GILENO, Carlos - Perdigão Malheiro
GILENO, Carlos - Perdigão Malheiro
GILENO, Carlos - Perdigão Malheiro
idias uma preliminar necessria para a emancipao do esprito. No sei o que torna o homem mais conservador: conhecer apenas o presente, ou apenas o passado (John Maynard Keynes). 1. A centralidade do pensamento de Perdigo Malheiro O trabalho intelectual que vem se desenvolvendo nas ltimas dcadas na rea de pesquisa referente ao pensamento poltico e social possui uma tradio que remonta ao sculo XIX. As obras de Andr Pinto Rebouas (1838-1898), Joaquim Nabuco (1849-1910), Jos Bonifcio de Andrada e Silva (1763-1838), Jos da Silva Lisboa, visconde de Cairu, (1756-1835), Paulino Jos Soares de Souza, visconde do Uruguai, polticos (1807-1866), do Imprio Agostinho Marques Perdigo Malheiro em pontos (1824-1881), de partida Aureliano Cndido Tavares Bastos (1839-1875), entre outros autores e atores (1822-1889), constituem-se fundamentais das controvrsias tericas que animam o debate das especificidades histricas, polticas e sociais do Brasil contemporneo. Igualmente, so relidos autores e atores polticos do perodo republicano: lvaro Vieira Pinto (1909-1987), Caio Prado Jnior (1907-1990), Celso Furtado (1920-2004), Euclides da Cunha (1866-1909), Florestan Fernandes (1920-1995), Gilberto Freyre (1900-1987), Guerreiro Ramos (1915-1982), Helio Jaguaribe (1923-.), Manoel Bonfim (1868-1932), Octavio Ianni (1926-2004), Oliveira Vianna (1883-1951), Raymundo Faoro (1925-2003), Ronald de Carvalho (1893-1935) e Srgio Buarque de Holanda (1902-1982). Estas releituras indicam que o trabalho intelectual realizado na rea de pesquisa do pensamento poltico e social no Brasil ensinam a refletir sobre aspectos significativos do processo social que se desenvolve na atualidade, sendo expressiva a constatao de que nos ltimos vinte anos a referida rea vem se consolidando satisfatoriamente na esfera da produo acadmica das cincias sociais desenvolvidas no pas (Bastos, 2002; Brando, 2007).
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A tradio do pensamento poltico e social no Brasil detentora de uma acumulao terica que se transforma em instrumento fundamental para a anlise cientfica das relaes polticas e sociais que se desenvolvem na sociedade brasileira contempornea. As interpretaes do Brasil produzidas durante o Imprio e a Repblica trazem proposies cognitivas e ideolgicas presentes no processo de mudana social no sculo XXI, j que muitos dos dilemas e perspectivas narrados pelos autores e atores polticos do passado continuam prevalecendo na organizao poltica e social do Brasil, formando um espao de comunicao social entre presente, passado e futuro ao oferecer uma viso mais integrada e consistente do processo histrico que o nosso presente oculta (Botelho, 2007: 18). Aquela tradio possui a caracterstica de ligar a experincia da reconstruo do passado experincia vivida no presente ao tentar descortinar possibilidades futuras de organizao cultural, poltica e social. Por outro lado, a acumulao terica possibilitou formular ou discriminar na histria ideolgica e poltica estilos determinados de pensamento que transcendem a sua poca, perdurando no tempo ao trazerem novas perspectivas para a construo de projetos cientficos e polticos na atualidade (Brando, 2007: 29). Na esfera metodolgica, aquela tradio intelectual indica que foi na elaborao terica de alguns autores clssicos do ensasmo - em nosso caso o ensaio de Perdigo Malheiro sobre a escravido no Brasil - que os problemas polticos nacionais foram originalmente equacionados. Por este motivo, a releitura de determinadas teses de Perdigo Malheiro para refletir sobre as possibilidades e os limites da constituio de sujeitos polticos na atualidade elucidativa de um momento de mudanas intelectuais, polticas e sociais que apontavam para a emergncia da possibilidade de conciliar o desenvolvimento do capitalismo nacional com a democracia poltica. Entre 1864 e 1867, o monarquista liberal Agostinho Marques Perdigo Malheiro escreveu e publicou um alentado ensaio histrico, jurdico e social (MALHEIRO, 1976). Encomendado por D. Pedro II (1825-1891), o ensaio continha uma reconstruo do passado luz dos dilemas e perspectivas resultantes da Guerra do Paraguai (1864-1870). Alm de ser um instrumento utilizado para a realizao do exame de conjuntura da sociedade brasileira em guerra continental, aquela reconstruo originou projetos polticos e sociais que seriam objeto de discusso no parlamento brasileiro, influenciando a implantao das reformas institucionais e materiais do ltimo quartel do sculo XIX (Gileno, 2001).
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O ltimo volume do ensaio A Escravido no Brasil foi impresso um ano antes da ascenso do ministrio conservador comandado pelo jornalista e poltico Joaquim Jos Rodrigues Torres (1802-1872), visconde de Itabora, a partir de julho de 1868 (Costa, 1956: 112). Nessa data, a monarquia brasileira - pressionada pelo industrialismo ingls e pelos cafeicultores - adiou as reformas referentes instituio escravocrata. Se a Coroa conseguira conciliar os interesses conflitantes envolvidos naquelas reformas, a queda do ministrio liberal (1866-1868) comandado pelo estadista e pensador poltico Zacharias de Ges e Vasconcellos (1815-1877) retirou das mos do monarca o papel de rbitro das divergncias estabelecidas em torno da questo da emancipao dos escravos 1. Antes de 1868, tanto os liberais que defendiam medidas graduais em relao abolio do cativeiro como aqueles mais radicais no aventavam a hiptese de uma mudana no regime de governo monrquico. Mudando o seu nome aps a Independncia de 1822 para Francisco G Acayaba de Montezuma como homenagem nao recm formada, o abolicionista e monarquista liberal Francisco Gomes Brando, visconde de Jequitinhonha (1794-1870), propugnou, em 1837, a proibio do trfico de escravos e a abolio imediata da escravido negra sem indenizao aos proprietrios. Em 1865 props que o cativeiro dos negros deveria ser extinto em 1880 (Conrad, 1975: 97). Lembramos Montezuma, pois o radicalismo de suas idias em relao extino do trfico negreiro e da escravido no possua como pano de fundo a implantao do republicanismo. A monarquia conseguira, at 1868, ser a principal mediadora dos conflitos existentes volta das reformas institucionais no Brasil. O ensaio histrico, jurdico e social de Perdigo Malheiro foi escrito num ambiente em que o despotismo esclarecido de D. Pedro II ainda conciliava os conflitos dos vrios grupos que exerciam o poder poltico e econmico dentro do territrio brasileiro, sendo impresso s vsperas da grave crise que se abatera sobre o trabalho escravo e a instituio monrquica. axiomtico afirmar que durante a segunda metade do sculo XIX surgiram vrias propostas de reformas na instituio escravocrata, fossem elas defensoras do emancipacionismo gradual ou da abolio definitiva do trabalho compulsrio. Ademais, igualmente axiomtico considerar que aquelas propostas estavam articuladas a projetos de modernizao da sociedade brasileira, e que o tema da
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Enquanto pensador poltico, Zacharias de Ges e Vasconcellos publicou em 1862 - num momento de grande popularidade do reinado de D. Pedro II - o polmico livro intitulado Da natureza e do limite do poder moderador, onde defendia a diminuio do poder moderador exercido pelo monarca e o fortalecimento poltico do Parlamento brasileiro, tendendo a um parlamentarismo mais ortodoxo (Vasconcellos, 2008).
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escravido era um dos elementos importantes para a conduo das questes nacionais. Para evitar, na medida do possvel, a generalizao do pensamento de Perdigo Malheiro, cumpre distinguirmos a centralidade da sua obra, a qual estava expressa na crtica jurdico-social da escravido, parmetro fundamental das suas propostas emancipacionistas. A defesa de uma reforma intelectual e moral da sociedade consubstanciada na universalizao da instruo, a contestao da representao legal do escravo como inimigo domstico e pblico, constituram-se em temas centrais de um projeto de futuro que refletia sobre a emergncia da potencialidade poltica de indivduos e grupos que sentiam a ausncia da liberdade civil, focando os entraves s possibilidades de consolidao de um estilo de vida democrtico na sociedade brasileira do ltimo quartel do sculo XIX. 2. Mas todas as grandes idias tm os seus mrtires Agostinho Marques Perdigo Malheiro nasceu na ento Vila de Campanha da Princesa, em Minas Gerais, a 5 de janeiro de 1824, falecendo durante a madrugada de 3 de junho de 1881, na cidade do Rio de Janeiro. Seu pai, tambm chamado Agostinho Marques Perdigo Malheiro, nasceu na cidade portuguesa de Vianna do Minho, a 29 de agosto de 1788, falecendo no Rio de Janeiro a 19 de agosto de 1860. Formado em direito na Universidade de Coimbra (1812), o pai de Perdigo Malheiro foi membro do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro devido aos seus trabalhos de filologia, histria e jurisprudncia. Desempenhou o cargo de magistrado, primeiro como juiz de fora em Santos, e posteriormente, exercendo a mesma funo, na cidade mineira de Mariana. Ainda serviu como ouvidor interino de Ouro Preto, juiz de fora em Campanha, desembargador da relao na Bahia e no Rio de Janeiro, sendo tambm membro do Supremo Tribunal de Justia. Alm desses cargos, exerceu as funes de juiz provedor, juiz de ausentes, juiz dos feitos da coroa e fazenda e membro adjunto do Conselho Supremo Militar (Blake, 1883: 17-8; Vallado, 1955: 332-41). A me de Perdigo Malheiro, D. Urbana Cndida dos Reis Perdigo - natural de Trs Coraes do Rio Verde, povoado prximo Vila de Campanha da Princesa era filha de proprietrios rurais e sobrinha de Estevo Ribeiro de Resende, marqus de Valena (1777-1856). Nas primeiras dcadas do Imprio, o marqus de Valena ocupou as posies de conselheiro de Estado, deputado, magistrado, ministro e
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senador. Perdigo Malheiro era descendente da elite econmica, intelectual, poltica e social do Imprio. Antes de formar a primeira turma do Colgio Pedro II, o jurista mineiro realizou estudos de francs, ingls e latim na companhia de professores especializados (Veiga, 1897: 327-31). Em 1844, obteve o grau de bacharel em Letras2, passando a freqentar, em 1845, o curso de cincias sociais e jurdicas da Faculdade de Direito do Largo So Francisco. Graduou-se em 1848, defendendo tese de doutorado um ano depois. Nessa fase, o autor executou as funes de advogado do Conselho de Estado, de curador dos africanos livres e de procurador dos feitos da fazenda nacional, sendo condecorado com a Ordem de Cristo pelo Imperador D. Pedro II. Nos anos sessenta e setenta do sculo XIX, Perdigo Malheiro presidiu o Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros (1861-1866) e representou a provncia de Minas Gerais na cmara temporria (1869-1972)3. Enquanto presidente do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros - na sesso magna de 7 de setembro de 1863 -, o autor pronunciou um de seus mais famosos discursos: Ilegitimidade da propriedade constituda sobre o escravo. A natureza de tal propriedade. A justia e convenincia da abolio da escravido; e em que termos. Defendendo a liberdade dos nascituros, esse discurso possua, pelo menos implicitamente, a chancela do imperador brasileiro (Conrad, 1975: 88-111). Entretanto, na qualidade de deputado pela provncia de Minas Gerais, Perdigo Malheiro proferiu o discurso na sesso da cmara temporria de 12 de julho de 1871 sobre a proposta do governo para a reforma do estado servil, deixando patente que era contrrio Lei do Ventre Livre que seria legitimada pelo parlamento em 28 de setembro de 1871. Essa mudana de atitude em relao Lei do Ventre Livre fez,
inevitavelmente, Perdigo Malheiro entrar em aparente conflito com as suas idias sobre a questo da emancipao. Ao iniciar o primeiro volume do ensaio A
Aps a reforma de 1841, o Colgio Pedro II concedia, aps 7 anos de estudos, o diploma de bacharel em Letras, ttulo que garantiria a matrcula nas academias do Imprio independentemente dos exames preparatrios. Durante os 7 anos de estudos, o aluno deveria cumprir um currculo vasto: grego, latim, alemo, ingls, francs, geografia, histria, retrica, potica, filosofia, geometria, matemtica, cronologia, mineralogia, geologia, zoologia, desenho e msica vocal (HAIDAR, 1972). 3 Paralelamente a essas vrias ocupaes, o autor escreveu trabalhos de jurisprudncia: Comentrio lei n. 463 de 2 de setembro de 1847 sobre sucesso dos filhos naturais e sua filiao (1857); Manual do Procurador dos feitos da fazenda nacional nos juzos de primeira instncia (1859); Repertrio ou ndice alfabtico da reforma hipotecria e sobre as sociedades de crdito rural 1865); Suplemento ao Manual do procurador dos feitos da fazenda nacional (1870); Sucesso dos filhos naturais (1872).
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Escravido no Brasil em 1864, o autor props a liberdade dos nascituros, a exemplo do referido discurso de 7 de setembro de 1863. O ensaio que era um dos principais responsveis pela construo do seu prestgio de intelectual e poltico foi aparentemente desmentido em um dos seus pontos centrais - a libertao do ventre da escrava - quando exercia o mandato de deputado. Aquele fato levou Perdigo Malheiro a escrever o manifesto intitulado Provncia de Minas Gerais e aos seus Concidados (1872), bem como remeter uma comunicao a Londres endereada Anti-Slavery Society, sociedade abolicionista com a qual o jurista mineiro mantinha colaborao e correspondncia assduas. No referido manifesto, Perdigo Malheiro expressou as suas consideraes pessoais em relao s crticas e presses que sofrera pelo seu voto contrrio liberdade dos nascituros em 1871. Mas todas as grandes idas tm os seus marthyres 4. No sero aqueles que, mais por especulao politica, e vaidade pretendero a gloria de emancipadores. Aquelle que tendo dedicado o melhor de sua vida a estudal-a [a idia da Abolico], propagal-a, com sacrificios de todo o genero, tem por ella soffrido durante um longo periodo as maiores torturas, tragado o calix da amargura, ainda tem bastante grandeza dalma para esquecer as injustias e a ingratido (Malheiro apud Vallado, 1940: 273-4). Perdigo Malheiro se insurgiu contra um artigo constante na Lei do Ventre Livre, segundo o qual os filhos e filhas das escravas deveriam servir aos senhores de suas mes at a idade dos 21 anos. O jurista mineiro props o seu voto favorvel referida lei se os filhos e filhas das escravas no fossem mais escravos, porm declarados rfos, com os senhores que os criassem podendo utilizar-se dos seus servios, mediante pagamento de salrio at os 14 anos e, obrigando-se, posteriormente, a garantir-lhes a instruo primria (1940, p. 274). Os escritos de Perdigo Malheiro eram temas de discusso nos crculos intelectuais e polticos do Imprio desde meados do sculo XIX. Ao mesmo tempo em que exerceu a advocacia em So Paulo e no Rio de Janeiro, o jurista e poltico mineiro foi aceito como membro efetivo do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro ao apresentar em 1850 o ndice cronolgico dos factos mais notveis da histria do Brasil desde seu descobrimento em 1500 at 1849, seguido de um sucinto esboo do estado do pas ao findar o ano de 1849 (Malheiro, 2008). Esse ensaio, dedicado a seu pai, inseria-se no debate contemporneo sobre a
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Cabe ressaltar que o projeto inicial da Lei do Ventre Livre estava contido no citado discurso que Perdigo Malheiro realizou em 1863.
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constituio histrica do Brasil. Desde 1850, a Revista do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro trazia os pareceres referentes ao ndice cronolgico. Em 22 de novembro de 1850, o advogado e erudito portugus, conselheiro Diogo Soares da Silva Bivar (17851865), contestou - entre outras crticas reservadas ao ndice cronolgico - os nmeros arrolados por Perdigo Malheiro em relao populao do Imprio (Bivar, 1852: 87). Contudo, em 9 de maio de 1851 surgiu a apreciao do escritor e poltico brasileiro Joaquim Caetano da Silva (1802-1872) sobre o parecer anterior. Contestando as crticas histricas de Diogo Soares da Silva de Bivar, Joaquim Caetano da Silva recomendou a aceitao do jurista mineiro como membro do Instituto Histrico e Geogrfico do Brasil (Silva, 1852: 112). O segundo parecer favorvel ao ndice cronolgico, emitido em 20 de junho de 1851 pelo conselheiro Candido Baptista de Oliveira (1801-1865), diplomata, engenheiro e poltico, questionava a idia de Diogo Soares da Silva de Bivar sobre a suposta inexatido do clculo de Perdigo Malheiro em relao ao nmero de habitantes do Imprio (Oliveira, 1852: 115). A discusso acerca do nmero de habitantes do Imprio, empreendida pelos citados conselheiros, parecia no se constituir no objetivo central do ndice cronolgico. Em carta endereada a Cndido Jos de Arajo Vianna (1793-1875), posteriormente marqus de Sapuca, Perdigo Malheiro esclarecia que o escopo principal daquele ndice era uma sistematizao da histria do Brasil para ser utilizada nas escolas primrias do Imprio, a exemplo da finalidade do posterior livro de Joaquim Manuel de Macedo, Lies de Histria do Brasil (1865) (Malheiro apud Vallado, 1955: 391). A Moreninha (1844) o livro mais famoso do escritor carioca Joaquim Manoel de Macedo (18201882), inaugurando a prosa de fico no Brasil. Considerada uma obra-prima desde a sua publicao, A Moreninha parece que isentou o leitor e o crtico literrio e social da anlise de outras obras do deputado, dramaturgo, historigrafo, mdico, poeta, professor e romancista. Conhecido amide nas rodas literrias da Corte como Doutor Macedinho, a publicao de A Moreninha granjeou ao autor uma consagrao precoce legando-lhe o epteto de formulador do romance urbano da dcada dos 40 do sculo XIX (MARTINS, 1977-8: 3012).
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Entrementes, a obra de Joaquim Manoel de Macedo retratou quase quatro dcadas da histria poltica e social do Imprio, indicando temas e problemas que se constituram em objeto de reflexo privilegiada nos crculos intelectuais e polticos de sua poca. Membro do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, Joaquim Manoel de Macedo - no incio dos anos 60 do sculo XIX - participou do debate acerca da constituio histrica do Brasil. Pertencente Seo de Obras Raras da Faculdade de Direito do Largo So Francisco, o livro Lies de Histria do Brasil de Joaquim Manoel de Macedo merece ser reeditado aps quase um sculo e meio de sua primeira e, salvo engano, nica edio. Escrito em 1861 e publicado em 1865, aquele livro didtico objetivava apresentar uma sistematizao da histria do Brasil para ser utilizada nas escolas primrias do Imprio, numa poca em que a histria ptria era desconhecida inclusive pelas sumidades literrias (Macedo, 1865). Quando se dirigiu ao leitor no ndice cronolgico, Perdigo Malheiro fez transparecer, antes do autor de A Moreninha, a sua defesa da universalizao da instruo realizada pela difuso do livro didtico. Tal he a primeira produco que pretendemos dar ao prelo... A obra constar de sete mappas (...) Foi este o systema mas claro e succinto que excogitmos de escrever a historia com algum proveito para os que o lerem; porque deste modo o leitor ter diante dos olhos um s quadro a narrao histrica dos factos que avultam e sobresahem, e que no devem ser ignorados de Brasileiro algum, sobretudo daquelles que se consagro vida litteraria, poltica &c. (Malheiro, 2008: 5). A universalizao da instruo primria era fundamental para o
desenvolvimento do processo de modernizao da sociedade imperial, sendo uma condio necessria tanto ampliao das liberdades civis e polticas de libertos, escravos e imigrantes quanto introduo do trabalho livre (Malheiro, 1976, Parte II: 247). A superao do atraso estava alicerada no fortalecimento da propagao da instruo pblica aliada defesa dos escravos adquirirem liberdade civil. Essa idia da instruo foi retomada durante a Primeira Repblica (1889-1930), com a educao se transformando igualmente em instrumento de superao do atraso (Botelho, 2002: 23-4). A redao do ensaio A escravido no Brasil estava em sintonia com a bibliografia sobre a emancipao dos escravos publicada simultaneamente na Europa e nos Estados Unidos da Amrica do Norte. Perdigo Malheiro realizou um
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levantamento das leis internacionais relacionadas escravido, estabelecendo, principalmente, um dilogo importante com os intelectuais franceses que estavam refletindo sobre as reformas a serem introduzidas no regime de cativeiro das colnias pertencentes Frana.
3. O projeto de reforma intelectual e moral de Perdigo Malheiro As reformas referentes ao processo de emancipao dos escravos da Sociedade Abolicionista Francesa objetivavam a abolio do trabalho compulsrio nas colnias francesas e em outras regies do planeta. A citada Sociedade enviou, em julho de 1866, uma mensagem ao Imperador D. Pedro II. Ao descrever a recente liberdade dos escravos norte-americanos - resultado da Guerra Civil (18611865) - e a forte inteno da Espanha em abolir a escravido nas suas colnias, a referida mensagem lembrava que a simples abolio do trfico (1850) era uma medida incompleta para se suprimir a escravido, propondo o assalariamento dos escravos que se situavam nas cidades ao recordar que a imigrao s se intensificaria quando a servido fosse extinta. Naquele momento, diversas vozes, no Brasil, faziam-se ouvir nas
assemblias, na imprensa e no plpito em favor da abolio. Essas vozes estavam representadas nos vrios projetos de lei surgidos no Brasil em relao instituio escravocrata, j que a questo da emancipao dos escravos era discutida amplamente no Parlamento brasileiro. O jurista mineiro arrolou vrios projetos de lei relacionados emancipao, lembrando que Tavares Bastos, em junho de 1866, apresentou um aditivo lei do oramento, o qual estabelecia a obrigatoriedade do pagamento de salrios aos escravos fixados nas oficinas e estabelecimentos pblicos. Ainda de acordo com Perdigo Malheiro, o Decreto n. 3725 A de 6 de novembro de 1866 - de autoria do ento senador do Imprio e presidente do Conselho de Ministros, Zacharias de Ges e Vasconcellos - concedeu a alforria gratuita a todos os escravos que se alistassem e tivessem condies de servir ao exrcito durante a Guerra do Paraguai (Costa, 1996: 245). Perdigo Malheiro considerou as discusses sobre a emancipao realizadas por aquela Sociedade Abolicionista como elementos importantes para a consolidao do processo de abolio do cativeiro negro nas colnias da Frana. A Sociedade Abolicionista Francesa - inserida num perodo histrico em que medidas graduais estavam sendo implantadas por intermdio do governo francs em relao
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aos
escravos5
defendeu das
extino de
imediata sua
do
trabalho
compulsrio, intitulada
principalmente
atravs
pginas
influente
publicao,
Labolicioniste franais. O jurista mineiro ressaltou a influncia que os seus membros - sobretudo os intelectuais e polticos que a compunham - exerciam sobre os poderes do Estado e da opinio pblica. Alm da citada publicao, aqueles intelectuais e polticos apresentaram vrios projetos de lei relacionados extino da escravido, atuando no governo e nas Cmaras Legislativas. Em 1838, H. Passi - deputado francs e membro da referida Sociedade elaborou um projeto de lei abolicionista, entregando-o apreciao da Cmara dos Deputados. Em linhas gerais, o projeto defendia a libertao do ventre das escravas nas colnias por francesas, uma j mediante o a indenizao projeto fora aos senhores chegou a logo escravocratas. ser aps discutido o seu Analisado comisso, que nem
satisfatoriamente,
Cmara
dissolvida
encaminhamento (Malheiro, 1976, Parte III: 115). Segundo Perdigo Malheiro, outro membro da Sociedade Abolicionista Francesa, Antoine Tracy (1781-1864), apresentou um projeto Cmara dos Deputados em 1839, propondo a emancipao progressiva dos escravos nos termos de Passi, que ocupava na poca o cargo de Ministro da Fazenda. O escritor, historiador e pensador poltico francs Alexis Henri Charles Clrel (1805-1859), visconde de Tocqueville, foi o relator da comisso encarregada de analisar o citado projeto, a qual chegou a trs concluses: 1)Apresentao de um projeto de lei que fixar a poca da abolio geral e simultnea da escravido nas colnias francesas; 2) Este projeto de lei determinar qual ser a indenizao a ser paga em decorrncia desta medida e assegurar o ressarcimento do Estado por meio de um desconto prvio nos salrios dos novos libertos; 3) O mesmo projeto estabelecer as bases de um regulamento destinado a assegurar o trabalho, a educar e moralizar os libertos e prepar-los para o trabalho livre (Tocqueville, 1994: 29-75). As discusses em relao escravido continuaram a se desenrolar na Cmara dos Deputados at a Revoluo de fevereiro de 1848. Nesse ano, a Assemblia Nacional, pela Lei de 16 de setembro, fixou a indenizao aos senhores de escravos e estabeleceu a abolio definitiva do trabalho compulsrio nas colnias da Frana. Atento ao novo processo de colonizao conduzido pelo governo
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Essas leis se encontram, conforme Perdigo Malheiro, em duas publicaes do governo francs: Rgime des esclaves (1847) e Patronage des esclaves (1855).
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francs, Perdigo Malheiro afirmou que as relaes sociais assentadas no trabalho livre eram uma sada para o Brasil entrar no ritmo da histria do ocidente industrializado: os fatos ho confirmado a superioridade da organizao social livre, e do trabalho livre; a produo [nas colnias francesas] tem aumentado, a sorte das colnias melhor (Malheiro, Parte III: 117). A emancipao dos escravos era um tema constante da agenda intelectual e poltica francesa at a abolio definitiva da escravido nas suas colnias em 1848. Exemplo desse fato era a aprovao de medidas que no visavam emancipao imediata, mas que instituam modificaes nas relaes entre senhores e escravos. A Lei de 25 de junho de 1839 e a Lei de 18 de junho de 1845 instauraram a criao de estabelecimentos de ensino para os escravos nas colnias francesas, contrastando com o decreto de 1854 do governo brasileiro, que exclua os cativos da esfera da instruo primria. Um dos traos caractersticos do pensamento de Perdigo Malheiro estava situado no mbito das suas propostas de reforma intelectual e moral da sociedade. O autor contestava a aplicao de uma legislao que restringia o acesso educao de escravos e libertos. A sua crtica jurdicosocial da escravido apontava a impossibilidade da emergncia de uma sociedade assentada nas liberdades civis e no trabalho livre, visto que aquela reforma estaria incompleta sem a universalizao da instruo primria. Entre ns so absolutamente excludos das escolas e mesmo da instruo primria ainda do 1 grau, tanto os de um como os de outro sexo, proibio equiparada dos que sofrem molstias contagiosas ou no foram vacinados! Apenas agora se disps a esse respeito em relao aos da Nao [...] O escravo era apenas um instrumento de trabalho; no passvel de qualquer educao intelectual e moral, sendo que mesmo da religiosa pouco se cuidava [...] O negro, sobretudo nascido na Amrica (crioulo), e a gente de cor, proveniente do cruzamento, em geral to inteligente quanto qualquer outra; dotado de qualidades estimveis, coragem, pacincia, resignao, sobriedade; capaz de todo o aperfeioamento intelectual e moral, prprios da natureza humana (Malheiro, Parte III: 31 e 104-22). A universalizao da instruo e o aperfeioamento intelectual e moral de escravos e libertos significavam uma reforma ampla na legislao que possibilitasse a ampliao do trabalho livre, das liberdades civis e da participao poltica
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(MALHEIRO, 1976, Parte I: 35-6). O essencial daquela reforma estava contido nas modificaes das relaes jurdicas e sociais estabelecidas entre senhores e escravos. O jurista mineiro criticou a legitimidade da propriedade constituda sobre o escravo e o discurso jurdico que reconhecia a coisificao do cativo. Esses fatores levaram o autor refutao da representao histrica, jurdica, poltica e social do escravo como um inimigo domstico e pblico. 4. O controle da fria de Calib No primeiro volume do ensaio A Escravido no Brasil - antes de tratar diretamente da legislao referente aos indgenas e da questo da emancipao dos escravos -, Perdigo Malheiro intentou preencher uma grande lacuna da nossa literatura jurdica ao propor possveis reformas nas leis administrativas, civis, criminais, fiscais, processuais e policiais do Imprio. . Esta legislao excepcional contra o escravo, sobretudo em relao ao senhor, a aplicao da pena de aoites, o abuso da de morte, a interdio de recursos, carecem de reforma. Nem esto de acordo com os princpios da cincia, nem esse excesso de rigor tem produzido os efeitos que dele se esperavam. A histria e a estatstica criminal do Imprio tm continuado a registrar os mesmos delitos. E s melhorar, proporo que os costumes se forem modificando em bem do msero escravo, tornando-lhe mais suportvel ou menos intolervel o cativeiro, e finalmente abolindo-se a escravido. Esta mancha negra da nossa sociedade estendeu-se legislao, e denegriu algumas de suas pginas, quando sem isto o nosso Cdigo Penal um dos mais perfeitos dos tempos modernos (Malheiro, 1976, Parte I: 47). A anlise do direito escravista era imprescindvel para a conduo prudente, porm inexorvel, do processo de abolio gradual da escravatura. Perdigo Malheiro possua a convico de que a transio do trabalho escravo para o trabalho livre deveria ser realizada gradualmente. A idia que intenta a homogeneizao dos conflitos entre senhor e escravo, pressupondo, antes de tudo, a metamorfose necessria do cativo de inimigo a amigo do privado e do pblico, deveria ser implantada por intermdio de medidas graduais, pois se fossem abruptas poderiam desorganizar - econmica e politicamente - as famlias proprietrias e o Estado monrquico.
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Aquela idia o centro da teoria emancipacionista. Ao refletir sobre os motivos que desencadearam as oposies ao projeto do diplomata, gegrafo e historiador Jos Maria da Silva Paranhos Jnior (1845-1912), baro do Rio Branco sustentculo da Lei do Ventre Livre de 1871 -, Rui Barbosa de Oliveira (1849-1923) descreveu a sua viso do discurso que acompanhava certos espcimes de emancipadores desde a independncia poltica do Brasil. Amparados por argumentos que aparentemente espelhavam a realidade econmica, social e poltica da nao, os emancipadores eram acusados pelo futuro lder da Campanha Civilista (1910) de mistificadores: a verdadeira situao do pas era produzida pelos supostos sofistas com raciocnios falsos e capazes de perpetuarem o escravismo. A descrio de Rui Barbosa procurava identificar os sofistas da instituio escravocrata: um sofisma que se revigorava ao vaticinar a enorme desorganizao social, poltica e econmica que cairia sobre o pas se a abolio fosse imediata. Entre os prfidos sofistas identificados por Rui Barbosa, estava o jurisconsulto notvel, Agostinho Marques Perdigo Malheiro (Barbosa, 1988: 59-70). A despeito da crtica rusta, realizada no calor da campanha abolicionista dos anos 80 do sculo XIX, a prudncia recomendada por Perdigo Malheiro para a conduo da questo abolicionista era um elemento importante dos debates intelectuais e polticos fundados desde a Assemblia Geral Constituinte e Legislativa do Imprio do Brasil (1823). Podemos encontrar uma referncia importante dessas controvrsias no projeto encaminhado citada assemblia pelo estadista, naturalista e poeta brasileiro Jos Bonifcio de Andrada e Silva (1763-1838). Ao descrever a condio do escravo transformado em inimigo domstico, Jos Bonifcio patenteou a noo do escravo inimigo das famlias proprietrias e do Estado. Para debelar esses agentes corruptores das esferas privada e pblica, tornava-se indispensvel a introduo de medidas graduais que os elevassem, pela razo e pela lei, da condio de escravos de homens livres e ativos, propondo a disseminao da religio crist entre os cativos e o aumento dos seus direitos civis e domsticos (Andrada e Silva, 1998, p. 63-4). Essas questes perduraram at o ltimo quartel do sculo XIX e as citadas propostas de Jos Bonifcio refletiam uma realidade social e racial que exclua os escravos da comunho poltica, dos cargos pblicos, do exrcito de qualquer direito de semelhante ordem, de qualquer participao da soberania nacional e do poder pblico (Malheiro, 1976, Parte I: 36).
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A questo do escravo contida na Lei Criminal (Penal e de Processo) utilizada por Perdigo Malheiro para enfatizar a seguinte assertiva: se o proprietrio de escravos impunido, torna-se notria a existncia de uma legislao excepcional contra o escravo, sobretudo em relao ao senhor. Um dos aspectos dessa legislao excepcional se refere incapacidade do cativo ser testemunha, apesar de existirem algumas excees que o permitia estar em juzo. O escravo negro estava juridicamente impedido de acusar o senhor das inmeras sevcias que este lhe impunha, tendo em vista que a elite proprietria se apoiava numa legislao que lhe permitia a utilizao da pena de morte e dos aoites para as punies reservadas aos cativos que cometessem alguns delitos contra o senhor, sua famlia e agregados. O Cdigo Criminal - pela sua Lei Excepcional de 10 de junho de 1835 - pode evidenciar o absoluto controle que a camada senhorial exercia sobre a legislao. Sero punidos com a pena de morte os escravos ou escravas, que matarem por qualquer maneira que seja, propinarem veneno, ferirem gravemente, ou fizerem qualquer outra grave ofensa fsica, a seu senhor, a sua mulher, a descendentes ou ascendentes que em companhia morarem, a administrador, feitor, e s suas mulheres que com eles viverem. Se o ferimento e ofensa fsica forem leves, a pena ser de aoites, proporo das circunstncias mais ou menos agravantes6. Nesse cenrio em que o delito do escravo era punido com a morte e o aoite, a resistncia do cativo estava supostamente apoiada na astcia, na traio e no sangue frio para cometer um assassinato calculado, recorrendo amide dissimulada prtica assassina do envenenamento gradual (Mattoso, 1982: 156-7). Em 1869, Joaquim Manoel de Macedo publicou o livro de novelas intitulado As vtimas-algozes: quadros da escravido. Nas trs novelas que compem o livro, o autor procurou retratar a angstia da camada senhorial em relao s diversas formas assumidas pela resistncia cativa (Macedo, 1991). Escritas a partir da perspectiva ideolgica dos senhores de escravos e em pleno fastgio da crise que extinguiu a escravido e a monarquia, as novelas-libelo de Joaquim Manoel de Macedo indicavam o aumento da violncia nas relaes cotidianas entre senhores e cativos, e a conseqente intensificao do temor do perigo negro entre a elite proprietria.
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Almejando - a exemplo de Jos Bonifcio e Perdigo Malheiro - a homogeneizao dos conflitos entre senhores e escravos, Joaquim Manoel de Macedo defendeu reformas graduais na instituio escravocrata, as quais poderiam se constituir num importante elemento propulsor do incipiente processo de modernizao em curso no Imprio brasileiro da segunda metade do sculo XIX. A emancipao dos escravos deveria ser controlada pela elite proprietria, indenizando-se tanto a camada senhorial dos possveis prejuzos que a abolio poderia lhes causar como introduzindo mquinas que substitussem a mo-de-obra compulsria e os antigos mtodos de plantio. Por outro lado, emerge das novelas-libelo de Joaquim Manoel de Macedo a idia do escravo inimigo do privado e do pblico. O romancista solicitou ao leitor o esquecimento das insurreies escravas ocorridas em outras partes da Amrica como a comandada pelo lder negro Fraois-Dominique Toussaint LOverture (17431803) no Haiti -, advertindo-lhe que narraria as caractersticas do inimigo que habita nossas casas e nossas fazendas (1991: 5)7. Essas caractersticas se traduziam, principalmente, na corrupo que a instituio escravocrata impunha aos padres morais da camada senhorial, transformando-se num dos principais fatores que configuravam o cativo como um inimigo privado e pblico. No citado projeto de Jos Bonifcio era demonstrada, igualmente, a preocupao da elite proprietria com aquele tipo de corrupo. Que educao podem ter as famlias, que se servem desses infelizes, sem honra nem religio? De escravas, que se prostituem ao primeiro que as procura? Tudo porm se compensa nessa vida; ns tiranizamos os escravos, e os reduzimos a brutos animais, e eles nos inoculam toda a sua imoralidade, e todos os seus vcios (Andrada e Silva, 1998: 53). Em Lucinda, a mucama - derradeira novela-libelo do citado livro de Joaquim Manoel de Macedo - a bela Cndida, filha de um importante negociante chamado Florncio da Silva (ldimo representante dos proprietrios territoriais e detentor de uma poderosa e legtima influncia eleitoral em sua comarca), estimulada por Lucinda a contrair relaes ilcitas no terreno amoroso, fato que a desmoralizou perante a sociedade proprietria de sua poca. Lucinda conduz a sua senhora pelas veredas dos vcios, inoculando-os
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Segundo o romancista, o referido inimigo era produzido pela prpria instituio escravocrata, j que o escravo era o homem que nasceu homem, e que a escravido tornou peste ou fera.
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paulatinamente em sua vtima. Todavia, a virtude e a moral de Cndida foram restitudas por Frederico, que ao se casar com a moa, deu com o seu nome a Cndida uma gide que a ps a salvo dos botes de injuriosas suspeitas, enquanto a culpa pelos infortnios de sua esposa recaiu pesadamente sobre os ombros de Lucinda. No desfecho da novela-libelo, existe a descrio de um dos aspectos assumidos pelas penas aplicadas aos delitos do escravo. No caso da infeliz mucama, o dilogo entre o agente de polcia e Frederico expressava algumas peculiaridades do domnio que a elite proprietria procurava impor ao cativo, oferecendo o tom da crtica daquela elite corrupo que o cativeiro causara aos arqutipos morais dos senhores escravocratas. rvores da escravido, deram seus frutos. Quem pede ao charco gua pura, sade peste, vida ao veneno que mata, moralidade depravao, louco. Dizeis que com os escravos, e pelo seu trabalho nos enriqueceis: que seja assim; mas em primeiro lugar donde tirais o direito da opresso? ... Em face de que Deus vos direis senhores de homens, que so homens como vs, e de que vos intitulais donos, senhores, rbitros absolutos?.... E depois com esses escravos ao p de vs, em torno de vs, com esses miserveis degradados pela condio violentada, engolfados nos vcios mais torpes, materializados, corruptos, apodrecidos na escravido, pestferos pelo viver no pantanal da peste e to vis, to perigosos postos em contacto convosco, com vossas esposas, com vossas filhas, que podeis esperar desses escravos, do seu contacto obrigado, da sua influncia fatal?... Oh! Bani a escravido!... A escravido um crime da sociedade escravagista, e a escravido se vinga desmoralizando, envenenando, 1991: 314). As associaes do personagem de Joaquim Manoel de Macedo - as quais vinculam o escravo peste, vileza, depravao e ao veneno que mata - podem ser consideradas algumas das vises construdas pelo imaginrio europeu para designar os atributos morais dos povos colonizados. Um exemplo desse fato est contido na pea teatral de William Shakespeare, intitulada (Shakespeare, s.d.: 29-104). A Tempestade Escrita entre 1611 e 1612 - em plena vigncia do desonrando, empestando, assassinando seus opressores. Oh! Bani a escravido! Bani a escravido!... (Macedo,
colonialismo mercantilista -, a composio shakespeareana narra a relao entre o sbio duque milans banido, Prspero, e o habitante de uma ilha mtica, Calib,
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filho da bruxa Sicorax. Convivendo, inicialmente, na mesma cela de Prspero e de sua filha Miranda, Calib tentou desonrar a moa, com o intuito de povoar a mtica ilha com Calibs. Frustrado em seu intento pela interveno de Prspero, Calib foi preso a uma rocha, ficando impossibilitado de se locomover pela ilha como bem lhe aprouvesse. Aps ser considerado um escravo venenoso pelo seu algoz, assim Calib exprimiu a viso do colonizado em face do colonizador: Esta ilha minha; herdei-a de Sicorax, a minha me. Roubaste-ma; adulavas-me, quando aqui chegaste; fazias-me carcias e me davas gua com bagas, como me ensinaste o nome da luz grande e da pequena, que de dia e de noite sempre queimam. Naquele tempo, tinha-te amizade, mostrei-te as fontes frescas e as salgadas, onde era a terra frtil, onde estril (...)Seja eu maldito por hav-lo feito! (...) Que em cima de vs caia quanto tinha de encantos Sicorax: besouros, sapos e morcegos. Eu, todos os vassalos de que dispondes, era nesse tempo meu prprio soberano. Mas agora me enchiqueirastes nesta dura rocha e me probes de andar pela ilha toda (s.d.: 49). Os dilogos subseqentes da pea parecem comportar alguns dos elementos essenciais que constituem a dialtica entre o senhor e o escravo no mundo moderno. O escravo volta contra o senhor as armas da mentira, do vcio, da imoralidade e da violncia, transformando-se num inimigo latente. Prspero se impe como a viso do agente civilizador que corrigir os costumes do vil escravo, dotando-lhe de razo ao ensinar-lhe a linguagem europia. Escravo abominvel, carecente da menor chispa de bondade, e apenas capaz de fazer mal! Tive piedade de ti; no me poupei canseiras, para ensinar-te a falar, no se passando uma hora em que no te dissesse o nome disto ou daquilo. Ento, como selvagem, no sabias nem mesmo o que querias; emitias apenas gorgorejos, tal como os brutos; de palavras vrias dotei-te as intenes, porque pudesses torn-las conhecidas. Mas embora tivesse aprendido muitas coisas, tua vil raa era dotada de algo que as naturezas nobres no comportam. Por isso, merecidamente, foste restringido a esta rocha, sendo certo que mais do que priso merecias (s.d.: 49-50).
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a resposta de Calib a esses argumentos de Prspero que parece oferecer a viso de conjunto da citada dialtica. O filho de Sicorax aprende a linguagem de Prspero, mas essa linguagem adquire uma determinada particularidade em Calib, sendo utilizada contra os desgnios do civilizador: A falar me ensinastes, em verdade. Minha vantagem nisso, ter ficado sabendo como amaldioar. Que a peste vermelha vos carregue, por me terdes ensinado a falar vossa linguagem. Aps essa imprecao de Calib, Prspero reafirmou com maior vigor o seu domnio sobre o escravo: caso negligencies ou faas de mau grado quanto estou a mandar, com velhas cibras a tratos ficars, cheios teus ossos de dores lancinantes, que te obriguem a rugir de tal modo, que at as feras ho de tremer tua gritaria (s.d.: 50). A necessidade do controle da fria do Calib de William Shakespeare se manifestou nas propostas polticas de Jos Bonifcio, nas novelas-libelo de Joaquim Manoel de Macedo e no ensasmo do jurista mineiro. Aquele furor estava expresso na corrupo que o cativo impingia aos padres morais da elite proprietria, transformando-o em inimigo do privado e do pblico. O controle daquela fria - na crtica jurdico-social da escravido de Perdigo Malheiro - poderia ser alcanado pela perspectiva do cativo adquirir personalidade jurdica. 5. Aquisio de personalidade jurdica e liberdade civil Intentando a metamorfose do escravo de inimigo a amigo do privado e do pblico, no intrito do primeiro volume do ensaio A Escravido no Brasil, Perdigo Malheiro contestou a excluso dos cativos da vida poltica e social. Negando que a escravido fosse obra do direito natural, mas uma fico do direito positivo - o ttulo do primeiro volume seria justamente O escravo ante as leis positivas e o liberto -, o jurista mineiro realizou uma anlise das infinitas relaes cveis que ligam os escravos entre si e com terceiros, nas questes cardeais de estado de liberdade ou escravido (Malheiro, 1976, Parte I: 33). Ao vedarem o acesso dos cativos e libertos ao exerccio de cargos pblicos e eclesisticos, a Lei Cannica e a Lei Civil no os reconheceram como cidados. Cativos e libertos estavam impossibilitados de pretenderem direitos civis, eclesisticos e polticos. De acordo com Perdigo Malheiro, o direito romano conferia ao senhor o jus dominii e o jus potestatis sobre os escravos. O senhor escravocrata possua a faculdade de maltratar ou matar impunemente o escravo, do mesmo modo que o poderia fazer com um animal que lhe pertencesse, ou outro
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qualquer objeto de seu domnio (1976, Parte I: 37). Na Roma antiga, o escravo estava destitudo de personalidade jurdica e submetido ao regime dos direitos patrimoniais, coisa (res). Um dominus tinha sobre os seus escravos o mesmo poder que o direito atribua ao proprietrio de uma coisa vulgar. O assassnio de um escravo era considerado um damnum domini. E as ofensas honra constituam um dano patrimonial do dominus, que dispunha das necessrias actinones para obter a correspondente indenizao (JUSTO, 1998: 24). O jus dominii e o jus potestatis foram restringidos pela Lei Cornlia (81 a.C.). Esta lei coibia a morte de um escravo alheio, se realizada intencionalmente, com as penas reservadas ao homicdio. A ampliao dessa lei se deu com o Imperador romano Tito Aurlio Flvio Boinio rrio Antonino Pio (86-161 d.C.), o qual determinava que o prprio senhor fosse punido com as referidas penas se matasse, sem justo motivo, um escravo de sua propriedade, alm de permitir que o escravo que sofresse sevcias ou ofensas ao pudor e honestidade, pudesse recorrer Autoridade a fim de obrigar o senhor a vend-lo bonis conditionibus, e sem que mais voltasse ao dito senhor (Malheiro, 1976, Parte I: 37). De autoria incerta - alguns a atribuem ao Imperador Nero Cludio Csar Augusto Germnico (37 d.C 68 d.C) e outros ao Imperador Caio Jlio Csar Octaviano Augusto (63 a.C. - 14 d.C) -, a Lei Petrnia proibia a venda dos escravos para o combate das feras nas arenas romanas. Ao arrolar a referida lei, Perdigo Malheiro realizou uma discusso acerca dos castigos e penas vigentes dos Cdigos Criminal e Penal do Imprio brasileiro. Defendendo o cumprimento das leis antigas e modernas, que tm formalmente negado, e negam aos senhores o direito de vida e morte sobre os escravos, o jurista mineiro indicou alguns elementos que configuravam as penas impostas aos libertos e cativos (1976, Parte I: 38). A Constituio do Imprio (1824) proibia a tortura e a marcao com ferro quente, sendo a pena de aoites formalmente abolida em 26 de junho de 1865.
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que
se
traduziam
na
propriedade
(dominium),
no
usufruto
Por outro lado, a Lei de 1 de outubro de 1828 dispunha que as Cmaras Municipais deveriam informar aos Conselhos Gerais da Provncia os casos de maus tratos infligidos aos escravos, ficando impossibilitadas pela mesma Lei de aplicarem as penas de palmatoadas e de aoites ao cativo que no fosse de sua propriedade, sem hav-lo processado com audincia do senhor (1976, Parte I: 41). Entretanto, Perdigo Malheiro observou que as referidas penas no eram aplicveis aos libertos condicionalmente, mas somente ao escravo enquanto escravo, j que aqueles libertos adquiriram algumas das caractersticas legais correspondentes ao statuliberi romano. O jurista mineiro definiu o carter oscilante da condio legal do statuliberi, pois no era servus nem libertinus, sendo considerado escravo at que fossem satisfeitas as exigncias que tinham por base ou a determinao do prazo ou alguma condio que deveria ser cumprida para o escravo alcanar a liberdade. A expresso statuliberi inexistia nas leis antigas ou modernas, sendo essa condio apenas citada como alforria condicional, que conduzia o statuliberi obteno de uma condio legal diferenciada do cativo (1976, Parte I: 114-21). Ao statuliberi romano era permitido estar em juzo, no estando sujeito s penas de aoites e torturas, que eram reservadas apenas aos cativos. Por outro lado, o jurista mineiro tambm citou a legislao escravista norte-americana anterior Guerra Civil, particularmente o Cdigo da Luisiana, o qual permitia ao statuliberi a aquisio do peclio, que deveria ser administrado por um curador at que ele o possa fazer por si (1976, Parte I: 120). Todavia, Perdigo Malheiro rejeitou tanto as fices do direito romano como a legislao escravista do sul dos Estados Unidos em relao ao statuliberi. Aquelas legislaes estavam impregnadas dos costumes e idias daqueles povos, no devendo ser adotadas rigorosamente para se tratar da condio legal peculiar ao statuliberi localizado no territrio do Imprio brasileiro. O jurista mineiro defendia que o statuliberi teria que ser considerado liberto, ainda que condicionalmente, afastando a noo de que ele seria escravo, uma vez que j lhe havia sido restituda a sua natural condio de homem e personalidade. Ainda, ao liberto condicionalmente, deveria ser permitida a aquisio do peclio, como se esse fosse menor de idade, no podendo ser aoitado ou torturado, ser processado como escravo, respondendo pessoal e diretamente pela satisfao do delito como pessoa livre. Por outro lado, os filhos de mes que possuam a condio de libertas condicionalmente (statulibera), seriam livres como livre o ventre (1976, Parte I:
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120-1). Perdigo Malheiro conferiu ao statuliberi a condio dos menores e dos interditos, das pessoas privadas da possibilidade de reger os seus direitos e bens, apontando a existncia de um contrato - ou um quase-contrato - que regularia a condio dos libertos condicionalmente, pois esses teriam obrigaes de dependncia at serem livres e poderem exercer a sua liberdade civil. A condio legal do statuliberi se diferenciava da condio do obnoxius. O obnoxius, na Roma antiga, estava sujeito aos castigos e punies ininterruptas, e obrigado legalmente a estar in potestate domini em relao aos senhores. A principal caracterstica que diferenciava o statuliberi do escravo enquanto escravo era justamente a subordinao do ltimo ao poder (potestas) do senhor, e alm disto equiparado s coisas por uma fico da lei enquanto sujeito ao domnio de outrem, constitudo assim objeto de propriedade, no tem personalidade, estado. pois privado de toda a capacidade civil (1976, Parte I: 58). No Corpus Iuris Civilis, publicado entre 529 e 534 pelo imperador bizantino Flvio Pedro Sabcio Justiniano (483-565), Justiniano I, o conceito de liberdade civil sempre definido em oposio ao conceito de escravido. O historiador e cientista poltico ingls Quentin Skinner, ao analisar o Corpus Iuris Civilis, cita o exemplo do escravo Tranio - personagem da comdia Mostellaria, do dramaturgo romano Tito Mcio Plauto (254-181 a.C.) - para demonstrar que nem sempre os escravos estavam sujeitos violncia fsica direta dos senhores, colocando s avessas o relacionamento senhor-escravo e, especificamente, na habilidade de escravos engenhosos em eludir as implicaes da prpria escravido. Todavia, mesmo que em alguns casos os cativos conseguissem se manter distantes da coao direta e, portanto, capazes de agir vontade, suas aes estavam circunscritas aos limites impostos pelo poder dos seus senhores (SKINNER, 1999: 42-3). A ausncia de liberdade civil em relao ao escravo enquanto escravo norteou a anlise de Perdigo Malheiro sobre a questo do cativo adquirir personalidade jurdica, afastando a noo do escravo como coisa (Malheiro, 1976, Parte I: 49). Nesse cenrio, o jurista manteve uma interlocuo com a Consolidao das Leis Civis (1855), indicando que aquela consolidao exclua as determinaes relacionadas ao estatuto dos escravos. O seu autor, o jurisconsulto Augusto Teixeira de Freitas (1816-1883), reservou as normas relativas aos escravos e escravido para um Cdigo Negro, o qual estava organizado guisa de notas aos artigos constantes no corpo principal do Direito Civil.
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Cumpre advertir que no h um s lugar do nosso texto, onde se trate de escravos. Temos, verdade a escravido entre ns; mas esse mal uma exceo que lamentamos, e que j est condenado a extinguir-se em uma poca mais ou menos remota; faamos tambm uma exceo, um captulo avulso, na reforma das nossas leis civis, no as maculemos com disposies vergonhosas que no podem servir para a posteridade; fique o estado de liberdade sem o seu correlativo odioso. As leis concernentes escravido (que no so muitas), sero pois classificadas parte, e formaro o nosso Cdigo Negro (Freitas apud Saes, 1985: XI). A mencionada interlocuo ocorreu num cenrio em que o estancamento do trfico africano e a proliferao das revoltas escravas conduziam o debate sobre a transformao do cativo em sujeito e objeto de delito. A elite proprietria teve que reconhecer a personalidade jurdica do escravo no interior do direito criminal, pois estava diante da carncia de braos escravizados para o trabalho e do aumento das revoltas e violncias cotidianas protagonizadas pelo cativo. Assim, para figurar no direito criminal, o escravo teria que adquirir personalidade jurdica - questo essa que se apresentara inclusive no direito criminal romano (Justo, 1998: 31). considerar o escravo enquanto persona, Perdigo Malheiro se apoiou Ao no
cristianismo, reafirmando o princpio transcendente de que todos os homens nascem livres ao dialogar com uma corrente de pensamento que pressupunha que a escravido tivesse sustentao no direito natural. Refutando o sistema escravocrata, utilizando a doutrina religiosa, Perdigo Malheiro empregava o conceito de cristianismo como a expresso mxima da civilizao ocidental moderna. As conquistas do pensamento, o progresso da jurisprudncia e das
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leis,
bem
como
da
filosofia, direitos
iluminadas do
pelas
doutrinas e da
do sua
cristianismo, firmaram a grande vitria da dignidade humana, do reconhecimento dos absolutos homem, verdadeira natureza (...) Em todos os tempos tm havido quem pense a favor da escravido, defendendo-a como instituio no reprovada pela filosofia, pelo Direito Natural, e ao contrrio conforme a ele; que h escravos por natureza, como entes inferiores aos senhores (...) No nosso sculo pois, e talvez entre ns mesmos, h quem pense do modo exposto, e que os negros so destinados a servir aos brancos, e portanto escravos por natureza (Malheiro, 1976, Parte III: 69-71). Ao negar a coisificao do escravo - em nome do direito natural-, Perdigo Malheiro foi considerado uma referncia intelectual importante para os diversos autores que refletiram sobre o tema da escravido e dos limites da cidadania democrtica no Brasil em dcadas posteriores. OBRAS DE AGOSTINHO MARQUES PERDIGO MALHEIRO A Escravido no Brasil: Ensaio Histrico, Jurdico, Social. 3. ed. Petrpolis: Editora Vozes, 1976. Actas das Conferencias do Instituto no anno de 1859. In: Revista do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros (Publicao Trimensal). Rio de Janeiro: Typographia Perseverana, jul. dez. 1867. Anno VI, Tomo V, p. 407-18. Actas das Conferencias do Instituto nos annos de 1860 e 1861. In: Revista da Ordem dos Advogados Brasileiros (Publicao Trimensal). Rio de Janeiro: Typographia Perseverana, jul. dez. 1867. Anno VI, Tomo V, p. 514-68. Actas das Sesses de 1851 do Instituto Historico e Geographico Brasileiro. In: Revista do Instituto Historico e Geographico Brazileiro. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1851, p. 461-96. Actas das Sesses de 1860 do Instituto Histrico e Geographico Brasileiro. In: Revista Trimensal do Instituto Historico Geographico e Ethnographico do Brasil. Rio de Janeiro: Typographia De Domingos Luiz dos Santos, 1860. Primeiro Trimestre, Tomo XXIII, p. 602-59. Comentrio a Lei n. 463 de 2 de setembro de 1847 sobre sucesso dos filhos naturaes e sua filiao. Rio de Janeiro: Laemmert, 1857. Comentrio a Lei n. 463 de 2 de setembro de 1847. Rio de Janeiro: Laemmert, 1857. Discurso proferido pelo Presidente do Instituto na Abertura do 23 Anno das Conferencias. In: Revista do Instituto da Ordem dos Advogados Brazileiros. Rio de
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RESUMO: O presente artigo analisa algumas das propostas de reformas na instituio escravocrata propugnadas pelo intelectual e poltico liberal Agostinho Marques Perdigo Malheiro (1824-1881). A defesa de uma reforma intelectual e moral da sociedade consubstanciada na universalizao da instruo e a contestao da representao legal do escravo como inimigo domstico e pblico eram temas centrais de um projeto de futuro que visava implantar ampla liberdade civil no Brasil monrquico da segunda metade do sculo XIX. PALAVRAS-CHAVE: Perdigo Malheiro; Pensamento Poltico e Social no Brasil; Escravos: aspectos polticos e sociais.
* Carlos Henrique Gileno mestre em Sociologia e doutor em Cincias Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professor assistente do
Departamento de Antropologia, Filosofia e Poltica do curso de Cincias Sociais da Faculdade de Cincias e Letras da Universidade Estadual Paulista (Unesp, campus de Araraquara). Atua na rea de Pensamento Poltico e Social no Brasil. autor do livro Lima Barreto e a condio do negro e do mulato na Primeira Repblica (18891930). So Paulo: Editora Annablume, 2010. Email: [email protected].
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