Jose Luis Fiori - O Consenso de Washington
Jose Luis Fiori - O Consenso de Washington
Jose Luis Fiori - O Consenso de Washington
Palestra proferida pelo professor Jos Lus Fiori (UFRJ) Local: Centro Cultural Banco do Brasil Data: 04 de setembro de 1996 Patrocnio: Federao Brasileira de Associaes de Engenheiros - FEBRAE
Quando fui convidado para falar sobre O Consenso de Washington e aceitei, foi porque percebi logo que, na hora do convite, o interesse era o de se falar sobre uma poca e no propriamente sobre o consenso ou o que seja o consenso, o que no quer dizer que eu no vou dizer a vocs o que entendo do consenso. Afinal, do que se trata? Com certeza, no uma coisa complicada. Eu escrevi alguns artigos onde aparecia essa expresso e houve um momento em que um amigo me disse assim: Fiori, se voc no se cuidar, voc vai ficar sendo conhecido por Jos Lus Consenso de Washington Fiori. A, eu disse: no falo mais desse assunto. At porque a expresso no minha, enfim... Pretendo, aqui, abordar trs temas: Consenso de Washington, Construo da matriz neoliberal e Polticas para a Amrica Latina. Devo, aqui, fazer o lamentvel papel do contraponto. Durante uma semana, nesse seminrio, vocs ouviram falar de desenvolvimento, revoluo, socialismos frustrados ou no, guerrilhas, atos hericos, enfim, de um continente que, durante 40 anos, sonhou com o crescimento econmico e com a igualdade social, e coube a mim, porque o que se esconde atrs dessa expresso to simples e to misteriosa: Consenso de Washington, mas, venho falar de uma poca onde a Amrica Latina deixou de se preocupar com a igualdade, deixou de se preocupar com o crescimento, deixou de ser heri. Ento, para efeito didtico de nossa conversa eu vou dividi-la em trs tpicos: o Consenso de Washington, a Construo da matriz neoliberal e como que esse negcio chega na Amrica Latina. E, sempre que possvel, tentarei ir pautando o desenvolvimento desses temas na forma de perguntas e respostas, porque eu acho que facilita a compreenso e facilita conversas posteriores.
O que , afinal, esse Consenso de Washington? Para quem no o conhece (quem o conhece me desculpe por reapresent-lo), em primeiro lugar, deixemos claro que no se trata de nenhum tipo de maonaria, nenhum tipo de conspirao internacional, porque vrias pessoas j disseram pela imprensa (ou acusaram a quem usou a expresso) de ter uma viso conspiratria da histria, como se esse consenso fosse uma macroorganizao clandestina que gerisse ou manejasse os instrumentos de poder mundial. No, no nenhuma maonaria nem nenhuma conspirao, no o resultado de um pacto e tambm no resultado de reunies de organizaes formais de nenhum organismo de poder internacional ou mesmo nacional norte-americano. Ento, o que ? Trata-se de uma expresso quase acadmica porque foi cunhada por um acadmico, foi cunhada por um economista, o Sr. John Williamson, um economista menor, sem grande expresso. Em 1989,o International Institute for Economy, funciona em Washington, que faz parte de uma rede so centros de "pensao" - onde h intelectuais pensando na perspectiva do poder - no vou usar a servio do poder porque vai parecer que estou acusando os caras de vendidos - no, eles esto ali pensando, a mdio e longo prazos, a perspectiva de poder do pas deles, de ser comum. E, evidentemente, como Washington a capital do livre imprio que restou nesse mundo, bvio que exista uma rede que rene crebros de altssima qualidade; esses institutos recebem tambm, permanentemente, a visita de polticos, de intelectuais e autoridades que circulam pelo mundo, que vo queles institutos para atualizar suas cabeas, informar-se sobre os ltimos dados e, eventualmente, passar algumas informaes mais atualizadas sobre as suas provncias imperiais. Mas, no digo com maldade. Sempre foi assim, em todos os imprios e assim nessa situao imperial que estamos vivendo. Pois bem, esse instituto do Sr. John Williamson promoveu, em 1989, uma reunio cujo objetivo era discutir as reformas necessrias para que a Amrica Latina sasse da dcada que alguns chamaram de perdida, da estagnao, da inflao, da recesso, da dvida externa e retomasse o caminho do crescimento, do aumento da riqueza, do desenvolvimento, quem sabe at - Deus quisesse - da igualdade. Nessa reunio, o Sr. John Williamson publicou um "paper" onde cunhou essa expresso. Os resultados dessa reunio foram publicados em livro, em 1990.
Esse livro se espalhou e espalhou-se essa expresso. E, posteriormente, ele mesmo, John Williamson, tentou explicar o que queria dizer com essa expresso: "eu fiz, apenas, uma lista das polticas e das reformas que esto sendo requeridas na Amrica Latina, em conjunto, consensualmente, pelos principais centros e crculos de poder sediados na cidade de Washington ". Em poucas palavras, o que John Williamson estava dizendo em seu "paper" era que a rede onde circulavam essas idias - no o governo norte-americano, no o FMI, no o Congresso norte-americano. No, no, no fundo, h uma rede de burocracias relevantes para o comando e coordenao da poltica econmica mundial dos EUA e para cuidar da Amrica Latina. E, hoje, aparentemente, de uma maneira surpreendente, os institutos formadores daquela rede tm as mesmas idias. um fenmeno admirvel. As principais burocracias econmicas do Tesouro norte-americano: o FAD, o FMI, o BID, o BIRD e, at um pouco as Naes Unidas; a academia que gira em torno de Washington, o que que eu percebo, disse John Williamson? Olho para todos os lados, leio, sinto e percebo que todos esto pensando a mesma coisa, isto , todos esto propondo a mesma coisa. H uma forte convergncia. E no foi sempre assim. Ateno, no foi sempre assim. Ento, essa a primeira coisa que John Williamson percebeu: "em Washington todos esto pensando que na Amrica Latina todo mundo tem de fazer a mesma coisa". Alis, no s a Amrica Latina, o Consenso de Washington diz respeito viso norte-americana sobre a conduo da poltica econmica, sobretudo nos pases perifricos, no mundo inteiro, mas, obviamente, de forma muito mais direta para os pases da Amrica Latina que, naquele momento, eram os pases mais endividados, situados embaixo da zona de hegemonia, de supremacia norte-americana. isso que ele chamava de Consenso de Washington. O consenso era entre essas coisas. Congresso, burocracias, burocracias internacionais, a h um acordo sobre o que? Quais eram as idias do acordo que ele percebia? Ele dizia: "eu dividiria o que sinto, pressinto e leio como um grande consenso em trs planos: no primeiro plano, de ordem macroeconmica, h um acordo completo entre todas as agncias econmicas, que todos esses pases perifricos esto, no momento, sendo convencidos a aplicar um programa em que lhes requerido um rigoroso esforo de equilbrio fiscal, austeridade fiscal ao mximo, o que passa inevitavelmente por um
programa de reformas administrativas, previdnciarias e fiscais, e um corte violento no gasto pblico". O que que ele descobria no plano macroeconmico? H um acordo entre todas essas agncias com relao a que esses pases perifricos deveriam buscar a estabilizao monetria, porque a prioridade numero 1 a estabilizao e a poltica fiscal tem que ser submetida poltica monetria. A segunda coisa que percebo, que toda essa gente est pensando: que esses pases devem fazer polticas monetrias rigidssimas, porque a prioridade numero 1 a estabilizao e a poltica fiscal tem que ser submetida poltica monetria. Esse era o primeiro pacote: estabilizar necessrio. E para estabilizar, necessrio uma poltica fiscal austera, com cortes, corte de salrios dos funcionrios pblicos, demisses, flexibilizao do mercado de funcionrios pblicos, corte das contribuies sociais, reforma da previdncia social. A segunda ordem de propostas e reformas, que estava naquele "consenso", para usar a palavra de ordem deles, eu diria que so de ordem microeconmica: preciso desonerar fiscalmente o capital para que ele possa aumentar a sua competitividade no mercado internacional, desregulado e aberto. Ento, o nico caminho de as pequenas empresas situadas nos pases da periferia entrarem nesse jogo seria por aumento de competitividade, o que passaria por desonerao fiscal, flexibilizao dos mercados de trabalho, diminuio da carga social com os trabalhadores, diminuio dos salrios. A terceira ordem de coisas que o consenso propunha: nada disso ser possvel se ns no desmontarmos, radicalmente, o modelo anterior que houve nesses continentes, um modelo perverso, que funcionou mau, s fez porcarias, que o tal do modelo de importao de industrializao por substituio de importaes, que um conceito pessimamente usado. Nessa direo, quais so as propostas? As propostas esto no pacote das reformas estruturais, que foram chamadas em algum momento de reformas institucionais e, em alguns pases, de reformas condicionais. Quais so? Primeiro, desregulao dos mercados, sobretudo o financeiro e o do trabalho. E isso j foi feito em quase todos os pases da Amrica Latina. Segundo, privatizao, de preferncia selvagem.
Terceiro, abertura comercial. Quarto, garantia do direito de propriedade, sobretudo na zona de fronteira, isto , nos servios, propriedade intelectual etc. Pois bem, a verdade que esse pacote que o Sr. John Williamson descobriu, em Washington, no difcil de ser identificado. Quer dizer, pelo caminho imposto pela renegociao da dvida externa ou pelo caminho imposto pelas condicionalidades para se conseguir emprstimo no sistema financeiro internacional, a verdade que os rgos multinacionais e o sistema bancrio privado, progressivamente, colocaram como condio de reintroduo de uma Amrica Latina, que havia sido afastada pela dvida externa do sistema financeiro internacional, que ela s reingressaria ao sistema se botasse em prtica essas polticas. No se trata propriamente de uma imposio imperial, nem de uma conspirao, trata-se de um condicionamento comercial explcito. Quer dizer, no h confiana para emprestar dinheiro a quem no tenha o oramento fiscal equilibrado, no tenha uma moeda estvel, no tenha economia aberta, os mercados financeiros desregulados, o comrcio desprotegido e o estado diminudo ao mnimo. O que que John Williamson descobriu? Eu diria, muito curta e simplesmente, que, nos principais centros de poder de Washington, havia-se desenhado um programa compacto de polticas e reformas perfeitamente alinhadas com a hegemonia dominante dos pases centrais, desde o incio dos anos 80, isto , um programa neoliberal traduzido para a Amrica Latina como liberal. isso, o Consenso de Washington no uma conspirao. Foi um professor de economia, medocre, que olhando ali, em Washington, disse: u! ei! ateno! Todo mundo est dizendo a mesma coisa! E qual essa mesma coisa que todos esto dizendo? que a Amrica Latina no vai para frente se no fizer isso, isso, isso e isso. Duas constataes: Um: surpreendentemente, na altura de 1990/1991, para quem quiser se debruar sobre a Amrica Latina como vocs esto fazendo, descobrir: , meu Deus, todos os pases esto fazendo igual. (risos...) Ou a pergunta: como que chegaram a esse tremendo consenso latino-americano? Dois: esse pacote que esse senhor descobriu no nada mais nada menos do que a verso construda, nesses organismos internacionais, ou a traduo do programa de idias neoliberais, que havia sido trazido e hegemonizado do Primeiro Mundo, a partir da vitria da nossa maravilhosa dama de ferro, a Sra. Thatcher.
Segundo tpico: chega de consenso. No h muito mais o que dizer sobre o tal do consenso. E tambm no procurem muito porque no vo encontrar. O fundamental no o Consenso de Washington, mas, sim, o que est por trs do tal consenso, isto , apenas o Consenso de Washington como uma espcie de expresso emblemtica de uma era, de uma poca. Que poca essa? A poca em que venceu, se construiu e venceu, do ponto de vista ideolgico, a matriz neoliberal, que paralela poca em que avanou clere o que outros economistas chamam de processo de globalizao financeira. Como se formou essa matriz neoliberal? Essa, sim, uma pergunta um pouco mais complicada de se responder. Para enfrentar o segundo tpico do tema dessa nossa conversa, fundamental fazer um brevssimo flashback, do tipo histrico, para que possamos acompanhar, minimamente, o movimento decisivo da ascenso poltica ideolgica neoliberal. Vamos por partes, para descobrir como o consenso keynesiano foi, de repente e, milagrosamente, atropelado e, aparentemente, vencido facilmente, por esse novo consenso, o Consenso de Washington, no h como no retroceder ao momento em que hoje, todos os analistas e historiadores j consideram (....risos e falas incompreensveis). Eu diria que j h poucos historiadores e analistas que no se sintam, com relao ao reconhecimento, de que, entre 1968 e 1973, ocorreram um conjunto de fatos, nos planos ideolgicos, militar e econmico, que acabaram provocando uma verdadeira ruptura histrica na trajetria dessa segunda metade do sculo. Por volta de 1968, isto , do ponto de vista de referncias mais visveis, digamos assim, entre a revoluo de maio dos estudantes e dos sindicatos, em Paris, e o fim do padro dlar, para usar duas coisas bem, aparentemente, desconectadas, estava-se fazendo uma rachadura na histria contempornea. E a verdade que, a partir de 73, o mundo central, e entenda-se por mundo central a reunio dos pases mais ricos e ns, paulatinamente, depois, mas, agora estarei falando do mundo central. Esse mundo entra em crise, esse mundo perde suas referncias anteriores e entra numa longa transio, que ainda no acabou nem se sabe como acabar, e estamos em 1996. O importante para ns, entretanto, relembrar quais foram as referncias perdidas e o que ficou para trs. Como essa ruptura? Eu diria que o que ficou para trs foi uma era muito especial do
sculo 20 e, talvez, da histria moderna. Uma era muito especial no plano da histria econmica, poltica e social da humanidade. O perodo que vai do fim da segunda guerra mundial at 1973 o que, quase todos hoje, chamam de a era de ouro do capitalismo. E a era de ouro da democracia. E a era de ouro desses pases do ponto vista do avano dos patamares possveis de igualdade social. Nesse perodo, como se acontecesse um milagre, porque cada vez mais se parece um milagre, durante alguns anos, todos ns pensvamos, ser uma conjuntura ruim e voltaremos para l, mas, quanto mais os anos passam mais parece que aquilo foi completamente excepcional na histria do capitalismo. O que que aconteceu ali? A economia cresceu continuamente e a taxas muito altas e universais ou quase universais. Ns tambm crescemos aqui no sul. E os pases socialistas, que, hoje, esto em degradao econmica e social, cresceram mais do que ningum nesse perodo. Houve aumento da produtividade do trabalho. Houve pleno emprego. Houve crescimento da renda per capita. Constituiu-se o sistema de proteo social e solidariedade republicana mais sofisticado que a humanidade j conseguiu construir. E conseguiu-se manter funcionando os sistemas democrticos com participao macia da populao por meio da intermediao dos partidos polticos. Pois bem, essa era de ouro do capitalismo, muito rapidamente, eu diria, esteve sustentada e vou dizer quais os pilares em que acho que esteve sustentada, porque quero mostrar, exatamente, a hora em que a coisa neoliberal avana. Pois que essa uma era rigorosamente antineoliberal. uma era, do ponto de vista ideolgico, predominantemente social-democrata ou keynesiana, como dizem alguns. Pr -73: a, os grandes objetivos que a humanidade se colocou foram: crescimento, eqidade e pleno emprego. E vocs vero mais l na frente, quando venceram as idias do neoliberalismo, que os objetivos sero outros. Sero equilbrio macroeconmico, eficincia e competitividade. Completamente diferentes. Mas, nessa hora, dos anos 50/70, eu diria que foi possvel esse sucesso, e j penso nisso e jogo isso, na nossa conversa, para, inclusive, refletir se h possibilidade, no futuro, de voltarmos a fazer esse milagre.
Em primeiro lugar, porque houve uma espcie de grande consenso ideolgico promovido pelo prprio efeito da guerra, da social- democracia e dos liberais keynesianos, em torno a esses objetivos dos quais lhes falei. Em segundo lugar, mesmo os liberais dessa poca, reconheceram a necessidade e a indispensabilidade de um papel ativo do estado, nos pases centrais, no controle das crises econmicas, e nos pases perifricos, no comando do desenvolvimento. Em terceiro lugar, esta poca esteve assentada em um pacto implcito, explcito e, rigorosamente, antiliberal; entre o capital, o trabalho e o estado, que se chamou, na poca, de neocorporativismo. Em quarto lugar, esse pacto, esse grande acordo, foi possvel graas, sem dvida nenhuma, existncia de uma ordem mundial, poltica, ideolgica, que bipolar, conflitiva e, ao mesmo tempo, de uma ordem econmica, do lado ocidental, do outro lado capitalista, perfeitamente regulada pelos acordos de Bretton Woods, e, perfeitamente, conduzida pelo comportamento hegemnico dos EUA, que, durante esse tempo, por generosidade ou por interesse, pensou os interesses dos outros seus pares antes de pensar os seus prprios. Os senhores podem dizer que, nesse momento, os EUA tinham tanto poder que se podia dar a essa generosidade, como vocs podem achar. Que nesse momento, seu medo do mundo comunista era to grande que foi impelido a essa generosidade. D no mesmo; d no mesmo. Pois bem, se era assim, o que passou em torno de 73 que rompeu esse mundo de sucesso? Alguns fatos e conseqncias importantes: eu destacaria, muito rapidamente, em primeiro lugar, as revolues polticas e sindicais europias, isto , a rebelio dos sindicatos - fim do pacto, fim do pacto. Em segundo lugar, a derrota americana no Vietn e de Israel, parcial, na guerra do Ion Quipur e, como conseqncia, a formao da OPEP e a chantagem em torno do preo do petrleo, isto , o questionamento da hegemonia norte-americana. Em terceiro lugar, no plano econmico, o choque do preo do petrleo e o fim da paridade ouro/dlar, isto , o fim do Bretton Woods, o fim do acordo ps 2a guerra mundial. Como vocs podem ver, de uma s tacada, em trs anos, rompe-se o pacto do capital com o trabalho, pe-se em dvida a hegemonia militar norte-americana e entra ladeira abaixo a hegemonia econmica e o dlar norte-americanos. Como conseqncia, meus amigos, entre 73 e 80, a economia e a poltica mundial passam a ver uma situao de crise e instabilidade. Esse o perodo em que as coisas ficam completamente
destrambelhadas nas relaes entre as grandes potncias. Ns aqui em baixo, at que nos damos bem, o perodo em que aproveitamos e demos um salto no sentido industrializador. Mas, entre eles, digo entre eles as grandes potncias, a situao muito m. E eles passaram a viver, pela primeira vez, desde a 2a guerra mundial, um perodo de recesso prolongada: desacelerao do crescimento, aumento da inflao, aumento do desemprego, aumento do gasto pblico de natureza social e as polticas de estabilizao implementadas no funcionaram. Isso 73/79. esse impasse. esse impasse que explica a virulncia da virada conservadora, que ocorrera no mundo, exatamente, entre 1979 e 1982. O que que aconteceu ali nesses anos? No plano econmico sim, o segundo choque do petrleo os senhores sabem; mas, no plano da iniciativa norte-americana, o que alguns chamaram de a 2a guerra fria. Isto , colocar o mundo socialista contra a parede. E, em terceiro lugar, a subida da taxa de juros norte-americana e a revalorizao da moeda norte-americana. Isto : ei, parceiros e subalternos, ns estamos a fim de recompor a nossa supremacia nesse mundo. E o fizeram, e o fizeram, muitos seguiram falando de crise da hegemonia americana, at hoje falam. Mas, cada vez mais difcil dar ouvidos a essa discusso, dadas as dimenses que a presena norte-americana vai adquirindo no mundo, Pode-se discutir se supremacia, hegemonia, imprio, mas, isso perfeccionismo de intelectual. Po-po, queijo-queijo, h uma relao hierrquica de poder com um centro de poder nico no mundo, com baixa capacidade de contestao dos demais centros, quanto a isso no ha dvidas. Agora, nesses momentos de 79 e 82, acontece, para efeitos dessa nossa conversa e desse tpico (a matriz neoliberal), o fato mais importante, mais importante: quer dizer, em conjunto com essas mudanas geopolticas, monetrias, acontece a chegada ao poder, a vitria, no eixo anglo-saxnico, das idias liberais, conservadoras. E, j a, aparecem traduzidas na forma de um programa de governo, cuja experincia, seguramente mais paradigmtica, mais radical e para todos os efeitos das futuras teses de doutorados, das pessoas que venham a fazer isso com os anos, ser o estudo da Sra. Thatcher. Na Inglaterra onde se fez o experimento mximo de consistente aplicao do receiturio neoliberal completo, no nos EUA. No com o Reagan. Mas, isso foi como um efeito domin. Se vocs se lembram bem, ganhou a Sra. Thatcher na Inglaterra; ganhou o Sr. Reagan nos EUA; logo depois ganhou o Sr. Kohl, na Alemanha; sim,
ganhou o Sr. Mitterrand na Frana, em 81, e experimentou uma poltica do tipo keynesiana; teve que recuar, portanto, entrou tambm. E, quando em 1982, o jovem carismtico e brilhante lder, socialista europeu, Felipe Gonzalez, chegou ao governo da Espanha, j chegou com a cabea devidamente ajustada ao que ele chamava, na poca, de os requerimentos realistas do mundo que ns estvamos vivendo. Isto , chegou com um programa liberal de governo. A partir da, na Europa e nos pases centrais, o que vocs vo ter um processo de difuso crescente. E olhe, eu estou usando a palavra difuso, no dizendo para vocs, em nenhum momento, verbos que soem a imposio ou coisa do gnero; no, no. Uma difuso desse mesmo pacote, dessas mesmas idias neoliberais, sobre as quais j direi trs palavras, essa matriz neoliberal transformada num programa poltico de governo, que vai se difundindo, como ondas ou como domin, at alcanar, enfim, o momento apotetico da derrota do mundo, da imploso do mundo socialista e da invaso, finalmente, das terras, at ento, reticentes s idias liberais e adeso, frentica, das suas elites a esse programa. Essa um pouco a trajetria pela qual, politicamente, alis, foi nesse momento, em que o leste europeu aderiu s teses neoliberais, que Fukuyama, um japons do Departamento de Estado Norte-americano, com uma certa razo, mas, ao mesmo tempo, um quanto vesgo, naquele momento, olhou assim, e disse: verdade, venceram, acabou-se a histria. O que que ele queria dizer com acabou-se a histria? Ele queria dizer que as trs grandes bandeiras ideolgicas em que eram coordenados os conflitos da modernidade, isto , socialismo, nacionalismo e liberalismo, entre esses trs estava declarada a vitria definitiva, cabal, radical do liberalismo, e os outros dois que fossem para casa. Durou muito pouco tempo para que comeassem a aparecer por todos os lados fenmenos dos tipos nacionalistas da pior espcie, mas, nacionalistas, e eis que, aqui, l, acol, alguns intelectuais comeam a tentar ressuscitar o tal de socialismo. Parece que esse bicho dura mais do que a gente possa imaginar. Mas, o Fukuyama, olhando de Washington, disse: a vitria to acachapante que melhor, vou logo tacar um livro sobre o assunto - que fez o maior sucesso. A verdade que vendeu para danar, eu me lembro que fui assisti-lo aqui, no Intercontinental, quando ele passou aqui, e ele, com a mxima sinceridade, disse: eu no sei porque tenho tanto sucesso. Eu escrevi isso a e, de repente, me chamam do mundo inteiro. O que no conseguiu
impedir que eu lembrasse aquela piada em que um japons preparava-se para puxar a descarga da privada ao mesmo tempo em que caiu a bomba atmica e ele ficou pensando que havia sido ele o causador daquele estrago. E eu fiquei achando que o Sr. Fukuyama estava precisando ir a um analista para lhe explicar: olha no foi o seu livro que fez isso, no se preocupe (risos...). Pergunta: o que se prope? Aqui vimos, um pouco, o movimento de ascenso da matriz e como que ela ganha politicamente e como que ela se difunde pelo mundo. Mas, o que que ela difunde? Afinal, que matriz essa? O que prope esse neoliberalismo que chegou to abrupta e vitoriosamente entre ns? Qual a sua novidade, por exemplo? Essa uma boa pergunta, sobretudo para quem estuda os pensamentos polticos. Qual novidade desse neoliberalismo, com relao ao velho liberalismo? Qual h a novidade? Por que "neo"? Bem, antes de chegar ao ponto por que "neo", o que que tem "neo" e o que que tem de velho, eu diria que, do ponto de vista acadmico e terico ou das idias, antes de elas virarem argumentos da Sra. Thatcher, antes disso, a trajetria desse neoliberalismo passou, pelo menos, por quatro etapas. Como estamos aqui no meio de uma conversa para socializar informaes, os que j sabem, lamento, mas vou rapidamente dizer: o que considerado a origem terica desse onda neoliberal um famoso livrinho de um economista austraco, que viveu parte de sua vida nos EUA e que chamou de " O Caminho da Servido", publicando-o em 1944, e que foi, de largada, j uma porrada em tudo que era wellfare state, interveno do estado.Por isso essa obra ficou como referncia quase bblica do movimento neoliberal. Pois bem, nessa primeira etapa, que chamaria de 44 a 60, esse movimento neoliberal no passou de ser, a sim, a sim, de uma pequena maonaria. E que me poupem outros intelectuais, mas, criaram na Sua um movimento chamado MONT PELLERIN, e eles se renem at hoje, todo ano, mas, nessa poca, se reuniam, meio clandestinamente, para falar mau desse negcio keynesiano, social- democrata, que era dominante no mundo. Muito bem, entre 60 e 80, j dava para perceber que as coisas estavam mudando, porque esses homens, eram homens que viviam, mais ou menos, isolados nas suas cavernas, excelentes cavernas , mas, de qualquer maneira (risos...) - o que eu ando pedindo agora que passei a ser solitrio, quase maom - gostaria de ter as cavernas que eles tinham na Sua para analisar, para resistir.
Um dia eu ouvi o Perry Anderson, que um historiador ingls, aqui, em um seminrio sobre neoliberalismo, onde ele disse: H que reconhecer esses homens, que foram resistentes, jamais fizeram concesso nenhuma. verdade, nunca concederam nada, no sei se por inteligncia ou burrice, nunca concederam nada, nada, nenhuma vrgula. Abaixo o wellfare state, no concesses. E depois at brinquei com alguns, as cavernas em que eles estavam so as que eu quereria agora, para ficar resistindo a essa onda neoliberal que est a. Mas, no temos essas condies. Entre 60 e 80 j dava para notar a mudana. A foi quando o neoliberalismo assumiu uma formatao mais cientfica. Em vrias escolas econmicas e polticas adquire status cientifico e comea a tomar as universidades norte-americanas. Entre 60 e 80 eles j ganham uns trs ou quatro prmios Nobel. Isto , j estava, mais ou menos claro que, na academia, o liberalismo estava ganhando a queda de brao com os keynesianos. Pois bem, 80/90, eles chegam ao poder. Eu diria que de 90 para frente eles viram quase santos (risos...). Quais os ideais centrais dessa nova utopia, meus amigos? Eu diria, muito resumidos, as mesmas do velho liberalismo. Os ideais centrais so, exatamente, os mesmos. H variaes na forma de implementao, mas os ideais so os mesmos. Quais so os ideais centrais que definem a utopia liberal desde o sculo XVIII e voltam a definir a utopia neoliberal no final do sculo XX? Primeiro, a despolitizao da economia. Segundo, a desregulao de todos os mercados, em particular os mercados do dinheiro e do trabalho. E, terceiro, por derivao, o mnimo de estado possvel. Sempre foi, sempre foi. Quarto, a idia de igualdade aceita, apenas, como condio, desculpa, como condies iguais para todos, na largada. (risos...). No possvel discutir, cientificamente, o conceito de justia social, no existe esse conceito para os liberais, para os neoliberais. No h como determin-lo, para usar outras palavras. Ento, o que voc pode criar condies iguais, na largada, da para frente, cada cavalo por si. O problema que eles nunca enfrentaram : dado que os cavalos j esto todos a, como que a gente consegue botar eles na largada de novo? (risos...). Isso um problema que eles nunca enfrentaram, mas, deixa pra l.
Pois bem, se isso a to velho quanto o sculo XVII, vocs vejam, para quem no conhece histria econmica, houve uma escola de pensamento econmica, na Frana, no sculo XVII/XVIII chamada "OS FISIOCRATAS". a primeira formulao mais terica da economia, eles tinham uma idia muito clara, eles achavam que a sociedade seria perfeita se tudo fosse mercado. Eles eram muito mais radicais. Eles achavam que a vida toda dos homens se se movesse pelo mercado, ficaria igual natureza e seria o equilbrio universal, mas, a, os fisiocratas diziam: tem um problema que impede que isso acontea. Qual o problema? Chama-se poltica. A poltica. A poltica, coisa que os senhores ouviro, ouviro e ouviro, 300, 400 anos depois. a poltica. Mas, os fisiocratas, que eram meio chegados a analisar, examinando a nossa espcie, chegaram concluso que a poltica no dava para amputar. Que a negada gostava mesmo de poltica. Ento, eles chegaram a uma soluo original. Sculo XVIII: para conseguir que os mercados funcionem, ns precisamos de um tirano esclarecido, porque se ns maximizarmos o poder num tirano esclarecido (esclarecido em que sentido?), que sabe que os mercados que tm que funcionar e que os polticos tm que ser eliminados - menos ele (risos...), menos ele - ento, ns poderemos chegar a uma economia de mercado perfeito. Muitos anos depois, houve pessoas que acharam que o Sr. Pinochet era discpulo dos fisiocratas, mas, enfim... Segunda pergunta: se essas so as coisas no novas, quais so as coisas que essa nova matriz traz de novo? O que que eles trazem de novo? Eu diria, em primeiro lugar que, no sculo XVIII, eles estavam combatendo contra o estado absolutista e, portanto, nesse sentido, na essncia do combate, eles eram pr ou protodemocratas Hoje, o combate dos neoliberais foi muito menos contra o totalitarismo socialista, coisa que eles sempre consideram uma coisa de menor relevncia e j derrotado, e o objeto central de seu combate o estado do bem estar social. outra coisa, quer dizer, se na luta contra o absolutismo, no sculo XVIII, poder-se-ia dizer que eles eram germes democratas, na luta contra o estado do bem estar social, no fim do sculo XX, a gente pode dizer, com todas as letras, que eles so radicalmente antidemocratas. Em segundo lugar, eu acho que a outra grande novidade e que acabou dando um impulso enorme ao neoliberalismo, transformando o neoliberalismo numa coisa quase implacvel, inevitvel, a
linguagem da natureza, foi a combinao, a articulao " virtuosa " que ocorreu nos anos 80, entre a progresso das idias neoliberais, por um lado nos governos, nas polticas, e a progresso, por outro lado, do fenmeno da globalizao. Esse casamento entre idias, polticas e reformas neoliberais e avano da globalizao, fez da globalizao o cavalo que levou as idias neoliberais at o oriente, e fez das idias neoliberais o cavalo que est levando a globalizao aos espaos mundiais que ainda no aplicaram as reformas devidas e requeridas, como disse o Sr. John Williamson. Pois bem, se essa a novidade, como eu vejo a fora poltica deles? Por que adquiriram forca poltica to rapidamente, nos pases centrais, no aqui; aqui tambm, mas, foi um pouquinho depois, na segunda metade dos anos 70? Eu diria que a grande fora poltica deles, na segunda metade dos anos 70, decorreu do fato de que a economia mundial estava em recesso, estava em crise, havia inflao, aumentava o desemprego e aumentava o gasto social do estado, evidentemente, pois se o estado do bem estar social era para gente desempregada, entre outras coisas, ento, tinha que aumentar o gasto. Diagnstico liberal: isso resultado do excesso de democracia, do excesso de estado, do excesso de regulao e do excesso de fora dos organismos sindicais. Enfim, os neoliberais tinham a coragem de dizer que a culpa da crise eram, exatamente, os pilares em que se sustentou o sucesso do wellfare state, nos pases centrais, e j direi, um pouco mais frente, o sucesso muito pouco social democrata do desenvolvimentismo em alguns pases latino-americanos. O que que eles propunham no plano prtico? Propunham no plano prtico, e a pensem na Sra. Thatcher antes que ningum, primeiro, no plano social, restrio dos direitos e das atividades do movimento sindical. Esse foi o primeiro ataque da Sra. Thatcher, muito antes de privatizar. Ateno, privatizao uma coisa muito tardia, no governo da Sra. Thatcher. Agora, a destruio dos sindicatos foi imediata, foi imediata. O direito de greve, o direito de organizao, e por a vai. Em segundo lugar, no plano poltico, a reduo radical da presena estatal na economia e na sociedade, via desregulao, privatizao e abertura comercial. Em terceiro lugar, no plano econmico, o que os economistas chamaram de supply side economy, isto , o que alguns economistas chamam de poltica monetria restrita, poltica fiscal austera, a diminuio da carga fiscal sobre o capital para que o capital possa ficar mais competitivo e a
flexibilizao do mercado de trabalho para que o capital possa contratar o trabalho de maneira mais acorde com as exigncias da competitividade global. Em sntese, do ponto de vista que nos interessa aqui, a poltica concreta do neoliberalismo, quando feita a governos dos pases centrais, passou pela desmontagem do wellfare state, at onde foi possvel, e pela devoluo do trabalho condio de uma mera mercadoria, cujo preo e cujo nvel de ocupao deve ser determinado, segundo os neoliberais, exclusivamente pelo mercado. Uma nova pergunta: quais os resultados mais notrios dessa terapia depois de 15 anos de aplicao? Ateno, ns estamos h quase 20 anos em era neoliberal, porque, s vezes, as pessoas falam como se estivssemos ontem. No, no, no, essas idias e essas polticas neoliberais comandam os principais pases, as principais economias e, a partir de certos rgos, eu diria a direo geral da economia mundial, h uns 15 anos. Quais so os resultados? Qual a avaliao que se pode fazer dessas polticas liberais? Eu diria, primeiramente, que, nesses 15 anos, essas polticas neoliberais geraram um crescimento extremamente medocre, extremamente medocre. Quer dizer, comparado com o perodo de ouro do capitalismo, do keynesiano perverso, intervencionista, distributivista, pouco competitivo, onde cresceram a produtividade, os salrios e a produo muito mais, muito mais; o dobro e o triplo do que cresceram no perodo neoliberal. Nesse perodo, as inflaes foram contidas. Se esse era o objetivo, foram contidas. A inflao est a nvel baixssimo em quase todos os pases da OCDE. Terceiro lugar, se era o objetivo, os gastos sociais foram reduzidos, os gastos sociais pblicos foram reduzidos. Em quarto lugar, se esse era o objetivo, os organismos sindicais perderam imensamente o poder. Em quinto lugar, se era necessrio reduzir os salrios para subir os lucros e diminuir os direitos trabalhistas para diminuir a carga fiscal do capital, tambm foi extraordinariamente bem sucedido. Foi um projeto bem sucedido. Em compensao, esse mesmo projeto, nesses pases, no conseguiu fazer com que a economia voltasse a crescer. A produtividade nunca mais cresceu como anteriormente. Os salrios nunca mais recuperaram a sua participao na riqueza nacional. A riqueza concentrou-se de uma forma nunca dantes vista na histria do capitalismo. Por um lapso de dez anos, a riqueza concentrou-se em regies e por pessoas, por pessoas (outro dia, O Globo publicou que 380 pessoas, no mundo, detm 43% da
riqueza...). Por outro lado, se os gastos sociais caram, os gastos pblicos no caram, mantiveram-se iguais na maioria dos pases centrais, ou aumentaram. O que houve foi uma redefinio do gasto. Isto , aumentou a quantidade de recursos gastos com a dvida financeira e diminuiu a quantidade de gastos com sade, educao,
sei l... Por fim, essa longa era neoliberal nos deixou um desemprego, mdio, de 11% da populao, 33 milhes de desempregados na OCDE. E, s no pas que foi, um pouco, a menina dos olhos da dcada passada, na Espanha do senhor Gonzalez, o desemprego da populao adulta estava em 24% e da populao jovem at 20 anos estava em 34%. E isso porque adotou-se os contratos de trabalhos flexveis, modernos. "Flexveis", vocs sabem como que : trabalha hoje noite, amanh no trabalha, uma semana, tchau, passar bem, aparece outro dia. E o desemprego aumenta e s aumenta. Pois bem, terceiro tpico: como que isso chegou na Amrica Latina e que efeito tm essas polticas neoliberais na Amrica Latina? Eu diria que, se, tambm, fizssemos um flashback factual e das idias, esse quadro internacional de ruptura da ordem mundial, em 73, e, depois, de recomposio conservadora, em 89, nos atinge, evidentemente que nos atinge. Atinge como? Atinge, primeiro, em 73, liquidando, de vez, com vrias pretenses desenvolvimentistas e outras do socialismo democrtico. dali, daquele momento, que dois pases latino-americanos aderem, de imediato, ao programa neoliberal. Nesse sentido, h que se dizer em homenagem Amrica Latina: em alguma coisa foi precursora, em inventar o tirano de mercado. O Chile virou neoliberal muito antes do Consenso de Washington. De certa maneira, se poderia dizer que o Consenso de Washington, que o senhor John Williamson escreveu, estava copiando, um pouco, o modelo do Chile. E nisso ele sincero; quando eu digo que essas idias so dominantes aqui, em Washington, eu no digo que elas foram produzidas em Washington, podem ser produzidas por intelectuais, sei l o que, de outras praas, de outras praas. O Chile, nisso, tem um aporte decisivo como laboratrio de experimentao. A Argentina tambm entrou a, nesse momento, em particular em 77/78, e parte para um projeto enlouquecido, de liberalizao ao trnsito, da noite para o dia, dos mercados financeiros, cambiais e, com isso, provocou uma carga descomunal.
Mas, o que eu queria chamar mais ateno para o fato de que assim como a era 50/73 ou se vocs quiserem 50/79 foi a era dos pases centrais, a era de ouro, a era do wellfare, sucedida, pelas razes que tentamos sugerir, ainda que de forma embrionria, por esse novo modelo neoliberal, aqui embaixo, nos trpicos, essa era de sucesso correspondeu ao que se chamaria, usando, de maneira bastante flexvel a palavra, a era do desenvolvimentismo. Quer dizer, eles fizeram o wellfare; ns, no todos, no todos, nem sempre, tentamos a trajetria desenvolvimentista. Os que se mantiveram at mais tarde, at entrar nos anos 80, foram o Mxico e o Brasil, at porque o Chile e a Argentina j tinham desembarcado antes, na crise dos anos 60/70, do modelo de substituio de importaes. Ento, o que aconteceu na virada de 80 quando ns, aparentemente, a quando digo ns, j estou falando de brasileiros, ns navegvamos com o endividamento externo, naquele momento, ns j estvamos com as nossa finanas internacionalizadas, levamos o impacto de 79/82. Como que esse impacto de 79/82 acaba de matar o desenvolvimentismo latino-americano? No primeiro momento, por meio de quatro choques, quatro choques; e s ns tivemos, os asiticos no tiveram. Sim, o do preo do petrleo, todo mundo teve. Sim, o das altas taxas de juros norte-americanos, que, depois, se generalizaram e chutaram nossa dvida l para cima. Todo mundo teve. Sim, a queda dos preos das nossas commodities, no mercado internacional, porque a poltica americana gerou uma recesso mundial e os nossos preos foram para baixo na hora em que nossa dvida ia para cima. Mas, tem um 4o choque que a sia no sofreu e j antecipa qualquer pergunta posterior: por que que a sia no seguiu a mesma trajetria nossa? J comea por a, que foi o afastamento do sistema financeiro internacional, durante uma dcada, para uma economia como a nossa, que tinha os financiamentos das suas atividades internas e, cada vez mais, o prprio estado, internacionalizados. E isso nos foi cortado. Isso foi cortado no momento da moratria do Mxico, em 1982. Isso no aconteceu com a Coria, no aconteceu com os tigres asiticos. O Japo teve uma outra conduo na dvida dos asiticos, Muito bem, esse afastamento do sistema financeiro internacional, no meu entender, rigorosamente, a causa principal pela qual ns fomos jogados na chamada dcada perdida, da estagnao, da recesso, de mil planos de estabilizao e, tambm, evidentemente, uma dcada no perdida pelo processo da redemocratizao.
Pergunta: nesse contexto de crise dos anos 80, como foi que esse programa de polticas e reformas neoliberais chegou e venceu, tambm, na Amrica Latina? A partir de 82 - estou chegando ao final - (risos...) e sobretudo a partir de 85, praticamente, o eixo central da poltica econmica latino-americana, sobretudo nos pases que j no haviam naufragado, passa a girar em torno da renegociao da dvida externa, pela razo que lhes havia dito, ela era decisiva para o financiamento da nossa dvida econmica interna, privada e pblica. No dava, o modelo que ns tnhamos montado era um modelo incapaz de viver sem financiamento externo, portanto, a suspenso, privada, discreta, " no politicamente decidida ", do financiamento externo, teve um efeito sobre ns, diria eu, quase anlogo ao bloqueio comercial contra Cuba. Ns fomos bloqueados pelo lado que mais nos podia matar, que era o do financiamento. No caso brasileiro, ficamos bloqueados de 82 at quando o senhor Malan, finalmente, fechou o acordo da dvida externa, que eu acho que foi em 92 ou 93; uma dcada, exatamente. Pois bem, nesse perodo, o fru-fru da democratizao chamava a ateno dos nossos olhos; em particular das pessoas que haviam vivido o autoritarismo ou tinham estado contra o autoritarismo, me incluo entre essas pessoas, pela questo democrtica. Evidentemente que os avanos e retrocessos da democratizao quase que ocupavam a cena inteira da poltica-espetculo, mas, por baixo do pano, o que, realmente, estava contando sobre a viabilizao de retomada do velho modelo desenvolvimentista ou de mudana, do velho modelo desenvolvimentista, era a volta ao financiamento internacional. Pequeno detalhe; na negociao da volta ao sistema financeiro internacional que comea a aparecer, sobretudo a partir de 1985/1989, um novo pacote de condicionalidades, isto , essas grandes agncias internacionais emprestadoras sempre emprestaram mediante condiconalidades. Isto , eles diziam assim: eu dou tanto para o senhor fazer o seu sistema eltrico (na poca em que o BIRD era desenvolvimentista), eu financio seu sistema de construo de energia eltrica, mas, em compensao, eu quero saber qual vai ser o preo da tarifa, como que vai equilibrar o oramento, quem que o senhor vai subsidiar, enfim, condicionalidades. Eu quero saber como que est sua conta externa, como que esto suas reservas, essas coisas assim. A novidade do ps 85/86 que surge sobre a mesa um pacote de condicionalidades um pouco mais frondoso do que era antes.
J no era mais a exigncia de equilbrio fiscal, austeridade monetria, no. Sim equilbrio fiscal, austeridade monetria, estabilizao monetria, mas, vocs no conseguiro fazer isso se vocs no se desfizerem completamente do modelo anterior. E, portanto, voltamos s reformas polticas institucionais, das quais nos falava naquele seu modesto paper o Sr. John Williamson, nada mais do que isso, nada mais do que isso. No h possibilidade de os senhores voltarem ao sistema financeiro internacional e no h possibilidade de os senhores voltarem a querer crescer se os senhores insistirem com esse modelo desenvolvimentista, com o estado imperativo, com a economia fechada, com mercados de trabalho regulados, com os mercados financeiros regulados, no d, no d. Para que os senhores voltem ao sistema financeiro internacional as condies so: desregulao, privatizao, abertura comercial, desmontagem do estado desenvolvimentista. Como vocs podem perceber, guardadas as devidas propores, aquele mesmo diagnstico que os liberais faziam sobre o wellfare state, recessivo, interventor, regulador, gastador, reaparece em pases que nunca tiveram wellfare state ou tiveram wellfare state tremendamente vagabundos, mas, a, o problema no esse, seguem dizendo: recessivo, interventor, gastador, porm, em atividades econmicas produtivas. Quer dizer, fez-se um ajuste, os intelectuais servem para isso, todos ns. Alguns resistem, mas, fizeram uma reciclagem no discurso liberal, para facilitar, (no bem assim?) o da Sra. Thatcher, s porque ela uma boa cabea para dizer as coisas como so. Ela fez uma retraduo disso para um continente cheio de misrias, sem o wellfare state, sem gastos sociais, muito poucos gastos sociais, mas, a que o gol entra por outra janela: vocs so gastadores; estufaram de gastos em Petrobras, em Vale do Rio Doce, nessas empresas, excesso de presena produtiva do estado e no excesso de presena protetora. Pois bem, isso j a segunda metade dos anos oitenta, incio dos anos 90, nesse perodo que a Argentina acerta a renegociao da sua dvida, o Mxico acerta a renegociao da sua dvida e ns, brasileiros, acertamos a renegociao da nossa dvida e temos a honra de receber ingresso para voltar ao sistema financeiro internacional, apenas, numa exata hora em que o sistema financeiro internacional estava em uma exploso da bolha financeira, a chamada financeirizao capitalista ou globalizao financeira. Quer dizer, entramos por uma porta na expectativa de encontrarmos investimentos produtivos que nos reconduzissem ao sucesso, ao crescimento e o que ns encontramos foram capitais
"sobrantes" e, absolutamente entusiasmados com as nossas taxas de juros, com as nossas vantagens em termos de investimento, de portfolio, enfim, uma maravilha. Foi um feliz casamento. Ns resolvemos o nosso problema e voltamos ao sistema financeiro internacional; quando entramos nos bancos percebemos que nem eram os bancos que mandavam mais. Quem mandava no sistema financeiro internacional no eram os bancos, era outra coisa. Negociamos dez anos com os bancos e quando conseguimos entrar na porta era outra coisa, era outro negcio. Eram fundos de seguros, fundos de penso, outros tipos de agentes financeiros que jogavam o jogo financeiro internacional. Paralelo a isso, eu diria que, nessa virada dos 80/90, duas coisas acontecem: essas condicionalidades externas perdem a cara de imposio, na medida em que vrias foras polticas latino-americanas, de todos os matizes ideolgicos e de todos os partidos vo se convencendo de que o nico caminho para a Amrica Latina passa mesmo pela destruio do modelo desenvolvimentista e pela construo desse novo negcio. Ento, as foras internas desses pases comeam a fazer coalizes e mesmo que digam alguma coisa em eleies acabam ganhando e acabam aplicando o mesmo programa do Dr. Williamson. Que no dele. E a segunda coisa importante, que passa nessa virada, que, no contexto desse retorno ao sistema financeiro internacional, e pela porta financeira, viabiliza-se essa nova gerao de planos de estabilizao argentino, mexicano e brasileiro e que causaram tamanho entusiasmo na sua primeira hora; porque parecia que estabilizava, crescia, o povo comia feijo. No, no Brasil, acho que era galinha, at outro dia, e a classe media podia ter os carros que gosta, em geral. E era festa, parecia que era festa. Foi o momento em que algumas pessoas olhando para esse continente pensaram: acho que de fora difcil, mas aqui de dentro sim, os latino-americanos tinham virado gnios, tinham descoberto o segredo e quebrado o crculo quadrado da estabilizao, do crescimento, do consumo e consumo para todos. Pois bem, a histria recente, os senhores todos sabem, isso acontece com o Salinas. No Mxico, o plano j tinha comeado, mas, o Salinas quem implementa, rigorosamente, essa nova insero, essa insero passiva, e o faz de maneira to brilhante que o Mxico foi conduzido a membro da OCDE - Organizao de Cooperao e Desenvolvimento Econmico, isto , o organismo internacional que rene as potncias mais ricas, clube exclusivo dos pases do primeiro mundo.
Ento, para aquela turma que discute credibilidade etc, o Mxico um verdadeiro espetculo de credibilidade, pois foi aceito no OCDE, foi aceito na NAFTA, o seu ministro da fazenda era candidato a prmio Nobel de economia e o seu Presidente da Repblica, o Salinas, hoje, desaparecido, era candidato a membro da Organizao Mundial do Comrcio. Ento, em matria de credibilidade, se eu fosse uma pobre viuvinha sua e dissesse: onde que eu boto meu dinheiro? No Mxico, com essa quantidade de luminares e com os Estados Unidos ali atrs, boto no Mxico, boto no Mxico. Depois da crise mexicana, quando ficou absolutamente bvio, alguns vinham dizendo, mas, sempre fomos taxados de catastrofistas, que esse modelo no andava, que no era possvel crescer por esse modelo, que ia bater na balana comercial, nessas questes economicistas, ou na questo fiscal, como de fato est batendo. Mas foi no Mxico, como havia muito dinheiro envolvido, que os intelectuais do mundo inteiro foram obrigados a sair com mangueiras, pelo mundo, dizendo que nada daquilo tinha importncia, que, no fundo, nessas horas, queima-se o mais fraco, era culpa da m conduo do Sr. Salinas, do seu ministro candidato ao Nobel e de toda aquela turma que estava j com a fita no pescoo e o pessoal j estava querendo apertar as fitas nos pescoos deles. Eu acho que, a partir da, a gente podia dizer trs palavras finais sobre as incertezas que esto na frente desse modelo neoliberal, que est na Amrica Latina. Eu, por exemplo, cunharia trs ou quatro, mais do que isso seria acabar com a pacincia de vocs e a minha resistncia. A primeira grande incerteza que eu diria, depois de ouvir entrevistas de autoridades daqueles centros de "pensao" de Washington, do circuito de poder de Washington, que, na verdade, deixa os alunos deles aqui desesperados, mas, que, na verdade, ou os caras esto querendo tirar o deles da reta como prestgio, porque como investimento imagino que j retiraram, mas o que eles disseram muito simples: esse negcio no anda sem crescimento. to simples quanto isso. No anda. Essa estabilidade no se sustenta mais trs, quatro anos, mas, isso uma questo de o investidor saber o tempo de saltar fora, o problema de viabilidade, de consistncia lgica. O que eles disseram foi que no tem consistncia, inconsistente. bvio que eles deram uma sada: deve-se mexer no cmbio. Ao que todos os nossos discpulos daqueles institutos de "pensao" (afinal, estudaram neles), responderam: no se pode mexer no cmbio de uma economia que tem uma tradio de auto-regulao e no momento que voc disser "oba!" - todo mundo some.
No quero dizer que um ou outro esteja com a razo. O que posso dizer que esse modelo um crculo quadrado. No h crescimento nessa estabilizao. Pode haver espasmdicos, como no Brasil j foi promovido, como houve no incio na Argentina e no Mxico, como poder ser promovido no ano que vem. Voc pode, sim, usar as reservas e induzir um crescimento no consistente para atender vrios motivos, principalmente eleitorais. Em segundo lugar, estamos obrigados, no plano econmico, tambm, a perceber o processo acelerado de desindustrializao que a Argentina j sofreu, o Chile j viveu, porm, no nosso caso, a estrutura industrial resistiu mais tempo. onde vem o desemprego. E a idia de que voc vai conseguir emprego requalificando mo de obra uma tremenda balela. E isso tende a aumentar, a menos que o pas volte a crescer. No plano social, o que se observa depois dessa dcada de polticas neoliberais como na Europa: crescimento do desemprego e aumento da concentrao da renda. Em todo lugar, o modelo tem o mesmo efeito. Nesse sentido consistente o modelo. E, no plano poltico, eu diria que tem duas coisas complicadas pela frente, na continuao desse modelo e eu suponho que continuar; as nossas elites querem, os pases dominantes querem, portanto, suponho que continuar. Primeiro, como resistir mais tempo paralisia crescente do estado em todos os seus nveis federativos. Os governos esto cada vez mais paralisados pelas suas dvidas. Os governos dos estados brasileiros e creio que dos argentinos, h j algum tempo idem, esto cada vez mais paralisados pelas suas dvidas, ainda no tiveram a ousadia, as provncias argentinas, de criar moeda provincial prpria e esto alinhados na estratgia de que precisamos de equilbrio fiscal. Eu escrevi, em algum momento, um artigo na Folha de So Paulo, onde eu dizia, os moderados querem o equilbrio fiscal. Quando ns alcanarmos esse equilbrio fiscal, com perdo da pssima figura literria, enfim, no ser mais necessrio porque os contribuintes j morreram. Segunda questo que eu vejo com enorme preocupao, no horizonte desse final de milnio, na trajetria das polticas neoliberais na Amrica Latina, , e vejo isso escrito em vrios lugares, h alguns anos, s que agora a coisa est ficando mais visvel, uma indiscutvel lgica autoritria implcita, no projeto. No que os seus lderes sejam autoritrios. Espero que no. No boto a mo no fogo pelo Sr. Fujimori, mas, os outros, enfim, gostaro de se reeleger trs vezes. O Sr. Fujimori j conseguiu. O
nosso, aqui, vai para a segunda. O argentino j foi para a segunda. E se o Sr. Fujimori j foi trs vezes e se os demais seguirem o seu exemplo, logo, logo, eles tero ficado mais tempo no poder que os militares. E, de repente, essa triste, se no fosse to dramtica, percepo: como se a Amrica Latina no pudesse ser democrtica; inventa formas, esvazia a poltica. Foi o que eu disse a uma entrevista Veja: os presidentes no precisam mais ser derrubados, j foram esterilizados. Diante disso, uma pergunta final e um comentrio final: Pergunta final: o que dizem os neoliberais frente a esses efeitos negativos das suas polticas, a esses resultados no muito positivos das suas polticas? A nvel internacional e a nvel nacional o que eu consigo ler das principais cabeas, que tentam pensar e racionalizar esse projeto, a resposta sempre a mesma: aprofundar e aprofundar. Ento, comum alguns editorialistas de jornais escreverem: h que ser fundamentalistas seno, no teremos estabilizao e h que avanar e avanar. Recentemente, um representante das instituies financeiras internacionais, em reunio realizada no Brasil, disse: h que se alcanar o equilbrio fiscal a qualquer custo e os representantes do governo neoliberal brasileiro, prontamente, responderam: estamos batalhando, tentando; estamos tentando vender as estatais, estamos tentando subir a carga fiscal. Ao que o representante das instituies internacionais respondeu: "vender estatais no resolve e subir a carga fiscal os senhores no podem, porque diminui a competitividade da sua economia. Os senhores tm de seguir cortando e cortando e cortando gastos". Eu no sei de onde os senhores so, eu sou de uma universidade, freqento uma universidade onde nada mais funciona, nem as luzes, nem as lmpadas; se seguirmos essa linha, nem o sistema de sade funciona e chegamos quela idia: teremos, um dia, o equilbrio fiscal. No meu comentrio final, eu diria, mais ou menos, assim: se no parece haver dvidas, numa considerao muito ampla, dos acontecimentos, de que essa era neoliberal tem sido desenvolvida, em todo o mundo, como a era de indiscutvel vingana pelo mercado do capital contra o trabalho, no mundo desenvolvido, e eu no sei se isso ter retorno, se a histria cclica e voltaremos de novo a uma revitalizao do trabalho, no sei, porque a verdade que, olhando em perspectiva, a era de ouro keynesiana, social-democrata, com relao aos trezentos anos de capitalismo, rigorosamente excepcional.
Isso que ns estamos vivendo, agora, muito parecido com o capitalismo que o Marx escreveu. uma sensao assim: bom, o Sr. Marx perdeu como estrategista do socialismo mas, parece que vem ganhando pontos, a cada dia e a cada hora, como terico do capitalismo. Por outro lado, eu pergunto: se isso, no mundo do capitalismo, pode ser entendido como uma vingana, definitiva ou passageira, do capital sobre o trabalho, contra o trabalho, o que se pode esperar, meus amigos, no final dessa vingana do capital contra o trabalho, num continente como esse, latino-americano, onde, h muito e muito tempo, o trabalho nunca teve vez, nem voz? Obrigado. Voltar