularidade sem critrios. Ao contrrio, tem no uso orgnico
da linguagem do cinema o seu elemento definidor. Alm de seus filmes preferidos, como Cabra Marcado para Morrer (1984, de Eduardo Coutinho), Moacy Cirne analisa livros necessrios queles que fazem da Stima Arte o caminho do futuro. quando comenta Cine Lembranas (Sebo Vermelho Edies, 2004), que resgata a crnica e a crtica cinematogrfica de Berilo Wanderley, um potiguar que escrevia sobre cinema entre as dcadas de 50-70, em Natal-RN. Como auxlio luxuoso aos cinfilos, indispensveis aos momentos que se dirigirem s locadoras, Moacy tem suas listas interminveis: 440 filmes ao todo (de O Encouraado Potemkin, passando por Deus e o Diabo na Terra do Sol, a Dogville), listados e comentados sem o academicismo enfadonho que esquece o objeto e prende-se a teorias mirabolantes e circulatrias. Seu livro tem, ao mesmo tempo, a marca da cinefilia e da memria, relacionando cinema e vida sob a perspectiva da anlise e crtica vivenciais. Portanto, atravs dos filmes, surge um cenrio do mundo: o Rio Grande do Norte. Mais especificamente, as cidades de Caic e Natal, a partir, respectivamente, do Cinema Pax e do Cinema Rex. Outro momento importante a fundao do Cine Clube Tirol, desenvolvido com os amigos Anchieta Fernandes, Francisco Sobreira, Jarbas Martins e outros. Assim, Moacy Cirne no fica preso ao objeto como a semiologia mais banal fez em vrios momentos. Ao contrrio, relaciona cinema, espao e tempo para, atravs de sua escrita, adentrarmos no passado dos cineclubes e sesses de arte locais, dos cronistas e crticos potiguares e, principalmente, no esprito de uma poca que para ser cinfilo era preciso muito mais do que ver filmes. Era necessrio, antes de tudo, imagin-los,
j que no havia possibilidade de assistir grande parte do cinema no-comercial na cidade de Natal dos anos 50-60 que, ainda hoje, permanece uma provncia, uma aldeia.
artes cnicas. Aos 14 anos, j tocava violo e bateria. A primeira apresentao Foto: Anchieta Xavier aconteceu nesta mesma poca, no palco do teatro do Sobradinho. Pouco tempo cantor Gustavo Costa, 31 anos, depois, veio o curso profissionalizante na cresceu ao som das baladas de rock da Escola de Msica de Braslia. Legio Urbana e outras bandas de suces- O cantor guarda muitas lembranas dos so dos anos 80. Tudo muito natural para anos vividos em Braslia. A mais viva dequem nasceu e morou em Braslia at os las talvez seja um show da Legio Urbana 23 anos. O estilo de vida na capital feem 1989. A apresentao, marcada pela deral, celeiro das bandas Capital Inicial, histeria do pblico e tumulto, diminuiu Plebe Rude, Paralamas do Sucesso, Ledrasticamente a quantidade de shows gio Urbana e outras, influencia o cantor do grupo e separou, temporariamente, brasiliense at hoje. A msica entrou na Renato Russo da banda. Foi bastante vida de Gustavo para nunca mais sair e tumultuada e eu estava l. Renato Russo ajudou o artista a enfrentar o glaucoma guardava mgoas de Braslia, lembra. congnito. Apesar dos obstculos, nunca desanimei. Tem gente que no tem A mudana da capital federal para o alto problema nenhum e quer morrer. oeste potiguar, ocorrida quando Gustavo estava se profissionalizando na msica, Gustavo Costa mora em Umarizal, regio oeste do Rio Grande do Norte, terra no chegou a ser um choque. Apaixonanatal dos seus pais, desde 1996. Nestes do pela receptividade do povo potiguar, quase dez anos, tem conseguido acu- o cantor diz ter sido recebido com tanto mular diversos prmios em concursos carinho que no pensou em voltar. O de interpretao pelo interior potiguar e que me cativou no Rio Grande do Norte tambm no Cear. A TV Dirio de For- foi a amizade do povo. Gosto muito do taleza e o cantor Ra, vocalista da banda povo nordestino, no quero sair daqui.
sor j receberam a Cumade Cristina em diversas ocasies. O repertrio da banda tem forte influncia das bandas nacionais surgidas nos anos 80. Os clssicos do rock dos anos 60 e 70 das bandas Led Zepellin, Creedence, Deep Purple e The Doors tambm tm espao. Gustavo Costa contribui tambm fazendo arranjos de composies de Renato Russo, Djavan, e at mesmo de Tom Jobim e Vincius de Morais. Sou meio camaleo, me adapto bem a qualquer estilo, pop ou rock, conta. A carreira solo de Gustavo Costa segue paralela participao na banda. Incentivado pelo amigo Ra, cantor da banda Saia Rodada, lanou A voz em canto, CD gravado em Apodi, com interpretaes de sucessos de diversos artistas e a composio prpria Ainda te espero, uma balada romntica de rock. Enaltecendo o apoio recebido, o cantor lembra que Ra est patrocinando a gravao de outro CD em maro. Motivado, Gustavo faz planos de cantar tambm em Natal, e no nega o desejo de passar uma temporada curtindo o pblico e o sol da capital do estado. Inspirado nas canes de Renato Russo desde o incio da carreira, o cantor deixa uma lio como se tivesse escolhido a msica Quando o sol bater na janela do teu quarto para ser o fundo musical de sua vida - A humanidade desumana / mas ainda temos chance / o sol nasce para todos / s no sabe quem no quer.
de forr Saia Rodada, tm sido grandes incentivadores de sua carreira. Gustavo j participou de diversos programas da emissora cearense, incluindo uma participao de seis semanas no programa do apresentador nio Carlos. A formao musical de Gustavo comeou na infncia. Ainda menino, gostava de freqentar o teatro do Sobradinho, no Distrito Federal, e participava do Jogo de Cena, projeto educacional de
As amizades que fez em Umarizal resultaram na criao da banda Cumade Cristina, idealizada pelo professor Valmir Lopes. A banda formada por Gustavo Costa (voz e violo); Jnior Sidnelson (voz); Rafael (contrabaixo); Joelson (guitarra) e Jimmy Hendrix (bateria) bastante conhecida no interior potiguar, levando a crer que o rock tambm tem espao no cenrio dominado pelo forr. Pau dos Ferros, Martins, Lucrcia e Mos-
O rock da Cumade
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Cristina
invade o serto
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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN -, surge o primeiro convite: apresentar-se no Fantalismo, uma festa fantasia do curso de Jornalismo. Teramos que tocar e tocamos. At ento ns s simulvamos algumas batidas e brincvamos de fazer um som, conta Caio Vitoriano, 26 anos, guitarrista.
O ltimo a compor o quadro da banda foi o baixista Jeff Soares, 28 anos. Ele conta que j era f da Banda antes de ser membro. Comprava CD e participava dos shows fervorosamente, at surgir o convite em julho de 2004. Quando perguntado se aceitaria assumir o baixo da Banda Peixe Coco, ele recusou-se a ter um tempo para pensar e respondeu J que a inteno primeira dos amigos imediatamente com um estou indo era diverso, quase que exclusivamente, com o baixo at a agora. as msicas primognitas foram compostas em ritmo de brincadeira. Algumas em ocasies to pouco formais que nem Em estdio como uma todos os membros lembram, mesmo Caio e Lus Antnio, que esto na banda banda de verdade desde seu princpio. Observar os integrantes da banda fora do palco faz imaginar o quanto eles tm um bom clima de relacionamento. No dia em que a Pre esteve com a Peixe Coco, a banda estava no estdio do fotgrafo Lus Morais, produzindo fotos para a divulgao do seu segundo trabalho. Para quebrar a pouca inibio que os msicos diziam estar enfrentando, uma
msica ambiente. Entra no aparelho de som um CD amarelo em seu anverso e com algumas listras pretas. Era o primeiro CD da Banda Peixe Coco, que eles sequer possuam. Enquanto o fotgrafo preparava as luzes e lentes do estdio, o guitarrista Caio sugeria fotos estouradas, o vocalista Leo acompanhava as msicas com a boca como se dublasse para si mesmo, enquanto danava movimentando apenas a cabea e os demais msicos mimicavam seus instrumentos. Provavelmente eles no perceberam, mas at mesmo naquele momento estavam em sincronia.
conseguir espao para tocar em boates, bares, ganhar pblico e ter a chance de fideliz-lo. E s assim a banda conseguiu comear a perceber entrada de dinheiro. At ento, eles encaravam o trabalho musical como um hobby de luxo.
A Banda Peixe Coco compe o grupo de bandas independentes que formam o selo DoSol. Com a unio dos msicos, todas as bandas afiliadas so beneficiadas. Em vez de concorrentes, os msicos de diferentes grupos dividem seus conhecimentos e todos se ajudam. H os que entendem de diagramao, outros de desenho, E seguiram com as fotos do ensaio. Mui- alguns mais apuradamente, de msica e tos bolsos nas calas, algumas trocas de todos se divulgam juntamente. camisa, luzes coloridas, flashes, flashes, A divulgao o principal objetivo das poses e mugangas. Mugangas principal- bandas independentes. Por no terem mente do vocalista que tenta instigar os nenhum vnculo empregatcio com grademais a acompanh-lo nos gestos com vadora, elas podem disponibilizar suas os braos, pernas e cabea, enquanto de- msicas em sites com tal finalidade e, asclara discretamente que apenas dispe-se sim, ganham o gosto de internautas em a ser fotografado porque necessrio. todo o mundo, com a vantagem de atinMas minutos depois, contradiz-se comegir diretamente o pblico que gosta, esmorando que um ensaio em estdio o pecialmente, de bandas independentes. deixa sentindo-se como se fosse de uma banda de verdade. Sua autenticidade j permite que a banda Mas o que dizer de uma banda que se conte com um pblico fiel, que cantou, prepara para lanar o segundo disco; j danou e vibrou durante sua apresentaparticipou de quatro coletneas; ensaia o no festival MADA - Msica Alimensemanalmente por duas horas; j apare- to Da Alma. A desenvoltura no palco j ceu na Revista MTV e Revista Dinami- os levou a Pernambuco, Paraba, Cear te; esteve por uma quinzena como uma e prev apresentaes em Minas Gerais, das bandas mais baixadas em sites de Rio de Janeiro, Curitiba, So Paulo e msicos independentes na Internet? Ser Bahia at o final do ano. Quando viaque essa no uma banda de verdade? jamos, vemos o quanto o pessoal daqui Claro que . Depois Leo explicou sua co- bom em todas as vertentes, diz Leo locao dizendo que adoraria se dedicar HC, elogiando o intercmbio cultural msica sete dias por semana, ou seja, proporcionado pelos trabalhos fora do ser, exclusivamente, msico. seu Estado. Em terras potiguares ele laPara isso os membros tiveram que aceitar menta o pouco incentivo que recebe dos seguir o caminho inverso ao que costu- conterrneos. Infelizmente Natal s vai mavam fazer nas apresentaes. Apenas ver o que tem de bom daqui a 30 anos. h oito meses passaram a tocar msicas O que o artista quer ser visto, exposto. de outras bandas j conhecidas. Segundo Do jeito que est d para mudar em seis Caio, essa foi a estratgia adotada para meses, mas falta incentivo.
Um marco da cultura
Por David Clemente
Fotos: Evaldo Gomes onsiderado um marco na cultura do Rio Grande do Norte, o Projeto Seis e Meia est fazendo este ano dez anos de atividades ininterruptas. Poucos projetos artsticos conseguiram permanecer por tanto tempo em cartaz. Ainda mais sem sofrer alterao no local de exibio (Teatro Alberto Maranho), no horrio e, at mesmo, no preo da entrada (desde o primeiro show, cobrado o valor de R$ 10,00). O coordenador do Seis e Meia, William Collier, explica que o sucesso do projeto exatamente pelas regras definidas desde o incio, sempre tendo como atraes um artista local e um nacional. A inteno era atrair as pessoas que estivessem saindo do trabalho e quisessem voltar cedo para casa, explica. Sem a inteno de selecionar a platia. Nosso pblico alvo qualquer pessoa que goste de boa msica. E no elitista. Veja o preo da entrada, diz William. O projeto comeou exatamente em maro de 1995, sempre apoiado pela Fundao Jos Augusto, e recebe aplausos exata e semanalmente s 18 horas e 30 minutos das teras-feiras. Na noite de estria, h dez anos, subiram no palco Pedrinho Mendes e Nico Resende como atraes local e nacional, respectivamente. De l pra c j foram 370 shows para mais de 18 mil pessoas. O Projeto Seis e Meia tambm um excelente canal para lanar os artistas locais e divulgar ainda mais os nacionais. Pelo projeto, j passaram grandes nomes da MPB, como Nana Caymmi, Paulinho da Viola, Leila Pinheiro, Chico Csar, Altamiro Carrilho e ngela Maria, e da msica potiguar, como Glorinha Oliveira, Babal, Cleudo Freire, Galvo Filho, Elino Julio, Valria Oliveira, Mad Dog Blues, entre tantos outros. Alm das duas apresentaes da noite, o pblico ainda pode surpreender-se com um dueto inesperado entre as duas atraes. Assim foi com Marina Elali e Agnaldo Rayol e Oswaldo Montenegro e Diogo Guanabara.
Collier comemora tambm porque so 10 anos de msicas de difcil insero nas rdios e, mesmo assim, a casa est cheia em quase todas as sesses. Nosso grande mote a MPB sem compromissos comerciais. Do seu comeo at o oitavo ano, o projeto dependia de patrocnio direto da iniciativa privada e da Fundao Jos Augusto. A partir do oitavo ano, o Seis e Meia foi enquadrado na Lei Cmara Cascudo de Incentivo Cultura. Para toda a produo dos espetculos, o Seis e Meia conta com a empresa Super Star, que formada por uma equipe de 20 pessoas. O fotgrafo Evaldo Gomes o encarregado de registrar as imagens que formam a histria deste projeto bem sucedido. Para o artista, subir ao palco, apresentar-se, receber seu cach e ir embora satisfeito. Para o pblico, adentrar o teatro, acomodar-se numa poltrona, deliciar-se com o show e sair satisfeito. Mas para a produo nem tudo to simples assim. William conta que os primeiros shows ainda no haviam firmado o projeto, o que deixou o caixa da produo no vermelho. Mas nada que persistncia e uma boa crena no viessem a provar que os produtores estavam certos. Em 1999, doze shows foram realizados com a maior lotao que o teatro pde suportar. Com essa garra toda o Seis e Meia quer buscar mais espao. Est em estudo a viabilizao do projeto nas cidades de Parnamirim, Currais Novos e Caic, todas no RN. Mossor recebe os artistas desde o 7 ano.
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contempornea potiguar
Uma vitrine para os artistas
O sol sequer se ps e j comea a movimentao na calada do teatro. Os vendedores de bala, os flanelinhas, dispemse nos seus postos de trabalho da mesma forma que os funcionrios do Teatro Alberto Maranho. Os primeiros espectadores que chegam precisam aguardar at o acesso ser liberado. No interior do teatro, o iluminador Castelo Casado recebe os mapas de palco das atraes e repassa as orientaes para o operador da mesa de luz. Os msicos afinam seus instrumentos j posicionados no palco, enquanto no camarim, os cantores preparam-se para a hora mais esperada pelo pblico. povo caloroso. Se pudssemos viramos todos os anos, relata o cantor. Para Kledir, que j se apresentou em muitos lugares do Brasil, difcil encontrar outro projeto como o Seis e Meia e que tenha conseguido uma durabilidade to grande. At no Rio de Janeiro onde, segundo ele, existiu o projeto pioneiro, no durou esse tempo todo. E quando perguntado o que acha de participar do Seis e Meia, ele responde que bom fazer parte porque projetos assim tm que ser alimentados. A cantora Lucinha Lira teve que parar para contar quantas vezes j esteve no palco do Projeto Seis e Meia. Acho que seis vezes, responde ela. A cantora que j representou o RN em outros lugares do pas comemora a existncia do projeto e usa vrias vezes a palavra bairrista para defender a cultura local. O projeto Seis e Meia uma vitrine para o artista local mostrar o trabalho. Sobretudo porque o teatro um lugar nobre. Assim, nos apresentamos com trato e cuidado especial. Ela elogia o projeto tambm pelo pblico, fala que os espectadores do teatro comparecem para assistirem ao show e que cantar para quem est atento muito gratificante.
A Pre esteve na sesso do Projeto Seis e Meia de 5 de abril deste ano. As atraes da noite eram a cearense radicada em Natal Lucinha Lira (local) e os gachos Kleiton e Kledir (nacional). Lucinha Lira chegou ao teatro pouco tempo antes de entrar no palco. Trazia consigo sua cabeleireira, pompa no figurino, um vozeiro e muito bom humor. Kledir chegou casa de espetculos antes de Kleiton, concedeu algumas entrevistas e fez um pedido aos organizadores: queria beber gua-de-coco, com o detalhe que deveria ser servida no coco mesmo, j que estava Enquanto fala para a entrevista, a camna Cidade do Sol. painha anuncia que est chegando a hora Os gachos participaram do Projeto pela para as cortinas serem abertas. Numa quarta vez. E em todas, eles tm a mesma fina calma, ela continua falando enquanboa lembrana de casa cheia, pblico ani- to caminha para o palco e sua cabeleimado e participativo. Para aquela noite reira enxuga um pouco de suor de sua eles no queriam ter outra expectativa se testa. Mal toma o microfone em punho, no repetir o bom desempenho das vezes entoa sua voz com a primeira msica. O anteriores. Para quem vem de uma terra repertorio daquela noite era um tributo fria onde as praias no so as mesmas, a Elis Regina que completaria 60 anos se como diz Kledir, o que mais fascina o estivesse viva.
Severino
O eterno rei momo de Natal
conquistador. No namore ele. Foi quando Elvira cumpriu a tradio do dia em que estava e mentiu dizendo s hoje. Comearam a namorar. A prpria Elvira admite que no tinha grandes expectativas para um casamento com Severino. Ele era muito turbulento. Gostava de um movimento!, explica ela. Mas para sua surpresa, veio um pedido formal de casamento. Apesar de sua famlia no ser favorvel unio, depois de uma semana o pai da noiva resolveu conceder sua mo. Em 27 de dezembro do ano seguinte, 1939, ele militar e ela professora, oficializaram o matrimnio. Uma semana depois do casamento Severino Galvo foi preso porque fazia soldo (emprestava dinheiro para os colegas pagarem com
or incrvel que parea a histria do amor verdadeiro entre Elvira Nascimento e Severino Galvo comeou no Dia da Mentira, 1 de abril de 1938, numa festa danante. Segundo ela, Severino era um rapaz do tipo bonito, que danava com todas as moas do baile e namorava muitas delas. Enquanto a msica tocava seus olhares se entranharam, ele deixou suas parceiras de dana e segurou a cintura de Elvira para a prxima msica. Danaram, danaram e danaram. Preocupadas, suas amigas a aconselhavam: Esse rapaz Mar/Abr 2005
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Galvo
juros quando recebessem o salrio). Sem o esposo, ela voltou para a casa dos pais. Mas l permaneceu por mais uma semana apenas, o tempo do marido ser solto e continuarem a morar juntos no bairro do Alecrim, em Natal. Em 1940 nasceu o primeiro filho, que foi chamado de Elvirino. Seu nome a mistura dos nomes dos pais: Elvira e Severino. Viveu apenas at os 10 meses. A me conta que ele teve uma crise de febre e no agentou. O segundo filho sequer saiu vivo do seu ventre, foi aborto espontneo. No quinto ano do casamento, veio o terceiro filho, Erivaldo Galvo. Esse esperou para conhecer Erinalda, Erineide, Erivanaldo e Joo Galvo, respectivamente o quarto, o quinto, o sexto e o stimo a nascer, mas Erivaldo faleceu aos 11 anos de uma doena que dona Elvira chamou de Pielite e descreveu que ele sentia muita dor de cabea e urinava p. Como forma de homenagear o filho falecido, dona Elvira e seu Severino puseram o mesmo nome no oitavo filho, mas, at hoje em dia, o segundo Erivaldo mais conhecido como Babal. O nono e ltimo filho de dona Elvira recebeu o nome do pai, Severino Galvo, que artisticamente apresenta-se como o msico Galvo Filho e assina Z D Garva nas telas que pinta. O patriarca da famlia nasceu em Pedro Velho em 12 de dezembro de 1914. Dona Elvira e os filhos nasceram em Natal. Os filhos nasceram mais precisamente no bairro do Alecrim, na Avenida 10, na casa onde o casal morou pelos primeiros 25 anos de matrimnio. Hoje com 87 anos, a matriarca da famlia comemora: No bonito demais uma me rodeada de filhos. barracas. Ele tambm participava da Festa da Primavera, que acontecia na AveDona Elvira toda alegria quando est nida Coronel Estevo, no Alecrim, nos reunida com seus filhos. Enquanto Eri- mesmos moldes da de So Sebastio. neide pe a mesa do jantar, Erinalda prepara a cadeira para que ela se sente, Os filhos de Severino Galvo contam Galvo Filho a ajuda a andar segurando que ele era afilhado de batismo de exsua mo e entoando uma marchinha de prefeito de Natal Djalma Maranho e carnaval como se danassem em pleno que seu padrinho adorava a cultura posbado de folia. Tambm pudera, essa a pular e no fazia charme. Gostava tanto famlia de Severino Galvo, um pai, um que se prontificava a subir em todos os carnavalesco, um marido, um publicit- palcos armados nas pocas de festa. Prinrio irreverente que viveu intensamente cipalmente no carnaval. tudo o que pde, como destaca sua es- Festa, cultura e poltica eram irms leposa. gtimas de Severino Galvo e, portanto,
Se Severino Galvo fosse vivo hoje em dia e organizasse os eventos que ele realizava h dcadas, ele seria considerado um promoter ou um produtor cultural. Na poca no existiam tais nomenclaturas, mas ainda bem que os participantes das festas no precisavam dar uma terminologia para o seu organizador para aproveitarem a festana. Sua sina comeou com a Festa de So Sebastio. Era uma quermesse realizada no Alecrim, em janeiro. Para saber como tudo acontecia, basta remeter a imaginao para as festas de padroeiros ainda realizadas em pequenas cidades do interior do Estado, aquelas em que sempre se encontra ma do amor. Primeiro as meninas dividem-se em dois grupos: os cordes azul e encarnado. Cada grupo vai tentar buscar o maior nmero de clientes para consumir nas barracas do seu cordo. As arrecadaes dos dois cordes vo para a igreja, mas vence a disputa quem conseguir mais contribuio. Severino Galvo, alm de participar da prvia produo do evento, ainda convidava polticos amigos para consumir nas
inseparveis. Sempre que tinha festa, havia cultura e era um campo livre para fazer poltica. Se houvesse poltica, suas promessas envolviam cultura e, portanto, haveria festa. Como publicitrio que era, Severino aproveitava as festas para apresentar-se como candidato a vereador, cargo que exerceu apenas duas vezes, apesar de candidatar-se a cada quatro anos. E se para ser lembrado, ele deveria ser visto, apareceria sempre que possvel. Todo evento com ligao cultural papai estava envolvido, conta Joo Galvo relembrando as Batalhas de Carnaval, que, no perodo do pai dele, eram ensaios do carnaval ocorridos dois ou trs meses antes da folia oficial. As escolas desfilavam com as fantasias do ano anterior, era uma festa que servia tanto para eles ensaiarem, quanto para divulgar a escola e o carnaval. Com isso, as pessoas aprendiam as histrias, a tradio e todos se divertiam, conta Joo Galvo com um certo ar de lamento porque considera os ensaios de carnaval da atualidade uma propaganda dos carnavais baiano e pernambucano. Mar/Abr 2005 31
E por falar em Pernambuco, at l Severino Galvo candidatou-se a vereador. Sua estratgia para conquistar eleitores contava com a ajuda de moradores de Natal que tivessem parentes na capital pernambucana. O ento candidato bolou uma carta, fez muitas cpias e pediu que seus amigos potiguares enviassem por correio para seus parentes em Recife, onde montou residncia. Depois, com o endereo dos destinatrios em mos, Severino visitou cada eleitor para tentar garantir a conquista do voto. O resultado da apurao das urnas no foi o que ele queria, mas os filhos admitem que ficaram surpresos porque seu pai ainda conseguiu votos para ficar na segunda suplncia. Ns no acreditvamos em muitas chances, afinal, ele no tinha razes, nem conhecimento de pessoas por l, explica Erinalda. Seus filhos contam que nos dois mandatos em que se elegeu, ele trabalhou principalmente pelo bairro do Alecrim. Uma das suas realizaes foi a instalao do Relgio do Alecrim que hoje ponto de referncia na cidade do Natal e est tombado como patrimnio histrico. Outro projeto seu abasteceu com gua os moradores do bairro. Como poucas casas tinham gua encanada, ele props a instalao de chafarizes pelo bairro. L, todos poderiam comprar a gua por um preo mais barato.
mostrou seu lado publicitrio. Seu pai tinha uma padaria que fabricava biscoitos, a venda desse produto serviria como renda familiar. Ento, para ajudar a divulgao, Severino montou em sua bicicleta uma armao de arame e madeira que ele usava para colocar propaganda de estabelecimentos comerciais, ps-se sobre o veculo e saa de porta em porta a vender os biscoitos. Numa de suas viagens foi alertado sobre um grupo de estudantes que o aguardava na subida da Avenida Rio Branco para vai-lo. Resolveu enfrentar. Ao se aproximar dos alunos, comeou a oferecer os biscoitos num misto de oferta e elogios aos potenciais compradores. Recebeu aplausos imediatos e ainda vendeu toda a produo do dia. Da bicicleta evoluiu para um zepelim num caminho com propaganda.
um excelente terreno que serve para plantar urtiga para arder a mo de menino arteiro. Quando se props a vender um hotel que era localizado ao lado do Caf So Luiz, onde hoje uma agncia bancria, escreveu que havia uma botija escondida na construo. Ainda houve anncios publicados propositalmente de ponta-cabea. Mesmo com tantas profisses diferentes, ele dizia nunca ter juntado fortuna financeira. Pregava que toda sua riqueza resumia-se mulher e aos filhos.
O publicitrio excntrico
Apesar de farrista, Severino Galvo no era malandro. Quando o mandato acabava e/ou ele perdia a eleio, tinha de usar a criatividade para levar comida para dentro de casa. Numa dessas vezes ele
Num perodo diferente notou um terreno baldio na Cidade Alta (onde hoje em dia funciona a Caixa Econmica Federal) e percebeu tambm que muitos motoristas tinham dificuldade para conseguir um lugar para estacionar. Alugou a rea, at ento inutilizada, organizou-a e fez um estacionamento privativo. Passou um tempo trabalhando no local, mas a quantidade de idias que fervia em sua cabea no o deixava ser perseverante para permanecer muito tempo numa Algumas relaes polticas tornaram-se to prximas que parte dos seus filhos mesma rotina. so afilhados de batismo dos amigos Severino Galvo era muito conhecido no polticos. Mesmo assim, todos tiveram bairro onde morava e em boa parte da peliberdade para fazer suas opes por parquena Natal da poca. Ficou ainda mais tido e candidatos. conhecido pelos anncios que publicava nos jornais impressos. Para vender imveis ele descrevia o prdio, a localizao e De rei momo a rei do protesto colocava se quiser falar com o vendedor, procure no Edifcio Leopoldo, sala 101, J que Severino Galvo gostava tanto ou no meio da rua. Uma vez anunciou de poltica, at no carnaval ele se candi-
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datava. Foi Rei Momo por tantas vezes que seus filhos nem conseguem contar. Participou at de um encontro nacional de Reis Momos, ocorrido em So Paulo, na dcada de 70. E se ele no fosse eleito como Rei Momo, vestia-se de Rei do Protesto. Ele no se enquadrava no padro esttico esperado de um Rei Momo, mas tinha argumentos para se defender. Dizia que o eleito deveria ser magro mesmo porque, afinal, teria que danar muito. Alm disso, se ele era da terra dos Reis Magros, por que teria que ser gordo? Galvo Filho conta que numa das eleies de Rei Momo na Praia do Meio, Severino fez uma brejeira para ganhar. Para Severino, ter o ttulo de Rei Momo era uma forma de conseguir uma oportunidade de subir ao palanque, segurar o microfone e, mais uma vez, fazer-se lembrado. Para ser percebido nas festas, seus filhos contam que ele costumava entrar e olhar imediatamente para o fundo do salo e acenar mesmo que no houvesse nenhum conhecido. Era s pra chamar a ateno dos presentes, diz Babal. O ttulo de Rei do Protesto ele adotou quando no pde mais ser Rei Momo. Nesse caso no havia eleio, ele vestia-se de rei e respondia a todos que lhe perguntavam que naquela ocasio ele era o Rei do Protesto. E assim saa de casa s 10 da manh, calando botas e segurando uma bomba de borrifar veneno (mas com perfume). Severino Galvo no fumava, mas bebia muita cerveja. Mesmo assim no costumava chegar bbado em casa. Ele s comeou a chegar tonto quando passou dos 70 anos de idade, conta o filho Ba-
bal. O problema que ele era diabtico e no seguia regras cautelosas com sua alimentao. J com a idade avanada sofreu uma paralisia do lado direito do corpo, aos poucos perdeu a viso e como conseqncia ganhou uma depresso porque no podia mais ler nem escrever. Erinalda e Dona Elvira contam que costumavam ler o jornal para ele, principalmente as colunas polticas. Em 1993, aos 79 anos de idade, Severino Galvo faleceu. Seu gosto como folio de carnaval foi completamente herdado pela filha mais velha, Erinalda. Seu filho Erivanaldo tambm tem carnaval no sangue, h anos ele jurado das escolas de samba do Rio de Janeiro e trabalha no SESC com o desenvolvimento de projetos de cultura. Seu prazer por eventos culturais influenciou os msicos Galvo Filho, Erineide e o compositor Babal. Dona Elvira acha que ningum soube aproveitar a vida to bem quanto seu marido.
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os quintais das casas dos pescadores, ouvindo a voz da minha me, Neide Penha (in memoriam), e de tantos outros cidados tourenses, acompanhados ao violo por Quinca Du, Jos Maria ou Raimundo de Artur, pode-se dizer que Porto Filho o poeta popular da cidade de Touros. Foi l que aprendi to valorosa e inesquecvel lio. Lendo as breves notas sobre Porto Filho escritas pelo seu filho, Jos Erasmo Porto (in memoriam), para a segunda edio do livro Emoes Rimadas, editado pela Fundao Cultural Tourense, que leva o nome do seu pai, passamos a conhecer um pouco da histria desse valoroso poeta.
modinhas Galo de Campina e Parracho Seco. Em Antologia da Cano Brasileira, 1963, do mesmo autor, pg.75, encontramos a modinha Galo de Campina; no livro A Modinha norte-rio-grandense, de Cludio Galvo, 2000, pg. 204, encontramos registradas as modinhas Galo de Campina, Luar de Touros, Parracho Seco e Praieira de Touros. Sua poesia brota da boca do povo, como aquele canto de exaltao ao cho primeiro em que nasceu. ... Touros meu bero querido, terra santa de meus pais....
Porto Filho
o poeta popular
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No somente os tourenses mais antigos, dos distritos como Carnaubinha e Perobas, solfejam os versos do poeta. Na prpria sede do Jos Porto Filho nasceu em Touros no dia 31 municpio, qualquer jovem que tenha ouvido de agosto de 1887. Morou em Belm do Par e as violas em noites enluaradas, quando crianRecife. Em 1932, por ato do Interventor Fede- a, capaz de cantar os seus versos: ral no Rio Grande do Norte, foi nomeado prefeito de Touros, tendo permanecido no cargo at fins de 1935, quando a Aliana Liberal dos Quando em noites de luar em minha vila seus amigos Mrio Cmara e Caf Filho perdeu At a prpria natureza se retrata as eleies. E o claro do luar que ento cintila Vem convidando o meu amor serenata... Transferiu-se novamente para Recife em janeiro de 1936, sendo confundido como simpatizante da Aliana Nacional Libertadora. Nessa poca foi colaborador dirio do Garanhuns Dirio e Porto Filho retratou em seus versos a vida do teve a oportunidade de editar o seu livro Emo- povo simples, o dia-a-dia do pescador e as belezas naturais da sua praia querida: es Rimadas. No final dos anos 50 foi morar junto famlia no Rio de Janeiro. Ao passar umas frias em So Escuta linda praieira Loureno foi acometido de um problema abdoPor ti morrerei de amor minal, vindo a falecer de um ataque de uremia Confia que verdadeira no Hospital de Ipanema, em 03 de maro de A paixo do Pescador... 1958. Foi sepultado no Cemitrio de So Joo Batista com a presena de um grande nmero de amigos e de uma Guarda de Honra de Atle- Os seus poemas ou modinhas mais conhecitas do Clube de Regatas Vasco da Gama, do das so Ode a Touros, Adeus a Touros, Praieira qual era diretor. de Touros, Galo de Campina, Luar de Touros A maioria dos seus poemas est registrada no e Parracho Seco, alm de outras que no esseu livro. Em Trovadores Potiguares, 1962, de to registradas no seu livro, mas so cantadas Gumercindo Saraiva, pg. 208, encontramos as pelo povo simples do seu lugar.
POESIA POTIGUAR
Raimundo Leontino Leite Gondim Filho (R. Leontino Filho) nasceu em Aracati/CE, em 1961. poeta e professor de literatura brasileira, na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (em Mossor). Editou os alternativos Flerte e i-kara-kati. Faz parte do Conselho Editorial da Revista Literatura. Publicou os seguintes livros de poemas: Amor Uma Palavra de Consolo (Fortaleza: Ed. do Autor, 1982); Imagens (Mossor: Ed. do Autor, 1984); Cidade ntima (1. ed. Mossor: Queima-Bucha, 1987/ 2 ed. Mossor: Queima- Bucha, 1991 e 3. ed. So Paulo: Editora do Escritor, 1999); Entressafras (parceria com o poeta Gustavo Luz Mossor: Queima-Bucha, 1988) e Sagraes ao Meio (Pau dos Ferros/RN: Edies i-kara-kati, 1993). autor do ensaio de crtica literria indito em livro, Sob o Signo de Lumiar Uma Leitura da Trilogia de Srgio Campos (Natal:UFRN/Programa de PsGraduao em Estudos da Linguagem, 1997).
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Partida inteira Minha alma cega enxerga o teu corpo rasgando os sis nus da madrugada Minha alma louca persegue os teus olhos incendiando as luas tortas da noite Minha alma v colhe o teu cheiro mergulhando nos ventos dodos da tarde Minha alma vai sem pressa ao encontro da perdio: um corpo s corpo sem alma a minha
Dentro da noite, penso em ti Volta e meia sigo rumo ilha do amor coisas antigas que ficaram nau perdida no porto abandonado barco sem vela que persiste no desenho formado pelas guas dos rios. Volta e meia o fluxo de imagens paira sobre as guas e sigo devorando a cauda dos sonhos retornando ao cho descontnuo da ilusria estrada do bem querer: uma outra histria. Volta e meia o amor perturba o sono descontente das estrelas e o luar embaraado por tantos murmrios arma a provisria tenda da paixo: o meu olhar de neblina costurado na memria tece a infncia medieval do teu corpo. Fio o delrio da cano parte em revoada nada nasce do nada sempre o sonho em mim fez morada regao de noite caminho e espao poros da mesma tarde sozinho o verso-flor por nascer anuncia o paraso ali onde o perto sombra vagando cus sem fim ali onde o longe calor arremessando lgrimas sem fim paro o delrio da cano descansa leito manso de rio punhado de sono consumido sigo
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Tristeza as sombras ressecadas da noite com a gil viso do corpo ou o aflito caminho inscrito na pedra lembram este exlio: pergaminhos da alma ao sol nos loucos ofcios da vida a palavra vence e a morte do tempo transborda neste azul feito de saudade: o retrato da despedida mais um corao sem versos vencido pelo cansao do silncio exlios do nico corpo desossado na taciturna neblina da alma: mos que no suportam a claridade dos cus pensamentos dos amantes enfurecidos
De esguelha Ao Ascendino Leite trs copos de chuva danam o peito alegre do tempo j no mais sorri dois pingos de sol cantam o olho mareado do dia j no mais sorri um suspiro de vento baila o brao cansado da noite j no mais sorri trs braos de cansao duas mars de olhos uma alegria do peito na chuva sorridente no sol sorridente no vento sorridente chega um tempo de no mais sorrir hora de danar na chuva hora de cantar ao sol hora de bailar com o vento chega um tempo de esquecer o tempo de penetrar o tempo e de vis ser o tempo por vir como o sol enamorado da chuva como o vento apaixonado pela noite ser quem sabe s como de vis a vida sabe ser
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Folha falha estas folhas to murchas sombreando o frescor dos lbios estas folhas to verdes apagando o sabor dos beijos estas folhas to brilhantes sonegando o prazer dos olhos estas folhas to soltas fermentando o desejo das lnguas estas folhas to minhas desvirginando teu cho estas folhas to minhas negando tuas carcias estas folhas to nossas desencontrando veredas folhas e falhas to nossas na beira dos corpos no abismo das almas na distncia do nunca na descida da dor to sim to no falhas e folhas do tempo
Grafite 1. arestas de luz ramagens radiosas tangidas pelo silncio o cristal dos signos tinge o ser de esmalte dgitos versteis na ltima tentativa da dvida sonora apreenso do lugar partculas de tempo quando as passagens do verbo recobrem a cidade leitura de vspera no click do texto entre o salto e a queda a presa devora a si mesma caos aprendiz mero abandono neste desacerto vazio rascunho de alguma madrugada ptala insone no cais
2. as projees do pssaro na escrita da delirante lmina a palavra pode tudo fere nada condena tudo salva nada pupilas precipitadas na harmonia dos sinuosos gestos a palavra objeto-mundo neblina margens desertas planta o silncio espreita conversas muda rotas emana do signo nu a palavra tempo naquele xtase contra-vcuo o cotidiano cdigo migra para o olho crislida no alfabeto final do corpo entreaberto do amor
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A ginga da capoeira
screver sobre capoeira instigante. So mais de trs sculos de histria, em diferentes contextos: de coisa de malandro, de homem, de preto passa a ser coisa de profissional - mestres e professores - de mulher e tambm de branco, de estudante e trabalhador. Antes praticada nas ruas, nos largos e nas praas; passa a ser amplamente exercida em recintos fechados: academias, clubes, escolas, universidades. No Brasil do sculo XIX tinha apenas quatro grandes pontos de capoeira: Bahia, Rio de Janeiro, Recife e So Lus; hoje, possvel encontr-la em todo o territrio brasileiro e em muitos pases. O aumento significativo do nmero de capoeiras passou a ser percebido a partir dos anos 70. Negros, brancos, mulatos, homens, mulheres e crianas tocam, cantam e movimentam as rodas, sejam elas de Angola, de Regional ou simplesmente de capoeira. Para saber o que capoeira, no h informante melhor que os capoeiristas, e eles, de acordo com o seu grupo, com o seu mestre, com a sua linhagem, com o estilo da capoeira, elaboram noes e representaes vinculando a capoeira a uma manifestao da cultura afro-brasileira; arte; dana; ao esporte; ao folclore; cultura popular; arte marcial e histria. Muitos a compreendem como uma filosofia de vida. A capoeira, diz Mestre Pennati: uma brincadeira, um passatempo, uma modalidade. No d para tematizar sobre a capoeira deixando de fora a origem. Sobre esta questo h controvrsias. Uma corrente de praticantes e estudiosos concorda com a hiptese de que ela foi criada no Brasil, pelos negros bantos, naturais de Angola. Os defensores dessa tese se apiam no argumento de no existir formas de lutas semelhantes capoeira em outras ex-colnias do continente americano, o que sabemos que em Cuba, Martinica, Venezuela e em outras partes das Amricas algumas danas foram identificadas com caractersticas de luta. Mas, essa no uma posio unnime no campo da capoeira. H aqueles que afirmam ser a capoeira africana, isso porque na frica existem danas rituais com caractersticas semelhantes capoeira, como o nagolo - dana das zebras. Antigos mestres, discpulos do Mestre Pastinha, como os Mestres Joo Grande e Joo Pequeno defendem essa possibilidade. J os mestres mais novos pensam o contrrio dessa verso. Para o Mestre Luiz Renato, a capoeira surgiu no Brasil e deve ser considerada como parte da dinmica da cultura afro-brasileira. Sua histria tem relao com luta e resistncia de uma comunidade que, diante da situao que vivia precisou criar tcnicas de ataque e defesa para se proteger. Foram muitas as mudanas ocorridas com a capoeira. Inicialmente, praticada pelos negros escravizados. Ela era a arma do escravo em busca de liberdade. Durante o sculo XIX era praticada, especialmente, nas ruas dos centros urbanos do Rio de Janeiro, Salvador, Recife e So Mar/Abr 2005 39
A ginga da capoeira
A Capoeira Regional foi criada por Mestre Bimba, a partir da capoeira que existia. Um dos objetivos, segundo o seu criador, era procurar desenvolver uma capoeira mais rpida e direcionada, principalmente para o combate, para a luta. Outras tcnicas de lutas como o jiu-jitsu, por exemplo, foram incorporadas a ela. Quando se pensa em capoeira nesse pe- As inovaes no se limitaram apenas rodo de perseguio, imediatamente, tcnica dos movimentos. a cidade de Recife merece ateno pela A partir da dcada de 70, o momento relao entre as bandas de msica, as da institucionalizao da capoeira como maltas de capoeiras e o nascimento do esporte oficial (1972), o perodo em frevo - um detalhe significativo. No fique ela se expande de forma considernal do sculo XIX e incio do seguinte, vel por todo o pas e pelo estrangeiro. durante o carnaval, frente das bandas Comeam a se formar as federaes. A que desfilavam nas ruas de Recife - a do primeira foi a Federao Paulista de CaQuarto (4 Batalho) e a do Espanha poeira. Tambm a poca da formao - saam os capoeiras, conhecidos como dos grupos. Os praticantes, na sua granuma rapaziada de valentes, malandros de maioria, se identificam pelo pertenciou desordeiros. Da movimentao exemento a um grupo, antes era a academia cutada pelos capoeiras, perseguida pelo do Mestre. Hoje comum ouvirmos os cdigo penal, nasceu o passo do frevo, capoeiristas se identificarem dessa maum legado da ginga e dos saracoteios da neira: eu sou do Grupo Abad-Capocapoeira como sinalizou Edison Carneiro eira, perteno ao Grupo de Capoeira ao escrever sobre capoeira em 1971. Boa Vontade, sou Capoeira Beribazu, Nos anos de 1930, a capoeira passou por fao parte do Cordo de Ouro, sou do mudanas significativas. Dois nomes Grupo de Capoeira Corpo Livre, do passaram a ser notabilizados: Vicente Grupo de Capoeira Nacional, Grupo Ferreira Pastinha (1889-1981), o Mestre de Capoeira Angola Pelourinho. Uma Pastinha, e Manoel dos Reis Machado outra mudana importante na capoeira (1900-1974), o Mestre Bimba. A capo- foi a presena forte da mulher, que tameira d lugar capoeira Angola e capo- bm acontece a partir dos anos 70. eira Regional. Duas modalidades, talvez Presente em todos os Estados do Brasil, possamos falar em estilos, modelos, subno Rio Grande do Norte, verifica-se a campo da capoeira. A primeira vista sua prtica na maioria dos municpios. como a capoeira-me, a capoeira antiSegundo o Mestre Alexandre Marcos ga, primitiva, voltada s razes, tem Brito, a capoeira chegou a Natal no inum discurso afirmador da tradio. Cacio da dcada de 60, quando um prapoeira mandingueira, de improvisao e ticante de luta livre e aluno do mestre criatividade, de movimentao lenta e Caiara, conhecido na capoeira como rasteira, e de luta, seu nome est ligado Touro Novo, veio residir em Natal. Reao Mestre Pastinha. Considerado um cm-chegado de Salvador, ele passou a dos grandes mestres da cultura popular, dar aulas de luta livre e de capoeira. Esse homenageado por capoeiristas, escrito, provavelmente, um dos primeiros nres, artistas e msicos. No por outro cleos de capoeira na terra potiguar. motivo que os versos Eu louvo os Mestres das danas, lhes dou todo meu carinho. O Mestre Alexandre conta que em meaPastinha e Z Alfaiate capoeira e cabocli- dos dos anos 60, marinheiros vindos do 40 Mar/Abr 2005
Lus. A capoeira no se restringia apenas a negros e pobres, estendendo-se tambm aos brancos, uma presena menos significativa. Nesse perodo marcada pela represso. O cdigo penal de 1890 associa a capoeira criminalidade. Capoeiras pegos em flagrante eram presos. Deixa de se constituir crime na dcada de 1930, quando por interesses conjunturais, Getlio Vargas decide tirar a capoeira da ilegalidade, concedendo a ela uma liberdade vigiada.
nho. Eu louvo Mateus Guariba, do meu Cavalo-marinho, de Antnio Nbrega e Wilson Freire expressam tamanha dedicao.
Rio de Janeiro e de Salvador, e praticantes de capoeira, comearam a divulgar e ampliar a capoeira em Natal. Nessa poca era praticada nas ruas e em praas pblicas. A movimentao da roda de capoeira na Praa Gentil Ferreira atrai a ateno do Sr. Severino Guedes, na poca, presidente da Escola de Samba Asa Branca. Encantado com o que viu, convidou os capoeiristas para praticar capoeira no espao onde acontecia os ensaios da sua Escola. L, eles passaram a dar aulas e formaram a primeira gerao de capoeiristas. Nela, estava Fernando Guedes, que mais tarde, se tornaria o primeiro instrutor de capoeira do Rio Grande do Norte.
expresso popular de muita fora. Muita gente com expectativas e necessidades diferentes pode se beneficiar atravs da sua prtica.
brincando, criando, gingando, lutando e jogando que a dupla de capoeirista, seja homem, menino e mulher, como nos diz a msica, do formas aos movimentos na roda: a ginga - o principal deles - , as meias-luas (de angola, de frente, de costa, de compasso), o rabo-de-arraia, o chapu-de-couro, as esquivas, a banda, a vingativa, a tesoura, a rasteira, o au, o S dobrado, entre outros. Para efeito de esclarecimento, h movimentos que no so praticados por todos, isso devido a diviso entre a capoeira angola e a capoVale destacar que nessa mesma dcada, eira regional. a Escola de Samba A vem a Marinha Onde tem capoeira tem roda e onde tem j contava com a participao de capo- roda tem uma orquestra formada por eiristas em suas apresentaes e desfiles. instrumentos. Os mais utilizados so o Nas dcadas seguintes, a capoeira cresce berimbau, o pandeiro e o atabaque. A no Estado, com mais capoeiristas vindos formao da orquestra sofre alteraes, de outras cidades, outros j formados em dependendo do mestre. Os mestres angoNatal. Marcos Antnio, Iranir, ndio, leiros falam que a orquestra era formada Canelo, Geronilton, Mrio, Mrcio, por trs berimbaus - um berra-boi, um Robson so mestres e professores citados viola e um gunga - e os caxixis, trs pancomo uma nova gerao que vem con- deiros, um reco-reco e um agog. No tribuindo para aumentar o nmero de tinha atabaque. Sobre essas informaes, praticantes da capoeira. Luiz Renato diz que no se pode estaPraticada em estabelecimentos de ensino belecer um padro rigoroso de como se - pblicos ou privados -, em clubes e organizavam as rodas da antiga capoeira. academias, na rua, nas praas, na praia, Com relao utilizao do atabaque, no quintal, em casas de show; ela tra- sabe-se que a sua associao prtica da balhada com diversos propsitos. Como capoeira anterior ao berimbau como lazer e recreao, como parte de projetos constata a obra Jogar capoera ou danse sociais para tirar crianas e adolescentes de la guerre (1835) do pintor alemo Joo Maurcio Rugendas. da rua, para a integrao social dos portadores de deficincias, para competio, Como o berimbau passou a ser um inspara a formao de profissionais. Mestre trumento imprescindvel nas rodas de Acordeon, em entrevista Revista Capo- capoeira, nele que a roda se apia. Arco eira (1999) verbalizou: A Capoeira uma musical de fabricao artesanal, ele um
instrumento monocrdio. Toca numa corda s: Angola, So Bento Grande, So Bento Pequeno, Cavalaria, Ina, entre outros. usado por msicos percursionistas como Nan Vasconcelos que o transformou em um instrumento solista, ampliando as suas possibilidades de uso. Outros msicos e bandas tm contado com a presena do berimbau em seus trabalhos. Pangaio (RN), Berimbrawn (MG), Dinho Nascimento (BA), Cacau Arco Verde (PE), Carlinhos Brown (BA), Papete (MA) so alguns deles. Para finalizar, no d para falar sobre capoeira sem mencionar a musicalidade, as cantigas entoadas nas rodas, narrativa rtmica e potica, especialmente as ladainhas, aquelas que falam dos negros e de sua luta por liberdade, da sua cultura, da histria da capoeira, uma msica que remete afirmao da raa negra: s vezes me chamam de negro pensando que vo me humilhar, mas o que eles no sabem que isso s me faz lembrar, que eu venho daquela raa, que lutou para se libertar, que criou o maculel e acredita em candombl, que traz o sorriso no rosto, a ginga no corpo e o samba no p (...) (Luiz Renato) H cnticos para louvar os velhos mestres, fazendo referncia sua histria. Outros, entoados para pedir proteo aos santos padroeiros, para referendar os orixs, para louvar o berimbau, para saudar a mulher e para se despedir. Adeus... adeus Eu vou membora Coro: Boa viagem
Recebendo boas-novas
Francisco Vitoriano da Silva Jnior
(Graduando em Letras pela UFRN)
alvissareiro, livro do poeta norte-rio-grandense Adriano de Sousa, foi publicado em 2001 pela Fundao Jos Augusto, Natal. Vlido definir o substantivo alvissareiro: aquele que d boas-novas. Boas-novas de qu? Da poesia, obviamente. O alvissareiro o prprio poeta, que cunha de suas impresses ntimas sobre o mundo as boas-novas (= os poemas), fazendo-nos enxergar esse mundo a partir de um vis refratrio ao automatismo do cotidiano. Obra que paga tributo modernidade pela aura do criativo que circunda os poemas; podemos citar, como exemplo, o poema Graffito Augusto Lus da Cmara Cascudo: fucklore, modelo tambm de bom humor. Caracterstica que est presente em outro texto, Interativo: incluo no poema o substantivo/ poetastro/ o word 6.0 aciona o verificador ortogrfico/ sugere a alternativa/ poetaste., quinteto o qual nos lembra que s o homem consegue poetar, ficando restrita ainda aos sensveis e assinalados essa faanha. Isso ratificado, ao analisar o fazer potico, em Exerccio de composio, o que nos faz ver que esse alvissareiro sabe de sua misso e de seu valor: voc deve retomar a questo do ponto inicial/ se no h palavras ento as coisas e os seres/ so idias puras livres da coleira de um nome/ quanto a voc pode renome-los vontade/ e assim criar as palavras das quais precisa/ para escrever sem elas. O poeta no utiliza, em nenhum poema, a capitular maiscula no incio de cada verso e dificilmente faz questo de empregar os sinais gramaticais, sendo a vrgula
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um dos poucos sinais usados. De algum modo, tal procedimento influencia na sua dico, tornando-a mais livre, em um ritmo bem natural, o que tpico da poesia contempornea. H ainda poemas que trazem elementos (boas-novas, presentes), ora naturais, ora culturais, de nossa terra potiguar. Salina, de metforas tocantes e de um descritivismo perfeito, chega a comparar o sal ao diamante: o sol ceifa o crespo capim/ do mar// decanta na laguna a seiva/ das ondas em fuga// diamantes coruscam/ no instante salobo. Outro poema com essa caracterstica A fortaleza, que nos faz lembrar imediatamente o Forte dos Reis Magos, a todo instante visitado por turistas de coxas alvas: o que miram os canhes/ narram-no (talvez) o vento/ em anais de areia e mito/ o mar/ que a histria guardou no bzio/ para esmaltar cartes-postais. Saindo das terras potiguares, mas ainda de cunho nacionalista, sem querer s-lo, podemos citar Marinha: por decreto exarado a 21 de abril de 1960/ o mar de Braslia/ o cu (a ttulo de curiosidade: Adriano de Sousa produz seus belos textos, ora em Natal, ora em Braslia, devido aos prazos tirnicos das empresas jornalsticas e publicitrias). Em O alvissareiro, fala da miscigenao de raas que gerou a bela raa brasileira: eu francs eu portugus eu batavo/ eu americano bastardo/ amerndio/
ameraba/ ex-tupi degredado na minha pele/ eu negrocafuzomamalucomulato/ eu branquelo mazombo/ caboclo confuso/ amarelo mofino/ sarar sebento. Rediz as exaltaes a Natal, proferidas nos muitos momentos de entusiasmo onrico, trazendo os diversos eptetos que essa cidade recebeu durante a histria: a cidade do rio grande uma nova Amsterd/ a esquina do continente o trampolim da vitria/ chave do brasil & ces da Europa/ Londres nordestina a capital espacial do pas do futuro/ uma perspectiva indefinida, contudo, a realidade bem outra: olhai no que deu o sacrrio do meus amores/ []/ a cidade do jteve, a capital do j-foi/ drag queen das dunas/ he terra de hu proueito/ a mais perto que h no brasil a este reino/ no consagra nem desconsagra ningum. Notemos que nem sempre portador de boas-novas, mas de notcias que so ruins tambm. J se sabe que nem tudo so belezas naturais e culturais: a nossa histria vergonhosa e fica-nos de alerta para o futuro. Assim, ainda no ltimo poema do livro, esse mensageiro se transforma em profeta, denunciando-nos os erros passados e ainda presentes, para que no erremos mais no futuro e destruindo a viso romntica da histria, a qual, na realidade, tem por elementos a injustia, o roubo, a matana de inocentes, a explorao do mais fraco pelo mais forte: eu vi os fo-
dedores de alma/ jesuta judeu calvinista/ os conversores de sangue e pau de tinta/ em ouro/ gado peixe gentio em ouro/ eu vi as armas e os bares assinalados delrey/ os brases nas sacas de acar & cera & sal & algodo/ eu os vi eu os vejo/ os capites-mores da perene indstria/ a esfolar os bugres que algum atoleimado tomou por entes/ olhai sob o lustro das plumas de escol/ cutucai as guias imperiais e vereis a velha escria. E que quinho nos resta afinal? Responde: e no somos todos larvas de soezes/ ou menos/ protoburgueses/ fodidos entre cobras criadas/ ento no somos apenas o que fomos/ uns lambe-botas da histria/ uns rufies da linguagem/ uns pobres-diabos mourejando por uns cobres. E por fim fala de si mesmo, poeta como os demais e tambm os profetas, tresmalhado na vida e sem muita perspectiva de reconhecimento, pois ningum o ouve ou v, somente ele mesmo o faz, numa espcie de narcisismo, prprio de um grupo que sabe sua misso e seu valor e que, por isso, continua a vaticinar (em vate cabem os dois outros vocbulos): eu o ouo/ visionrio vendido ao banal/ anunciar o devir sem porvir/ eu o vejo/ donatrio do ar/ sesmeiro da estrela de pedra e cal/ legar sua data/ uma gota de mar que a duna h-de beber/ eu o ouo/ galo gago/ banido da torre/ degredado no rs do cho/ cacarejar para a manh mercantil/ uma salva/ que o terral hde.
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MSICA
Mo d e r n o s d o i s c a j u s m a d u ro s I
nterpretando o sentimento de uma arte rebuscada, baseada na utilizao de elementos sonoros os mais diversos, Simona Talma (http://simona.weblogger.com.br) e Luiz Gadelha (http://luizgadelha.weblogger.com. br) se colocam na cena musical da cidade, dispostos a interagir com suas lminas que retocam o desafinado afinado, a bossa dos lamentos urbanos e a necessidade de serem entendidos. Eles dois, companheiros inseparveis, j de algum tempo, criam msica como quem alimenta paixes e pousam na identidade de um canto que fortalea as emoes, desejos e caprichos da ousadia das suas peas autorais. J (at aqui), no seu primeiro CD Flor de Mim (2001), Luiz Gadelha desfolha uma poesia impregnada de confisses, renovando o elenco dos artistas comprometidos com o tempo da msica que retrata a via crucis de um espelho que se fragmenta e camalenicamente se recompe. Como se no bastasse na sua viso o que se v e o que se l na vida real.
No currculo de Luiz Gadelha, a permanncia de dois anos no Rio de Janeiro, onde por inmeras vezes confirmou no palco a versatilidade das suas canes que confessam e retratam os recados de quem tem muito o que dizer. Sim, porque o artista em constante trnsito criativo se permite ao discernimento de textos, tons e timbres. Assim sendo, quando Luiz pega o violo e canta, ele nos brinda com as partes de um paraso que abrigam sombras e sambas, sendas e curas. Ele dissimula com sua voz a rota dos que nunca souberam usar todos os perfeitos caprichos de quem ilumina e sabe bem o que quer. E como todas as sentenas que se pronunciam ao redor de um cu azul e lmpido, assim ousa o som que Luiz respeita e repete. Todas as funes de uma escolha pelo palco. Pelos canhes de luzes, mais do que todos os roteiros tursticos. Mais do que todas as nuances e intuies Sendo assim, no final de 2004, protagoque foram preferidas pelas luzes e luas nizaram dois acsticos CDs demos, o que aparecem quando o sol se pe. Apaixonada Poesia, Msica Louca de E assim tambm, que Simona se lan- Luiz e o Guarde Para os Dias de Chuva a. Com sua voz que mima a fina flor de de Simona. Duas imensas splicas. Dois uma senha encalacrada de sabores. As- imensos brados. Roteiro de uma viagem sim Simona se faz voz. Voz que acalma e de dois coraes apaixonados. De dois aperreia. Aperreia os sonos de quem no personagens de uma bssola que no tem tem o que sonhar. Assim, Simona se en- fim. Duas imensas rvores: violo e voz. canta como borboleta que abre as asas e E os imensos segredos de dois artistas aucanta as histrias dos que ficaram olhan- dazes e vorazes, antnimos desse tempo do a paisagem de uma janela imaginria. que contempla com seus relgios a conSua voz acaricia as flores e as dores dos sagrao das vespertinas e repentinas seslascivos uivos urbanos. Simona embala ses sem arte: s o tempero da mesmice o solar das pessoas ausentes e refaz os e do bvio das paradas musicais. passos de um frevo que mora na saudade Recm-chegados de Salvador, onde na dos que j foram. capital baiana se afastaram de trios e Por isso, necessrio reconhecer que a frios, pois sendo nmades os dois arsafra de novos compositores e intrpretes tistas preferiram os passos de um roteiro enorme. Mas, recnditos so Simona e de balsas, a paisagem das belas velas que Luiz, onde nas suas descobertas animam fortalecem o repertrio, iluminam a via o Forte e o Farol. E flertam os desvarios artstica e organizam a pulsao de quem das metrpoles, antenados que so com se toca. todos os estios e estilos. Assim Simona e Luiz confirmam os seus nomes como Sendo nmades, eles vem a paisagem valores que necessitam de uma ateno e da janela, mas rompem com a maresia audio dos que gostam de quem gosta das ondas de um mar, de um quadro na parede. Tentam e teimam e conseguem deles.
enxergar os dias e as noites como seus fiis aliados. Encaixam o cu da boca no cu azul do mar. Do mar que revisitam quando partem e quando chegam. E assim, sonhadores que so, Simona e Luiz renovam danas e canes. E como duas sementes maduras e modernas a modular o fruto do seu trabalho, eles confessam que querem mais. Querem o quintal das suas casas. Como dois cajus maduros. Mas querem tambm a linha telefrica das grandes cidades, por onde passeia o temporal dos sculos inslitos, a rispidez de um orculo. E por onde vagueia a sacra virgem que teima em se tornar pag, ou o vestido que encobrem cetim e dlar, requinte e solido. E como tudo que passa envolve confisso, Luiz e Simona tocam. E cantam. Espantam com suas bocas e seus olhares o medo do consciente coletivo, que transportam pelas suas janelas a promessa de longos e tardios desejos. De singelas e aromticas lgrimas. E de um candelabro que se espatifou na noite que os loucos silenciaram. Mar/Abr 2005 45
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as palavras do mestre Valdemar Ferreira, a multido vista de longe d a impresso de uma superfcie lquida fervendo. Do popular ferver, tornou-se frever e depois frevo. Quem quiser ter uma aula de frevo s colocar no toca-disco este CD de Spok e sua Orquestra. Nele se toma conhecimento do que um frevo de rua, um frevo-cano ou um frevo de bloco. Que o frevo de rua ainda se subdivide em frevo de abafo ou frevo de encontro, frevo de coqueiro, frevo-ventania e o frevo de salo. Tudo isso mostrado neste trabalho de uma jovem orquestra de msicos pernambucanos com bastante tempero de jazz. O resultado no poderia ser melhor. Trata-se de um disco irretocvel. Com apenas uma audio, chegamos a mesma concluso que chegou o msico Z da Flauta: O Frevo est para o Capibaribe assim como o Jazz est para o Mississipe. Como se tudo isso no bastasse, a orquestra ainda conta com as participaes especiais de Marimbanda, Genaro, Adelson Viana, Antnio Nbrega e Zezinho Pitoco. Tudo neste disco inovador. Trata-se na verdade de uma nova maneira de se fazer frevo. Verdadeiramente encantador.
Contatos: SPOK [email protected] - www.spokfrevo.com.br
Paisagem de interior 1 e 2
Quem quiser se contaminar com o que h de melhor da msica e, principalmente, da poesia nordestina, indispensvel ter contato com este trabalho. Tratase da mais refinada produo dos ltimos tempos em se tratando de coisas do gnero. Jessier Quirino, como ele mesmo se define, arquiteto por profisso, poeta por vocao e matuto por convico. Sem depender de grandes centros urbanos para trabalhar, optou por morar em Itabaiana/PB apenas para conciliar suas atividades s de sua adorvel esposa (chamada carinhosamente de Dor), ela que a fonte de equilbrio e o veneno que escolheu para ingerir vagarosamente at o ltimo suspiro de morte morrida bastante tardia (quando j tiver caducando). Trata-se de um grande ourives da palavra. Tudo que esse palavreiro lapida no carece de nenhum retoque. Ao ouvirmos os discos, ficamos a merc de reaes as mais inesperadas. Em determinadas ocasies, as lgrimas so inevitveis, Tamanho o lirismo e perfeio na arquitetura potica. Em outras, desembestamos a rir, pois o humor, ao mesmo tempo refinado e traquinoso, pega qualquer vivente com o mnimo de sensibilidade, como um surto de catapora ou uma diarria para quem comeu uma buchada e depois completou o tanque do estmago com aquela graxa que fica no fundo da panela. O primeiro disco traz treze faixas e o segundo catorze. Todas elas tm produo e direo do prprio Jessier Quirino e arranjos de Andr Correia e Vitor Quirino (filho de peixe peixinho). O resultado final pode se comparar a um alfinim no ponto. Qualquer mexidinha a mais, poderia ter botado tudo a perder.
OUTRAS RECOMENDAES:
- Maciel Melo - D c um chro. www.macielmelo.com.br - Z Renato & Trinados - Navegantes. www.biscoitofino.com.br - Srgio Santos - Srgio Santos. www.biscoitofino.com.br - Jackson do Pandeiro - 50 Anos de Ritmo. P&C EMI music do Brasil. Mar/Abr 2005 47
arrativa entrecortada. Cenas que se justapem, ora se entrecruzam enfileiradas tal pelcula cinematogrfica. Fluxo de imagens que se rarefazem medida que o leitor vai se deixando envolver pelas perguntas e delrios da Senhora Derrelio - a Senhora D. Hilda Hilst nos apresenta uma narrativa cuja compreenso de leitura torna-se possvel se o leitor tiver em mente que est diante de um texto literrio que extrapola seu conhecimento sobre aquilo que literrio. Melhor dizendo, o texto hilstiano rompe com os modelos de narrativa literria tradicional. O texto de Hilda Hilst, a exemplo de A obscena senhora D, mesmo que parea ao leitor um fluxo quase ininterrupto de cenas e fragmentos narrativos, no pode ser visto apenas como uma inesgotvel confluncia de idias vindas diretamente do inconsciente de sua autora ao papel e deste ao leitor. Tem-se O espao em que podemos situar, conum processo criativo no qual predomina forme o prprio texto, a imagem de Hill uma linguagem aprimorada, um texto - personagem de A obscena senhora D complexo em estruturao formal. - o vo da escada, qual leitor levado, O trabalho com o aspecto formal do tex- atravs de sua imaginao, a um espao to em A obscena senhora D confere-lhe fsico - o vo de uma escada que est, eviuma peculiaridade que podemos afirmar dentemente, no interior de uma casa -; performtica. O texto de Hilda Hilst todavia, ao leitor, cabe situar-se em um
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O espao escolhido por Hill o vo da escada, porm existe, ainda, a janela que, vez por outra, aberta e a senhora D se mostra, ora com mscara ora sem mscara, entretanto fazendo caretas. Alm disso, h espaos entrelaados oriundos de seus delrios. Ou, ainda, os espaos reais de Hilda Hilst como a Casa do Sol (sua residncia em Campinas-SP) e o hospital (o leito de morte de seu pai), este se confunde com o espao da cena da morte do pai de Hill, ao final do livro. O jogo de espaos presentes em A obscena senhora D contribui para a reconstruo da realidade por meio da livre-associao, num ato de collage, que permite o processo de reconstruo do mundo, no qual se justapem imagens inusitadas. Para Renato Cohen (2002): O artista, recriando imagens e objetos, continua sendo aquele ser que no se conforma com a realidade. Nunca a toma como definitiva, visa, atravs de seu processo alqumico de transformao, chegar a uma outra realidade - uma realidade que no pertence ao cotidiano. Essa busca uma busca asctica talvez, a do encontro do artista, criador, com o primeiro criador. Hilda Hilst atribui ao leitor, atravs de seu texto, esse poder de reconstruo do mundo, da realidade - que prprio do artista - conferindo ao texto o poder de funcionar como uma espcie de chave para uma possvel decodificao mgica da realidade, constituindo-se num dos quatro caminhos para a Verdade ao lado da religio, da filosofia e da cincia, segundo o pensamento esotrico. Assim o texto de Hilda Hilst: intrigante e verdadeiro porque revela a universalidade da busca da verdade, dos medos, do grotesco: paroxismos da humanidade revelados por essa mulher de sessenta anos (Hill) que perdeu o marido (Ehud), mas o traz na memria delirante. Para que isso se concretize em texto, Hilda recorre temporalidade, que caracterstica na performance. Para o leitor de A
obscena senhora D, o que fica uma incapacidade de contar o que leu, pois, ao final da leitura do livro, o que vo estar em sua mente so recortes, recordaes, fragmentos de uma narrativa estruturada por collage. Essa estruturao narrativa traduz-se, ainda, na atemporalidade, ou seja, o texto oscila no Cronos. Aqui no h cronologia, conforme estamos habituados a encontrar em narrativas convencionais (comeo, meio e fim), e, ao mesmo tempo, tudo parece acontecer em um aqui-agora: s existe o instante-j de Hill no vo da escada. Tudo o mais - imagem, sons, movimentos etc decorre da relao interativa leitor/texto, corroborando a tese de que A obscena senhora D seja uma narrativa que traz, atravs de seu processo de ruptura com a tradio literria, elementos prprios da arte de performance: elaborao, trabalho com a forma e a necessidade de um pblico. Aqui, metaforicamente, o pblico personifica-se por meio da capacidade imaginativa do leitor, pois, durante a leitura do texto, sente-se uma energia que arrebata o leitor para dentro do universo da senhora D. Tal energia e arrebatamento podem ser percebidos ao se ler o seguinte trecho:
vbora, olha a morte comendo o zio dela, olha o sem sorte, olha o esqueleto lambendo o dedo o sapo engolindo o dado o dado no cu do lago, olha, l no fundo olha o abismo e v eu vejo o homem. [...]
E agora vejamos as frases corretas para quando eu abrir a janela sociedade da vila: o podre do cu de vocs vossas inimaginveis pestilncias bocas ftidas de escarro e estupidez gordas bundas esperando a vez. De qu? De cagar nas panelas sovacos de excremento buraco de verme no oco dos dentes o pau do porco a buceta da vaca a do teu filho cutucando o ranho as putas cadelas imundos vadios mijando no muro o p o pinto do soc o esterco o medo, olha a canozinha dela, olha o rabo da
Evidentemente, tudo o que fora dito at ento a respeito do carter performtico do texto de Hilda Hilst, apenas ser relevante, dependendo da maneira pela qual for lido. Isso, sim, dar ao texto o estatuto esttico do texto literrio. A leitura, nesse contexto, se define como absoro e criao, processo que constitui a obra na conscincia do leitor. O encontro do leitor com a obra, em nosso caso o texto hilstiano, opera-se em mbito infinitamente pessoal. O texto vibra de corpo e alma. No h algo que a linguagem tenha criado nem estrutura nem sistemas completamente fechados; as lacunas e os brancos constituem um espao de liberdade: ilusrio pelo fato de s poder ser ocupado por mim, por ti, leitores nmades por vocao. O gozo de tal liberdade se produz na nudez de um face-a-face com o texto, atravs de uma palavra pronunciada, imprecisa, obscurecida talvez pela dvida, que ns perturbados leitores procuramos a todo custo dar-lhe um significado, um sentido o qual s ter uma existncia ficcional, transitria. O jogo entre cena, tempo e recepo (to caracterstico da linguagem performtica) faz-se uma constante ao longo da narrativa de A obscena senhora D, obra composta com grande economia de recursos, cujo texto encena uma mulher de 60 anos de idade que opta por viver num vo de escada, em busca do sentido das coisas, onde revive a perplexidade do marido (Ehud) que compreende suas recusas do bom-senso, do sexo, da vida simples.
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Pode-se dizer que todo percurso histrico do perodo medieval, da modernidade e do mundo contemporneo entremeado pelo vnculo edipiano. Desse modo, a pretendida arqueologia tem como fio condutor o dipo, apresentado como mito-metfora pela psicanlise, como esteio da organizao psquica dos seres humanos. , portanto, pela via do dipo, que transposta a dimenso cultural familiar para a dimenso pedaggica, de modo consciente e inconsciente. Fazemos o rastreamento da relao mestre e aluno, configurando, dessa forma, o vnculo educacional pleno de representao. A primeira ancoragem a de assumir o cuidado, medida que os pais transferem boa parte da educao para o professor. Em cujo processo ocorre o cuidar e o conhecer, pois o docente aquele que passa a conhecer, cuidar, ter responsabilidade com o aluno, passando tambm a am-lo. No por acaso que a cultura se refere ao mestre como o segundo pai; o professor torna-se padrinho das turmas concluintes, recebe o ttulo de Amigo
da Turma e so homenageados nos fi- Romano Janus, que era representado em moedas como um homem com dois nais de cursos. rostos: deus tutelar de todos os comeA segunda ancoragem diz respeito os. Desse modo, o professor como bposio que vem a ser ocupada pelo fido encarna a posio de pai, portador professor: a condio de pai e de me. da lei e da renncia. aquele que traz Nesse aspecto, o dipo est implcito na a ordem, o smbolo da figura paterna, relao professor-aluno, emergindo na delimitando os espaos e fundando uma prtica pedaggica greco-romana, em relao de poder. que o professor tem dupla posio: a de um mestre que se representa e efetiva a O professor como representante do pai lei, os limites, o castigo, tendo um papel elabora os caminhos para que a ordem fundamental na construo do superego social e cultural sejam preservadas dos limites; ao mesmo tempo em que assume dos alunos, repassando os valores da cula posio de me, fundadora do amor, tura, a eticidade e a moralidade, impe a do cuidado, da proteo e do ensino. disciplina, cobra responsabilidades; conComo me, alimenta o educando atracomitantemente, ele o mestre que envs dos desejos que se cruzam, realizando sina, seduz, esclarece o educando sobre o a passagem do sexual para o no-sexual, mundo, a vida, as dvidas, escuta, ama, atravs da sublimao. protege, prepara para a vida na Polis e Destarte, na educao, atravs do perpara a vida pessoal curso do ato de aprender que as foras Em sendo assim, o professor tanto pai sexuais ou pulses passam a ser investiquanto me, sendo atravs dessa duali- das em um alvo no-sexual ou de objetos dade que se efetiva um Eros pedaggico, socialmente valorizados. o mestre que superado dialeticamente no preparo para vai construir sadas diversas, no sentido a vida. de favorecer o educando ou fazer o seu dipo o professor. Em sendo assim, remanejamento pulsional para produtos o Mestre um ser bfido, como o Deus sublimados. A educao um processo civilizatrio, encarregado de desviar totalmente, ou em parte, os impulsos sexuais infantis, expressos na fase de latncia, para fins culturais, como atividades artsticas, investigao intelectual ou esportes. pelas mos do professor, que essas energias de carter sexual so desviadas para realizaes artsticas. H, portanto, uma conexo entre as pulses do saber e a sublimao e isso fica mais explcito ao se observar o que nos diz Freud em Uma recordao de infncia de Leonardo da Vinci. O autor diz que a libido pode ser colocada a servio da pulso de investigao e da nsia de saber, podendo se constituir como um substitutivo da atividade sexual. Tal energia pode atuar de modo livre, a servio do intelecto. Essas
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atividades emergem na criana entre trs e cinco anos de idade, estando associadas pulso escpica, que se relaciona ao ato de ver, de observar e de examinar. O professor aquele que possui um papel simblico, como me, alimenta o educando e se encarrega, como foi acima explicitado, de transformar o sexual no no sexual, transformados em objetos culturais. Enquanto que, como pai, ele vai agir no sentido da medida educacional, da anlise, passando ao educando aquilo que valorizado pela cultura. Assim, quantitativamente, ele quem tem o poder de realizar a correo, a reprovao, atribuio de faltas, efetivando o vigiar e punir o educando, ele quem vai orientar os trabalhos acadmicos em seus diversos nveis, participando tambm das bancas examinadoras de final de cursos. Nessa perspectiva, a construo da adoo da filiao e da busca pelos herdeiros, portanto nestes inmeros vnculos que o lao edipiano reconstitudo na relao aluno e professor, em que este assume consciente e inconscientemente estas posies, criando representaes ao longo da histria do fazer educacional. Quando o dipo vem espernear, este movimento s possvel a partir da recuperao do cuidado com o outro: aluno-professor, professor-aluno, o cuidado entre os seres humanos, no ideal de sublimao, recuperado nos escritos de Karl Marx e Friedrich Engels, que, de modo transgressor, apontam para o cuidado, para a responsabilidade, efetivando um exame gentico-materialista histrico da sociedade, provocando um desencantamento do mundo. Desse modo, reabilitam o Eros edipiano no cuidado dentro da construo material da existncia, possibilitando, assim, o desvelamento de um ser, do ser construdo a partir das relaes materiais da vida.
Sigmund Freud veio resgatar o desejo, isto , o elemento perdido e ignorado no modelo racionalista de interpretao do mundo. Ele inaugura uma via alternativa para o restabelecimento de uma educao em que possam conviver razo e pulso, ou o desejo e a lgica, vendo os homens como seres edipianos, desejantes. Assim, a relao aluno-professor passa pelo lao fundado na responsabilidade, no conhecimento do outro, no desejo de criar algo juntos, ficando tudo isto muito claro nas dedicatrias das obras, onde sempre aparecem os mestres antigos e os discpulos e tambm nas cartas trocadas entre mestres e alunos, que na verdade so cartas epistolares. Freud veio desvelar a existncia do ser desejante de um ser guiado pela pulso, que uma espcie de enigma e de fora constante que desconhece a lgica e o clculo racional, que desconhece as estaes do ano e os princpios da identidade. A ltima etapa do espernear do dipo retomada pela letra de Nietzsche, apresentado como filsofo-educador, que faz um retorno ao dipo pela via do instinto, este retorno ao dipo nos traz de volta o mundo primeiro da Grcia pralexandrina, em que o homem buscava o desvelamento da natureza e tambm percebia que era a natureza e desencantava o mundo a partir da convivncia entre razo e paixo, encontramos neste momento o homem como ser do instinto, ser do espanto, ser do medo, ser da existncia, ser do mundo, ser do cuidado e ser para a morte. Com a monarquia de uma razo absoluta e de uma moral platnico-crist, o homem perdeu sua capacidade de lutar e ultrapassar os obstculos racionais, assumindo no mundo uma moral de rebanho. Nietzsche veio apontar para o renascimento de um homem forte, sem medos, metaforicamente representado pelo leo e pelo super-homem, livre de
preconceitos e criador de uma nova tbua de valores. Todo esse processo de educao - que envolve o cuidado, o desejo e o instinto - somente pode ser efetivado na figura do professor. Tal qual o mito de dipo, o mestre portador da razo e da desrazo. Desse modo, a relao professor-aluno instaura o dipo no campo educacional, no campo cientfico, pois que o dipo pesquisador, ele busca a verdade e o saber. Assim, o professor, na posio simblica de pai e de me, consciente e inconscientemente junto ao educando vive o Eros de uma busca, da aliana, cuja mola a mola do amor. Isso fica bem explicitado em convites de formatura, nas placas comemorativas de concluso de curso, bem como nas lembranas de cada um de ns; nas dedicatrias de livros como a efetivada pelo ilustre mestre Geraldo Ataliba a Seabra Fagundes; como a que Yoshiaki Ichihara faz em seu livro Direito Tributrio ao mestre Annibal Fernandes; na escrita de Fabio Fanucchi para seu professor, amigo e conselheiro Rubens Gomes de Sousa; na escritura que Vittorio Cassone oferece, quase poesia a Ives Gandra da Silva Martins; e a que Leda Pereira Mota e Celso Psitacousky fazem em seu livro Curso de Direito Constitucional aos alunos e ex-alunos. Em sendo assim, existe um lao entre educador e educando, lao que construdo no cruzar da razo e da desrazo, da lgica e da pulso, nas leituras efetivadas na sala de aula, nos momentos em que aluno e mestre examinam o mesmo fenmeno, um fato social, um fato histrico, uma hiptese de incidncia e um fato gerador ou venha a ensinar como se verifica os sintomas vitais.
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Houvera, sim. Lembrava com carinho de Ldia e de Cntia em especial. Com a (Jornalista e mestre em Literatura Comparada) ltima chegou a iniciar namoro. Garota Ilustrao: Pintura em gauche e dese- tmida como ele, quase da mesma idade, nho com grafite de Erasmo Andrade foi surpreendida por um assalto quando sobre idia de Carlos Gurgel voltava do colgio numa noite chuvosa.
stou literalmente morto. Assim disse o velho Alfredo, sentado em sua poltrona numa sala modesta de um pequeno imvel alugado, ao seu amigo Lucas. Ele sabia que tinha passado a vida em vo. Fui sempre um covarde diante da vida, dizia sem resistir autocomiserao. Os anos vividos de forma montona no lhe traziam nenhuma recordao prazerosa. Lucas achava excessivo e tentava anim-lo: - Que isso, homem, todos somos felizes e infelizes. No h s prazer ou desprazer isolado. Uma vida de felicidade plena no existe. Portanto, anime-se! Alfredo iria completar 67 anos. Nunca casou. Funcionrio pblico durante o dia, e professor de Histria em colgio pblico noite, aposentado j h trs anos, era o perfeito cavalheiro, como gostava de dizer Natrcia, sua vizinha de rua. Em seus momentos s, que no eram poucos, se afundava na idia de ter sido sempre muito tmido com as mulheres. No que tivessem faltado pretendentes.
A morte no manda recados, disse uma nica vez, a Penlope, uma preta gorda de ancas largas que conhecera e que passou a fazer parte de sua vida, e que se encarregava diariamente da faxina da casa, deixando pronto o almoo e o jantar. De famlia humilde, pobre mesmo, do interior de Pau dos Ferros, Alfredo viera para Natal, a Capital, como diziam, tentar a vida. Passara em concurso pblico. Alfredo sempre gostara de ler, cultivado mesmo pela leitura. Criara verdadeira admirao por Padre Vieira, Olavo Bilac, Guimares Rosa e Carlos Drummond. Sua leitura, no entanto, inclua tambm pesos pesados da literatura estrangeira, como James Joyce, Dante, Cervantes, alguma coisa de Shakespeare e Sfocles. Gostava de ler. Seu pai, silencioso, nada dizia. Mas o tio paterno, reprovava.
Isso no leva a nada! E soltava uma fumaa do cachimbo. O negcio trabalhar prosseguia dizendo, arranjar emprego certo. isso que d futuro. Veio para Natal com recomendao do Alfredo tinha vontade de retrucar, dizer tio Joo, que conhecendo um amigo de que cada cabea uma sentena, at mes- nome Ernesto, lhe pediu para abrigar Mar/Abr 2005
mo soltar um palavro, mas calava-se. Resignava-se, como veio a admitir depois. Mas naquele momento, como uma corrente oposta de pensamento, lhe vinha a idia de que no valia a pena rebater. Seu pai nada dizia. Nenhuma palavra. Alfredo tambm nada dizia. Para o pai, a vida em famlia sempre fora amarga. Homem do campo, mas de alma sensvel, Rui Pedroso, seu Rui como era chamado, era homem de poucas palavras. Pouqussimas. Tinha um pequeno comrcio de onde tirava o sustento da famlia. Nem mesmo com o irmo mais velho, o nico irmo, era dado a conversas. Ouvia mais que falava. Ouvido maior que a boca, dizia Joo Pedroso, o irmo. Rui casara j tarde, com idade de 35 anos. Nunca ningum soube de alguma namorada, antes de conhecer Do Cu, Maria do Cu, sua futura esposa. Mulher um tanto rude, de lngua solta, falava pelos dois. Tiveram dois filhos. Depois de Alfredo, Rita. A Ritinha, que casara no prprio interior de Pau dos Ferros, com Osmundo e que de l nunca saram. Apenas Alfredo que debandou depois de ser aprovado em concurso pblico, para trabalhar como funcionrio do governo.
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por uns dias, o sobrinho. Era melhor no ter ido, relembrou mais tarde a seu amigo Lucas. Ernesto era jogador inveterado. E beberro. Tinha o mau hbito de bater na mulher quando chegava em casa alcoolizado, o que era uma constante. Ainda passara quase um ano morando com a famlia de Ernesto. Mas olhando pelo retrovisor do tempo, achava que s mesmo um temperamento brando e resignado como o seu, para ter suportado o tormento de morar naquele inferno. Era um cubculo, Lucas dizia Alfredo relembrando o passado. Eu dormia numa sala menor do que essa minha. Ele chegava de madrugada, se segurando nas paredes, bbado, e trombava em minha rede. J soltava palavres. Eu acordava e ficava quieto. Ele ia para o quarto onde dormia a esposa e dois filhos pequenos. Imagine! A mulher ainda tentava negociar, pedir silncio, alegava os filhos, mas o sujeito provocava tanto, que em minutos o vendaval estava feito. Era choro de crianas, a mulher chorava, at que o strapa, depois de alguns sopapos se deitava e ia dormir. Como agentei quase um ano no sei. No outro dia ele agia como se nada tivesse ocorrido. Todos fingiam. Tinha pena dela, mas nunca arrisquei question-la porque agentava tudo aquilo... 56 Mar/Abr 2005 Uma alma to resignada quanto sua, ram como um lado bom. Falar sobre a histria da humanidade, o que inclua refletia em Lucas silncio. a histria do Brasil, era, para ele, uma Quase uns dez anos depois, fiquei saaventura inesquecvel. Queria transmitir bendo que ela se mandara com os filhos em sala de aula, de uma tal forma, que para o Sudeste. At hoje no sei o que os alunos estivessem vivendo cada um restou de Ernesto, muito menos dela e dos episdios contados, cada etapa desos filhos, dizia o Velho. sa aventura humana. Alfredo parecia se Mas mesmo morando naquele infer- transportar quando dava aulas. O lan no, e trabalhando em uma Secretaria de transmitir jamais morrera com os de governo, Alfredo conclura os estudos anos. Mesmo quando teve que reconhesecundrios e arriscara vestibular para cer, com o passar dos anos, que os alunos Direito. Foram duas tentativas fracassa- atuais pareciam cada vez mais distantes das, at que desistiu de vez, aps receber do desejo de saber, viver e compreender convite para lecionar Histria em um a Histria. colgio pblico noite. Foi amor pri- Alfredo tendia ao pessimismo e aos poumeira vista. Foram anos de acmulos de cos foi se tornando ctico. Mas sempre leituras desovadas naquela atividade. De propunha um contraponto ao desinvinte alunos que tivesse em sala de aula, teresse dos jovens em sala de aula, alese um mostrasse interesse e compreenso gando que os governos brasileiros nuntudo j valia a pena, dizia. Depois de um ca investiam o suficiente em educao, ano no inferno, Alfredo enfim tomara terminando por gerar um sentimento um pequeno quarto alugado num pen- de inutilidade ao desejo de estudar e de sionato. O trabalho na Secretaria e como saber. professor lhe permitiu uma certa inde Nesse pas o que menos tem valor a pendncia. educao, dizia a Lucas, que balanava a No entanto, com o tempo a chatice e cabea afirmativamente. E era para ser o a monotonia do servio pblico foi lhe contrrio, prosseguia. Para um pas que roubando um certo prazer inicial. Quan- s veio a conhecer Universidade apenas do veio a se aposentar nenhum prazer no sculo XIX, parecia justificar e confirmais lhe restava. As aulas noturnas de mar seu ponto de vista, levando-o a dizer Historia, entretanto, sempre permanece- que essa pouca importncia com o saber,
resignada
resultou em atraso e em especial em bai- Tivemos uma m formao e educaxos salrios para a classe dos professores o na base. No toa que damos to pouca importncia e no temos mesmo ao longo da nossa histria. um esprito cientifico, fruto tambm do incrvel, Lucas, o descaso que te- Renascimento e da quebra do monopmos para com a formao educacional lio medieval catlico, enfatizava Lucas do nosso povo. Sempre foi assim. Todos concordando com Alfredo. A liberdade os pases do Primeiro Mundo tiveram cientifica, emendava Alfredo, fora um essa preocupao e esse estmulo no seu resultado da abertura moderna, protesnascedouro. Entre ns no houve essa tante e renascentista. preocupao, e eu falo preocupao, A conversa entre os dois se prolongava. no sentido de estudar as Humanidades. Alfredo achava que o desinteresse dos Quando o mundo moderno abriu-se ou alunos se devia a essa m formao na voltou-se para as Humanidades com o base, cujo desenvolvimento no teve o declnio da terrvel Idade Mdia, nosso intuito humano, de gerar Humanidades, pas se fechou, ficando preso ao dogma- nem do interesse cientfico, que a motismo catlico medieval. Fomos coloni- dernidade fez jorrar. Mesmo a liberdade zados por esse esprito, afirmava. poltica e democrtica, conseqncia lLucas concordava e acentuava que o Renascimento fora palco morto no Brasil. De esprito liberal, Lucas acentuava que enquanto nos Estados Unidos da Amrica, j havia Universidades em pleno sculo XVII, a Universidade de Harvard de 1636, a de Yale de 1701 e a de Princeton de 1746, ns estvamos fazendo a catequese de ndios, cujo nico objetivo era a maior Gloria de Deus. Ad Maiore Glorium de Dei. Enquanto a Europa, com exceo de Espanha e Portugal se tornaram protestantes, renascentistas, modernas, entrando na era da industrializao, nosso pas vedou a aceitao de todas essas mudanas e perspectivas. gica dessa abertura, foi palco morto entre ns, justificava. mais no mundo contemporneo a juventude desejava muito mais se entregar a aventura do nivelamento por baixo, do que se aventurar pelo conhecimento intelectual, sendo uma vtima da m formao de origem e dos nossos polticos. Se os protestantes assim como os judeus adquiriram o hbito da leitura atravs da Bblia, ns, pelas idias dos jesutas, nos fechamos no dogma catlico da Contra-Reforma. Nem adquirimos o hbito da leitura, nem a vocao cientifica, consumava. Alfredo, no fundo, era um idealista. Lucas, ao lado de Natrcia e da preta Penlope foram os seus nicos amigos. Lucas, por ser, como ele, um grande leitor, e por trabalhar na mesma Secretaria. Natrcia era sua vizinha. E Penlope, sua trabalhadora. Alfredo como a maioria dos brasileiros, sonhava para esse pas, um lugar melhor de se viver e de se morar. Acreditava que a poltica um dia, como dizia ele, pudesse colocar no governo ou governos pessoas mais comprometidas com a educao. Que pudesse varrer esse pas da corrupo. Que pudesse fazer dos seus filhos, uns abenoados de Deus.
Veja Lucas, quando Lutero rompeu com sculos de atraso e dogmatismo da Igreja Catlica, ele, sem perceber, estava gerando uma liberdade maior, permitindo que o ser humano pudesse conversar no seu prprio quarto com o Divino, nesse momento, ele estava democratizando e acabando uma hierarquia rgida que propunha mediadores para com Ele. Isso foi um avano e um ato de libertao, Lucas, imenso, arrematava o Velho em Um belo dia e sem mandar recado, a tom de entusiasmo. morte veio mansinha e levou essa alma Alfredo se negava a aceitar a opinio de benigna, digna, que morreu sem ver esse que com o mundo moderno, e ainda pas mudar. Mar/Abr 2005
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que
houve
com
le pediu mais uma cerveja e bebeu lentamente. Aquelas tardes na lanchonete do conjunto habitacional do campus tinham um certo sabor de irresponsabilidade. Alis, a vida toda tinha esse sabor. Acabara de ler o livro de Jack Kerouac, On The Road, e a nica coisa que realmente importava era poder pegar um carro e tomar o caminho de volta para casa, a dana do vento nos cabelos, a msica de Bob Dylan no toca-fitas, a lembrana de Easy Rider e o gosto ardente do bourbon presente ainda na boca... Como se v, suas referncias so todas americanas, muito pouco de sua cultura ainda lhe era impermevel. Chega ento um amigo, um conterrneo que veio fazer Fsica na mesma universidade e pede mais uma cerveja. Traam planos impossveis: uma viagem Europa, um roteiro de cinema, um livro de filosofia. A vida era assim mesmo, uma imensa histria de impossibilidades. Chega outro amigo, um cara de uma cidade vizinha que veio fazer Histria. Bebe o que resta da cerveja e pede outra. Diferentemente dos outros, ele no faz planos imediatos. Apenas quer um pouco mais de elegncia e sossego na vida. Elegncia no sentido que Baudelaire imprime ao termo. Quer caminhar pelos bulevares de Paris, tomar um conhaque
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Spengler
e sonhar nas sombras de Notre Dame, amar aquele tipo de mulher linda que ningum pode amar. S ele, nunca os outros. Bebem, bebem, bebem. J noite quando o garom avisa que vai servir a ltima. Decidem esticar a farra para o apartamento de um deles. A noite naquele lugar tem um tom fantasmagrico, como se de um futuro que j aconteceu, como o futuro antigo de Blade Runner, filme que idolatram e escutam a trilha sonora sem parar. Um trem passa distncia, riscando a noite com suas luzes que vazam das janelas, como num filme de fico cientfica e eles se sentem modernos por isso. Os prdios novos que aparecem atravs da janela parecem runas. E so runas, pois este um pas que repete a idia de Walter Benjamin sem saber do que se trata. As paredes de compensado daquele conjunto de edifcios guardam sonhos, frustraes e quase sucessos. O cara do apartamento ao lado quer concluir o curso de Veterinria para poder voltar ao seu Mato Grosso dourado; a linda morena, de cabelos negros como a crina de um cavalo, quer ir para sua fazenda e ser mdica de animais; o homem gordo quer contabilizar logo os espermas dos bodes para poder voltar ao seu serto distante; a moa pernambucana tresloucada quer arrumar um marido que financie seus ps-ps-tudo; a gacha de sotaque forado, que tambm gostava de meninas, quer voltar para o pampa com seu diploma de mestre; o filsofo que parecia um tarado poliglota sonhava em voltar para a casa da av. Enfim, a fauna toda que faz da vida uma festa um tanto quanto grotesca.
Toynbee?
os olhos, olha ao redor e vomita sobre o livro de Toynbee.
A vida s no era assim para ele, que se sentia cada vez mais um peixe fora dgua, sempre encharcado de lcool, sonhando com praias e coqueirais, querendo largar aquilo tudo para viver uma vida mais verdadeira, mais prxima da natureza, mais prxima do paraso de onde fomos todos expulsos pela espada flamejante. No rdio-relgio escuta todos os dias msica erudita e corrida de cavalos. No quer terminar seu curso, nunca quis, mas teme voltar para casa com a derrota. Enquanto isso abre uma garrafa de usque e mostra aos amigos um livro que leu, mas no gostou. um volume de histria de Arnold J. Toynbee, que havia deixado esquecido no piso ao lado da cama, na noite anterior. O cara que estava fazendo Histria ri e avisa, cuidado para no vomitar em cima do livro. Ele responde, sim, sim, talvez faa isso, e todos riem sabendo que no dia seguinte o livro fatalmente amanheceria vomitado. O cara tambm diz, melhor ler Lucien Febvre, este sim, um verdadeiro historiador. Ao que ele assente e diz, vou ver se verdade, mas hoje no, hoje ns vamos encher a cara e ouvir Mozart at enjoar. Todos caem na risada.
O tempo, essa matemtica da eternidade, efetuou um hiato entre esse dia, to distante no passado, com um outro dia, igualmente distante no futuro. E fez uma estranha ligao. Ele bebe um copo de gua mineral aps a xcara de capuccino na nova livraria de sua cidade. Vasculha a estante mais uma vez, procura de um livro de Lucien Febvre. L estava, escondido entre os demais de histria geral, baboseiras acadmicas e livros mais ou menos srios. Sorri com satisfao, afinal, a vida boa, j tem lhe dado grandes lies e compreende agora que todas as culturas tm algo de interessante para oferecer. J lera Gilberto Freyre, Srgio Buarque de Hollanda, Darcy Ribeiro, Cmara Cascudo, Frantz Fanon... Os cabelos ficaram grisalhos, a barriga maior, os amigos daquele tempo no esto mais prximos (a ltima carta do amigo historiador enviada de Paris dorme na mesa de cabeceira), outros amigos foram chegando, outros sumiram na voragem dos dias. No bebe mais lcool como antigamente. Agora s um passatempo pueril dos finais de semana. No sente mais o Chega outro cara. tambm um estu- mesmo prazer. dante de Histria, esquisito, inteligente, mas de discurso completamente desarti- Voltando da livraria olhou a cidade pasculado, risada nervosa, estridente, com sando pela janela do carro, sentiu uma trejeitos de homossexual. Sonha em fa- doce sensao de felicidade, afinal abanzer mil coisas, cada uma mais impossvel donara mesmo seu curso na cidade granque a outra. Mas pelo menos sonha. A de e voltar para sua terra amada. Lemconversa prossegue noite adentro. J brou de uma frase de Henry Miller, do madrugada quando decidem ir dormir. livro O Colosso de Marssia: NaqueQuando o dia j vai alto, uma luz forte le momento, eu me alegrei em ser livre, entra pela janela, o vento faz uma dana livre de bens materiais, de qualquer vnsuave na cortina, todos saram. Ele abre culo, livre de inveja, de medo, de ma Mar/Abr 2005 59
O q u e h o u v e c o m S p e n g l e r e To y n b e e ?
lcia. Poderia ter passado de um sonho a outro, devendo nada, lamentando nada, desejando nada. Sorriu pensando no que faria ao chegar em casa. Estacionou o carro e foi direto para seu quarto. L fez os preparativos para uma boa leitura: Armou a rede, colocou o relgio ao alcance da vista, ligou o ventilador e abriu o livro na pgina exata. Leu de um flego s e ficou ali deitado, o livro aberto sobre o peito, pensando, pensando, pensando. No conclura o curso, e isso o deixara mal por bastante tempo. Mas agora estava curado, fizera um outro curso, agora em uma disciplina que amava. Fora mais duro enfrentar o olhar de decepo dos pais, o descrdito das pessoas prximas, as palavras compreensivas dos amigos. Conclura outro curso, repetia para si mesmo, um que lhe dera mais prazer, no ? Ento que se dane o mundo! Ali, deitado na rede, espantou tais pensamentos de fracassos e vitrias e deteve-se em algo mais precioso, a leitura de um livro indicado por um velho amigo, em tempos to remotos que pareciam nem ter acontecido. Por que esperara tanto para ler aquele texto? O que o incomodava mais, a lembrana do livro molhado de vmito que fora lanado ao lixo? Ou a arrogncia do cara que o afrontara com uma presumida cultura superior sua? Uma mgoa que o fruto dessa dicotomia existente em seu pas. Um pas que separa pessoas de uma determinada regio da outra, seja do Sul contra o Norte, ou vagamente do Sudeste contra o Nordeste, no importa. O preconceito existe. E s por isso, algumas pessoas podiam se julgar superiores s outras? Teve raiva do amigo, mas depois perdoou. 60 Mar/Abr 2005
No, talvez o que o incomodasse mais, fosse a certeza de que no fora suficientemente compreendido pela maioria das pessoas durante boa parte de sua vida. Ora, esse negcio de artista incompreendido no cabia em sua viso de vida. As coisas acontecem conforme as circunstncias. E mgoa no coisa para se guardar. Para tanto existe o perdo e o tempo. Ali estava a chave de sua serenidade. Agora conseguia compreender tudo melhor. E leitura do livro? Bem, segundo Lucien Febvre, todas as generalizaes so condenveis. Quando Oswald Spengler pregava que todas as civilizaes teriam que nascer, viver e morrer e que o futuro pertencia aos grandes homens que desprezavam a poesia, a filosofia e a pintura, estava preconizando o nascimento do nazismo. Depois, quando insistiu na infalibilidade da decadncia da civilizao, bateu de frente com os ideais nazistas que viam em si mesmos, os pilares de uma nova civilizao atravs da supremacia racial e outras besteiras que acabaram levando milhes de pessoas aos fornos crematrios. Spengler morreu em completo esquecimento no ano de 1936 e seu livro Decadncia do Ocidente hoje uma pea do inesgotvel Museu da Estupidez Humana. Quando Arnold Toynbee formulou suas teorias de desafio e resposta, recuo e retorno, colocando todas as civilizaes no mesmo prato raso de anlise, cometeu mais uma generalizao absurda e quis passar por cima dos historiadores, mais calmos e mais srios, que fazem seus estudos como formiguinhas dedicadas,
cada um mordendo seu pedao de folha at chegar a um resultado plausvel. Toynbee preferiu ignorar tudo isso, lanando-se s alturas de uma montanha do tamanho de sua pretenso, que ruiu com o passar do tempo. Os livros de Toynbee so hoje bibels acadmicos no eterno Museu da Vaidade Humana. Depois da leitura, ele fechou o livro, calou seus tnis de caminhada e saiu para a rua. O sol ainda lanava uma ptina avermelhada por trs dos edifcios, os carros roncavam em sua pressa de chegar logo em casa, as mocinhas passavam na calada deixando um suave perfume de sexo no ar. Ento ele pensou mais uma vez nos velhos amigos e naquela tarde distante, em que beberam decadncia de um livro que seria vomitado. E como a histria dos homens pode ser complexa, misteriosa e mesmo assim to bela e simples que pode ser compreendida em detalhes. Lembrou tambm da histria contada por Lucien Febvre no final do texto que dizia: O bibliotecrio de um X agonizante, ouviu o pedido do monarca, no ltimo minuto da sua vida. Seu grande desejo era aprender toda a Histria... Respondeu o homem: Meu prncipe, meu prncipe, os homens nascem, amam e morrem. S isso e nada mais. Uma montanha no to simples de ser escalada quanto pode ser simples de ser explicada. Desde que seus especialistas se detenham em cada detalhe e no tentem explic-la com mais uma generalizao. Depois de caminhar at a beira-mar ele ficou olhando as ondas batendo na areia da praia. Agora a noite no era s escurido.
OMAGRO
lhao, largado aqui na nossa frente!, rebateu Omagro ironicamente. - Rapaz, vou lhe dar um conselho: diminua a dosagem do que sei l que voc est tomando..., respondeu o senhor dos classificados, j cortando qualquer tentativa de prolongar a conversa. - Ser que estou com tanta fome assim, a ponto de sofrer alucinao?, pensou Omagro, com os olhos esbugalhados. Como todos olharam para ele, deixando escapar um riso de deboche, Omagro, atordoado, saiu do vago e entrou no seguinte, afinal faltava mais de uma estao para o terminal. Preferiu ficar de p, ainda que agora tivesse a opo de poder sentar-se mais confortavelmente. Sentiu que algum tinha lhe pisado os ps, e quando olhou para baixo, perplexo, deparou-se com as mesmas botas de palhao.
odos o chamavam Omagro; assim mesmo, tudo junto. Ele era completa languidez, totalmente desproporcional em um metro e noventa e trs centmetros. Geralmente no sentia fome, mas comia; outras vezes, tinha vontade de comer, mas a despensa estava vazia. Num desses famintos dias, Omagro resolveu ir ao mercado. Como era fim de ms, s dispunha de mseros trocados. Por isso, ao invs do nibus, pegou o metr, que, pra variar, estava lotado. Omagro, mesmo usufruindo de sua to esbelta silhueta, teve que se espremer entre os demais, pois, como se sabe, alguns ainda insistem naquela velha vinheta do sempre cabe mais um.
Eis que num dos muitos abre-e-fecha de portas, entra no vago, que estava Omagro, um sorridente palhao. Assim que viu aquela figura, Omagro desviou seus olhos para os classificados, os quais estavam sendo meticulosamente examinados pelo senhor sentado ao seu lado. Como no o interessava comprar nem vender carros, Omagro preferiu voltar sua ateno ao palhao. Quo grande foi o seu susto ao constatar que estavam, sua frente, apenas as botas do palhao!. - Por acaso, o senhor viu para onde foi o palhao que estava aqui em frente? O louco devia estar com tanta pressa que esqueceu as botas!!!, perguntou Omagro assustado, para o senhor dos classificados. - Rapaz, acho que o louco aqui voc!, disse, rispidamente, o senhor dos classificados.
- No acredito, no possvel!!!. Por que s eu vejo essas botas?, pensou Omagro, esfregando as mos em seus olhos. O ponto terminal chegou e Omagro saiu do metr. E as botas insistiam em lhe fazer companhia. Caminhou uma quadra at o mercado, sempre parando e olhando incrdulo aquelas botas que o seguiam. Pegou o carrinho e foi s compras. Nada de enlatados ou embutidos, ia levar somente po, queijo, um litro de refri e um pote de sorvete, caso aparecesse algum amigo. Dirigiu-se ao caixa e pagou a quantia de treze reais e setenta e dois centavos (sim, Omagro sempre andava com moedas de um centavo nos bolsos, para que ningum lhe enrolasse com o troco). Mas, para sua surpresa, quando j estava deixando o mercado, o segurana lhe grita:
- Quem senta-se num banco de metr lotado, nunca compra atum enlatado, - Me desculpe, mas o senhor deve estar Ei, aonde voc pensa que vai, sem pagar filosofava Omagro. cego pra no ver esse par de botas de pa- por essas botas?. Mar/Abr 2005
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P e d r o Ve l h o
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antiga Vila Nova de Cuitezeiras, a 92 Km ao sul de Natal, pode ter sua cultura popular dividida em antes e depois de Chico Antnio, o embolador de cocos que encantou o escritor paulista Mrio de Andrade. Nascido no povoado de Cort, em 1904, o embolador continua sendo o cone da cultura de Pedro Velho e, onze anos aps sua morte, a populao pedrovelhense parece finalmente reconhecer seu valor. O municpio de Pedro Velho ganhou este nome em homenagem a Pedro Velho de Albuquerque Maranho, primeiro governador do Estado. A mudana, ocorrida em 1908, foi a forma encontrada para agradecer a Fabrcio de Albuquerque Maranho, irmo de Pedro Velho, pelas terras doadas para a reconstruo da Vila Nova de Cuitezeiras, destruda na enchente do rio Curimata em 1901. O municpio j foi mais prspero. A linha ferroviria, desativada h algumas
dcadas, contribua para o incremento do comrcio local. A queda na economia significou tambm o desaparecimento de antigas tradies culturais. O boi de reis de Cuit, considerado um dos mais tradicionais do Estado, s ressurgiu em 1997, com o lanamento do Encontro de Artes, Cultura e Humanidades. O evento, mais conhecido como Semana de Cultura Chico Antnio, conta com saraus poticos, danas folclricas e mostra de artesanato. A comunidade de Cuit tambm realiza sua prpria semana cultural nos meses de outubro.
municpio. H tambm o interesse de criar o Espao Cultural Chico Antnio, ocupando a pracinha entre a igreja matriz de So Francisco e a praa Claudino Martins.
As runas da igreja de Santa Rita, destruda pela enchente de 1901, so uma das atraes de Pedro Velho. A construo de 1862 foi tombada em julho de 2002 pela Fundao Jos Augusto. A fachada do prdio e a parede lateral correm risco de desabamento. A antiga igreja de Santana, construda em 1891 na comunidade de Tamatanduba, est abandonada O antigo museu municipal, na praa desde 1910 e tambm virou runas. Claudino Martins, no existe mais. Pedro Velho tambm no possui biblio- A cultura de Pedro Velho, felizmente, teca pblica. Mas um novo alento para no vive s das lembranas do passado. a cultura pode estar surgindo. Andria O municpio tem rabequeiros, violeiros, Juvncio, coordenadora de Cultura de artess e muitos jovens interessados em Pedro Velho, e os professores Joo Hor- valorizar as tradies locais. Alguns estutncio Sobrinho e Stella Azevedo plane- dantes aprendem desde cedo a preservar jam inserir uma programao cultural a identidade cultural. Alunos dos 12 aos dentro dos festejos pelo aniversrio do 15 anos da escola So Sebastio, no Cuimunicpio no dia 10 de maio. Carlos Al- t, por exemplo, formaram um grupo de berto Carvalho, secretrio de Educao, coco de roda. Ningum quer ver a cultuprepara um livro contando a histria do ra local virar runas.
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A habilidade dos catadores de coco impressiona. Todo incio de manh, eles repetem o sobe e desce nos coqueiros altos e de troncos irregulares. No precisam mais do que uma ala feita de corda e uma foice para executar o trabalho.
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meados da dcada de 70. A tradio chegou a desaparecer, mas foi resgatada na Semana Cultural Chico Antnio, em 1997. Com a chegada da energia eltrica ao nosso distrito e mais particularmente a televiso, a nossa arte, to genuna, espontnea e alegre, sucumbiu, comenta o professor Joo Hortncio, nascido em Cuit e acostumado a ver na infncia as pessoas formando crculos para ver o boi. Lembro dos aboios fortes e das lamparinas a leo clareando as noites de Cuit. O boi-de-reis do Cuit to alegre que a tradicional morte do boi, ao final da apresentao, no acontece. O Birico, um dos trs personagens cmicos, segura uma tocha enquanto faz graa com o Mateus e o Cravo Branco. O trio de mascarados tem o rosto pintado de preto e, normalmente, usam chapu de couro. Seis galantes com espadas e duas damas completam o grupo. O rabequeiro fica no centro tocando acompanhado do pandeirista e tringulo. As cantorias so tradicionais. A masseira, um canto inicial de saudao, anima os galantes antes da chegada do boi. A brincadeira mistura sagrado e profano. A maruja do boi-de-reis inicia a apresentao dentro da casa. A primeira parte enfoca o lado mais srio do folguedo com msicas religiosas e tambm elogiando o dono da casa e seus familiares. A segunda parte feita no terreiro. Os galantes, damas e mascarados entoam msicas e danam. Joo Hortncio recorda que no passado o chamado terreiro era iluminado com trs tochas. O momento mais esperado do reze a chegada do boi. Depois das msicas de saudao, iniciam-se as chamadas vendas ao pblico para agradar algum espectador conhecido que recompensa o boi com dinheiro. Os cantos do boi-de-reis do Cuit esto em duas faixas de um dos CDs da coleo Msica do Brasil, lanada em maro de 2000, projeto de pesquisa desenvolvido pelo antroplogo carioca Hermano Vianna em 19 estados do Brasil. O reconhecimento fortificou ainda mais a maruja. Depois de 20 anos no anonimato, a arte das famlias Joaquim e Marreiro, como na minha infncia, volta com o aboio forte, as cantigas bem entoadas e os mascarados com suas loas hilariantes.
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J so mais de 50 anos dedicados viola e muitas histrias para contar. Antnio Francisco Dias, 79 anos, percorreu boa parte do Nordeste, passou algumas temporadas no eixo Rio - So Paulo e venceu duelos contra violeiros tidos como imbatveis. Muitos caram diante da verve e criatividade do violeiro potiguar, dentre eles, o alagoano Lourival Bandeira Lima, repentista que chegou a freqentar a casa do folclorista Cmara Cascudo. Antnio Dias violeiro desde o incio dos anos 40, quando comeou a acompanhar o paraibano Jos Loureno Leal nos tratos de cantoria, em Nova Cruz, municpio do Agreste com grande feira popular na poca. Poucos anos depois, viveu a era de ouro do rdio e chegou a passar oito meses participando dos programas de auditrio na Tupi do Rio de Janeiro. Meu irmo j era repentista e um primo de meu pai, Hermenegildo Pontes, foi um grande repentista. J vem de famlia. O desafio a Lourival Bandeira, falecido no ano passado em Braslia, o episdio mais marcante da vida de Dias. O alagoano no era um violeiro qualquer. Bandeira chegou a cantar um mouro de dez ps com o cearense Jos Siqueira de Amorim, na casa de Lus da Cmara Mar/Abr 2005 69
Cascudo, em Natal, na noite de 23 de maio de 1949. O mouro, gnero que se canta em dilogo, uma variante do desafio. O prprio Cascudo explica em seu livro Vaqueiros e cantadores que o mouro nunca significou seno divertimento, afoiteza, alegria dos cantadores. O palco do desafio a Bandeira - o auditrio da rdio Tupi no Rio de Janeiro - no podia causar mais espanto. O ambiente de sonhos para quem era recm-chegado cidade grande causava encantamento no violeiro potiguar.Quando cheguei l com minha violinha de pau e um terno de brim quase meu corao veio abaixo, confessa. Como se no bastasse, Antnio Dias no havia sido avisado que na primeira noite teria que desafiar o detentor do trono do programa de Almirante, pseudnimo do msico Henrique Domingues, responsvel em comandar o desafio entre violeiros vindos do Nordeste e mandar o vencedor para o chamado trono.Lourival, cantador pra valer, estava no trono h trs meses. Era o assombro do mundo inteiro. A imponncia de Lourival, vestido em terno de casimira Aurora e com uma viola muito bonita, meteu medo em Antnio Dias, mas o potiguar mostrou logo nos primeiros versos que no estava para brincadeira. Botei para quebrar. O julgamento era por palmas, quase que o auditrio vem abaixo. A vitria significou o reconhecimento que Dias precisava para seguir carreira num grande centro.Ganhei 300 cruzeiros da poca e a primeira coisa que fiz foi comprar uma viola boa e um terno bom, diz sem conter o sorriso. O violeiro passou oito meses no programa de Almirante. A esposa Maria Ana Dias, que havia permanecido em Nova Cruz, chorava ao escutar a voz dele pelo rdio. 70 Mar/Abr 2005
O repentista Valdemar Marques Teixeira, 75 anos, faz parte de uma famlia de violeiros que marcou poca em Pedro Velho. Os irmos Antnio e Manoel, ambos j falecidos, tocavam viola com Teixeira em diversos municpios do Nordeste. O violeiro, natural de Santa Luzia do Sabugi (PB), participou do programa de Almirante na Tupi, tocou na feira de So Cristvo, no largo do Machado e praas pblicas. Foram 11 anos morando no Rio, entre os anos 50 e 60, at decidir retornar a Pedro Velho. Participei de todo tipo de apresentao folclrica. Depois de 1975, quando veio o som, que a cantiga ficou mais abandonada.
Antnio Dias decidiu retornar ao Nordeste em 1953 para morar em Pedro Velho. Formou dupla com Antnio Teixeira e percorreu a cavalo todo Agreste e meio de Serto. Os tratos de cantorias acertados nas feiras garantiam o sustento. J em 1965, foi convidado para substituir o repentista Patativa de Campina Grande, na rdio Rural. Permaneceu na emissora por trs anos fazendo um programa em parceira com Chico Trara, poeta popular que d nome a uma coleo de cordel publicada pela Fundao Jos Augusto. Outra grande experincia na vida do violeiro foi participar durante alguns anos do Viajando o Serto, programa de cultura nordestina que era apresentado pelo professor Tarcsio Gurgel, na TV Universitria de Natal. Ainda tive um programa na rdio Agreste de Santo Antnio at 2003.
As artess Helena Francisca da Costa, 63 anos, e Rosiane da Costa, 34, esto entre as 16 mulheres que retomaram o artesanato com agave em Pedro Velho.Antigamente o povo fazia, mas tinha acabado, recorda Helena. O trabalho, todo manual, comea a ganhar forma com as artess enrolando os fios de agave nos ps de um tamborete. Rosiane faz o artesanato h dois anos. Primeiro a gente lava o agave, seca e bate com um pauzinho pra ficar solto. A Associao de Apoio s Comunidades do Campo est exportando parte da produo para os Estados Unidos. As bolsas feitas de agave so vendidas a R$ 20. O produto, muito bem acabado, exige muita pacincia das artess.Vo construir um galpo pra gente trabalhar. Melhor todo mundo junto do que cada um em casa. Mar/Abr 2005 71
O silncio da poetisa
A pedagoga Telma Galvo de Lima, 36 anos, j gostou mais de poesia. H 12 anos trabalhando como agente de sade, foi aos poucos abandonando o hbito de escrever poemas. Chegou a publicar Silncio, em 2000, e Quadro de poeta, em 2001. Os versos livres sem preocupao mtrica agradavam aos leitores, mas a poetisa confessa que estava frustrada e no via motivao no que fazia. A poetisa continua escrevendo crnicas, mas talvez por timidez ou falta de apoio, prefere guardar os escritos s para ela. No estou me assumindo como artista da palavra. A felicidade, ela bem sabe, est ao alcance da mo.Vou voltar a escrever.
ANTNIO FRANCISCO
stvamos em Mossor a trabalho. Moraes (Neto, fotgrafo) me consultou se poderamo abrir uma brecha no trabalho para visitar um grande amigo seu, um tal de Antnio Francisco, do qual ele tinha sido ajudante de sapateiro - histrias de bem antes de ele dominar a arte da fotografia. Eu disse que sim. Dois dias depois, conversando na casa do petroleiro Antnio Kydelmir Dantas, o nome de Francisco ressurgiu numa conversa. Moraes e Kydelmir descobriram que tinham em comum o mesmo amigo, que depois de velho deu a ser poeta. Ficou acertado naquela noite um encontro no bar Chap Chap, aproveitando o lanamento do livro Dicionrio de Poetas Cordelistas do Rio Grande do Norte, de Gutenberg Costa. A ocasio no poderia ser melhor. Estariam presentes todos os que mantm viva a poesia popular em Mossor e regio. De minha parte - tenho de confessar - ainda no estava convencido de que aquele baixinho, calvo, moreno, rolio, forte e agitado fosse o que diziam. Em meia hora, mudei de opinio. Bastou para isso ver Antnio Francisco recitando versos - seus versos - com os olhos em brasa; o suor escorrendo; e os braos a desenhar as imagens que - decoradas - iam uma a uma saltando de dentro dele, indo animar a imaginao dos presentes. Filho de Pedra e Petronilo, Antnio Francisco Teixeira de Melo tem dois livros lanados - Dez cordis num cordel s (2000) e Por motivos de versos (2003). casado com Josenira Maia de Melo, 56 anos e tem duas filhas: Adridina Ngea de Melo, 30 anos, e Joana Pedra de Melo, 18. Nas pginas seguintes conhea um pouco mais da vida e da poesia deste soldado remador da cultura popular. Mar/Abr 2005 73
Pre - Quando voc percebeu que tinha essa habilidade para escrever poesia? Antnio Francisco - Eu sempre tive. Mas nunca imaginei que o povo gostasse. Eu escrevia mais para mim. Hoje no. Hoje eu me vejo como uma pessoa que tem a responsabilidade de perpetuar a cultura do Nordeste. Pre - Antes voc no tinha essa percepo? Antnio Francisco - No. Eu fui vtima da gerao de 60. poca dos Beatles e dos Rolling Stones. Eu tinha vontade de escrever mas no tinha coragem. Todo mundo de cabelo de banda, medalho no pescoo... Foi a maior revoluo do mundo. Sem nenhum tiro houve uma revoluo enorme no mundo. Foi a Jovem Guarda. Pre - E voc tambm usou cabelo de lado? Antnio Francisco - No. Sempre fui um cara muito original. Eu nunca fui nesse negcio do comando do mundo. Eu nunca fui de seguir a opinio dos outros, tipo: compre isso, faa isso. No. Eu sempre tive uma identidade forte e natural mesmo. Eu nasci na cidade, mas sempre saltou algo de mim assim: eu queria ter nascido num stio. E ter ficado l. Enquanto o cara vem do mato e faz tudo para virar um cidado, um homem da cidade e aprender a falar bonito; eu nasci na cidade e a cada dia que passa quero ficar mais matuto.
Pre - Por qu? Antnio Francisco - Porque pra mim o seguinte: Crispiniano {Crispiniano Neto, poeta popular) fez uma pea de teatro chamada Sanduche de gente, aonde o cara vem do campo e ele aquela pessoa simples, trabalhadora e honesta. Chega aqui e comea com os vcios de Bolsa Escola, Bolsa Renda e no sei o qu e tal. Ento, o cara finda perdendo a dignidade, o respeito, a auto-estima e o trabalho dele, acima de tudo. Enquanto o cara vem para c atrs de luz, eu sou aquela mariposa que nasceu rodando na luz e quer ir para o escuro.
Antnio Francisco - Na escola. E com Lus Campos. Pre - Qual o poeta que mais te influenciou? Antnio Francisco - Foi mais Lus Campos mesmo. Os cantadores de viola. Veja que eu tenho um pouco de mtrica e rima de viola, mas tambm tenho uns poemas que tambm saem em outra linha porque j conhecia Khalil Gibran, Hermann Hesse...
Pre - Sempre gostou de ler? Antnio Francisco - Sempre. Fui jornaleiro. Vendi Cruzeiro, Manchete... Vendi garrafa, fui jornaleiro, sapateiro, Pre - Quando foi que nasceu o Antsoldado, pintor, soldador... nio Francisco poeta? Antnio Francisco - Foi por volta de Pre - E hoje em dia voc o qu? 96. Antnio Francisco - No sei. Pre - Onde? Antnio Francisco - No Sujeito {bar de Mossor}. Crispiniano Neto fez l um movimento dos poetas e pediu que eu fizesse uma glosa de amor. Crispiniano foi o primeiro a me incentivar. Pre - Por que sabia desse seu talento? Antnio Francisco - Ele conhecia. Mas ele... Como mestre, quando eu mostrei, ele disse: rapaz, est perfeito. Quer dizer, com o aval de Crispiniano Neto e com a amizade de Lus Campos, que outro poeta vizinho meu, a eu continuei escrevendo. Pre - E mtrica e rima, onde voc aprendeu? Pre - Voc faz o qu para viver? Antnio Francisco - Fao placas de automvel. Pre - Pensa em se aposentar? Antnio Francisco - No sei o que isso. Eu acho que o lado meu de poeta mais isso. De no me preocupar com o dia de amanh. Eu nunca nem liguei. s vezes assim que eu me lembro que estou com 55 anos. Uma mulher me perguntou se eu nunca tinha ido ao mdico tirar a presso. Eu disse: Se tirar, eu morro. A ela disse: Tirar no, medir. A eu respondi: Eu estou com vontade de pegar minha bicicleta e ir para Tibau amanh. No vejo diploma maior de sade que esse no. Eu estar aqui sen-
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tado numa rede, levantar, pegar minha tro, todo mundo reclama. Agora matam verdades. Eu minto dizendo a verdade. bicicleta e ir para Tibau. Tenho certeza um rio e ningum diz nada. muito in- O bom do escritor a viagem que ele faz. Eu gosto de fazer aquela viagem. que o mdico no vai reclamar. teressante isso, no ? Pre - Como sua rotina? Antnio Francisco - Eu acho que uma virtude minha, acordar cedo. 4h30 eu me levanto. Eu planto ali. Tenho um roado. Vou s para andar l dentro mesmo porque no tem nada de futuro l. A minha vida todinha eu acordei cedo. Eu passei 15 anos correndo de bicicleta, a eu tinha que treinar de manh. Porque eu s fao as coisas depois que ganho o meu po de cada dia. E eu ganho o meu po na oficina. Pre - verdade que voc s fica bem depois que vai oficina? Antnio Francisco - . Porque minha vida todinha foi dentro de oficina. S no vou quando viajo. Pre - Quem te incentivou a lanar livros? Antnio Francisco - Vingt-un (Rosado). A Fundao Vingt-un. Eu juntei os dez cordis que eu tinha e a lancei. Est na quinta edio. Pre - E saiu quando? Antnio Francisco - Em 2000. Pre - E o segundo? Antnio Francisco - Em 2003. Pre - O que h de mais duro no mundo? Antnio Francisco - O mais duro voc ver o desprezo do cara com a terra. O homem ainda vai aprender que a terra sagrada. Que ela a me. Que ela a maior riqueza. O maior patrimnio. Sem terra no h vida. Pre - E o que h de mais belo? Antnio Francisco - O mais belo o cu. E o amor, n? Quando a pessoa comea a amar - tudo - ela comea a se libertar. O homem muito preso por preceitos, por essa correria, por essa insatisfao de querer, de ter, de ser, de parecer... E a vida muito simples. Tudo o que belo simples. A chuva, por exemplo, muito bonita. Eu comecei a gostar da chuva lendo Khalil Gibran. Ele diz num livro: Espero que depois seu esprito perca o medo da tempestade. Aqui o povo v uma neblina e corre para dentro de casa. As coisas naturais so bonitas. O ser humano ... Um dia o ser humano vai se encontrar, n, Neto {Morais Neto}? Porque Neto gosta de mim independente do que eu sou. Quando Neto me v, vem a infncia dele. Pre - O que mais lhe incentiva a escrever? a satisfao pessoal? Antnio Francisco - Tambm. Pre - Alis, o que h de melhor em escrever? Antnio Francisco - Rapaz, voc j imaginou que eu estou aqui escrevendo um poema e daqui a seis meses o cara vai estar l em So Paulo ou no Rio de Janeiro, numa rede, lendo um poema meu. Isso muita satisfao. Eu j recebi telefonema aqui de 12 horas da noite, a pessoa estava lendo em casa e disse: Olhe, desculpe lhe incomodar, mas eu tinha que lhe dizer que estou lendo seu poema aqui e estou viajando no seu sonho. Eu digo muito que s vezes a pessoa acha que riqueza s o dinheiro, n? E eu me acho um cara to rico. Como um rapaz que chegou aqui, de Natal, telefonou querendo me conhecer. Eu disse: No vale a pena no, homem. Porque o cara s imagina aquele intelectual. A quando me v, eu vejo o choque das pessoas. Eu escrevo, falando, vamos dizer: O sol cochilava no meio do cu / jogando seus raios na cara cho / a gaita estridente de uma cigarra / tocava sem graa a triste cano / daqueles que vivem nos braos da seca / tirando da f um pouco de po. o serto, n? a seca. Quem j passou no serto / e viu o solo rachado / a caatinga cor de cinza / duvido no ter parado / pra ficar olhando o verde / do juazeiro copado... Serto, n? Nas noites que o sono foge / a minha mente descansa / debruada sobre as pginas / do caderno da lembrana / recapitulando as cenas / do meu filme de criana / logo na primeira cena / eu vejo nosso casaro / com quatro silos na sala / cheios de milho e feijo / e um quarto pegado casa / que pai guardava algodo. Papai foi jogador de futebol...
Pre - Voc j se apresentou em muito locais? Pre - E como se chama? Antnio Francisco - J. Em Natal, ReAntnio Francisco - Por motivos de cife, Olinda. S no fui ainda para as versos. bandas do Cear. Em Mossor eu vou sempre para os colgios. Pre - Tambm por incentivo de VingtUn? Pre - Voc imaginava um dia se apreAntnio Francisco - Isso. Eu chego l e sentar tanto? ele sempre pergunta se eu tenho alguma Antnio Francisco - Imaginava no. coisa. Pre - Por que voc acha que gostam das Pre - E de onde voc tira inspirao coisas que voc escreve? para escrever? Antnio Francisco - Porque o pessoal Antnio Francisco - Do dia-a-dia. Das muito carente de poesia, de justias e de pessoas. Do povo. O mundo muito verdades. Eu minto muito. Eu gosto. Eu Pre - Qual era o nome dele? duro, mas tambm muito inspirador. no fao calnia de ningum. Mas gosto Antnio Francisco - Francisco PetroEu uso a gola da minha camisa para den- de mentir. E dentro das mentiras eu digo nilo de Melo. Minha me se chamava Mar/Abr 2005
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Pedra Teixeira de Melo. a nica Pedra do mundo. Quando eu estava no Exrcito uma vez me disseram: Rapaz, eu j vi muito filho de pai ignorante, mas de me ignorada eu nunca tinha visto. Isso porque o cara errou meu registro e botou Pedro. A eu fiquei sendo filho de dois pais. Pre - E brincavam muito com isso? Antnio Francisco - No. Porque eu sempre tive habilidade de me livrar de apelido. Eu sempre gostei de brincar com o povo. Antes que botem apelido em mim eu j botava neles. Pre - Voc nasceu em Mossor mesmo? Antnio Francisco - Minha vida toda foi aqui, nessa casa. Pre - Quanto irmos teve? Antnio Francisco - Dezesseis. Pre - Teu pai jogou em que time? Antnio Francisco - Jogou no ABC, em Natal. Jogou em todo canto. Papai no fez outra coisa seno jogar bola. Nunca plantou algodo. Ele era meia-direita. Ele chegava no campo e perguntava: Pra onde que eu boto?. A, jogava em Natal, terminava e vinha embora. Pois , tem o meu lado serto, mas tambm tem o meu lado urbano. No qual eu digo: O verde acendeu / soltei a embreagem / e pela janela do carro avistei / um homem fardado / pisando um menino / com uma das botas / de chumbo da lei / Os olhos do trnsito / queimavam a criana / o guarda tragava / seus gritos de dor / o carro perdeu-se / num mar de ferrugem / perdeu-se a cena / no retrovisor / senti muita pena / daquela florzinha / e um pouco de pena / do p que pisou (...). Porque a gente tem que ter pena do ignorante. O cara que pisa hoje foi pisado quando era criana. Ningum recebe carinho e amor que no devolva. Ns todos somos frutos da sociedade. A sociedade bota o ladro para depois fazer a lei. 76 Mar/Abr 2005
Pre - Sua poesia retrata o serto e tem um forte componente social. Antnio Francisco - A vontade que eu tinha de ter nascido no serto faz com que eu escreva sobre o serto. E ao mesmo tempo tenho aquela preocupao com a incoerncia do ser humano. Pre - Por que voc escreve? Antnio Francisco - Por satisfao pessoal e porque eu quero sempre dizer alguma coisa. Acho que por isso que eu no tenho coragem de subir num palanque e dizer isso tudo. Porque se voc vai discutir, acaba perdendo a amizade com a pessoa. Quando voc escreve poesia, voc diz tudo e o cara bate palma para voc. Eu acho melhor fazer assim. Tem um poema que eu digo assim: Cansado dos olhos / da luz da cidade / do trnsito catico / gritando estressado / das cercas eltricas / dos muros de medo / do leo que deixa / o mar sufocado / parti, fui embora / deixando para trs / as ruas de pedra / de cho enlutado / Morei cinco anos / no vale das sombras / sem ver luz eltrica / nem rastro de gente / comendo os retalhos / da sobra de um lobo / dormindo enrolado / com uma serpente / ouvindo as manacas/ das hienas a cantar / cortando carnia / na ponta dos dentes / Aprendi com o lobo / a caar nas florestas / sangrar a jugular / rasgar a carne crua / andar pelos bosques/ pisando nas sombras / fazer do meu corpo / um arco de pua / passar pelas fendas / estreitas das serras / e plantar liberdade / uivando pra lua / Aprendi com a hiena / a esperar pela sobra / da boca faminta / do puma valente / deixar que a ona / se afaste dos filhos / para eu abat-los / na ponta do dente / esperar que a zebra / de velha padea / para que eu possa atac-la / depois de doente. Quer dizer, estou agora na frica. Pre - Voc faz a viagem completa. Antnio Francisco - Eu no me admiro. s vezes eu saio do mundo e vou para outro mundo. E quando eu volto de l? A quando eu digo: Voltei para viver / nos braos do medo / lamber vaidade / inveja e cobia / olhar para o cu / pisando
mais fraco / quebrar meu joelho / na hora da missa / mentir para comer / na mo da riqueza / banhar-me de sangue / nos ps da injustia / Voltei para ouvir / sermes de mentira / discursos sem rosto / sem gosto e sem nome / o eco da serra / ferindo a floresta / o grito daquele / que planta e no come / alguma inspirada / pedindo comida / na casa do pai adotivo da fome / Voltei para no ter / que dizer ao lobo / nem aos companheiros / do vale fecundo / que nosso papel / em todo o planeta / plantar vaidade / num pano de fundo / colher tempestades / de inveja e cobia / e cuspir desaforos / na cara do mundo. Aqui, a vocs eu disse tudo isso. Mas ao lobo eu tive vergonha de dizer como ns agimos. Pre - Voc est escrevendo outro livro? Antnio Francisco - Estou. Esse poema que acabei de dizer desse novo livro. Pre - Quando pretende lan-lo? Antnio Francisco - Se tudo der certo, este ano. Pre - Como ser esse livro? Antnio Francisco - So cordis e poemas. Eu sempre gosto de escrever doze. Porque os poemas so longos. A temtica do Por motivos diversos variada. Por exemplo, eu fui visitar o rio Mossor, a eu disse: Se bom fazer visitas / melhor ainda ser visitado / domingo eu fui ver o rio / que dei o primeiro nado / e vi coberto de lixo / quem me banhou no passado / A voltei a fita do tempo / e me vi banhando nele / e vendo como ele estava / chorei olhando para ele / tentando com as minhas lgrimas / enxugar o pranto dele / Voltei para casa tristonho / no outro dia voltei / por trs do vu do leo / e no lugar onde eu chorei / tinha uma tilpia lambendo / as lgrimas que eu derramei / subi em cima da ponte / bati no meu corao / e perguntei cidade / por que tanta ingratido? / por que matar quem matou / tanto a nossa preciso? / por que jogar nosso lixo / nas fronhas dos seus lenis? / se ele matou a sede / dos nossos bravos avs / com certeza um pouco dele / navega dentro de ns / essa cidade nasceu / e cresceu por causa
dele / e agora, depois de grande / ao invs de olhar para ele / bota a boca dos esgotos / pra ficar cuspindo nele / quantos gritos foram gastos / por uma refinaria? / e atravessando a cidade / um rio de economia / quase morto pelos ps / dos nossos cegos de guia / Mas quando cair as vendas / dos olhos dessa cidade / que ela ver que o rio / a nossa identidade / com certeza ir buscar / o caminho da verdade / ir buscar no passado / a garra, a saga e o brilho / de Rodolfo e de Celina / e acabar o sombrio / captulo da nossa histria / limpando a gua do rio / E num passado de glria / alguma autoridade / dir orgulhosamente / no Alto da Liberdade: / aqui a nossa cultura / com a arte se mistura / com trs rios de gua pura / atravessando a cidade. Voc quer documento maior para um povo do que um rio limpo? Voc quer riqueza maior? Eu vim de Natal por causa disso. Porque no tinha um canto para eu tomar banho. Nem um canto para eu andar de bicicleta. Emprego emprego. Ganhar bem ganhar bem. Mas, e qualidade de vida? Qualidade de vida voc estar aqui s 5h no trabalho e s 5h10 em casa... Com sua famlia, com seus filhos, tomando banho, brincando, lendo, jogando bola.
Pre - verdade que a morte do seu filho foi um dos acontecimentos que mais te impulsionou a escrever? Antnio Francisco - . Porque foi quando eu parei de correr de bicicleta. Quando eu deixei o esporte, eu fiquei com aquela energia. Acumulada. J imaginou passar a vida correndo e de repente parar? Tem que fazer alguma coisa. Pre - E voc parou de correr por qu? Antnio Francisco - Porque tambm sofri um acidente. Pre - Foi na mesma poca da perda do filho? Antnio Francisco - Foi. E antes eu j escrevia. S no acreditava que fosse bom. Que as pessoas gostassem. Toda vida eu fui ligado arte. Pre - Qual o ttulo mais provvel do novo livro? Antnio Francisco - Tem um que eu gosto mais: Sete lguas e meia de cordis. Porque essa meia uma poro de textos em que se misturam crnicas e contos. Esse mais diferente dos outros.
Pre - Voc assiste televiso? Antnio Francisco - No. Nunca me Pre - Por qu? acostumei no. Com televiso, com re- Antnio Francisco - A mtrica maior. E eu falo muito em sombra. Ficou muilgio... to diferente do outro livro, que era mais Pre - Com o qu mais voc nunca se natural. Sei l, os versos esto mais eruacostumou? ditos. Mais profundos. Onde eu digo: Antnio Francisco - Sapato. quando as trevas da noite cobriram a cidade / deixei o meu leito para ir caminhar Pre - Cala? Cala ainda usa, no ? / pensando comigo / o mar no tem sono / Antnio Francisco - Tenho uma. Por- quem sabe comigo ele no quer conversar / que tem canto que precisa. Porque tem e sa conversando / na beira da praia / trocara que tem inveja de quem anda de bermuda. Porque inveja. Eu j derru- cando palavras / com a boca do mar. Noubei. Se eu andasse de paletozo preto, tro eu comeo: Lgrimas de fogo desciam num sol desses, eu teria inveja de quem do cu / nuvens de plvora bailavam no ar anda assim como eu, de bermuda e bi- / um monte de bbados gritava eufrico / feliz ano-novo na porta do bar / e eu pecicleta. saroso, passei fui embora / plantar solido Pre - Quantos filhos voc tem? nas guas do mar. Tenho muita relao Antnio Francisco - Duas filhas. Eram com o mar. trs, mas perdi um (Adejam Maia de Melo, em 1995, com 16 anos). Fiquei Pre - E por que essa mudana temtica? com duas. Mar/Abr 2005 77
Antnio Francisco - Ainda no sei. Eu Pre - Por qu? queria que ficasse do mesmo jeito, mas... Antnio Francisco - Porque eu me encontrei com o Nordeste quando tinha 35 Voc veja: nem sempre se termina um anos. E para mim isso foi um nascimenpoema do jeito que se imagina. Voc co- to. Porque passei a ver o Nordeste como mea com quatro, cinco linhas ou versos esse palco de arte. e ele j comea a criar vida, j comea a ter vontade prpria e j comea a pePre - Mas o que foi que te marcou para te fazer perceber isso? dir... Antnio Francisco - Olha, veio a Jovem Guarda, os quadrinhos e tudo isso foi embora e ficou o cordel. Depois, comePre - O poema te comanda? cei a estudar o Nordeste e descobri que Antnio Francisco - s vezes . Tem aqui ns temos coisas que nos outros poema que rebelde. cantos no tem. Como que pode? Ns termos os cantadores, o xote o baio, quadrilha, papangu... Pre - difcil escrever? Antnio Francisco - No fcil, no. Pre - E depois dessa descoberta, o que Eu no sei qual foi a escritora de Natal mudou? que me ensinou o seguinte: quem escreve Antnio Francisco - A cada dia que pastem de amassar muito papel. Toda vida sa eu quero ficar mais nordestino. Tenho mais orgulho. que eu olho para o canto do quarto tem muito papel. Eu sempre lembro dela. Eu Pre - Qual o poema que voc fez e escrevo, vou lendo, lendo, lendo, lendo e que o seu preferido? vou botando ele no ritmo. Porque escre- Antnio Francisco - Meu sonho. Foi o primeiro cordel que eu fiz. D para rever ritmo. Tudo ritmo. A vida rit- citar? mo. Quando voc perde o ritmo... Tem que ter ritmo para tudo. A tecnologia fez Pre - Claro. Antnio Francisco - (recita o poema todas as mquinas para voc viver comoleia ao final da entrevista). damente. Mas esqueceu que o homem aquele natural: precisa andar, se movi- Pre - Esse foi o primeiro? Antnio Francisco - Foi. mentar, viver. Ningum rob. Pre - Voc gostaria de acrescentar Pre - Pelo que se percebe, esse seu novo algo? livro mais urbano e sombrio. Pode-se Antnio Francisco - Tudo o que vem at dizer que esto mais srios os seus de reconhecimento para mim, eu reparto com a cultura nordestina. Tudo faz textos. Voc acha que isso um sinal de parte. Eu sou apenas um remador dessa amadurecimento da sua poesia? canoa. Antnio Francisco - Eu tenho medo disso. Eu tenho medo de sair daquela Pre - E essa canoa vai longe? Antnio Francisco - Vai. Enquanto linha que eu comecei... Mas eu no deiexistirem iniciativas como a da Pre e xo o cordel nunca. Nem deixo de comer pessoas como eu... Gutenberg, que lanbaio-e-dois. ou o dicionrio... 78 Mar/Abr 2005
MEU SONHO
Do livro Dez cordis num cordel s, publicado em 2000. Cansado de ler jornais Fui me deitar descontente. Pensando em tudo que li, Adormeci lentamente E sonhei que acordava Num planeta diferente. Era um planeta coberto De plantas de todas as cores As lagoas orquestradas Por marrecos cantadores E as abelhas bailando Por entre as ptalas das flores Bfalos, zebras, elefantes, Ali bem perto pastando... Alces, gazelas, girafas, Pela relva saltitando E na linha do horizonte Os dinossauros passando Fiquei um tempo pasmado Depois sa caminhando Seguindo o curso de um rio Com os peixinhos pulando As flores exalando o cheiro E a floresta cantando Logo mais vi uma cena Que tocou meu corao: Trs crianas dentro dgua Desenganchando um salmo Que tinha ficado preso Nas pedras do ribeiro Tiraram o peixe para fora Cada qual mais contente Um deles passou a mo No peixe suavemente E depois o colocaram Dentro dgua novamente Depois eu parei pra ver Perto de uma pedreira Quatro homens construindo De pedra uma cadeira... Eu perguntei a um deles: - Por que no faz de madeira?
Disse: - No temos coragem De cortar uma rvore bela Para fazer uma cadeira Somente para sentar nela. Achamos melhor ficarmos Sentados na sombra dela. Com esta simples resposta Sem querer me envergonhei Para disfarar a vergonha Numa pedra eu me sentei - Aonde fica a cidade, Por favor? - eu perguntei. Disseram: - Siga esta trilha Com o nome de Liberdade. Logo mais tem uma placa, Que indica Felicidade... V por onde a seta indica Que chegar cidade. Quando eu cheguei na estrada, Que comecei a andar, Sentou-se um pssaro em meu ombro E comeou a cantar. Naquele instante eu senti Um cheiro de paz no ar. Voando na minha frente Ia outro passarinho Ia na frente e voltava Cantarolando baixinho Como que dizia: - venha! Eu lhe ensino o caminho. Quando eu entrei na cidade Parei em frente a um galpo, Todo murado de pedra, Na frente um grande porto Com um letreiro escrito em cima: Hospital do corao. Abaixo, do lado esquerdo Tinha um papel estupendo Em cada canto uma lmpada Apagando e acendendo Com o fundo cor de prata Com letras gticas dizendo: Aqui se encontram internados Os que sofrem de ingratido De egosmo e inveja Rcio, dio e ambio Cobia e outros males Que envenenam o corao
Quando olhei para o lado Tinha um senhor me olhando Com um sorriso nos lbios E os seus olhos brilhando Botou a mo no meu ombro E samos conversando Ele dizia: - baixinho, Pode ficar vontade Vamos caminhar comigo Pelas ruas da cidade E conhecer bem pertinho A nossa Felicidade. Eu andava olhando as casas Brancas da cor de marfim Portas e janelas de vidro Com cortinas de cetim Todo quintal uma horta Toda calada um jardim Quando chegamos na praa Eu parei, passei a mo Numa esttua de ouro Parecida com Sanso S que, em vez de uma queixada, Era uma enxada na mo Eu perguntei para o homem: - de um parlamentar? Ele me respondeu Com um sorriso no olhar: - de um agricultor O nosso heri popular Perguntei: - Aquela outra A que est de fronte erguida A do pedestal de bronze Elegante e bem vestida? Respondeu: - Foi quem criou A matemtica da vida. Pois tirou multiplicar Somar e subtrair... Deixou nossa matemtica Apenas com o dividir Ensinando ao cidado Aprender a repetir. Naquele instante avistei, Na sombra de uma mangueira Dois meninos consertando Uma velha forrageira E outro, mais afastado, Limpando uma talhadeira Mar/Abr 2005 79
Eu disse: - Perdo, senhor, No quero lhe aborrecer, Mas o que esto fazendo? Posso saber, por favor? Respondeu: - Esto brincando De brincar de aprender. As crianas daqui brincam Com paqumetro de ao puro Esquadro, rgua e compasso Martelo de ferro duro So brinquedos de infncia E ganha-po do seu futuro Quando samos na praa Vi num p de buriti Uma linda guia azul Ao lado de um bem-te-vi Eu perguntei: - Onde fica O zoolgico aqui? Respondeu: - No temos jaula Nem gaiolas na cidade Aqui, animais e pssaros Convivem com liberdade Para ns mais barato Cri-los fora das grades Eu disse: - No meu planeta Se um pssaro cantar bem Vai morrer por trs das grades Sem ter matado ningum E cantar para seus algozes A troco de gua e xerm O meu planeta, senhor Do seu bem diferente No meu, o pai vai ao shopping Leva seu filho inocente Compra armas de brinquedo E d a ele de presente Aqui neste planeta O agricultor tem nome No planeta onde moro Esse pobre passa fome... Lavra a terra, planta, colhe E muitas vezes nem come L, a gente mata um alce Tira as vsceras do coitado Depois enche ele de pano Deixa o alce empalhado Para mostrar no futuro O que tnhamos no passado 80 Mar/Abr 2005
Infeliz do jacar Que o bicho-homem v ele Porque alm de mat-lo E comer a carne dele Faz um sapato de couro Pra ficar pisando nele As guas de nossos mares De sujas mudam de cor... Ele disse: - Espera, pare No me fale mais, por favor! Me diga somente o nome Do planeta do senhor. Eu disse: - Sou de um planeta Que s vive em p de guerra Onde fabricam doenas Onde a justia mais erra... Uma gaiola de loucos Como o nome Planeta terra Os olhos daquele homem Aumentaram sua luz E perguntou: - verdade Que l fizeram uma cruz Pra crucificar um santo Conhecido por Jesus? Fui responder: - verdade Ns matamos nosso rei. Fui falar, abri a boca, Faltou voz, eu no falei Quis correr, no tive foras Faltou flego, me acordei Acordei para chorar Debruado no meu leito Daquele sonho pra c Nunca mais dormi direito Ora tentando esquecer Ora pensando em fazer O mundo daquele jeito.
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de marcas de gado feitas pelos vaqueiros orgulha o povo pauferrense. Quase topara que cada um conhecesse suas mar- dos arranjam uma forma de lucrar com caes e identificasse as reses perdidas na o evento. caatinga. Josefa Dantas, Alcivan, Gilvan FernanO povoamento de Pau dos Ferros teve des, Dona Xanana, Etelnio Figueiredo, incio no final do sculo XVII, quando Edileuza Aquino e Emanuel Ferreira so os Bandeirantes vindos do rio So Fran- alguns dos nomes que despontam no cisco atravessaram Pernambuco e Para- cenrio das artes plsticas de Pau dos ba at chegar s margens do rio Apo- Ferros. di. A povoao e as primeiras fazendas O municpio tem tambm o terminal surgiram por volta de 1717. A primeira turstico Lindalva Torquato Fernandes, capela do povoado foi erguida em 1738 localizado s margens do aude 25 de graas ao esforo do frei Francisco Mar- maro, e a barragem municipal. Os dois al. A Resoluo Provincial nmero 344, reservatrios do um tom mais ameno publicada em 4 de setembro de 1856, paisagem rida da regio. Enfim, Pau tornou Pau dos Ferros municpio, des- dos Ferros vale uma visita. membrado de Portalegre. O pauferrense um povo autntico. A fala parece misturar o sotaque potiguar com o cearense. O hbito da conversa na calada e do passeio na praa continua vivo. A religiosidade, expressada pela f na padroeira Nossa Senhora da Conceio, completa o perfil deste povo apaixopreciso muita disposio para ennado pelas coisas da terra. frentar os 420 km que separam Natal de Pau dos Ferros. A estrada parece no A paixo por certos costumes se comter fim, mas o municpio plo do alto prova na mesa. A tradicional buchada de oeste potiguar est longe de ser um lu- bode, a carne-de-sol e a lingia artesagar inspito. A cidade de nome curioso nal de porco so os cones da culinria um celeiro de pintores e existe o interesse local. Passar por Pau dos Ferros e no exem utilizar a fora da feira municipal de perimentar a carne-de-sol de Anzio ou a cultura e negcios para reativar antigas buchada de Bigode como ir a Natal e tradies folclricas. Pau dos Ferros tem no ver o mar, dizem alguns. sabor de buchada, f e muita histria A devoo padroeira Nossa Senhora da para contar. Conceio festejada entre os dias 30 Primeiro, os fatos histricos. O nome de novembro e 8 de dezembro. A Feira Pau dos Ferros vem de marcas gravadas Intermunicipal de Educao, Cultura, com ferro em brasa numa oiticica. Se- Turismo e Negcios, FINECAP, movigundo os pauferrenses, a sombra da r- menta o municpio no incio de setemvore servia de local para o descanso dos bro com exposio, rodadas de negcios vaqueiros da regio. A oiticica ficou cheia e apresentaes musicais. A FINECAP Palavras do mini-dicionrio pauferrense do professor Jos Geraldo da Silva
Atinhado - sortudo Bacurin - porco Bateu o catol - falha na espingarda na hora de atirar Bibra - vbora / lagartixa Bitelo - castanha de caju grande Botar boneca - aprontar / traquinar Burrinho - garrafa de cachaa de 280 ml Cala pega marreca - cala curta demais Carne muia - carne sem osso Catabilho - lombada / quebra-molas Coi - assobio para paquerar Cueiro - fralda Dordoi - conjuntivite Funar - baguna Gabola - homem que sai falando o que fez com a namorada Gol paulista - bola que bate na trave e entra Mastigar sebo - conversa fiada / sem sentido Pifita - nmero 1 no jogo de boz (dado) Poquita - curva bem fechada Puara - mulher vadia
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O alto ndice de gravidez na adolescncia, a prostituio, os males provocados pelas drogas e a crescente evaso escolar constatados no municpio motivaram as educadoras a agir em benefcio dos estudantes carentes. Marta conta que a idia inicial era educar os jovens sobre sade sexual e reprodutiva, cultura da paz e po- Iara Jussara Rocha de Medeiros, 18 anos, lticas pblicas. estudante da escola estadual Jos FernanO sucesso das peas teatrais e o interes- des de Melo, participa h trs anos do se de mais crianas e adolescentes faze- Elos Vida. Me divirto, dano e pasrem parte do Elos Vida terminaram so alegria para os outros. A alegria est ampliando a atuao do grupo. Nos- em cada rosto dos participantes. fcil sas apresentaes se estendem a toda a perceber.
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As anotaes e recortes de jornais do professor Jos Geraldo j viraram dois livros, organizados em parceria com Francisco Edivan de Oliveira Silva, funcionrio dos Correios. Pau dos Ferros, enfim uma cidade, publicado em 1999, e Pau dos Ferros, a potncia do alto oeste, lanado h um ano. O historiador j tem pronto o Almanaque do futebol pauferrense e prepara tambm a Antologia potica e musical pauferrense. O livro dos recordes de Pau dos Ferros, captulo presente na sua primeira publicao, desperta a curiosidade de muitos jovens estudantes. o primeiro passo para quem quer conhecer um pouco sobre o passado do municpio. Jos Geraldo descreve fatos surpreendentes. Em 1973, conta o pesquisador, o padre Manoel Caminha ganhou na loteria esportiva e comprou um Maverick. O linguajar do povo pauferrense tambm est presente no livro. Jos Geraldo organizou um mini-dicionrio e registrou ainda datas marcantes na histria do municpio. O ano em que mais nasceu crianas foi 1978, foram 2028. O professor pauferrense, torcedor fantico do Santos e Botafogo, tem mania de colecionar smulas de jogos de futebol. Tenho tudo da Pauferrense desde a fundao em 1 de maio de 1995. A vitria do clube local sobre o Amrica de Natal por 6 a 2, em maio de 1999, ele lembra com saudades. Tambm sei todos os campees cariocas desde 1906, pode perguntar, desafia. Jos Geraldo exercita a memria fazendo desafios com os amigos e alunos. O professor, um autodidata em clculos estatsticos e resoluo de problemas, faz somas de at cinco nmeros de quatro dgitos em poucos segundos sem precisar de lpis e papel. E digo mais, avisa. Posso dizer o dia da semana em que a pessoa nasceu pela data de nascimento, s treinar.
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L I V R O S / L A N A M E N TO S
Da Poesia ao Poema Autor: Dcio Galvo Edio: Projeto Nao Potiguar nacaopotiguar@uol. com.br (Scriptorin Candinha Bezerra e Fundao Hlio Galvo) Da Poesia ao Poema a caracterizao do Poema-Processo na sua trajetria entre os anos de 1967 e 1972, com vistas a uma leitura da sua insero no movimento das vanguardas da segunda metade do sculo XX no Brasil. O livro se originou da dissertao de mestrado de Dcio Galvo apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Estudos da Linguagem, do Departamento de Letras da UFRN, sob a orientao do professor Dr. Humberto Hermenegildo de Arajo. Obra essencial para se compreender o Poema Processo no Brasil. Manoel Onofre Jnior 40 anos de vida literria (1964/2004) Bibliografia e Crtica Autor: Francisco Fernandes Marinho Sebo Vermelho Editora Manoel Onofre Jnior 40 anos... apresenta um rigoroso apanhado da trajetria de Manoel Onofre Jnior, um dos mais fecundos e importantes intelectuais do RN. O livro dividido em trs partes, constando de Biocronologia, Livros de Manoel Onofre Jnior, Bibliografia Comentada, Prefcios e Apresentaes de Manoel Onofre Jnior, Artigos e Outros Trabalhos de Manoel Onofre Jnior Inditos em Livro, Bibliografia Sobre a Obra Literria de Manoel Onofre Jnior, Fortuna Crtica, Prefcios e Apresentaes para Manoel Onofre Jnior, Algumas Referncias sobre Manoel Onofre Jnior e Iconografia. Dicionrio de Poetas Cordelistas do RN Autor: Gutenberg Costa ([email protected]. br) Editora: Queima Bucha O livro rene informaes sobre cerca de 300 poetas populares e xilgrafos, bem como sobre folhetos, iconografia, biografias, assuntos afins e um glossrio. Levou dez anos para ficar pronto e um dos mais completos estudos sobre o cordel j publicado no Rio Grande do Norte. Gutenberg Costa autor de 25 obras, entre livros e plaquetes, sobre a cultura popular. Entre os livros podem ser citados: Presena do folclorista Cmara Cascudo na literatura de cordel, Frei Damio algumas referncias bibliogrficas e Dicionrio papa-jerimum de apelidos e afins. Assim o Cotidiano Autor: Jos de Sousa Xavier ([email protected]) Editora Grfica Renascer Com participaes premiadas em vrios concursos de poesia e antologias, o macauense Jos de Sousa Xavier faz sua estria em livro, com este Assim o Cotidiano, que tem apresentao da poetisa e artista plstica Jania Maria Souza da Silva, integrante da Sociedade dos Poetas Vivos e Afins do Rio Grande do Norte. Com seu romantismo peculiar, {Jos de Sousa} visita a simplicidade do cotidiano, exaltando com sensibilidade inquestionvel a essncia imaterial do vai e vem do corriqueiro dia a dia , que passa totalmente despercebida por entre os dedos dos transeuntes da vida, diz Jania Maria, na apresentao.
Bibliotecas Vivas do Rio Grande do Norte Autor: Lvio Oliveira Editora: Sebo Vermelho O livro apresenta um inventrio de grandes bibliotecas, pertencentes a intelectuais renomados do Estado, totalizando mais de cem mil volumes. Com prefcio de Nelson Patriota, o livro enfoca as bibliotecas de Otto de Brito Guerra, Vicente Serejo, Digenes da Cunha Lima, Paulo de Tarso Correia de Melo, Homero Costa, Pedro Vicente Sobrinho, Incio Magalhes de Sena, Manoel Onofre Jnior, Sanderson Negreiros, Lus da Cmara Cascudo e Francisco Fernandes Marinho. Subsdios para o Estudo da Histria do Rio Grande do Norte Autores: Srgio Luiz Bezerra Trindade e Geraldo Jos de Albuquerque Editora Sebo Vermelho (Av. Rio Branco, 05 Centro CEP. 59025-002 Natal-RN Fone: 9401-9008) Esta segunda edio de Subsdios para o estudo da histria do Rio Grande do Norte sai revista e ampliada, mas preservando a linguagem livre de academicismo que j caracterizava a primeira edio. Para facilitar a leitura e a pesquisa, o livro foi dividido em trs unidades: Colnia, (A Expanso Martima, As Invases Holandesas, Rio Grande do Norte, A Revoluo Pernambucana de 1817); Imprio (O Primeiro Reinado, O Perodo Regencial, O Segundo Reinado, O Rio Grande do Norte, A Abolio da Escravatura, A Proclamao da Repblica), Repblica (A Repblica Velha, A Repblica Nova, A Repblica Democrtica Populista, O Regime Militar, Notas Econmicas). Instituto Histrico e Geogrfico do Rio Grande do Norte Histria e Acervo Autores: Maria Arisnete Cmara de Morais e Caio Flvio Fernandes de Oliveira Editora: Departamento Estadual de Imprensa Obra de referncia capital, Instituto Histrico e Geogrfico do Rio Grande do Norte Histria e Acervo, chega em boa para preencher uma lacuna existente na bibliografia potiguar. Seu contedo abrange toda a histria do Instituto, desde a ata de sua fundao, em 29 de maro de 1902, at o trmino da obra, este ano. O acervo do prdio principal e do anexo foi catalogado e identificado atravs do seu teor literrio, telas, retratos, esttuas e peas artsticas. Constam ainda, documentos raros, jornais antigos, cartas de sesmarias, pautas das reunies oficiais, os membros fundadores da instituio, biografias dos presidentes, estatutos e regimentos internos. Dicionrio Crtico Cmara Cascudo Autor/Organizador: Marcos Silva Editora Perspectiva Lanado em co-edio com a Fundao Jos Augusto, EDUFRN, Fapesp e FFLCH/USP, o Dicionrio Crtico Cmara Cascudo, organizado pelo professor e historiador Marcos Silva, composto por anlises dos livros de Lus da Cmara Cascudo (1898-1986), um dos mais importantes estudiosos da cultura popular no sculo XX e autor de dezenas de ttulos, dentre os quais clssicos do pensamento brasileiro como Cinco Livros do Povo, Histria da Alimentao no Brasil e Vaqueiros e Cantadores.
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Ailton Medeiros
(Jornalista)
Romancista: Gabriel Garca Mrquez Poeta: Zila Mamede Livro: Deserto dos trtaros Filme: Sexo, mentiras e videoteipe Diretor/cinema: Spike Lee Ator/atriz: Juliette Binoche Pintor: Juan Mir Cantor/cantora: Cazuza Compositor: Chico Buarque Msica: Todo amor que houver nessa vida Pea teatral: Vestido de noiva Intelectual: Joo Wilson de Mello Personalidade cultural do RN: Nei Leandro de Castro
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Esta a edio mais multicultural que j fizemos. Nela figuram textos sobre teatro, cinema, msica, artes plsticas, fotografia e literatura. Desde o incio, vnhamos tentando imprimir esse perfil revista, o que dever tambm ser perseguido nas prximas edies. Para tanto, passamos a contar a partir desta Pre com uma coluna sobre cinema, Foco Potiguar, escrita pelo professor universitrio Marco Aurlio Felipe. H tempos buscvamos um cabra da peste para escrever regularmente sobre cinema. Conversando com Moacy Cirne sobre a dificuldade de achar uma pessoa, ele me indicou Marco Aurlio, que h cerca de um ano mantm um blog sobre cinema. um blog de alto nvel e bastante visitado. Antes de fazer o convite, conheci o blog, li alguns textos e no tive dvidas em convid-lo. O primeiro texto de Marco para a revista seria sobre o filme Dirios de Motocicleta, mas por sugesto minha, ele mudou e comenta na coluna de estria o livro de Moacy Cirne, Luzes, Sombras e Magia, que eu considero obra de cabeceira para qualquer cinfilo digno deste nome. Nesta Pre tambm foi possvel abrir um maior espao para a msica, com as matrias sobre as bandas de rock Cumade Cristina, de Umarizal, e Peixo Coco, de Natal, o Projeto Seis e Meia e artigos de Carlos Gurgel e Carlos Linhares sobre CDs de autores potiguares e nordestinos. A idia que tenhamos sempre artigos sobre a nossa 90 Mar/Abr 2005
produo musical, que a cada ano se O escritor Defilo Gurgel lana no dia 3 de maio, na Pinacoteca do Estado, mostra mais consistente e refinada. a partir das 19 horas, a antologia de poeNa rea de fico a Pre publi- sia Os bens aventurados, com apresenca trs contos, assinados por Carlos de tao do poeta Paulo de Tarso Correia de Souza, Laurence Bittencourt e Milena Melo. O livro tem patrocnio do GoverAzevedo. Os dois primeiros so jornalis- no do Estado e da Norsal. tas com mestrado em Literatura. Carlo A Comisso Julgadora do Prmio tem dois livros publicados, um de poesia (Cachorro Magro) e uma novela (Cr- Pre de Dramaturgia, formada pelo conica da Banalidade); Laurence escreve ordenador de teatro da Fundarpe (PE), artigos regularmente para o Jornal de dramaturgo e encenador Romildo MoHoje e tem feito boas entrevistas (a lti- reira, pelo dramaturgo e cengrafo Elma foi com Millr Fernandes) para o site pdo Navarro, da Paraba, e por Snia Sanatrio da Imprensa. J Milena Azeve- Othon, pesquisadora e professora da do, embora ainda pouco conhecida nos UFRN, j iniciou o julgamento dos 58 meios literrios locais, publicou contos trabalhos inscritos. Os prmios sero entregues em agosto prximo. em coletneas editadas fora do Estado. R. Leontino Filho o poeta da vez em Poesia Potiguar. Alm de figura bonssima e excelente poeta, Leontino um agitador literrio nato, que mantm dilogo permanente com escritores, poetas e intelectuais de todas as partes do Brasil. De Mossor, onde ensina na UERN, est a par de tudo o que acontece na literatura brasileira. A entrevista com o poeta Antnio Francisco sai assinada pelo jovem reprter da Tribuna do Norte Everton Dantas, com fotos do tarimbado Moraes Neto. Os dois estavam fazendo um frila em Mossor, quando avistaram o poeta mossoroense dando sopa. Como bons reprteres que so no deixaram escapar a oportunidade. Este ano as inscries para o Concurso de Poesia Lus Carlos Guimares, da FJA, iro de 23 de maio a 23 de agosto. O regulamento do prmio, praticamente o mesmo do ano passado, pode ser consultado no site www.fja.rn.gov. br. Atendendo a pedidos de alguns clientes a Vdeo Laser adquiriu para aluguel o filme (em DVD) O Leopardo, de Lucchino Visconti. Outros filmes que assistimos, no cinema e em DVD: O adversrio, Sob a nvoa da guerra, Glauber, o filme labirinto do Brasil, Noite vazia, O Pntano, Menina de Ouro, Perto demais, nibus 174, Respiro, Antes do pr do sol, O cl das adagas voadoras, Os sonhadores, Em busca da terra do nunca, Zelig. S agora assisti, em DVD, Kill Bill I. o tipo de filme que no me empolga. Dizem que a segunda parte melhor. Vou conferir, para desencargo de conscincia.
Com 680 metros quadrados de rea construda e capacidade para 210 lugares, a Fundao Jos Augusto inaugura em junho o Teatro de Cultura Popular, que funcionar no prdio da pr- At a prxima! pria Fundao. O espao contar com uma biblioteca sobre teatro e cinema, caf-bar e estar equipado tambm para projeo de filmes.
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