Arte e Midia No Brasil Estetica Digital

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Priscila Arantes

ARTE E MDIA NO BRASIL: PERSPECTIVAS DA ESTTICA DIGITAL

A artemdia designa as investigaes poticas que se apropriam de recursos tecnolgicos das mdias e da indstria cultural, ou intervm em seus canais de difuso, para propor alternativas estticas. So aes efmeras e desmaterializadas, obras em processo, construdas coletivamente, que conseguem, muitas vezes, a rdua tarefa de conciliar o circuito da arte ao ambiente das mdias e das tecnologias informacionais. So criaes que se manifestam no embate direto com o tempo ubquo do ciberespao, gerando estratgias que subvertem, recriam, ampliam e desconstroem o sentido muitas vezes previsto pelo contexto digital. O presente artigo, neste sentido, a partir de um breve mapeamento das produes artsticas que atuam na interseco com as novas tecnologias no Brasil, tem como objetivo lanar um olhar sobre os possveis conceitos estticos colocados em voga no contexto da contemporaneidade.

No de se surpreender que o ensaio A obra de arte na era de sua reprodutibilidade tcnica1, escrito pelo filsofo Walter Benjamin em meados do sculo passado, ainda sirva de subsdio para as discusses contemporneas que dizem respeito s produes artsticas em mdias digitais. Neste famoso ensaio Walter Benjamin tenta detectar as modificaes estticas trazidas s manifestaes artsticas pelo advento da reprodutibilidade tcnica. A tese da qual parte o filsofo a de que na sociedade moderna h uma desintegrao do valor aurtico na manifestao artstica. A obra de arte no somente se metamorfoseia, perdendo o seu status de unicidade e originalidade atrelado a uma determinada dimenso espaciotemporal, como tambm h uma modificao na forma como o receptor e o produtor se relacionam com a produo artstica. Toda esta discusso j lugar comum no debate contemporneo. Contudo no podemos negar as contribuies e a atualidade deste ensaio para se pensar as modificaes trazidas pelas mdias digitais prtica artstica contempornea. O momento da obra de arte na atualidade, no entanto, j no diz mais respeito somente era da reprodutibilidade tcnica, mas era digital, a este momento histrico permeado pela revoluo da informtica e de sua confluncia com os meios de comunicao. A u rg n c i a d e u m a e st t i ca di gi t a l Um fator importante a se considerar que o desenvolvimento de uma esttica, ou, mais precisamente, de uma crtica voltada s manifestaes artsticas que lidam com os dispositivos tecnolgicos, no recente. J em fins do sculo XIX, Charles Baudelaire, imbudo pelo esprito romntico e pela
Waldemar Cordeiro, A mulher que no BB, 1971, impresso digital, (61 X 44,5 cm)
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1. BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade tcnica. In: Obras escolhidas. Magia e Tcnica, Arte e Poltica. v. 1. 6 edio. Trad. Srgio Paulo Rouanet. So Paulo: Brasiliense, 1993.

2. VATTIMO, Gianni. O fim da modernidade: niilismo e hermenutica na cultura ps-moderna. So Paulo: Martins Fontes, 1996. 3. VIRILIO, Paul. O espao crtico e as perspectivas do tempo real. So Paulo: Editora 34, 1999. 4. ASCOTT, R. Quando a ona se deita com a ovelha: a arte com mdias midas e a cultura psbiolgica. In: DOMINGUES, Diana (org.). Arte e vida no sculo XXI: tecnologia, cincia e criatividade.

esttica do gnio, teceu ferozes crticas prtica fotogrfica como fonte de experimentao esttica. Contudo, ser mais precisamente nos anos 60 do sculo passado que podemos identificar as primeiras tentativas de uma esttica voltada ao digital. As estticas informacionais, desenvolvidas por Abraham Moles e Max Bense, so um bom exemplo neste sentido. Influenciadas pela teoria da informao e pela ciberntica, elas partiam do pressuposto de que a arte j no deveria ser mais definida em termos de beleza ou verdade, mas a partir de informaes estticas mensurveis matematicamente. Apesar destas teorias traduzirem com profundidade as mudanas na percepo do mundo impostas pelo desenvolvimento das tecnologias da comunicao e do tratamento automtico da informao, elas s exploraram o campo artstico sob o seu aspecto informacional, no levando em conta as interaes entre a obra e o espectador. Sobre esta questo seria interessante resgatar o pensamento de Marshall Mcluhan, que assinala a passagem da esttica da forma da filosofia da arte para a filosofia da mdia. Com seu volume Understanding Media, ele realiza uma virada de enorme importncia, na qual os problemas da forma esttica so pensados em relao aos meios de comunicao. Para o pensador canadense existiriam dois modos fundamentais de percepo esttica: um homogneo, linear, hierrquico, tpico dos meios quentes e estreitamente ligado escrita alfabtica, imprensa, ao cinema e fotografia, e um segundo, tpico dos meios frios que, com baixa definio, solicitariam a interveno ativa do fruidor, correspondendo televiso e ao computador. So poucos, contudo, os pensadores que compartilham o entusiasmo de Mcluhan relativamente aos meios de comunicao e, principalmente, sua relao positiva com o mundo das artes. Gianni Vattimo2, por exemplo, assinala uma exploso da esttica para fora de seus limites precisos definidos pela tradio. O estranhamente pervertido colocado por ele expresso de um sintoma geral da contemporaneidade, onde tudo aparncia e simulacro. J Paul Virilio3 fala em uma esttica do desaparecimento, ao se referir s tecnologias do tempo real e revoluo das telecomunicaes que afetam, de forma substantiva, nossas percepes. Com a expanso das prticas artsticas em mdias digitais, principalmente aps os anos 1990, tem havido um interesse crescente por parte dos tericos no desenvolvimento de novos conceitos estticos que possam expressar as especificidades da cultura digital. Roy Ascott4, por exemplo, assinala que a esttica definidora das novas mdias seria a tecnotica, a fuso do que conhecemos e ainda podemos descobrir sobre a conscincia (notica) com o que podemos fazer e acabaremos por alcanar com a tecnologia. J Philippe Quau5 desenvolve sua esttica intermediria, estabelecendo paralelos entre a arte em mdia digital e os processos vivos e naturais. Mais recentemente Claudia Giannetti6, partindo de uma abordagem fenomenolgica, desenvolve o conceito de endoesttica.
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O que possvel perceber que tem existido, por parte dos tericos contemporneos, a preocupao com o desenvolvimento de novos conceitos estticos que possam dar conta das especificidades das prticas artsticas na era digital. A presente investigao, neste sentido, aborda no somente as produes e a experincia das artes em mdias digitais desenvolvidas principalmente no Brasil, como tambm aponta questes no sentido de discutir as perspectivas da esttica digital na contemporaneidade. Pi on eir os da a rt e e t e c n ologia n o B ra s il Difcil saber, contudo, o incio exato da utilizao da informtica no campo da arte. Mas, de acordo com alguns historiadores, a utilizao de computadores em arte parece datar j de meados do sculo passado. Durante os anos de Guerra Fria houve um grande avano na rea tecnolgica, principalmente nas reas de pesquisa e desenvolvimento de computador. O primeiro computador eletrnico, o ENIAC (computador e integrador numrico eletrnico), foi desenvolvido por Mauchly e Eckert na Universidade de Pensilvnia, com o patrocnio do exrcito norte-americano, em 1946, e, a partir dos anos 1950, recursos informticos para a produo, manipulao e exibio da imagem j estavam disponveis. Os primeiros trabalhos artsticos em computador eram desenvolvidos atravs de algoritmos, ou melhor, atravs de um conjunto de regras de operao executveis e calculadas pelo computador, obedecendo ao princpio permutacional. Abraham Moles, em seu livro Arte e computador, partindo de uma discusso sobre a questo da cpia e do original no ambiente computacional, afirma que, diferentemente da cpia, que d lugar degradao do exemplar em relao ao molde inicial, 'a permutao', pelo contrrio, constri uma multiplicidade de formas novas a partir de um nmero limitado de elementos7. A maioria dos trabalhos inspirados no princpio permutacional era eminentemente geomtrica, recebendo forte influncia no somente das produes artsticas abstratas como, tambm, das obras de arte minimalistas. Michael Noll, como afirma Couchot8, um dos primeiros a utilizar um computador e uma prancheta delineante em preto-e-branco. Gaussian quadratic (1963) e Vertical horizontal number three (1964) exploravam as possibilidades grficas de uma linha reta contnua submetida a variaes paramtricas. Em Computer composition with lines (1964), Noll desenvolve no computador um trabalho formado por linhas horizontais e verticais inspirado em uma tela do pintor neoplstico Piet Mondrian. J em 1969, Waldemar Cordeiro, um dos pioneiros, juntamente com o artista cintico Abraham Palatnik, na rea de arte e tecnologia no Brasil, desenvolve As derivadas de uma imagem, em parceria com o Professor Giorgio Moscati, inaugurando as experimentaes em computer art no pas. Em A mulher que no BB (1971), Cordeiro parte da fotografia do
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So Paulo: Editora da UNESP, 2003, p. 274. 5. QUAU, Philippe. Metaxu: thorie de l'art intermediaire. Paris: Champ Vallon, 1985. 6. GIANNETTI, Cludia. Esttica Digital: sintopa del arte, la ciencia y la tecnologa. Barcelona: Associacin de Cultura Contemporania L'Angelot, 2002.

7. MOLES, A. Arte e computador. Porto: Afrontamento, 1990, p. 112. 8. COUCHOT, Edmond. A tecnologia na arte: da fotografia realidade virtual. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003, p. 199.

9. CORDEIRO, W. Catlogo da Exposio de Artenica. Disponvel em: http://www.visgraf.impa.br/ Gallery/waldemar/ waldemar.html.

rosto de uma menina vietnamita queimada pelas bombas de napalm, lanadas pelos EUA - um dos maiores smbolos da destruio e da irracionalidade da guerra -, transformando-a em milhares de pontos a partir da proposta de funo derivada. interessante perceber que, mergulhado em plena poca de ditadura militar no Brasil, Cordeiro acrescenta s imagens de computer art o comentrio social e poltico, diferenciando seus trabalhos das experimentaes em computer art no cenrio internacional, que se valiam de formas eminentemente abstratas. Em 1971, Waldemar Cordeiro organiza a exibio internacional de Artenica na FAAP (Fundao Armando lvares Penteado). No catlogo da exposio, ele destaca o potencial democratizador das artes telemticas, que iro ser colocadas em prtica no Brasil principalmente a partir dos anos 1980: As obras tradicionais - afirma Cordeiro - so objetos fsicos a serem apresentados em locais fisicamente determinados, pressupondo o deslocamento fsico dos fruidores (...) a utilizao de meios eletrnicos pode proporcionar uma soluo para os problemas comunicativos da arte mediante a utilizao das telecomunicaes e dos recursos eletrnicos que requerem, para a otimizao informativa, determinados processamentos da imagem (...). Para os demais campos da atividade social, o sistema de telecomunicao, atualmente em processo de expanso, constitui um fator de relacionamento, aproximao e integrao...9. A r te e co m u n i c a o n o B ra s i l n o s an o s 1 9 80 Apesar dos anos 1970 terem sido uma poca de ditadura militar e, portanto, um perodo politicamente e socialmente conturbado no Brasil, levando vrios pases a boicotarem a Bienal Internacional de So Paulo, importante citar algumas iniciativas na utilizao de novos meios e materiais na prtica artstica: registre-se a tmida seo 'Arte/Tecnologia' da 9a Bienal Internacional de So Paulo, de 1969, quando a exposio j sofria boicote de vrias naes em razo da ditadura militar reinante10. Vale ressaltar ainda a integrao dos artistas em novos meios de comunicao de massa, principalmente nas mostras internacionais Prospectiva 74 e Poticas Visuais, de 1977, propostas que tiveram o incentivo do professor Walter Zanini quando diretor do Museu de Arte Contempornea. Na poca, Zanini implementou uma poltica cultural de incentivo produo de jovens artistas, incluindo, a partir dos anos 1970, as JACS (Jovens Artistas Contemporneos). Estes artistas estavam alinhados aos questionamentos conceituais sobre o objeto de arte que acabaram culminando em eventos de performance, happening, arte em processo e utilizao de novos meios de comunicao como o xerox, as serigrafias, o off-set, os postais, as fotografias e os diapositivos11. Os anos 198012 foram marcados por uma forte experimentao com os novos meios tecnolgicos e comunicacionais. As investidas na rea da arte em
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10. ZANINI, Walter. Primeiros tempos da arte/tecnologia no Brasil. In: DOMINGUES, Diana (org.). A Arte no Sculo XXI: a humanizao das tecnologias. So Paulo: Editora da UNESP, 1997, p. 233.

11. Idem. 12. Os anos 1980 so marcados por vrias experimentaes na rea tecnolgica.

vdeo, da holografia, bem como na utilizao do xerox evidenciaram a preocupao dos artistas brasileiros com a utilizao de novos meios. Vale ressaltar o evento Level 513, de 1984, que deu um novo impulso computer art14. As experimentaes com estes novos meios, contudo, faziam parte de uma proposta ainda underground, com muito pouco incentivo das instituies brasileiras ou aceitabilidade do pblico. No final dos anos 1970 assistiu-se ao incio da abertura poltica no Brasil, marcado pela mobilizao da sociedade civil e pelo revigoramento da produo artstica nacional. dentro deste contexto que encontramos as primeiras experimentaes em arte-comunicao no pas. Tal como as prticas artsticas internacionais, desenvolvidas em projetos como Satellite Arts Projects: a space with no geographical boundaries (1977), de Kit Galloway e Sherrie Rabinowitz, e La Plissure du Texte: a planetary fairy tale, um recital coletivo realizado por meio de videotexto organizado por Roy Ascott, uma srie de artistas brasileiros se lanou em uma pesquisa que tinha como proposta romper com uma viso estanque e objetual da obra de arte, desenvolvendo uma prtica mais processual e explorando os aspectos de ubiqidade, imaterialidade e simultaneidade da prtica artstica. Por outro lado, a idia de romper com o sistema de galerias e circuitos tradicionais de exposies, bem como a proposta de desenvolver uma arte mais dialgica e participativa, coadunou-se com o novo esprito de abertura poltica no Brasil. dentro deste contexto que uma srie de artistas brasileiros, como Artur Matuck, Jos Wagner Garcia, Mario Ramiro, Carlos Fadon Vicente, Eduardo Kac, Julio Plaza, Milton Sogabe, Paulo Laurentiz, Gilbertto Prado, Paulo Bruscky, entre outros, faz suas primeiras investidas, no incio dos anos 1980, no campo da arte e telecomunicaes. Utilizando telefone, fax, televiso de varredura lenta (slow-scan tv), rdio, videotexto, rede de computadores pessoais e mais raramente satlites, estes artistas procuraram criar projetos de ordem global, privilegiando a arte como processo comunicativo. E s t ra t gi as d e at u a o d a a r t e m d ia n a c on t e mp or a n ei da d e medida que o computador vai se tornando mais acessvel, principalmente a partir dos anos 1980/90, as possibilidades de experimentaes artsticas com os recursos computacionais comeam a se ampliar. Questionar as distncias espaciotemporais, criar ambientes que ampliam o campo perceptivo do interator, criar espaos especficos de cooperao, onde os usurios experimentam, compartilham, transformam e intensificam maneiras de sentir e ver o mundo, trabalhar com questes da rea da biologia e vida artificial tm sido, desde ento, a tnica das experimentaes em mdias digitais. Para alguns tericos, como Edmond Couchot15, as prticas artsticas que se utilizam de recursos computacionais poderiam se dividir em duas grandes perspectivas: aqueles trabalhos que procuram focalizar seus estudos muito mais nos resultados fixados sobre a tela do monitor, dos quais os
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Diferentes mostras e eventos, organizados na poca, ocorreram muitas vezes nos meios universitrios como a FAAP, a ECA e a UNICAMP. Outras vezes eles aconteceram em centros museolgicos, como o MIS (Museu da Imagem e do Som), ou instituies como a Bienal Internacional de So Paulo. Dentro deste contexto, vale a pena lembrar tambm a formao do IPAT (Instituto de Pesquisas em Arte e Tecnologia de So Paulo), fundado em 25 de abril de 1987, com o intuito de reunir artistas que desenvolviam trabalhos na rea de arte e tecnologia. Seus integrantes foram Artur Matuck, Jos Wagner Garcia, Milton Sogabe, Paulo Laurentiz, Mario Ramiro, Rafael Frana, Julio Plaza, entre outros.

13. Este evento foi organizado pelo NAT (Ncleo de Arte e Tecnologia de So Paulo).

14. Um dos trabalhos mostrados no evento foi o poema Pulsar, de Augusto de Campos. Na verso original, o texto, em letras brancas sobre um fundo negro, tinha os caracteres o e e substitudos por pequenas luas e estrelas que, na verso vdeo-computadorizada, aumentavam e diminuam de tamanho, acompanhando a trilha sonora.

15. Op. cit.

16. DUGUET, AnneMarie. Does interactivity lead to new definitions in art?. In: SCHWARZ, Hans e SHAW, Jeffrey (eds.). Media Art Perspectives. Karlsruhe: ZKM/ Cantz Verlag, 1995, p. 146-150.

17. MANOVICH, Lev. The language of new media. Cambridge: MIT Press, 2001, p. 67.

trabalhos em computer art e as experimentaes em animao e cinema de animao so alguns exemplos, e uma outra linha de trabalho que, atenta teoria da ciberntica e s possibilidades de feedback oferecidas pelas tecnologias informacionais, procura focalizar seus estudos no campo da interatividade, isto , na participao do interator a partir da mediao de uma interface. Em termos estritamente tcnicos, a interface geralmente considerada um dispositivo que permite a troca de informaes entre sistemas que podem tanto ser de mesma natureza - por exemplo, dois computadores - como de naturezas diferentes - por exemplo, o computador e o usurio. Ela estabelece, assim, um canal duplo de informao entre o homem e a mquina: atravs de rgos de entrada e de sada de informaes (input e output), permite que a ao de um homem, desde a mais simples, como apertar o teclado, seja reconhecida, processada pela mquina e devolvida para o usurio em tempo real. No por acaso uma srie de tericos da rea de arte em mdias digitais, tais como Anne-Marie Duguet16, pode dizer que as interfaces - desde as mais comuns como mouses, teclados, telas sensveis, luvas e capacetes de realidade virtual e sensores, entre outros dispositivos de captura e traduo de sinais devem ser vistas como o corao mesmo do trabalho artstico em mdia digital, j que elas no somente explicitariam a forma de desenvolvimento do trabalho, como, tambm, a maneira pela qual o pblico se relaciona com a obra. J Lev Manovich, em seu ensaio Post-Media Aesthetic, chega a afirmar que a histria da arte no apenas a histria das suas inovaes estilsticas mas, tambm, a histria das novas formas de interfaces desenvolvidas pelos artistascientistas. E em seu livro The Language of New Media, afirma que a interface torna-se no somente um dos elementos primordiais da sociedade informtica, como, tambm, um elemento que permite romper com a velha dicotomia entre forma e contedo, j que o contedo e a interface mesclam-se de tal forma que no podem ser mais pensados como entidades separadas17. interessante perceber que uma srie de artistas vem explorando, cada qual sua maneira, interfaces que, para alm do mouse e do teclado, examinam mecanismos mais ousados de captura e traduo de sinais. Em La Plume et le Pissenlit, por exemplo, Edmond Couchot e Michel Bret realizam uma instalao onde o interator convidado a soprar sobre uma imagem da flor dente-de-leo. Ao soprar, por meio de um sensor colocado em cima de uma placa transparente, o interator faz com que a flor se rompa, como se estivesse sendo movimentada pelo vento. Em Interactive Plants Growing, de Christa Sommerer e Laurent Mignonneau, somos convidados a tocar em plantas reais. O toque gera a produo, em tempo real, de plantas virtuais, que so criadas e projetadas em uma tela ao fundo da instalao. No Brasil podemos citar as instalaes de Gilbertto Prado como 9/4 Fragmentos de Azul e 9/6 Fragmentos de Mr. James. Em 9/6 Fragmentos de Mr. James o interator solicitado a tocar as imagens disponveis nos monitores. Com 9 monitores de computador, seis sensveis ao toque, o artista criou uma
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estrutura de janela formando um dispositivo interativo a partir do quadro A Reproduo Interdita (Retrato de Edward James) de Ren Magritte. Na instalao de Prado permite-se que os elementos isolados e reconstrudos, ao serem tocados, se estilhacem, sugerindo no somente o rompimento com a idia de janela - e portanto com a idia de representao -, mas levantando questes sobre a natureza da imagem digital que pode ser manipulada e estilhaada. Dentro de uma outra perspectiva, podemos destacar os trabalhos de realidade virtual que, atravs de interfaces no to comuns - capacetes de viso, culos para ver em estereoscopia, luvas de dados, macaces de dados etc. conectadas a um computador, possibilitam ao interator imergir em um espao tridimensional de pura sntese. No Brasil, podemos destacar o projeto Our Heart18, uma criao e coproduo de Diana Domingues, da Universidade de Caxias do Sul, e do Grupo Artecno, onde o interator tem a possibilidade de imergir em um corao simulado. Assim como em Osmose de Char Davies, que utiliza uma interface mais orgnica - a respirao -, neste trabalho so os sinais do corao do imersor ou melhor, seus batimentos cardacos - que se transformam em paradigmas computacionais. Outro trabalho desenvolvido no Brasil que merece destaque Op-Era, de Rejane Cantoni e Daniela Kutschat, que foi apresentado pela primeira vez em sua forma-espetculo no evento Dana Brasil 2001, no Rio de Janeiro. Em maio de 2003, o trabalho foi apresentado na caverna digital (CAVE) da USP (Universidade de So Paulo). Colocando culos de estereoscopia e utilizando dispositivos manuais, o interator era convidado a mergulhar em um espao abstrato que se desdobrava em quatro mundos virtuais interconectados, formados por linhas, sons, formas geomtricas e cores que interagiam com ele, em tempo real, de acordo com o seu movimento corporal. Cada dimenso, em sentido de complexidade crescente, conduzia dimenso que lhe era posterior. Os objetos computacionais, programados para serem visualizados, eram constitudos por pontos, linhas, grficos, tringulos, crculos, quadrados, colocando o interator em um espao-tempo abstrato, constitudo por entes matemticos. Um nmero crescente de pesquisas vem sendo desenvolvido, neste sentido, no intuito de criar interfaces mais ousadas. Em alguns casos a idia a de fazer desaparecer as interfaces externas, permitindo um acoplamento direto entre os elementos biolgicos e os digitais: O propsito destas investigaes obter um sistema sem tradutor que permita o acoplamento direto e contguo entre os elementos biolgicos e digitais, como pode ser a implantao da interface diretamente no crebro humano19. No Brasil podemos destacar os projetos desenvolvidos pela pesquisadora Rachel Zuannon que, em seu projeto de mestrado Co-evoluo entre corpos: uma investigao com corpos cerebrais, trabalhou com interfaces crebro/computador. importante ressaltar que as interfaces crebro/computador vm ganhando uma ateno especial na rea cientfica. Vale lembrar das pesquisas realizadas no ano de 2003, por pesquisadores da Universidade de
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18. O software do trabalho foi gerado por Gustavo Brandalise Lazzarotto e Gelson Cardoso Reinaldo.

19. El propsito de estas investigaciones es, por ende, lograr un sistema sin traductor, que permita el acoplamiento directo y contiguo entre elementos biolgicos y digitales, como podra ser la implantacin de la interfaz directamente en el cerebro humano. Vanse, por ejemplo, las investigaciones de Kevin Warnick (...) que implant en 1998 una cpsula con microchip en el brazo, que le permita interactuar de forma directa con diferentes elementos (puertas, luces etc.) de una habitacin inteligente. GIANNETTI. Op. cit., p. 116.

Duke, entre eles o pesquisador Miguel Nicolelis, que ensinaram macacos a controlar de forma consciente o movimento de um brao robtico em tempo real, utilizando somente sinais de seu crebro e imagens visualizadas em uma tela de computador. J na rea da net art, podemos encontrar uma srie de trabalhos artsticos que vem rompendo com os protocolos das interfaces mais usuais. Muitos destes trabalhos, assumindo quase um vis desconstrutivista, no somente subvertem os protocolos normais do trnsito e fluxo de informaes em rede, discutindo questes que dizem respeito ao contexto e estrutura especficos da internet, como, tambm, trazem luz temas que no ciberespao se tornam mais explcitos, tais como a questo da autoria, do plgio, do hackeamento, do copyright, do excesso de informao, das situaes de compartilhamento e dos espaos colaborativos. Por outro lado, criar para o ambiente da internet significa pensar no somente em seu aspecto fluido e rizomtico, como, tambm, repensar a prpria natureza da fruio artstica e dos formatos tradicionais do pblico e do leitor em relao obra de arte, concebida, s vezes, como obra de arte em trnsito. Na teleinterveno Potrica (2003), por exemplo, a artista brasileira Giselle Beiguelman convidava os escritores/leitores a enviar uma mensagem de texto via uma interface disposta no site do projeto ou por meio de celulares, para ser posteriormente projetada em painis eletrnicos situados na cidade de So Paulo. J em Constelaes, exposto no evento Sonarsound em So Paulo (2004), H. D. Mabuse, Haide Lima e Diego Credidio, do coletivo Re:Combo, convidavam o pblico a enviar mensagens de texto por meio de celulares (SMS) para serem agrupadas em uma projeo no teto de uma sala escura, como se fossem estrelas em uma galxia. Dentro de uma outra perspectiva podemos encontrar aqueles trabalhos que procuram discutir os processos de vigilncia desenvolvidos na contemporaneidade. Exemplar deste tipo de preocupao Meta4walls, de Lucas Bambozzi (http://www.bienalsopaulo.org.br/Meta4walls). O site tem incio com uma imagem de uma mulher nua que se masturba. medida que clicamos na imagem, somos remetidos a uma srie de links ilcitos e pornogrficos. De certa forma o trabalho realiza uma espcie de comentrio metalingstico sobre a forma como a nossa privacidade pode ser vigiada e violada em espaos supostamente reservados aos pensamentos e s atividades livres. Muito se tem discutido sobre a autoria, os direitos de autor e propriedade da obra de arte em relao ao espao da internet - um espao pblico, onde nenhuma informao est a salvo de ser reproduzida e reutilizada. Neste contexto coloca-se em cheque a noo de autoria e a antiga discusso sobre o original e a cpia, bem como sobre o plgio e o original, parece, aqui, no fazer sentido algum, j que a mquina informtica em si uma tecnologia da digitalizao, isto , da clonagem, da transformao de um em um outro, como uma mquina de samplear. Este , por exemplo, um dos pontos-chave do Projeto Circ_lular (2004), do grupo Preguia Febril, formado por Giselle
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Beilgueman, Marcus Bastos e Rafael Marchetti, que convidava os usurios a participar ativamente de um remix em tempo real de arquivos de mdias dispostos no site do projeto. Exemplares, tambm, da reavaliao da noo de autoria dentro do ambiente da internet so os trabalhos de Ccero Incio Silva, tais como o projeto Assina: do texto ao contexto (http://www.pucsp.br/~cicero/assina), que investiga as questes que dizem respeito autoria, veracidade e ao excesso de informaes veiculadas na internet. Em Plat On-line Nothing, Science and Technology (http://www.pucsp.br/~cicero/plato), Ccero desenvolve uma peridico cientfico fictcio que apresenta textos acadmicos gerados por algoritmos. Os textos, totalmente sem sentido, colocam em debate no somente a indstria do citacionismo acadmico, como tambm a veracidade das informaes veiculadas pela internet. Todas estas poticas revelam, cada uma sua maneira, uma forma de estetizao da interface, seja problematizando questes que dizem respeito ao contexto e estrutura especficos da internet, seja propondo interfaces que permitem ao pblico ter acesso a uma experincia mais sensria, e no meramente retiniana, em relao produo artstica. Nestas poticas, muito mais que um mero recurso tcnico, a interface explicita a mensagem e o contedo mesmo do trabalho artstico em mdia digital. Em b u sc a d e u m a n o v a es t ti c a Ensaio obrigatrio para a discusso da interface The World as Interface20, de Peter Weibel, que descreve o mundo a partir da noo de interface. Para desenvolver esta idia, o terico se apia nos princpios da endofsica, cincia que defende a idia de que o observador sempre faz parte daquilo que observa, no existindo uma fronteira e separao rgidas entre o observador e o que observado. Para a endofsica, somos partes constituintes do mundo que observamos; portanto, no existe uma objetividade independente do observador. Conforme Weibel, as tecnologias informticas - com suas interfaces e, conseqentemente, a arte em mdia digital - no centrada na obra/objeto, mas na obra/processo - do as pistas e o insight necessrios para se pensar epistemologicamente o mundo em que vivemos. Somos parte de um sistema: entender o mundo significa perceb-lo a partir da noo de interface. Isto significa dizer que as artes interativas e a prpria esttica ganham um estatuto ontolgico e epistemolgico de explicao e de modelo para o mundo. Dito com outras palavras, as artes interativas, com suas interfaces, explicitam e colocam em evidncia uma dimenso epistemolgica que vai alm da prpria esttica, j que elas servem de modelo para entender a maneira como nos relacionamos com o mundo. Assim, a obra/mundo s se manifesta na medida mesma de sua interrelao com o interator/observador: ambos fazem parte de um mesmo sistema, de um mesmo conjunto de inter-relaes. Interfaceados, estes domnios no podem ser percebidos separadamente.
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20. WEIBEL, Peter. The World as Interface: toward the construction of contextcontrolled event-worlds. In: DRUCKREY, Timothy (org.). Electronic Culture: technology and visual representation. Nova Iorque: Aperture, 1996.

21. Op. cit., p. 271.

22. Idem, p. 275.

interessante perceber que Weibel emprega o termo interface em um sentido mais amplo, indo alm de uma viso estritamente tcnica, estendendo-o relao homem/mundo, dentro de uma abordagem epistemolgica. dentro desta perspectiva que entendemos o termo interface no contexto da interesttica, tal como a denomino. Para alm de restringi-la troca de informaes entre o homem e a mquina, em um modelo estmulo-resposta, input-output, trata-se de entend-la como um processo de fluxo de informaes entre domnios em um sentido mais amplo. Neste sentido, o princpio que nos interessa explorar o de que a constituio de uma interface, de uma via de comunicao entre domnios, no implica a eliminao de superfcies ou camadas que se interpem entre eles. Antes, um processo de adio de camadas que potencializa a comunicao, a conexo e as trocas. A interface, neste contexto, vista como uma espcie de membrana que, ao invs de promover o afastamento entre dois ou mais domnios, os aproxima, permitindo uma osmose, uma influncia recproca entre as partes dentro de uma viso sistmica. Ampliar a noo de interface para outros domnios, alm dos aparatos estritamente informticos, nos permite, assim, repensar tambm as relaes sujeito/obra da produo esttica na era digital. Sobre este aspecto seria interessante resgatar Edmond Couchot21, que, a partir da noo de interface, assinala a constituio de uma nova forma de subjetividade na contemporaneidade: De todas as hibridaes em direo s quais o numrico se inclina - afirma o autor - a mais violenta e decisiva a hibridao do sujeito e da mquina, atravs da interface. Violenta porque ela projeta o sujeito - tanto o autor da obra quanto o espectador, o artista quanto o amador de arte - em uma situao nova, em que ele intimado insistentemente a redefinir-se. (...) A aparelhagem numrica do sujeito perturba, com efeito, novamente as relaes entre o EU e o NS, mas de uma maneira que se configura sem comum medida com o que j conhecemos. Seja atravs de trabalhos artsticos que empregam avatares e que potencializam uma espcie de duplicao do sujeito, seja atravs de criaes compartilhadas em rede, o sujeito trespassado pela interface, ou o sujeito interfaceado, como nomeia Couchot, um sujeito que intimado a redefinir-se continuamente: um sujeito em trnsito, para quem a relao entre o Eu e o Ns colocada o tempo todo prova. Parafraseando Couchot, poderamos dizer que, assim como o sujeito trespassado pela interface , de agora em diante, muito mais trajeto do que sujeito22, a obra interfaceada muito menos objeto acabado, e mais criao que se manifesta em processo a partir de suas interfaces, seja com o interator, seja dentro do prprio sistema computacional. No primeiro caso h uma relao de comutao entre o interator e a obra, j que o computador necessita dos sinais do primeiro para, em seguida, process-los e devolv-los em forma de informaes visuais, sonoras etc. Neste sentido, uma das caractersticas da obra interfaceada a de que ela uma arte
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do evento a ser vivido em tempo real: obra em processo que, como tal, enfatiza a transformao, a metamorfose, o fluxo temporal e o constante processo do vir-a-ser. No por acaso Philippe Quau23 desenvolve sua esttica intermediria, estabelecendo paralelos entre a arte em mdia digital e os processos naturais. Influenciado pela metafsica aristotlica e pelas discusses filosficas do devir no pensamento grego, o filsofo desenvolve a idia de que o movimento, a metamorfose e o devir constantes seriam a caracterstica definidora da arte em mdia digital. Longe de imitar a natureza, como fez a prtica artstica tradicional ao longo dos anos, a arte intermediria emularia a lgica intrnseca de funcionamento da natureza e dos sistemas vivos - o seu potencial de metamorfose e devir constantes: a arte intermediria uma arte viva: ela pulsa como uma planta ou uma rvore, diz Quau24. A arte intermediria de Quau portanto uma arte viva. Ela no imita a natureza como fez ao longo dos anos a prtica artstica tradicional - que se preocupava em imitar com perfeio uma rvore -, mas procura colocar em questo o comportamento intrnseco natureza - emular25. Neste sentido, o que importa no somente a obra em si, mas todo o campo de inter-relaes e interconexes que se estabelece no processo e desenvolvimento da obra. interessante perceber como esta idia de Quau pode nos conduzir ao conceito de poisis aristotlico, um conceito importante de ser resgatado para se pensar as produes da contemporaneidade. Tentando estabelecer os alicerces da definio artstica, Aristteles no se pergunta, como seu mestre Plato, o que a arte imita, mas como ela imita, onde se enraza o seu termo poisis. Poisis em grego significa criao, fabricao, produo: significa produzir que se engendra, uma criao que organiza e instaura uma nova realidade. Para o filsofo grego, a natureza e os seres vivos so fruto do ato poitico da inteligncia divina, que conduziu a matria do estado de caos e indeterminao inicial ao estado de realidade. este ato poitico que a arte imita; a ao criativa da natureza - o seu potencial de transformao e de vir-a-ser -, j que atravs da ao do artista que o mrmore pode se transformar, por exemplo, em uma escultura. Paralelamente, poderamos dizer que a partir da interface com o interator que a obra pode se manifestar. semelhana da poisis aristotlica, que se refere maneira como a arte, atravs da ao do artista, imita o processo criativo da natureza, a interpoisis (i.e. intercriao/ interao), como denomino, se refere maneira como as artes em mdias digitais engendram seus processos criativos a partir de seus fluxos informacionais. A obra de arte neste caso no uma representao imitativa da realidade, mas uma capacidade comunicativa, de fluxos de informaes entre domnios, em uma relao dinmica. importante ressaltar que este processo interpoitico no se manifesta exclusivamente nos processos artsticos que se do a partir de uma interface obra/interator ou homem/mquina, j que existem trabalhos, como por exemplo
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23. Op. cit.

24. Idem, p. 18.

25. Este conceito, desenvolvido por Quau, principalmente aplicvel em trabalhos artsticos evolutivos, i.e., desenvolvidos a partir de algoritmos genticos, complexas frmulas matemticas que permitem criatura artificial evoluir, morrer e acasalar-se de acordo com os parmetros naturais.

aqueles que lidam com vida artificial e algoritmos genticos, em que a interface homem-mquina no a prerrogativa exclusiva. Nestes casos a interface, considerada aqui como um dispositivo que possibilita um fluxo de informao, se manifesta dentro do prprio sistema computacional a partir dos cdigos de programao. aquilo que Edmond Couchot, especialmente em seu ensaio A segunda interatividade: em direo a novas prticas artsticas, chama de segunda interatividade, fazendo referncia a determinados algoritmos, tais como os algoritmos genticos, complexas frmulas matemticas injetadas pelo artista/bilogo s suas criaturas, cujo comportamento, apesar de ser programado no computador, mimetiza a seleo natural e a reproduo sexual, desenvolvendo-se semelhana dos organismos vivos. C o n cl u s e s em pr o ce ss o Ampliar a noo de interface nos permite, tambm, questionar fronteiras rgidas entre determinados conceitos tais como perto-longe, dentro-fora, natural-artificial, j que, nas prticas artsticas em mdias digitais, estes termos so colocados o tempo todo prova. Em suas diferentes manifestaes, seja a partir dos trabalhos de telepresena - que nos permitem estar presentes distncia -, de vida artificial - que nos permitem repensar os conceitos ontolgicos de vida -, ou de realidade virtual - que nos possibilitam, atravs de um avatar, estar dentro e fora ao mesmo tempo -, a interesttica revela uma forma de compreenso da criao onde as searas se misturam continuamente, em fronteiras compartilhadas, como diria Julio Plaza. As artes em mdias digitais, neste sentido, se manifestam de forma interfaceada a partir da contaminao com diferentes reas do saber para o desenvolvimento de suas propostas estticas. Para o artista contemporneo as questes de linguagem so to importantes quanto as questes da rea da fsica, da biotecnologia e da biologia molecular. Por outro lado, no se trata de entender a produo artstica como fruto de um gnio criativo individual em profunda sintonia com o cosmos, nem sequer de repens-la somente a partir de parcerias onde artistas, engenheiros, bilogos e cientistas da computao se juntam em uma proposta comum, mas, principalmente, de repensar os prprios conceitos de criao em um mundo onde j possvel a criao artificial26. Por outro lado a esttica, aqui, no pensada como uma rea da filosofia abaixo da tica ou da epistemologia, mas antes, como uma rea que, em interface com aquelas, no somente produz conhecimento e traz luz novas formas de perceber e entender o mundo em que vivemos, como, tambm, traz tona questes que dizem respeito aos parmetros ticos da contemporaneidade. Os trabalhos de vida artificial, arte transgnica, bem como de nanoarte so as produes mais evidentes neste sentido. A interesttica, neste sentido, deve ser vista como uma esttica hbrida que pretende diluir os limites, trazendo para seu interior as inter-relaes e interconexes com outras reas do saber. uma esttica que rompe com
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26. Neste sentido, um dos casos mais paradoxais na cena artstica contempornea o de Harold Cohen, criador de Aaron, um programa que torna o computador capaz de pintar como um artista plstico. Atuando, portanto, na fronteira mais indefinida entre arte e cincia, Cohen parece querer dizer que sua obra Aaron e no as imagens

qualquer idia de fronteira rgida entre perto e longe, artificial e natural, real e virtual. Em suas diferentes manifestaes, seja a partir dos trabalhos de telepresena, net art, realidade virtual ou de vida artificial, a interesttica revela uma forma de compreenso da arte onde as searas se misturam e se hibridizam continuamente.

que este permite conceber. Tambm dentro deste contexto podemos lembrar o trabalho de David Cope, que desenvolveu programas de computador para escrever msica clssica com uma tal qualidade que experts ficaram em dvida se a msica tinha sido desenvolvida por humanos ou mquinas.

Priscila Arantes (http://www.priscilaarantes.com.br) crtica, terica e pesquisadora em linguagem da arte e doutora em Comunicao e Semitica pela PUC-SP. coordenadora e professora da PsGraduao em Mdias Interativas do Senac-SP e da habilitao em Arte e Tecnologia do curso de Tecnologias e Mdias Digitais da PUC-SP. autora de @rte e Mdia: perspectivas da esttica digital (Ed. Senac/ FAPESP).
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